SÍNDROME DE PANDORA: ANÁLISE DO EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISEADRENAL E ESTRATÉGIAS DE ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL.

PANDORA SYNDROME: ANALYSIS OF THE HYPOTHALAMIC-PITUITARYADRENAL AXIS AND ENVIRONMENTAL ENRICHMENT STRATEGIES.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411232253


Bruna Leite Oliveira Silva;
Orientador: Profº Diego De Mattos.


RESUMO

A cistite idiopática dos felinos, também conhecida como síndrome de Pandora, trata-se de uma alteração crônica que afeta não apenas o trato urinário inferior dos felinos, mas também aspectos endócrinos e psicológicos. A causa ainda não está totalmente elucidada; porém, existem estudos que comprovam a existência de fatores predisponentes, como genética, obesidade, manejo ambiental, manejo nutricional e estresse, sendo este o principal deles. O presente estudo apresenta uma revisão da literatura sobre a importância do manejo eficaz na rotina e na expectativa de vida dos felinos e o papel do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal associado ao estresse. A estimulação crônica desse eixo pode levar a alterações hormonais que afetam diretamente a bexiga urinária e contribuem para a cistite idiopática. A síndrome pode ser recidivante e crônica, e sua patogenia ainda não está totalmente elucidada. No entanto, com tratamento adequado, muitos felinos podem viver uma vida confortável e de boa qualidade. Portanto, a compreensão e o manejo eficaz da cistite idiopática, bem como o controle dos sinais clínicos, contribuirão significativamente para a evolução do entendimento da doença e, consequentemente, para o bem-estar dos felinos acometidos por esta síndrome.

Palavra-chaves:Urinário; Bem-estar; Manejo; Felinos; Estresse.  

SUMMARY

Feline idiopathic cystitis, also known as Pandora Syndrome, is a chronic condition that affects not only the lower urinary tract of cats but also endocrine and psychological aspects. The exact cause is not yet fully understood; however, studies have shown that there are predisposing factors such as genetics, obesity, environmental management, nutritional management, and stress, with stress being the primary factor. This study presents a literature review on the importance of effective management in the routine and life expectancy of cats and the role of the hypothalamic-pituitary-adrenal axis in relation to stress. Chronic stimulation of this axis can lead to hormonal changes that directly affect the urinary bladder and contribute to idiopathic cystitis. The syndrome can be recurrent and chronic, and its pathogenesis is not yet fully elucidated. However, with appropriate treatment, many cats can lead a comfortable and highquality life. Therefore, understanding and effectively managing idiopathic cystitis, as well as controlling clinical signs, will significantly contribute to the advancement of knowledge about the disease and, consequently, to the well-being of cats affected by this syndrome.

Keywords: Urinary; Well-being; Management; Cats; Stress.

1. INTRODUÇÃO

A cistite idiopática felina (CIF), popularmente conhecida como síndrome de Pandora, é um processo inflamatório estéril e crônico. Ou seja, o animal apresenta sinais clínicos da doença do trato urinário inferior dos felinos (DTUIF), porém sem a presença de um agente patológico específico. Trata-se de um conjunto de desordens psiconeuroendócrinas que não possui uma causa específica (KURUM, H.; YALCIN, Ebru. 2023).

A importância da compreensão dessa afecção não está relacionada apenas à dor ou desconforto do paciente, mas também está intimamente ligada a casos de abandono. É fato que grande parte dos felinos com síndrome de Pandora não diagnosticada são enviados para abrigos com a justificativa de alterações comportamentais, como estresse e micção em locais inapropriados. O diagnóstico e tratamento corretos dessa doença podem proporcionar uma melhor qualidade de vida e bem-estar não apenas para o animal, mas também para toda a família (PATRONEK G et al., 1996).

Acredita-se que fatores de estresse estão altamente relacionados ao desenvolvimento dessa síndrome. Gatos com cistite idiopática felina apresentam estimulação da atividade de estresse; ou seja, a dor ou fatores externos podem ativar o mecanismo de “luta ou fuga” através do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, resultando na liberação de catecolaminas (PEREIRA, 2011).

A tirosina hidroxilase (TH) é uma enzima dependente da síntese de catecolaminas que é produzida em resposta a estresse crônico ou agudo. A estimulação prolongada dessas catecolaminas pode aumentar a permeabilidade epitelial, tornando possível que agentes nocivos presentes na urina entrem em contato com a mucosa, causando dor, inflamação e, consequentemente, sinais clínicos da doença do trato urinário inferior dos felinos (DTUIF) (BUFFINGTON C.A. et al., 1994).

O enriquecimento ambiental e estratégias para diminuir o estresse felino são as primeiras recomendações para o tratamento de felinos com CIF. Esse manejo tem como objetivo promover o bem-estar físico e psicológico dos felinos domesticados. Essas modificações incluem desde a orientação aos tutores, o manejo nutricional até mudanças no ambiente em que o animal está confinado (PEIXOTO et al., 2019).

2. METODOLOGIA

A metodologia utilizada para desenvolver este trabalho foi a revisão de literatura do tipo narrativa, na qual foi realizado um levantamento de dados de artigos, relatos de casos, revisões de literatura e livros publicados sobre o assunto em questão nos últimos 11 anos. Os meios eletrônicos mais consultados para a coleta de dados foram Pubmed, Pubvet, Scielo, Google Acadêmico, ScienceDirect, entre outros. 

As palavras-chave, em inglês e português, foram: cistite idiopática felina, estresse em felinos, vesícula urinária, cat friendly, tratamento multimodal felinos, eixo hipotálamohipófise-adrenal, síndrome de Pandora, enriquecimento ambiental e medicina felina. Foram reunidas mais de trinta obras publicadas para o desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso.

3. ANATOMIA 

3.1. Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal

O diencéfalo pode ser visto apenas na face ventral do encéfalo e é subdividido em quatro regiões: o epitálamo, tálamo, metatálamo e hipotálamo. O hipotálamo é uma pequena região do diencéfalo responsável pela comunicação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino. Ele controla a hipófise (glândula pituitária) e desempenha um papel fundamental no comportamento, na alimentação, na regulação da temperatura corpórea e no sistema nervoso autônomo (KONIG et al., 2016).

O hipotálamo é o principal centro de interação do SNA e está anatomicamente localizado adjacente ao tálamo e à glândula pituitária. Ele forma as partes laterais e inferiores do terceiro ventrículo. Esta área pode ser vista na superfície externa, entre a região pré-óptica e os pedúnculos cerebrais (KONIG et al., 2016).

A hipófise ou também conhecida como glândula hipofisária ou pituitária, tem função reguladora é de extrama importãncia para todo o sistema endócrino por isso é chamada de

“glândula mestre”. A hipófise pode ser dividida em duas regiões: a neuro-hipófise que armazena e libera hormônios produzidos pelas células neurossecretoras do hipotálamo e a adeno-hipófise que recebe neurossecreções do hipotálamo através dos vasos portais hipofisários. Está localizada suspensa abaixo do hipotálamo, na fossa hipofisal do osso basisfenoide entre o quiasma óptico e o corpo papilar. (KONIG et al., 2016).

Figura 1. Hipófise de um equino e estruturas vizinhas (secção paramediana).
FONTE: Livro Anatomia dos animais domésticos 6ª edição, 2016.

As glândulas adrenais estão localizadas craniomedialmente aos rins e são compostas por dois tecidos endócrinos com estruturas e funcionalidades distintas. O córtex é a região externa, onde o tecido possui uma coloração mais clara e tem origem nas células mesenquimatosas do mesoderma. Sua função é regulada pelo hormônio adrenocorticotrófico produzido na adenohipófise (ACTH). A medula é a região de coloração mais intensa e tem origem no ectoderma. Ela produz os neurotransmissores adrenalina, que estimula o sistema nervoso simpático (SNS), e noradrenalina, que influencia a pressão sanguínea, coordenando o corpo para reagir ao estresse agudo juntamente com o sistema nervoso autônomo (SNA). As glândulas adrenais, em sua maioria, possuem formatos irregulares e variam de acordo com a espécie do animal (KONIG et al., 2016).

Figura 2. Topografia das glândulas suprarrenais, rins, veia cava e intestino de um cão.
FONTE: Livro Anatomia dos animais domésticos 6ª edição, 2016.

3.2. Sistema urinário

O sistema urinário é composto por dois rins, dois ureteres, uma vesícula urinária e uma uretra, os rins são órgãos pares localizados retroperitonealmente, próximos à parede abdominal dorsal, um de cada lado da coluna vertebral. Embora estejam principalmente na região lombar, eles se estendem sob as últimas costelas até a parte superior do abdômen (KONIG et al., 2016).

Além de produzir urina, os rins contribuem para a homeostasia do corpo, a excreção de resíduos metabólicos, a regulação da composição e do volume do líquido extracelular, e a produção de hormônios. Outras funções incluem a conversão final da vitamina D para sua forma ativa e a síntese de prostaglandinas (GOMES, 2020)

O ureter é um tubo muscular localizado na parte inferior do espaço retroperitoneal, ao longo da parede dorsal do corpo. Ele se divide em uma parte abdominal e uma pélvica. Ao chegar na cavidade pélvica, o ureter se direciona medialmente, entrando no ligamento largo do .útero nas fêmeas e no mesoducto deferente nos machos. O ureter termina na parte dorsolateral da bexiga urinária, dentro do ligamento lateral (KONIG et al., 2016).

A vesícula urinária é um órgão musculoso e oco, cuja forma e tamanho variam de acordo com a quantidade de urina. Quando contraída, é pequena e globular, situada sobre os ossos púbicos, mas se estende para o abdômen em carnívoros, enquanto em animais de grande porte, permanece na cavidade pélvica. Ela se divide em três partes: ápice cranial, corpo intermediário e colo caudal, que se conecta à uretra. A vesícula é sustentada por camadas duplas de peritônio e revestida por um epitélio de transição. Sua mucosa apresenta pregas irregulares quando vazias, que desaparecem ao se distender, exceto por duas pregas que formam a crista uretral. A distribuição sanguínea da vesícula é principalmente fornecida pelas artérias vesicais caudais, ramificações das artérias vaginais ou prostáticas, com contribuições das artérias umbilicais reduzidas (KONIG et al., 2016).

Figura 3. Representação esquemática do interior da vesícula urinária de um cão, vista ventral esquerda, interseção ureterovesical direita.
FONTE: Livro Anatomia dos animais domésticos 6ª edição, 2016.

Nos gatos, a vesícula urinária está completamente localizada na cavidade abdominal, o que faz com que a uretra seja mais longa. A uretra é a continuação caudal do colo da bexiga urinária e tem a função de regular a saída da urina. Em comparação, os machos apresentam uma uretra mais longa e com diâmetro menor do que as fêmeas, o que os torna mais suscetíveis a obstruções urinárias. A uretra dos machos também sofre um estreitamento progressivo: ela começa na vesicouretral com um diâmetro de 2,4 mm e termina na uretra peniana com um diâmetro de 0,7 mm (SIQUEIRA, et al., 2023).

Na fêmea, a uretra transporta apenas urina, enquanto no macho, ela canaliza urina, sêmen e secreções seminais. A uretra feminina é projetada caudalmente no assoalho pélvico, passando pela parede da vagina e se abrindo entre a vagina e o vestíbulo. O comprimento e diâmetro da uretra variam bastante entre os mamíferos domésticos. A uretra masculina vai da abertura interna no colo da vesícula urinária até a extremidade do pênis, sendo dividida em três partes: pélvica (que inclui a parte pré-prostática, prostática e peniana). A parte pélvica começa na abertura interna e se estende até o colo seminal, um alargamento na crista uretral, onde há aberturas dos ductos deferentes (KONIG et al., 2016).

4. EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-ADRENAL ASSOCIADO AO ESTRESSE

Algumas experiências intensas ou estressantes como as vividas em cativeiro podem desencadear fatores neurobiológicos complexos, que ao se tornarem crônico podem resultar em consequências físicas e emocionais.  (DURHAN, 2003).

A constante estimulação de agentes estressores podem causar uma ameaça na homeostase desenvolvendo diversas sindromes, como a cistite idiopática felina citada no presente estudo (PEREIRA, 2011).

Segundo Fowler o estresse pode ser definido como um processo fisiológico, neuroendócrino, pelo qual passam os seres vivos quando enfrentam alguma mudança ambiental. As principais alterações comportamentais incluem aumento da agressividade e tendência ao isolamento. Animais cronicamente estressados podem apresentar reação exagerada do sistema nervoso simpático e elevação de pressão arterial, diminuição de insulina, aumento do risco de diabetes, predisposição a úlceras estomacais e duodenais, desequilíbrio do sistema imunológico, entre outros (CUNHA, 2020).   

A situação de estresse causa um desequilíbrio no organismo, sinalizando o SNC, onde a informação é processada e transmitida para as áreas periféricas do corpo. O estresse estimula o SNS, que ativa o mecanismo de “luta ou fuga”, preparando o organismo para lidar com uma situação de perigo. Há alterações na frequência cardíaca para aumentar a distribuição sanguínea pelo corpo, aumento da frequência respiratória para disponibilizar mais oxigênio para os tecidos e liberação de glicose pelo fígado, visando aumentar a disponibilidade energética, entre outros recursos utilizados para esse momento de alerta. Quando a fase de alerta passa, o organismo deve retornar progressivamente ao seu estado normal (ORSINI et al., 2006).

A TH é uma enzima dependente da produção de catecolaminas. Seu aumento pode ser detectado por meio de exames laboratoriais e geralmente ocorre como resultado de altos níveis de estresse, seja agudo ou crônico. Gatos com CIF apresentam esse aumento na atividade da TH e na liberação de catecolaminas no hipotálamo, em comparação com outros gatos hígidos (LITTLE, 2015).

A estimulação crônica do agente estressor gera uma resposta hipotalâmica liberando o CRH que ativa a adeno-hipófise para liberar ACTH que por sua vez estimula as glândulas adrenais a produzir e liberar cortisol na circulação. Após esta reação fisiológica do organismo devido aos fatores de estresse o corpo precisa retornar ao equilíbrio, ou seja, deverá ocorrer o feedback negativo onde o excesso de glicocorticoides liberados durante o estresse sinalizam para que ocorra a diminuição da produção de CRH no hipotálamo e de ACTH na hipófise (ORSINI et al., 2006).

Se houver alguma falha e o eixo HHA ficar sobrecarregado, sem que o organismo realize o feedback negativo, o sistema pode entrar em um período de estresse prolongado ou crônico, resultando em um desequilíbrio na homeostase do organismo (ORSINI et al., 2006).

Em indivíduos saudáveis, a noradrenalina é controlada pelo cortisol. No entanto, em felinos com a Síndrome de Pandora, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal não se ativa especificamente em relação ao sistema nervoso simpático. Isso resulta em uma coordenação insuficiente de cortisol, que não consegue regular a noradrenalina. Como consequência, os níveis desses hormônios permanecem mais altos do que o normal, com secreções muito mais intensas e prolongadas durante os episódios de estresse (DEL BARRIO; MAZZIERO, 2020).

A estimulação crônica do SNS pode aumentar a permeabilidade epitelial na bexiga, permitindo que patógenos presentes na urina entrem em contato direto com os neurônios aferentes sensoriais. Esses neurônios liberam substâncias, como a substância P, que pode causar a dilatação dos vasos sanguíneos, aumentando a permeabilidade e permitindo que substâncias escapem para os tecidos, resultando em dor e inflamação. Estudos mostram que gatos com CIF apresentam lesões e permeabilidade da bexiga significativamente maiores em comparação com gatos que não possuem a síndrome (LITTLE, 2015).

5. CISTITE IDIOPÁTICA FELINA

A cistite idiopática felina, conhecida popularmente como Síndrome de Pandora, tem esse nome devido à história da mitologia grega. Na mitologia, “a caixa de Pandora” continha todos os males do mundo e foi confiada a Pandora sob a condição de que nunca deveria ser aberta. A cistite idiopática felina foi associada a essa história porque, assim como a caixa de Pandora, representa uma condição complexa que pode desencadear uma série de problemas, não apenas fisiológicos, mas também comportamentais (TEIXEIRA et al., 2019).

A CIF é uma inflamação crônica que afeta o trato urinário dos felinos, e sua causa exata ainda não é bem entendida, o que torna o tratamento difícil para veterinários e tutores. Na clínica de pequenos a CIF é o diagósico mais comum em gatos jovens com DTUIF, sendo a segunda causa mais frequente a urolitíase. (LITTLE, 2015).

Esta síndrome que afeta geralmente gatos domiciliados não tem predisposição de raça ou sexo, mas machos castrados estão em maior risco do que fêmeas não castradas. Além disso, ela costuma afetar gatos com a média de idade entre quatro e sete anos (DOWERS, 2009).

Gatos geralmente apresentam uma combinação de sinais clínicos relacionados ao trato urinário inferior, que são inespecíficos e podem ser causados por uma variedade de problemas nessa região anatômica. Diante desse quadro clínico, é necessário considerar diversos diagnósticos diferenciais, incluindo: cistite idiopática felina (CIF), urolitíase, tampões uretrais, infecção do trato urinário, neoplasias, anomalias anatômicas, traumatismos do trato urinário inferior, doenças comportamentais, neurológicas ou de origem iatrogênica (CERDEIRA, 2017).

Na CIF, é importante conhecer não apenas os sintomas clínicos, mas também sobre aspectos ambientais, comportamentais e possíveis fontes de estresse vividas pelo felino. As manifestações clínicas mais comuns incluem hematúria, periúria, polaciúria, estrangúria, dor abdominal, além de possíveis complicações obstrutivas. Quando a condição se torna crônica, pode afetar outros sistemas, como cardiovascular, endócrino, nervoso e gastrointestinal, configurando a chamada Síndrome de Pandora. (FIGUEIREDO, 2023).

O estresse é considerado um dos principais fatores predisponentes para esta doença, e, por isso, o manejo ambiental é uma estratégia terapêutica recomendada para animais domésticos. A compreensão e cooperação do proprietário é essencial para garantir o sucesso do tratamento (SILVA, 2013).

A cistite idiopática felina é uma doença recente, mencionada pela primeira vez no início dos anos 1990, quando se percebeu que a maioria dos gatos com sintomas de doenças do trato urinário inferior não tinha um diagnóstico claro. Hoje, cerca de 55% a 65% dos gatos com menos de 10 anos que apresentam esses sintomas não têm uma causa específica identificada e são classificados como tendo CIF (LITTLE, 2015).

FIGURA 4. Prevalência das causas de doença do trato urinário inferior em felinos
FONTE: Livro O Gato, medicina interna – Susan E. Litttle, 2015

Fatores como obesidade, falta de atividade física, ambientes com muitos gatos e estresse podem contribuir para o desenvolvimento da cistite idiopática felina. Além disso, características específicas da espécie felina e mudança no ambiente também desempenham um papel importante. A alimentação é outro fator; gatos que possuem uma dieta com pouca umidade e pouco enriquecimento ambiental estão mais suscetíveis a essa condição (FIGUEIREDO, 2023).

Um das principais causas é a inflamação neurogênica que pode ser causada por fatores ambientais estressantes para os gatos. Esse processo começa no cérebro, onde o estresse ativa o sistema nervoso simpático, que, por sua vez, estimula as fibras C. Essas fibras, que estão na parede da bexiga, transmitem sinais de dor para a medula espinhal A dor provoca a liberação de substância P, um neurotransmissor que aumenta a inflamação e se liga a receptores na bexiga. Isso gera vários efeitos, como dor, dilatação dos vasos sanguíneos, contrações musculares e alterações na mucosa da bexiga, incluindo a redução de glicosaminoglicanos (GAGs). Também ocorre a liberação de mediadores inflamatórios por mastócitos, como histamina e citocinas. Com o tempo, isso continua a estimular as fibras C, piorando a condição e danificando ainda mais a barreira de GAGs (FERREIRA, 2023).

O diagnóstico da CIF é feito por exclusão, baseado em uma anamnese e história clínica detalhada, que inclui a evolução da doença, informações sobre o ambiente e os sintomas, além de um exame físico e, se necessário, exames complementares (FIGUEIREDO, 2023). 

Devido a causa desconhecida a recomendação de tratamento se baseia na diminuição dos sinais clíncos. O aumento da atividade do SNS pode manter uma inflamação crônica. Portanto, o tratamento foca na redução do estresse. Outro objetivo é minimizar os efeitos nocivos da urina na bexiga. Para isso, recomenda-se enriquecer o ambiente, reduzir o estresse, aumentar o consumo de água, cuidados com a caixa de areia, gerenciar a convivência entre gatos e, se necessário, terapia medicamentosa. (LITTLE, 2015).

5.1. SINAIS CLÍNICOS

Os sinais clínicos da cistite idiopática felina são inespecíficos e similares a maioria das doenças que compoem a DTUIF. Os sinais podem variar entre periúria; disúria; estrangúria; polaciúria/polaquiúria; anúria; hematúria; vocalização; hiporexia; anorexia; diarreia; isolamento; apatia; lambedura excessiva da região perineal e na região caudal do abdômen, além de alopécia psicogênica nas laterais e na base da cauda. Esses sinais podem ocorrer de forma intermitente, com períodos de remissão e recorrência com ou sem tratamento (OLIVEIRA et al., 2017).

Portanto, os sinais clínicos devem ser considerados juntamente com a anamnese,  história clínica e outros resultados dos exames complementares realizados durante a avaliação do animal, para que um diagnóstico seja previsto. Esses sinais, por si só, não indicam a natureza da DTUIF (SILVA et al., 2013).

5.2. DIAGNÓSTICO

Atualmente ainda não existe um teste ideal para diagnosticar a síndrome de pandora; na verdade, é um diagnóstico de exclusão, ou seja, todas as outras causas de cistite devem ser descaradas. O exame físico em gatos com CIF pode ser solicitado e revelar uma bexiga espessada e sensível. Alguns gatos apresentam alopecia na região ventral abdominal e inguinal bilateral devido à autolimpeza excessiva na área sobre a bexiga. O conjunto mínimo de exames diagnósticos iniciais na primeira consulta inclui um histórico clínico completo, abrangendo informações ambientais e dietéticas, um exame físico detalhado e uma análise de urina (LITTLE, 2015).

A investigação começa com perguntas ao proprietário do animal e a coleta de informações sobre outros gatos na residência, além de dados sobre a qualidade e tipo de alimentação, seja úmida, seca ou natural. Isso ajuda a identificar fatores que podem causar estresse no felino, permitindo sugestões de mudanças para aliviar os sinais clínicos e reduzir ou eliminar os agentes estressores. Pequenas alterações na rotina podem ajudar o veterinário a iniciar o diagnóstico. Se houver melhora após a redução dos eventos estressantes, suspeita-se de CIF (NEVES, 2022).

É fundamental conhecer o histórico de experiências adversas que o animal teve na infância (como abandono, alimentação, etc.), assim como o histórico familiar, caso irmãos da mesma ninhada ou o pai tenham apresentado sintomas semelhantes. Experiências passadas podem causar traumas no animal e, quando surgem gatilhos em sua rotina, isso pode levar a momentos de estresse que pode ocasionar uma crise (DEL BARRIO; MAZZIERO, 2020).

Nos exames laboratoriais de hemograma, podem ser observadas alterações hematológicas nos felinos com CIF, que podem ser provocadas pela inflamação da bexiga, levando à liberação de leucócitos, proteína C-reativa (PCR) e outras substâncias inflamatórias. Pode ser observasdo também anemia devido à perda de sangue durante a micção ou à destruição de células sanguíneas resultante da inflamação. A trombocitopenia, por sua vez, pode ser causada pela destruição de placas em função da inflamação ou pela agregação dessas placas nas paredes da bexiga (FERREIRA, 2023).

O perfil bioquímico de gatos com CIF geralmente apresenta resultados dentro do padrão de normalidade, sendo realizado principalmente para descartar outras doenças sistêmicas. Em gatos jovens, hígidos e com densidade urinária adequada, sem alterações no hemograma e sem obstrução uretral, a necessidade de realização do perfil bioquímico pode ser descartada (PEREIRA, 2011).

Os gatos com CIF obstrutiva, os níveis de creatinina e ureia são mais elevados, acompanhados de sintomas como azotemia, vômitos, anorexia e halitose. Ferreira, Carvalho e Avante (2014) indicaram que os valores de creatinina e uréia na forma não obstrutiva são em média 1,44 mg/dL e 54,3 mg/dL, respectivamente. Em contrapartida, na forma obstrutiva, os valores de creatinina alcançam aproximadamente 6,02 mg/dL e os de uréia cerca de 192,58 mg/dL, enquanto os valores de referência para felinos são de 0,8 a 1,8 mg/dL. dL para creatinina e de 14 a 75 mg/dL para ureia (FIGUEIREDO, 2023). 

Caso apresente inflamação neurogênica na mucosa da bexiga, poderá ser observado proteinúria, resultando em aumento do pH urinário. Isso predispondo os animais à formação de cristais de estruvita. A urocultura deve ser realizada por cistocentese para excluir causas infecciosas, sendo o resultado desejado a obtenção de urina estéril, sem a presença de bactérias. (NEVES, 2022).

As radiografias abdominais são úteis para excluir a possibilidade de urolitíase. Em casos de sinais recorrentes, a radiografia com contraste é recomendada, pois ajuda a identificar pequenos urólitos, divertículo uracal, neoplasias e até mesmo avaliar a espessura da bexiga. (SILVA et al., 2013).

O equipamento ultrassonográfico nos dias de hoje se tornou um método diagnóstico mais acessível, com custos menores e qualidade de imagem aprimorada. Essa técnica não invasiva é rápida e permite a avaliação de outros órgãos abdominais sem a necessidade de sedação ou anestesia em muitos pacientes. Além disso, a equipe veterinária não está exposta à radiação, o que é outra vantagem importante. (LITTLE, 2015).

O exame de ultrassom abdominal permite uma visualização detalhada das estruturas do sistema urinário inferior, especialmente da bexiga urinária, onde são avaliados a parede e o conteúdo intraluminal (FIGUEIREDO, 2023).

 A ultrassonografia, é eficaz na detecção de pequenos urólitos, sedimentos e massas na bexiga, sendo menos invasiva que a cistografia contrastada e mais confiável na avaliação da espessura da parede vesical (SILVA et al., 2013).

FIGURA 7. Ultrassonografia da bexiga de fêmea Doméstica com sinais clínicos de DTUIF. A parede da bexiga mostra-se espessada e irregular. No ponto mais espesso, a parede da bexiga mede 3,9 mm (normal, < 2 mm).
FONTE: LITTLE, S. E. O Gato: medicina interna, 1ª edição; grupo editorial nacional, 2015.

A uroendoscopia é um exame que permite identificar alterações não visíveis na ultrassonografia e radiografia. Ela possibilita a visualização de erosões e hemorragias na uretra, úlceras de Hunner, além de aumento da vascularização e hemorragias petequiais presentes na submucosas da bexiga (OLIVEIRA et al., 2017).

Quando a busca por um diagnóstico não consegue identificar anomalias ou causas subjacentes, muitas vezes relacionadas a eventos estressantes e comportamentais os gatos são classificados como portadores de cistite idiopática felina. Em muitos casos, o diagnóstico definitivo pode levar tempo ou apresenar em resultados inconclusivas (DEL BARRIO; MAZZIERO, 2020).

5.3. TRATAMENTO

Não existe tratamento definitivo para a Síndrome de Pandora, e ainda há pouco conhecimento sobre a condição, o que torna o tratamento frustrante tanto para os clínicos quanto para os tutores. O objeivo é melhorar a qualidade de vida dos gatos e de seus donos, minimizando a duração, a intensidade e a frequência dos sinais clínicos. Embora haja muitos medicamentos disponíveis, poucos são baseados em estudo (DEL BARRIO; MAZZIERO, 2020).

O tratamento tem como objetivo aliviar os sintomas e reduzir a frequência de recidivas por meio de três ações principais: redução do estresse, modificações na dieta e no ambiente, e, em último caso, o uso de medicamentos. Devido ao fato de que o uso de medicamentos orais pode aumentar o estresse, este é recomendado apenas em casos mais graves (TEIXEIRA, 2018).

Na fase aguda da CIF a administração de analgésicos é fundamental, pois a dor não causa  apenas desconforto, mas também pode aumentar os níveis de estresse. Recomenda-se o uso de opioides, como butorfanol (0,1 – 0,3 mg/kg duas ou três vezes ao dia) ou tramadol (2 mg/kg duas ou três vezes ao dia) durante 5 a 10 dias. Os AINES, como meloxicam (0,03 – 0,05 mg/kg uma vez ao dia durante 4 dias) pode melhorar os sintomas, mas deve ser usado com precaução, pois há risco de lesão renal aguda. Por isso, é fundamental garantir a hidratação do paciente, proporcionando a ingestão adequada de água. Embora a síndrome insuficiente de cortisol seja uma característica da cistite idiopática felina, estudos com prednisolona não tiveram muito sucesso (DEL BARRIO; MAZZIERO, 2020).

Em gatos obstruídos, a fluidoterapia é geralmente necessária. Pode ser feito por via IV em casos de azotemia e hipercalemia, ou por via SC quando o paciente está estável. Recomenda-se o uso de solução salina a 0,9% (NaCl), pois não contém potássio, mas pode contribuir para a acidose metabólica, já que pacientes obstruídos podem estar acidóticos. Mesmo o Ringer Lactato, que contém de 4 a 5 mEq/L de potássio, não é suficiente para agravar a hipercalemia. Na terapia medicamentosa, podem ser utilizados antiespasmódicos, como acepromazina (0,1 mg/kg, IM, uma vez ao dia), fenoxibenzamina (0,5 a 1 mg/kg, VO, duas vezes ao dia), dantroleno (0,5 a 2 mg/kg, VO, duas vezes ao dia ou 0,5 a 1 mg/kg, IV) e prazosina (0,5 mg/gato, VO, uma vez ao dia), para promover o relaxamento uretral (FIGUEIREDO, 2023).

Na fase crônica da CIF o tratamento visa reduzir os fatores de estresse, para isso, recomenda-se o enriquecimento ambiental, o aumento da ingestão de água, cuidados adequados com a caixa de areia e uma boa administração das interações em lares com vários gatos. O enriquecimento ambiental é fundamental, pois diminui a ansiedade e prolonga o tempo entre episódios de cistite intersticial felina. Ao proporcionar mais opções, o gato sente um maior controle sobre seu ambiente, permitindo comportamentos naturais. Ambientes fechados e a alta densidade de gatos são fatores de risco para a CIF. Por isso, é essencial que gatos confinados tenham espaços para escalar, arranhar, dormir, se esconder, além de acesso a comida e água. (LITTLE, 2015).

FIGURA 8. Ambiente vertical para gatos com pontes, arranhadores e prateleiras com objetivo de enriquecer o ambiente e estimular comportamentos naturais da espécie.
FONTE: Play Bengal Cats, 2024

A Modificação Ambiental Multimodal é uma abordagem terapêutica que tem como objetivo transformar o ambiente do felino, promovendo um novo estilo de vida que ajuda a evitar a estagnação e a previsibilidade típicas de ambientes internos. Essa estratégia busca criar um espaço que se assemelhe a um ambiente livre, permitindo que o gato expresse comportamentos naturais em locais que proporcionem segurança e conforto. A MEMO é uma estratégia multidisciplinar que usa medidas de fácil implementação, resultando na diminuição da frequência e intensidade dos episódios da CIF ao reduzir a ativação do centro do estresse. O conceito de enriquecimento ambiental deve ser expandido para incluir a diversidade das características do ambiente do gato (ALHO, 2012).

O Comitê de Bem-Estar Animal desde 1993 propõe cinco liberdades que garantem o bem-estar dos felinos. Essas liberdades  incluem: 1) livre de fome, sede e desnutrição; 2) livre de desconforto físico e térmico; 3) livre de medo e estresse; 4) livre de dor, lesões e doenças; e 5) liberdade para expressar comportamentos específicos da espécie, desde que não causem lesões a outras espécies. Com base nesses princípios, a MEMO estabelece cinco pilares essenciais para manter o bem-estar no ambiente onde o gato reside. (FIGUEIREDO, 2023).

O primeiro pilar é o de recursos físicos, que inclui um espaço apropriado e itens como caixas sanitárias, potes de água e alimentação que sejam grandes e separados. O segundo pilar refere-se aos recursos nutricionais, garantindo acesso a comida e água de qualidade. O terceiro pilar é o de eliminação, que deve ser composto por caixas sanitárias grandes e localizadas em áreas tranquilas. O quarto pilar abrange os recursos comportamentais, que consistem em brinquedos que permitam a expressão de comportamentos predatórios. Por fim, o quinto pilar diz respeito aos recursos sociais, onde é importante desenvolver uma relação amigável com humanos e minimizar conflitos com outros animais da casa (BARRIO; MAZZIERO, 2020).

As modificações no ambiente devem ser realizadas de maneira progressiva, uma vez que mudanças bruscas podem causar estresse adicional. A “regra de ouro” da terapia MEMO é disponibilizar um comedouro, um bebedouro e uma caixa sanitária para cada gato na casa, especialmente em lares com múltiplos felinos. Essa prática é conhecida como a, que sugere ter “n + 1” recursos, onde “n” representa o número de gatos. Dessa forma, é possível reduzir a competição e os conflitos entre os felinos, diminuindo, assim, o estresse e a ansiedade (DEL BARRIO; MAZZIERO, 2020).

FIGURA 9. Adaptação de caixas sanitárias para proporcionar mais espaço e comodidade para os felinos.
FONTE: LITTLE, S. E. O Gato: medicina interna, 1ª edição; grupo editorial nacional, 2015.

Sobre a alimentação e a ingestão de água, não há evidências de que o uso de rações específicas para prevenir urolitíase ou para a saúde do trato urinário seja, de fato, eficiente no tratamento da cistite idiopática felina. Na verdade, mudar a dieta pode ser um fator estressante por si só. Contudo, aumentar a ingestão de água é fundamental no tratamento da CIF (LITTLE, 2015).

Uma estratégia para aumentar o consumo de água é a inserção de fontes; uma maior ingestão de água ajuda a diluir componentes nocivos na urina, aliviando a dor e a inflamação. O objetivo do tratamento deve ser reduzir a densidade urinária do gato para menos de 1,040, idealmente abaixo de 1,030. Isso pode ser alcançado por meio da administração de alimentação úmida, como sachês e rações enlatadas com pelo menos 60% de umidade. (LITTLE, 2015).

FIGURA 10. Fontes de água em toda casa com objetivo de estimular a ingestão água.
FONTE: LITTLE, S. E. O Gato: medicina interna, 1ª edição; grupo editorial nacional, 2015.

Ao oferecer comida aos gatos de forma artificial, já pronta e sempre disponível na tigela, estamos contrariando seus comportamentos naturais. Por isso, é importante incentivar os donos a variar a rotina alimentar e a adotar novas estratégias que permitam aos gatos expressar seus instintos de predação, além de aumentar o tempo dedicado à alimentação. Algumas sugestões incluem: oferecer mais de um local de refeição, preferencialmente em diferentes partes da casa; alimentar em pequenas quantidades ao longo do dia, imitando a frequência natural; esconder porções de comida em vários locais da casa, despertando o interesse; e usar dispensadores de comida para estimular a busca e o esforço (ALHO, 2012).

FIGURA 11. Dispensador rolante de petiscos, com o intuito de promover curiosidade e estimular a atividade física dos felinos. 
FONTE: Bicho de pata, 2024.

O uso de feromônios influenciam o hipotálamo e o sistema límbico dos gatos, podendo afetar seu estado emocional, comportamento social e reprodutivo. Atualmente, existem feromônios sintéticos no mercado, como o Feliway®, que pode ser encontrado em spray ou em difusores elétricos. O difusor libera feromônios continuamente e é indicado para áreas de até 70 m². Além disso, o Feliway Friends® é um complemento que ajuda a melhorar as interações entre os felinos (NEVES, 2022).

FIGURA 12. Feromônio FELIWAY, nas versões spray ou em difusores elétricos.
FONTE: It Pet Blog, 2024

A amitriptilina é um antidepressivo tricíclico que apresenta propriedades anticolinérgicas, anti-histamínicas, simpaticolíticas, anti-inflamatórias e analgésicas. Esse medicamento tem sido recomendado para casos graves de CIF em que o enriquecimento ambiental e a alteração da dieta não proporcionaram alívio (LITTLE, 2015).

A dose recomendada é de 2,5 a 5 mg/gato, uma vez ao dia, sempre à noite. Alguns animais podem necessitar de doses mais altas, que podem chegar até 12 mg, devendo ser reajustadas gradualmente e de forma individual de acordo com a avaliação médica. As formulações transdérmicas não apresentam boa absorção sistêmica e, portanto, não são recomendadas. Os efeitos colaterais da amitriptilina incluem ganho de peso, letargia, diminuição da auto-higienização (grooming), retenção urinária e aumento da atividade das enzimas hepáticas. E Vale lembrar que o fármaco não apresenta ação imediata, os níveis terapêuticos geralmente são atingidos após um período de 6 a 8 semanas. Portanto, a amitriptilina não é indicada para casos agudos (DEL BARRIO; MAZZIERO, 2020).

Outros fármacos têm sido utilizados no tratamento da CIF, como clomipramina, fluoxetina e buspirona. No entanto, não há estudos clínicos publicados que avaliem sua eficácia. É importante realizar um monitoramento adequado do hemograma completo e do perfil bioquímico sérico antes de iniciar qualquer medicação psicotrópica, além de repetir esses exames periodicamente durante o tratamento (LITTLE, 2015).

6. CONCLUSÃO

A síndrome de Pandora representa um desafio significativo na medicina veterinária, não apenas pela complexidade de seu diagnóstico, mas também pela forte ligação com fatores estressantes no ambiente dos felinos. Este trabalho evidenciou que o eixo HHA desempenha um papel crucial na resposta ao estresse, desencadeando alterações hormonais que podem contribuir para o desenvolvimento dessa síndrome. O reconhecimento dos sinais clínicos, juntamente com a compreensão da influência dos fatores ambientais, é essencial para um tratamento eficaz. Medidas como o enriquecimento ambiental e a redução dos fatores de estresse são fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos felinos afetados.

Em conclusão, a compreensão das interações entre o estresse e a CIF reforça a importância de estratégias preventivas e terapêuticas que considerem o bem-estar emocional dos gatos. O manejo adequado, com foco no ambiente e nas intervenções comportamentais, pode diminuir a incidência da doença e melhorar significativamente a saúde urinária e comportamental dos felinos. Este estudo destaca a necessidade de uma abordagem multidisciplinar, integrando conhecimentos sobre comportamento, endocrinologia e saúde urinária, para garantir um tratamento eficaz e uma melhor qualidade de vida para os gatos e suas famílias.

7. REFERÊNCIAS

  1. ALHO, Ana Margarida Pignateli Vasconcelos de Assunção. O enriquecimento ambiental como estratégia de tratamento e prevenção da cistite idiopática felina. 2012. Tese de Doutorado. Universidade Técnica de Lisboa. Faculdade de Medicina Veterinária.
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