REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411231442
Ariany Oliveira Silva¹
Igor de Andrade Lima²
RESUMO
O treinamento simulado surge como importante ferramenta na educação médica, embora com custos elevados para a maioria dos simuladores disponíveis. Assim, busca-se o desenvolvimento de alternativas para a aprendizagem de habilidades cirúrgicas que aprimorem a qualidade do ensino e sejam financeiramente acessíveis. Desse modo, foi idealizado um modelo de pele artificial, como método substitutivo à pele animal para ensino e treinamento de incisões e suturas na formação dos acadêmicos do curso de medicina. Foi utilizado silicone industrial que foi moldado em couro sintético para a impressão de marcas similares às encontradas na pele e fixado em suporte de espuma de poliuretano de maneira a representar as camadas do tecido humano. A matéria prima utilizada forneceu a totalidade de 9 moldes de dimensões 10 cm x 10 cm x 3 cm, representativos da pele humana e o modelo alternativo, apresentou resultados satisfatórios, principalmente no quesito estrutural, sendo mais fiel na representação de planos anatômicos e textura da epiderme quando comparados ao uso de tecido e outros materiais sintéticos como espuma vinílica acetinada (EVA), aliado à maior facilidade de armazenamento, manuseio, e possibilidade de reutilização.
Palavras-Chave: Treinamento por Simulação; Técnicas de Ensino; Pele Artificial.
ABSTRACT
Simulated training emerges as an important tool in medical education, although with high costs for most available simulators. Thus, it seeks to develop alternatives for learning surgical skills that improve the quality of education and are affordable. Thus, an artificial skin model was created as a substitute method for animal skin for teaching and training incisions and sutures in the education of medical students. Industrial silicone that was molded in synthetic leather was used to print marks similar to those found on the skin and fixed to a polyurethane foam support in order to represent the layers of human tissue. The raw material used provided all 9 molds with dimensions 10 cm x 10 cm x 3 cm, representative of human skin and the alternative model, presented satisfactory results, mainly in the structural aspect, being more faithful in the representation of anatomical planes and texture of the epidermis when compared to the use of fabric and other synthetic materials such as satin vinyl foam (EVA), combined with greater ease of storage, handling, and possibility of reuse.
Keywords: Simulation Training; Teaching Techniques; Artificial Skin.
INTRODUÇÃO
A aprendizagem e o aprimoramento de técnicas cirúrgicas básicas, particularmente as suturas, constituem um pilar da formação médico-acadêmica, uma vez que a execução de tais procedimentos é crucial para o médico generalista. Dessa forma, o ensino das práticas cirúrgicas está assumindo diferentes perspectivas conforme a disponibilidade de recursos e os avanços humanos científicos e comportamentais (SILVA, et al., 2019).
A simulação no processo de aprendizagem é registrada desde os tempos antigos, a exemplo da utilização de peles animais durante a Idade Média (COOPER and TAQUETI, 2008). Atualmente, embora haja limitações para aplicação da simulação, tal recurso está institucionalizado especialmente em profissões de alto risco para aumentar a qualidade e a segurança, além de minimizar os riscos (ZIV, et al., 2003). Além disso, novos conceitos éticos na sociedade destacaram-se na última década e o “aprender fazendo” não é tolerado na maioria dos países desenvolvidos (PAZIN FILHO and SCARPELINI, 2007).
O treinamento simulado surge como uma alternativa viável, consistindo na integração entre os simuladores que são definidos como “objeto ou representação total ou parcial de uma tarefa a ser reproduzida” e o ensino baseado em tarefas (EBT). O EBT objetiva expor o aluno a uma situação prática, na qual exercerá papel ativo obtendo habilidades necessárias para execução da tarefa. Da mesma maneira, a utilização de simuladores de baixa tecnologia se mostrou bastante eficiente para ensino, aprendizagem e aprimoramento de habilidades básicas. Na simulação, o foco será voltado ao desenvolvimento de habilidades por meio da repetição exaustiva e constante do processo, até que sua reprodução se torne automática (PAZIN FILHO and SCARPELINI, 2007).
Apesar dos esforços para padronizar o ensino, a metodologia de formação permanece ampla, existindo inúmeras formas de aquisição das aptidões cirúrgicas. Vale ressaltar que quando as alternativas são variadas, geralmente não há superioridade entre elas, o que motiva a busca por uma técnica mais efetiva (DENADAI, et al., 2014).
A prática em tecidos animais pós-morte é adotada por diversos centros de referência em todo o mundo, entretanto, por vezes, não garante a reprodução fiel das características da pele humana. Ademais, seu uso torna-se limitado devido às particularidades de um tecido animal exigirem estrutura, espaço e condições adequadas para manuseio, além do custo elevado para obtenção de peças a fresco, sendo estas perecíveis (DENADAI, et al., 2014).
Haja vista que a aprendizagem in vivo transgride diversos aspectos éticos e médico-legais e que o desenvolvimento de competências cirúrgicas diretamente em pacientes gera ansiedade nos estudantes, o ensino dos procedimentos básicos fundamentados em modelos artificiais é cada vez mais vantajoso e adequado (TANNENBAUM and BENNETT, 2015).
Visando ao melhor aproveitamento dos recursos há esforços constantes por métodos mais fidedignos, que mimetizem o material biológico e garantam a aquisição e o aperfeiçoamento de habilidades psicomotoras necessárias para executar as etapas cirúrgicas. Vale ressaltar que embora tenha importância nítida, as opções de modelos para incisões cirúrgicas e síntese são particularmente pouco descritas na literatura e, quando disponíveis, apresentam alto custo (SILVA, et al., 2019).
Novas teorias são discutidas em relação às maneiras pelas quais as capacidades motoras são adquiridas e aprimoradas. Uma delas, amplamente aceita na literatura cirúrgica, foi idealizada, em 1967, por Fitts e Posner, os pioneiros em descrever os processos de aprendizado, estabelecendo três estágios principais. O primeiro é o estágio cognitivo, constituído pela esquematização intelectual da tarefa a ser desenvolvida, na qual o aprendiz compreende a mecânica da habilidade. Com a prática e o feedback, o aluno avança para o estágio integrativo, em que o conhecimento é traduzido em comportamento motor apropriado e a realização dos movimentos nesta etapa é mais fluida, com menos interrupções. O terceiro consiste no estágio autonômico, resultando em desempenho suave e coordenado do procedimento, tornando-o um ato mecânico. Dessa forma, a prática repetitiva é a regra até que a automação das habilidades básicas seja atingida (REZNICK and MACRAE, 2006).
Dentro deste viés, a teoria do behaviorismo difundida por Skinner analisa o vínculo entre condicionamento e obtenção de respostas, e determina que a aprendizagem é feita através de estímulos e repetição, de modo que toda ação exaustivamente reproduzida, se torne habitual e mecanizada (JONES, 1939).
A simulação em moldes sintéticos objetiva o aperfeiçoamento da técnica cirúrgica através da recorrência dos procedimentos, a fim de que o aprendiz seja capaz de reproduzí-los de forma mecânica e instintiva, com a intenção de prepará-lo previamente à exposição prática (BASTOS and SILVA, 2011).
O treinamento em simuladores é eficiente e necessário, pois há importante redução do estresse durante o aprendizado inicial, permitindo a prática repetitiva organizada, em comparação à situação do aprendizado no paciente real (BRUNT, et al., 2011).
OBJETIVO
Desenvolver um modelo de pele artificial prontamente disponível como recurso substitutivo para o treinamento de incisões e suturas pelos alunos do curso de medicina no Laboratório de Bases da Técnica Cirúrgica da Universidade José do Rosário Vellano.
METODOLOGIA
Foi utilizado um tipo de silicone para confecção de material compatível e equiparável à pele humana referente aos aspectos macroscópicos, textura, resistência à tração, à perfuração por agulha e ao arraste pela passagem do fio cirúrgico.
O silicone será moldado em couro sintético para a impressão de marcas similares às encontradas na pele e fixado em suporte de espuma de poliuretano de maneira a representar as camadas do tecido humano.
Desenvolvimento do modelo alternativo de silicone para sutura
Os modelos foram feitos com camadas de silicone e de espuma de poliuretano em diferentes espessuras, representando as camadas do tegumento humano.
Para a confecção dos moldes foram utilizados os seguintes materiais: moldeira em Medium Density Fiberboard (MDF), couro sintético, tecido Voile bege, 800 gramas de borracha de silicone branca de alta flexibilidade (com catalisador) da marca readlease, 10 gramas de pigmento rosa pele e 10 gramas de pigmento vermelho redelease, espuma de poliuretano amarela de 1 cm de espessura, vaselina líquida, balança digital de precisão, pincel de cerdas macias, tesoura, espátula de madeira.
O tempo médio para a montagem é de aproximadamente 60 minutos e cerca de 72 horas para a secagem completa do material. São descritas as etapas:
- Cortar o couro sintético nas dimensões 40 cm x 40 cm e fixá-lo sobre a moldeira em MDF (dimensões 30 cm X 30 cm e profundidade de 5 cm);
- Aplicar 5 gramas de vaselina líquida, formando uma camada delgada sobre a parte rugosa do couro sintético;
- Misturar inicialmente 5 gramas da borracha de silicone branca de alta flexibilidade com 5 gramas do pigmento rosa pele redlease, afim de homogeneizar a mistura. Após atingir a coloração uniforme, dissolver a mistura em mais 245 gramas de borracha de silicone branca gradativamente, até gerar uma mistura homogênea;
- Ao fim do processo, adicionar 6,5 mL do catalisador;
- Aplicar a mistura sobre a parte rugosa do couro sintético, obtendo espessura de aproximadamente 3 mm;
- Cortar o tecido Voile nas dimensões 30 cm x 30 cm e fixá-lo sobre a camada base de silicone ainda molhada;
- Repetir o processo descrito no item 3;
- Aplicar a nova mistura sobre a rede de tecido Voile;
- Fixar a espuma de poliuretano amarela de 1 cm de espessura sobre a última camada citada acima;
- Espalhar uma fina camada de látex líquido e inserir outra rede de tecido Voile nas dimensões de 30 cm x 30 cm;
- Novamente, misturar 5 gramas da borracha de silicone branca de alta flexibilidade com 5 gramas do pigmento vermelho redlease. Após atingir a coloração uniforme, dissolver a mistura em mais 295 g de borracha de silicone branca gradativamente, até obter mistura homogênea com coloração uniforme.
- Por fim, adicionar 9 mL do catalisador e dispensar a mistura sobre a rede de tecido Voile.
- A secagem completa do material ocorre em aproximadamente em 72 horas.
- Após este período, retirar a placa de couro sintético que foi utilizada como base da montagem.
Figura 1: Incisões com suturas por pontos separados e contínuos realizadas no simulador sintético.
RESULTADOS
A matéria prima utilizada forneceu a totalidade de 9 moldes de dimensões 10 cm x 10 cm x 3 cm, representativos da pele humana e o custo unitário estimado é de aproximadamente R$ 20,00.
A pele artificial sintética desenvolvida se mostrou de aspecto aceitável em relação à semelhança com a pele humana no quesito estético e fortemente eficiente para a realização de incisões cirúrgicas e todos os tipos de sutura, tais como as contínuas (intradérmica, chuleios simples e ancorado) e as suturas interrompidas (ponto simples, X, Donatti, U), conferindo semelhança com a pele humana, custo baixo e fácil reprodutibilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do modelo descrito para suturas é eficiente e viável para as aulas práticas de técnicas cirúrgicas, visto a similaridade com os tecidos vivos no quesito estético, textura e resistência. Dentre as vantagens, ressaltam-se maior acessibilidade, durabilidade, baixo custo de produção e facilidade de armazenamento e transporte quando comparado aos métodos tradicionais já utilizados, possibilitando aos alunos o treinamento das técnicas de sutura mesmo fora do ambiente acadêmico.
Ainda, a versatilidade do silicone reproduz de forma parcialmente realística as camadas da epiderme, derme, subcutâneo e muscular, proporcionando maior confiança para realização de suturas na epiderme humana.
REFERÊNCIAS
- JONES, F. Nowell. The behavior of organisms: an experimental analysis. 1939.
- ZIV, Amitai et al. Simulation-based medical education: an ethical imperative. Academic medicine, v. 78, n. 8, p. 783-788, 2003.
- REZNICK, Richard K.; MACRAE, Helen. Teaching surgical skills—changes in the wind. New England Journal of Medicine, v. 355, n. 25, p. 2664-2669, 2006.
- PAZIN FILHO, Antonio; SCARPELINI, Sandro. Simulação: definição. Medicina (Ribeirão Preto), v. 40, n. 2, p. 162-166, 2007.
- BRUNT, L. Michael et al. Accelerated skills preparation and assessment for senior medical students entering surgical internship. Journal of the American College of Surgeons, v. 206, n. 5, p. 897-904, 2008.
- COOPER, J. B.; TAQUETI, VR2004. A brief history of the development of mannequin simulators for clinical education and training. Postgraduate medical journal, v. 84, n. 997, p. 563-570, 2008.
- BASTOS, Érika Malheiros; SILVA, Rafael Denadai Pigozzi. Proposal of a synthetic ethylene-vinyl acetate bench model for surgical foundations learning: suture training. Acta cirurgica brasileira, v. 26, p. 149-152, 2011.
- DENADAI, Rafael et al. Low-fidelity bench models for basic surgical skills training during undergraduate medical education. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 41, p. 137-145, 2014.
- TANNENBAUM, Jerrold; BENNETT, B. Taylor. Russell and Burch’s 3Rs then and now: the need for clarity in definition and purpose. Journal of the American Association for Laboratory Animal Science, v. 54, n. 2, p. 120-132, 2015.
- SILVA, Ana Paula Gurjão da et al. The alternative model of silicone for experimental simulation of suture of living tissue in the teaching of surgical technique1. Acta cirurgica brasileira, v. 34, 2019.
1Residente Cirurgia Geral Hospital Universitário Alzira Velano , Alfenas, MG oliveiraariany08@gmail.com
2Docente Hospital Universitário Alzira Velano