REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411231331
Erika Eduarda Batista Do Nascimento
Taciane Silva Villar De Carvalho
Orientador(a): Samara Trigueiro Felix da Silva.
RESUMO
O presente artigo de opinião analisa os crimes cibernéticos praticados contra mulheres e a ineficácia da legislação brasileira e dos procedimentos jurídicos existentes para combater tais condutas. Embora a tecnologia seja de suma importância para os meios de comunicação, esta tem ganhado uma vasta notoriedade no cenário brasileiro devido a prática de crimes digitais. Com o rápido crescimento tecnológico, não há em nosso ordenamento jurídico uma legislação que abarque a punição de todos os crimes que advém dessa evolução tecnológica. Apesar de contar com a Lei Carolina Dieckmann e a Lei Maria da Penha a eficiência dessas normas ainda são insuficientes em muitos casos. Nessa senda, as mulheres vítimas de crimes virtuais, vivem as consequências da falta de impunidade criminal. Discutindo-se ainda a necessidade de um procedimento mais amplo, abrangendo a punição dos infratores e ações preventivas e educativas, que visem a proteção efetiva das mulheres no âmbito digital.
Palavras–chave: Crimes cibernéticos contra a mulher. Legislações brasileiras. Ineficácia Jurídica.
ABSTRACT
This opinion article analyzes cybercrimes committed against women and the ineffectiveness of Brazilian legislation and existing legal procedures to combat such behavior. Although technology is of utmost importance to the media, it has gained widespread notoriety in the Brazilian scenario due to the practice of digital crimes. With the rapid growth of technology, there is no legislation in our legal system that encompasses the punishment of all crimes resulting from this technological evolution. Despite having the Carolina Dieckmann Law and the Maria da Penha Law, the effectiveness of these laws is still insufficient in many cases. In this path, women who are victims of cybercrimes live with the consequences of the lack of criminal impunity. The need for a broader procedure, encompassing the punishment of offenders and preventive and educational actions, aimed at the effective protection of women in the digital sphere, is also discussed.
Keywords: Cybercrimes against women. Brazilian legislation. Legal Ineffectiveness
INTRODUÇÃO
Com o avanço e o crescimento da tecnologia, a internet, por meio das redes sociais, virou ferramenta de praticidade para a comunicação instantânea. Percebe-se que, apesar de útil e de ser um ambiente facilitador de troca de informações, essa área também tem se tornado um espaço criminoso para a prática de Crimes Cibernéticos, além de abrir portas para novas formas de violência, especialmente contra mulheres que têm a exposição não autorizada de imagens íntimas, ameaças virtuais, assédio moral e a perseguição online.
A Constituição Federal de 1988, estabelece, em seu artigo 5º, incisos X e XII a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, bem como a proteção às comunicações telegráficas, de dados e telefônicas. No entanto, esses dispositivos enfrentam desafios na sua aplicação efetiva no âmbito digital, onde as agressões ocorrem com maior celeridade e disseminação, o que impossibilita a responsabilização dos agressores.
Diante desse contexto, a sociedade assim como o ordenamento jurídico brasileiro enfrentam desafios em acompanhar a rápida evolução dessas práticas, assim refletindo em uma (in)eficácia jurídica para a proteção das vítimas e na punição dos agressores.
Com isso, percebe-se que existe uma morosidade jurídica em evoluir-se e adaptar-se a essas novas invenções, uma vez que com a facilidade de esconder-se atrás de uma tela de um dispositivo eletrônico, acautelada com a dificuldade em localizar e punir os cibercriminosos, a Internet passou a ser um local de várias práticas de condutas ilícitas, os quais muitos criminosos não são punidos. Vindo à tona muitas desses delitos como meio de violência contra a mulher.
Diante desse cenário de vulnerabilidade feminina, faz-se relevante ressaltar que esse tipo de violência não é um tema atual, pelo contrário, acontece desde os primórdios, das suas mais diversas formas, seja ela física, psíquica, moral ou até mesmo sexual. Através de muita luta, a mulher passou a conquistar seu espaço na sociedade, tornando-se sujeito de direitos, mas ainda assim carrega uma enorme luta até os dias atuais.
Mesmo com a igualdade prevista no artigo 5º, caput, e inciso I, da Constituição Federal de 1988, que assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de raça, cor, sexo ou gênero e que homens e mulheres são iguais perante a lei. A mulher brasileira sofre rotineiramente violência de gênero.
Com isso, somando-se essas inúmeras violências junto a impunidade dos crimes virtuais, bem como a facilidade de não se aproximar da vítima para lhe fazer o mal, os delitos contra as mulheres ocorrem em grande quantidade na internet. Sendo o mais frequente, a divulgação não autorizada de fotos e vídeos íntimos chamado de “vingança pornográfica”, que ferem diretamente a sua honra, imagem e privacidade. Uma vez que os agressores se acobertam do anonimato e impunidade.
Nesse diapasão, para além dos malefícios psicológicos, existe também a ausência de aplicabilidade do direito ao esquecimento, portanto uma vez tendo conteúdos expostos no meio informático dificilmente ele conseguirá ser apagado permanentemente, além disso, indivíduos ainda podem armazenar em outros dispositivos.
Desta forma, a metodologia adotada neste estudo compreende uma revisão bibliográfica sobre crimes cibernéticos e violência de gênero, a análise dos diversos tipos de violência de gênero no ambiente virtual, com o intuito de discutir o seu alcance e a problemática por trás das condutas praticadas, e ainda, analisar as principais legislações e a (in)eficácia jurídica brasileira diante dessa situação.
- CONCEITO DE CRIMES CIBERNÉTICOS
Crimes cibernéticos também conhecidos como crimes digitais ou informáticos são condutas ilícitas que vêm ganhando destaque na contemporaneidade em virtude do avanço das tecnologias e comunicação, cuja prática se dá por meio da rede mundial de computadores ou por qualquer outro meio de sistema informático. Na maioria das vezes, o crime visa danificar computadores, redes ou até mesmo praticado por motivos pessoais. As práticas podem se dar por um único indivíduo ou organizações, com técnicas avançadas e pessoal totalmente capacitado. Diante do que se pode estabelecer têm-se a explicação de Castro:
[…] São denominados de crimes de informática as condutas descritas em tipos penais realizadas através de computadores ou voltadas contra computadores, sistemas de informática ou os dados e as informações neles utilizados (armazenados ou processados) (CASTRO, 2003, p.1).
Nesse sentido, a conceituação do autor traz consigo o entendimento de que, crime cibernético é quando existe uma ação ilegal, se utilizando do meio tecnológico de informática, como exemplo, praticar invasões contra sistemas utilizados por corporativas, para roubar dados importantes.
E ainda, segundo Vicente Greco Filho (2000), os crimes virtuais podem ser classificados em duas categorias principais: aqueles que utilizam a rede mundial de computadores como meio para a prática de condutas criminosas e aqueles que são atos ilícitos dirigidos diretamente contra a Internet, considerada como um bem jurídico:
Focalizando-se a Internet, há dois pontos de vista a considerar: crimes ou ações que merecem incriminação praticados por meio da internet e crimes ou ações que merecem incriminação praticados contra a Internet, enquanto bem jurídico autônomo. Quanto ao primeiro, cabe observar que os tipos penais, no que concerne à sua estrutura, podem ser crimes de resultado de conduta livre, crimes de resultado de conduta vinculada, crimes de mera conduta ou formais (sem querer discutir se existe distinção entre estes) e crimes de conduta com fim específico, sem prejuízo da inclusão eventual de elementos normativos. Nos crimes de resultado de conduta livre, à lei importa apenas o evento modificador da natureza, com, por exemplo, o homicídio. O crime, no caso, é provocador o resultado morte, qualquer que tenha sido o meio ou a ação que o causou. (GRECO FILHO, Vicente, 2000, n. 95, p.3, out. 2000).
Greco Filho também aprofunda a análise ao discutir a tipologia dos crimes, levando em consideração a estrutura dos tipos penais. Ele menciona que os crimes podem ser classificados de diversas formas, como crimes de resultado de conduta livre ou vinculada, crimes de mera conduta e crimes de conduta com fim específico. Um exemplo dado é o homicídio, que, sendo um crime de resultado de conduta livre, independe do meio utilizado para causar a morte, bastando que o resultado (a morte) seja alcançado. Aplicando essa lógica aos crimes virtuais, ele sugere que é possível enquadrar condutas que se utilizam da internet para produzir um resultado ilícito, independentemente da forma específica de sua execução, ou aquelas que atentam diretamente contra a internet como um bem jurídico protegido. Essa distinção é crucial para a compreensão e tipificação adequada das diversas modalidades de crimes no ambiente digital.
Além disso, os perpetradores de crimes cibernéticos e suas vítimas podem estar localizados em diferentes regiões e os efeitos desses crimes podem atingir sociedades de todo o mundo, evidenciando a necessidade de uma maior fiscalização perante essas condutas.
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INTERNET E SUA INFLUÊNCIA EM CRIMES DIGITAIS
A internet surgiu no século XX durante a Guerra Fria, com a criação da ARPANET, nos Estados Unidos, voltada inicialmente para a proteção de informações governamentais. Com o tempo, evoluiu para a World Wide Web, criada por Tim Berners-Lee, que transformou o modo de acessar e compartilhar informações, iniciando uma era de globalização digital. Esse avanço, no entanto, trouxe novos desafios, como o aumento dos cibercrimes práticas ilícitas realizadas através de dispositivos e redes. Entre eles, destacam-se fraudes financeiras, roubos de identidade, ataques de ransomware e espionagem digital, onde invasores se aproveitam das vulnerabilidades do sistema para obter vantagens indevidas.
A popularização da internet nas décadas de 1990 e 2000 intensificou esses crimes, que se tornaram mais sofisticados com o passar dos anos. Inicialmente simples, como malwares rudimentares, os cibercrimes evoluíram para técnicas complexas, como o phishing e os ataques DDoS, que aumentaram os riscos de segurança online. Apesar dos benefícios trazidos pela internet, a facilidade com que criminosos podem se ocultar no ambiente digital representa um desafio crescente para o sistema jurídico.
No Brasil, alguns crimes digitais já estão tipificados, como invasão de dispositivos e a alteração de sistemas informáticos sem autorização, além da divulgação de conteúdos pornográficos envolvendo menores. Ainda assim, conforme a tecnologia avança, novas condutas ilícitas surgem, exigindo atualizações constantes nas leis. Como apontado por especialistas, o Direito precisa acompanhar as transformações tecnológicas para proteger os direitos fundamentais e enfrentar as novas ameaças digitais com mais eficácia.
De acordo com Lorenzo e Scaravelli (2021, p. 104), os crimes virtuais surgem como “condutas típicas e ilícitas praticadas por intermédio da internet com a intenção de se obter alguma vantagem indevida”. A popularização da internet nos anos 1990 facilitou o aumento desses crimes, criando um espaço de interação que, embora benéfico para a sociedade, apresenta vulnerabilidades exploradas por criminosos.
Nesse sentido, com o passar dos anos cada vez mais surgem novas condutas ilícitas no mundo digital. Com a modernidade tecnológica fica cada dia mais fácil que indivíduos se mascararem por trás de uma tela e praticarem condutas criminosas. Ficando o ordenamento jurídico com a dificuldade de localizar tais agentes.
Portanto, a internet trouxe inúmeros benefícios para a sociedade, mas também gerou um ambiente propício para novas formas de criminalidade. O combate a esses crimes exige tanto evolução legislativa quanto um aprimoramento constante dos mecanismos de controle e segurança digital.
2. CRIMES CIBERNÉTICOS RELACIONADOS A MULHERES
A violência contra a mulher constitui uma das principais formas de violação dos direitos humanos, nesse sentido a Lei Maria da Penha Define em seu artigo 1º que a violência contra o gênero feminino se baseia em “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.
As violações de direitos femininos ocorrem em sua maioria dentro de seu próprio ambiente familiar. Entretanto, atualmente, com o meio tecnológico a qual estamos vivendo, a mulher encontra-se, também, em vulnerabilidade no que concerne à garantia de seus direitos perante o mundo virtual, haja vista que continuadamente é alvo de diversos ilícitos contra a sua honra e integridade psíquica nesse meio.
No cenário brasileiro, infelizmente, somos destaques de casos de violência contra mulher no mundo, e esses números não se resumem somente ao mundo físico, mas também ao cenário virtual. De acordo com o observatório Nacional de Direitos Humanos (2024) o qual comparou dados sobre o discurso de ódio em ambientes virtuais, mulheres se destacaram como o grupo vulnerável que mais recebeu denúncias de violações no cenário da internet nos anos de 2021, 2022 e 2023. Indicando, 4,9 mil, 5,6 mil e 4,5 mil casos, respectivamente. Isso representa cerca da metade do total de denúncias em cada ano, indicando a gravidade e a frequência desse tipo de violência na rede.
Com isso, temos que esses delitos que antes eram mais frequentes nos propriamente ditos do mundo físico, ocorrem, atualmente, com mais facilidade no ambiente virtual, haja vista os diversos mecanismos proporcionados pela tecnologia, já que mesmo a quilômetros de distância da vítima o indivíduo pode atuar contra sua integridade criminosamente.
2.1 TIPOS DE CONDUTAS PRATICADAS PELOS AGENTES:
Dentre os crimes praticados, os que possuem uma maior incidência são as condutas que atinjam a honra e a integridade psíquica da mulher. Nesse cenário, temos o caso mais comum, chamado de Pornografia de Vingança, o qual consiste na divulgação de imagens íntimas em sites e redes sociais, sem o consentimento da vítima. Esse delito se demonstra bastante grave na prática, pois na maioria das vezes ocorre por vingança de término, por parte do homem, causando à mulher diversos danos e transtornos psicológicos.
Neste sentido, aduz Crespo (2015, texto digital):
“Exatamente nesse contexto que temos verificado cada vez mais em nossa sociedade a prática do chamado revenge porn, ou pornografia da vingança, que é uma forma de violência moral (com cunho sexual) que envolve a publicação na Internet (principalmente nas redes sociais) e distribuição com o auxílio da tecnologia (especialmente com smartphones), sem consentimento, de fotos e/ou vídeos de conteúdo sexual explícito ou com nudez. As vítimas quase sempre são mulheres e os agressores, quase sempre são ex-amantes, ex-namorados, ex-maridos ou pessoas que, de qualquer forma, tiveram algum relacionamento afetivo com a vítima, ainda que por curto espaço de tempo”.
De acordo com uma pesquisa feito pelo Portal G1 (2023) a partir de informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da consulta aos Tribunais de Justiça dos Estados, o Brasil registrou ao menos 5.271 processos judiciais envolvendo a divulgação de imagens íntimas sem consentimentos, sendo a média de 4 registros por dia. Dados analisados entre janeiro de 2019 e julho de 2022.
Além desse crime, outra conduta bastante praticada é o crime de sextorsão, embora muito semelhante com a Pornografia de Vingança, esta consiste em ameaçar a divulgar imagens íntimas da vítima com o intuito de que ela faça algo, seja por vingança, humilhação ou por motivos financeiros. É um delito que pode ocorrer de diversas formas, seja por fingimento de informar que tem posse, até a prática de invasão de contas para roubar os conteúdos íntimos.
A sextorsão tem como vertente o crime de extorsão, tipificado no artigo 158 do Código Penal, que se conceitua pela prática de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.
Nesse sentido, subentende-se a relação entre os dois crimes devido a sua terminologia, porém a sextorsão se concretiza quando a vítima é ameaçada de ter suas fotos e vídeo íntimos divulgados, caso não oferte a vantagem exigida ao ofensor. Vale-se destacar que nem sempre a vantagem é de cunho patrimonial, em sua maioria das vezes o agressor faz a chantagem para que a vítima retorne ao relacionamento.
Por fim, outra conduta, infelizmente, praticada em meio digital, é o estupro virtual, o qual pode ocorrer quando a mulher é coibida a praticar sexo ou outros atos libidinosos em frente a uma câmera, sob ameaça.
No Brasil, o primeiro caso de estupro virtual aconteceu em agosto de 2017 no estado do Piauí, após uma vítima de 32 anos tentar colocar fim a uma relação existente entre um criminoso e ela. O indivíduo não aceitando o fim, utilizou de um perfil falso na rede social Facebook, ameaçando expor conteúdos íntimos, o agente, exigiu imagens e vídeos de nudez em que a vítima praticasse atos libidinosos. Em uma decisão pioneira e inédita, o juiz, Luiz de Moura, do estado do Piauí entendeu que houve a prática do crime de “estupro virtual”, perpetrado em autoria mediata ou indireta, pois a vítima, mediante coação moral irresistível, foi obrigada a realizar o ato executório imposto pelo agente.
2.2 CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS E MORAIS SOFRIDAS PELAS VÍTIMAS
Após sofrer essas condutas, mulheres são acarretadas principalmente pela culpabilização diante de um olhar machista que ainda presenciamos na maioria da sociedade, causando ansiedade, depressão e estresse pós-traumático são algumas das respostas comuns experimentadas por vítimas de crimes cibernéticos, além de enfrentarem dilemas e conflitos morais. Esses efeitos são exacerbados pelo anonimato e pela velocidade com que as informações se disseminam no ambiente virtual.
Desse modo, é possível afirmar que essas condutas são vistas como culpa da mulher, por ela ter deliberadamente enviado um conteúdo íntimo para o homem. Porém, ressalta-se que o envio, a qual ela confiou, não autorizou a sua divulgação.
A culpabilização da vítima, é uma das maiores consequências previstas, com isso, em decorrência desses julgamentos, muitas mulheres optam por se isolarem com o receio da consequência da exposição, além de também terem vergonha de denunciar tal prática.
Além das repercussões psicológicas, as vítimas de crimes cibernéticos sofrem moralmente com a violação de sua privacidade e identidade. O sentimento de vulnerabilidade moral é frequentemente associado à sensação de perda de controle sobre a própria imagem e reputação.
Uma pesquisa conduzida por especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (2022), obtiveram conclusões de que mulheres que tiveram imagens íntimas divulgadas sem autorização sofrem impactos como automutilação, depressão, fobias, tentativas de suicídio e dificuldades de se relacionar socialmente. Além disso, ainda na referida pesquisa, especialistas relataram que para as vítimas a maior dificuldade não seria a exposição, mas sim a culpabilização externa que vira interna, posteriormente.
As consequências dos crimes cibernéticos são profundas e multifacetadas, exigindo uma resposta jurídica e social adequada para minimizar os efeitos psicológicos e morais nas vítimas. É essencial que as vítimas recebam apoio adequado, tanto psicológico quanto legal, para restaurar seu senso de segurança e bem-estar.
3. INEFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS PARA COM CRIMES DIGITAIS
A Lei Maria da Penha foi criada no ano de 2006, após uma mulher chamada Maria da Penha sofrer duas tentativas de homicídio por parte de seu marido. Foi após esse grave caso, o qual a deixou paraplégica, que Maria da Penha lutou no cenário do direito internacional para que fosse criada uma lei que contribuísse para a diminuição da violência doméstica e familiar contra a mulher.
A legislação foi e ainda é um grande marco na luta de direitos femininos. Um dos seus principais objetivos consiste em coibir a demora na atuação estatal nos casos envolvendo a violência doméstica, pois, assim como Maria da Penha sofreu com a demora do judiciário para tomar providências sobre a sua situação, outras mulheres chegavam a perder suas vidas, por terem seus processos esquecidos.
Em seu artigo 7º, conceitua-se as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, as quais sejam, violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Ocorre que, mesmo sendo de grande avanço, a Lei Maria da Penha ainda é ineficaz no que condiz a crimes digitais. Vejamos que nas formas de violências expostas acima, não vemos expressamente a condição das condutas também serem praticadas em meio informático, o que com o avanço tecnológico e já demonstrado ao longo desse trabalho, têm sido práticas de grandes proporções.
Nessa senda, mulheres, mesmo com a garantia de uma Medida Protetiva, ainda são vítimas de crimes digitais por seus ex-companheiros, uma vez que estes usam as plataformas sociais para constranger e intimidar, além de expô-las intimamente, por estarem acobertados por um anonimato digital. Assim, vemos que somente uma decisão judicial que informe uma distância que o agressor deve manter da vítima, ainda não é o suficiente para garantir sua integridade.
Além disso, também precisamos levar em consideração que as Medidas Protetivas não abarcam os danos causados por crimes digitais, uma vez que em sua maioria são danos irreparáveis, pois sabemos que uma vez que essas mídias sejam expostas em meios digitais dificilmente poderão ser retiradas das plataformas.
4. MOROSIDADE DO JUDICIÁRIO EM ACOMPANHAR O AVANÇO TECNOLÓGICO
A lentidão do Poder Judiciário em acompanhar o avanço tecnológico e o surgimento de novas legislações específicas para crimes cibernéticos é um ponto recorrente no combate a essas infrações no Brasil. A análise das legislações em vigor e a sua aplicação no ambiente digital revela um sistema judicial incapaz de acompanhar a rápida evolução e complexibilidade dos crimes cibernéticos, prejudicando a proteção das vítimas e a eficácia das decisões judiciais.
Vale destacarque, apesar do avanço das Leis 12.737/12 (Lei Carolina Dieckmann), 12.965/14 (Marco Civil da Internet) e a Lei 11.340 (Lei Maria da Penha), a aplicação na prática ainda encontra desafios devido à ausência de técnicas de investigação rápidas e especializações judiciais.
Garcia, Caruzo e Zamquim Junior destacam uma característica importante que dificulta a investigação e punição desses crimes “está relacionada a sua transnacionalidade, bem como a própria Internet, visto que a prática de delitos pode ocorrer de qualquer lugar do mundo” (p.15). Eles enfatizam que o anonimato e a transnacionalidade dos crimes digitais dificultam a punição dos criminosos, especialmente pela lentidão em decisões judiciais, como a remoção de conteúdos ofensivos.
Monteiro também enfatiza essa crítica ao destacar os efeitos emocionais da exposição prolongada das vítimas, especialmente em situações de violência de gênero no meio digital, enfatizando que o mundo cibernético é ainda mais desumano. Nesse sentido, afirma Monteiro:
se já não bastasse serem vítimas no ambiente real (mundo físico), as mulheres são, também no ambiente virtual (mundo cibernético), as maiores vítimas de várias formas de violência. O ambiente virtual possui um caráter ainda mais cruel, pois em pouco espaço de tempo uma mulher pode ser humilhada perante seus parentes, amigos, contatos e milhares de desconhecidos. (MONTEIRO, Eduardo Pinheiro, p.18, 2019)
Em resumo, a morosidade dos tribunais prejudica a efetividade das leis e expõe as vítimas a danos contínuos, evidenciando a necessidade de ações mais rápidas e específicas para os crimes cibernéticos.
5. CIBERSEGURANÇA E APOIO AS VÍTIMAS
A cibersegurança tornou-se uma das preocupações centrais na era digital, com ameaças que afetam desde pessoas individuais até grandes corporações. O crescimento das atividades online, trouxe consigo o perigo de ataques cibernéticos, roubo de informações e outras infrações de privacidade, gerando a urgência de adoções de medidas e ações preventivas para todos os usuários da internet.
Para além da aplicação de tecnologias de segurança, como criptografia e autenticação de múltiplos fatores, é crucial proporcionar apoio adequado às vítimas de crimes cibernéticos. Frequentemente, essas mulheres sofrem com prejuízos emocionais, financeiros e de reputação, necessitando de apoio para enfrentar as repercussões desses ataques. É essencial estabelecer canais de suporte e orientação, além de serviços especializados para proporcionar assistência psicológica aquelas que foram impactadas.
Além do mais, a educação e a sensibilização são elementos cruciais no enfrentamento do cibercrime. Muitos usuários ainda desconhecem as práticas fundamentais de segurança digital, como o cuidado com senhas, a verificação de fontes e a supervisão de dados pessoais. Neste cenário, é crucial a realização de campanhas educativas para sensibilizar a população acerca da importância de proteger seus dados
Nessa senda, pesquisas indicam que o apoio institucional e psicológico para as vítimas de crimes cibernéticos, pós-ataque, tendem a adotar medidas preventivas no futuro. Isso enfatiza a importância de um sistema de suporte sólido que oriente as vítimas na recuperação de seus dados e na proteção futura.
Em suma, o aprimoramento da cibersegurança necessita de um equilíbrio entre ações tecnológicas de proteção, suporte ativo às vítimas e uma base sólida de educação e conscientização. Essa combinação não só ajuda a reduzir a ocorrência de crimes cibernéticos, mas também fomenta uma cultura de responsabilidade e segurança na utilização das tecnologias, assegurando um ambiente digital mais protegido para todos.
6. CONCLUSÃO
Conclui-se que a situação atual dos crimes cibernéticos direcionados às mulheres apresentam desafios que não podem mais ser negligenciados pelo sistema jurídico brasileiro. Os tipos de violência digital, como a pornografia de vingança, a sextorsão e o estupro virtual, evidenciam a fragilidade a que estão expostas as mulheres no ambiente online e, simultaneamente, evidenciam a ineficácia das medidas protetivas tradicionais, como a Lei Maria da Penha, para lidar com essas novas formas de crime. Embora tenha acontecido avanços significativos, como o Marco Civil da Internet e a Lei Carolina Dieckmann, as legislações ainda se mostram insuficientes para abarcar a rapidez e a complexidade dos delitos praticados no espaço virtual.
A lentidão judicial em investigar e sentenciar esses casos favorece para a perpetuação da impunidade, possibilitando que agressores se beneficiem do anonimato e da transnacionalidade das plataformas digitais como proteção. Ademais, as consequências psicológicas para as vítimas são intensas e de longo prazo, agravadas pela facilidade da propagação do conteúdo íntimo na internet e pela dificuldade em removê-lo definitivamente. Essas condições não só violam o direito à dignidade feminina, mas também evidenciam a falta de preparo do sistema judicial para lidar com os impactos emocionais e sociais de tais crimes.
Neste cenário, é imprescindível uma reestruturação que inclua não apenas a criação de leis específicas e eficientes para crimes cibernéticos, mas também a formação contínua de profissionais do Judiciário para tratar com mais rapidez e sensibilidade as situações de violência digital. Simultaneamente, o reforço da cibersegurança, juntamente a uma política de educação digital e campanhas de conscientização, é crucial para evitar novos casos e assegurar um espaço virtual mais protegido.
Portanto, é imprescindível que o Brasil avance em suas políticas de proteção e auxílio às vítimas, incluindo suporte psicológico e jurídico apropriado, além de criar uma estrutura de cibersegurança mais sólida, prevenção ativa e um sistema de suporte humanizado poderemos enfrentar o problema dos crimes cibernéticos contra mulheres de forma efetiva, promovendo a justiça e garantindo os direitos básicos das vítimas no contexto digital.
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