REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102411231133
Aline Campos Dias Cordeiro1
Benedito Gomes Ruela2
NTRODUÇÃO
A Governança Municipal constitui-se através de um conjunto de inúmeras práticas e projetos, na maioria das vezes complexos, e que, envolvem uma necessidade de restruturação da gestão dos recursos e serviços públicos disponibilizados pelos municípios brasileiros. Nesta feita, o contexto em que se insere é parte das prerrogativas da sua alta administração, que tem a responsabilidade de ser mais abrangente e gerencial, na busca de seus processos de adequação, de eficiência e efetividade.
Neste sentido, a governança municipal parte da premissa de promover aos municípios a busca pela excelência de seus serviços de modo que sempre o cumprimento de sua execução seja voltado ao interesse público como parte do seu objetivo final, o que por si, constitui o desafio de sua implantação de forma efetiva, eficaz e eficiente, haja visto, o conflito de interesse entre os atores políticos locais.
No que tange os mecanismos da governança pública, liderança, estratégia e controle, torna-se elementar nos municípios o direcionamento para formação de servidores competentes para exercerem suas funções, pautados em ações e
objetivos definidos, de controle contínuo, na promoção de elementos contundentes e
efetivos de accountability1 e prestação de contas à sociedade.
O grande desafio está na busca de garantias para estabelecer de forma ampla e difusa, ações da administração pública municipal concernentes aos seus objetivos no âmbito de estruturação da governança e que tenham a capacidade de implantar, adequar, desenvolver, fiscalizar e avaliar uma gestão democrática com mitigação de riscos e resultados pautados na eficiência, eficácia e efetividade à administração pública.
DESAFIOS DA GOVERNANÇA PÚBLICA MUNICIPAL EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE
A institucionalização da governança pública municipal é um elemento partícipe da gestão pública eficiente quanto a busca de soluções para os problemas dos municípios de pequeno porte no Brasil, e, neste aspecto, contextualiza-se a dificuldade frente a inúmeras cargas de ações que tornaram sua responsabilidade com o processo de descentralização da administração pública federal. Acarretou-se uma tarefa árdua e de grandes proporções haja visto que não possuem, em sua grande maioria, capacidade administrativa e financeira estruturadas para atender as demandas que afetam de forma considerável sua gestão.
A esse respeito Kennedy e Sood (2018) chamam atenção para o novo papel dos municípios na governança. A governança pública nos municípios representa não só a interação dos agentes públicos locais com a sociedade, mas representa um potencial para a ação conjunta dos envolvidos na solução de problemas comuns na região (PEIXE; ROSA; FILHO PASSOS, 2018).
Em razão disso, Hely Lopes Meirelles, discorre sobre prerrogativa de dever denominada poder de propulsão concatenado ao poder municipal:
Poder de propulsão é a faculdade de que dispõe o Município para impulsionar o desenvolvimento local, através de medidas governamentais de sua alçada. É, pois, toda ação incentivadora de atividades particulares lícitas e convenientes à coletividade. […] o Município pode e deve, nos
limites de sua competência, controlar e incentivar o progresso no seu território em todos os setores de interesse local. (MEIRELLES, 2006, p. 506507)
Dessa forma, a fiscalização, o incentivo e o planejamento são os instrumentos de que dispõe o poder público para concretizar a sua atividade reguladora e norteadora das atividades econômicas. Inequívoca é a proximidade que o poder de polícia e o fomento, imprescindíveis atividades administrativas estatais, possuem com a regulação estatal, integrando a sua efetividade. Isso porque a fiscalização já pressupõe uma atividade calcada na limitação da liberdade ou da propriedade, típica da política administrativa2, bem como também o incentivo remete à ideia de estímulos ao desenvolvimento, a integrar o conceito de fomento3.
O planejamento constitutivo da governança municipal nos municípios de pequeno porte deve de forma sucinta definir suas políticas, ações e programas, considerando os referenciais básicos de governança e toda a complexidade da parte administrativa, orçamentária e financeira num maior aporte de captação de recursos, ações participativas e democráticas envolvendo governo, sociedade civil e parceiros de eficiência econômica.
Neste ínterim, a sedimentação na prática de uma governança pública eficiente, promove a população maior possibilidade de melhorar seu “status quo” de dignidade, que é uma garantia constitucional, e um dos pilares do Estado Democrático de Direito, e como tal, cabe ao poder público toda organização, implantação e fiscalização.
Entretanto, para que se estabeleça de fato é preciso compromisso, eficiência e ação efetiva do poder público municipal, o que por si só é um grande desafio, considerando os vícios arraigados na administração pública brasileira, e, por conseguinte, inaplicabilidade de recursos e corrupção ativa. Ou seja, é preciso mitigar essa “herança pública” que tem nas suas estruturas organizacionais um problema sistêmico, que adicionado a falta de uma gestão de informação, promove
dificuldades pontuais para a aplicação institucionalizada de ações, objetivos e programas, com resultados, e, que possam ressignificar o papel do poder municipal, para garantir a população elementos primordiais para uma vida digna e de de bemestar amparados na legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência na condução de otimização de seus recursos financeiros e humanos.
Nota-se que o cenário que antecede a institucionalização da governança é um espaço de oportunidades, mas na maioria das vezes de grandes conflitos, que na formação de suas divergências situacionais e gerenciais, infelizmente, colocam o interesse individual sobre o da coletividade. E, nesse cenário contraditório, o desafio que ainda existe nas premissas “ do voto de cabresto e do coronelismo”, deverá ser substituído pelo um novo ordenamento de ações e programas voltados a liderança, estratégia e controle, e que sejam constantemente avaliados, direcionados, monitorados, e, processados com accountability e prestação de contas, para que se torne um elemento real, proativo e de desenvolvimento econômico, social e político para a população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através de uma reflexão crítica acerca dos desafios da governança pública em municípios de pequeno porte percebe-se que em face a diversidade política, econômica, social desses entes, muitas concepções mesclam-se quanto a importância da governança para promoção e fortalecimento da democratização da sua gestão pública. E, dessa maneira, os elementos de institucionalização, como efetividade, participação, transparência, accountability, legalidade, equidade, integridade e ética, devem ser padronizados e partícipes do contexto de cada realidade.
Por outro lado, essas reflexões estabelecem maior clareza quanto aos desafios impostos a governança municipal, e também, alguns caminhos que podem ser percorridos. E neste sentido, o cerne das competências municipais logicamente determina-se no interesse local que também fundamenta a suplementação das legislações federais e estaduais pelas da municipalidade. Essas competências compreendem um âmago de autonomias que se instituí no âmbito político, administrativo, econômico e legislativo e que por suas características e definições formam o poder municipal.
Neste contexto, os municípios de pequeno porte ainda não compreenderam que têm em suas mãos “um poder transformador”, ou seja, ferramentas que podem na concepção do seu poder do dever da propulsão, promover o desenvolvimento local, haja vista que é um ente vinculante a federação e que através dos princípios de uma governança democrática e participativa podem torná-los maiores que os interesses individuais e, assim, promover a institucionalização da boa governança com intervenção, seja de forma direta ou indireta, em todos órgãos constitutivos da gestão municipal, principalmente quanto ao controle interno e externo, accountability e transparência, primando pela prestação de serviços de qualidade a população, com elementos de avaliação, monitoramento e mitigação de riscos ao desenvolvimento de suas ações, com foco nos resultados em curto, médio e longo prazo.
Entretanto, por que qualificar importância aos desafios da governança pública nos municípios de pequeno porte? A governança pública é uma necessidade aos municípios, principalmente, aqueles com relevantes dificuldades econômicas, sociais e orçamentárias. Ademais, com a gama de ferramentas que a governança dispõe para assegurar a constituição de serviços de qualidade, sua defesa é nada mais que capacidade de promover restruturação nos órgãos públicos municipais, com otimização e captação do que mais carecem, destacando recursos financeiros e também humanos (servidores capacitados, comprometidos, lideranças atuantes), que fundamentam-se na promoção da qualidade dos trabalhos desenvolvidos, efetiva e eficiente fiscalização dos serviços prestados pelos servidores. E, não menos importante, que a governança alcance as mais diversas realidades, principalmente no tocante ao monitoramento do cumprimento de suas metas e seus resultados, que na maioria desses municípios são normalmente instituídas, mas não cumpridas de forma efetiva e de atendimento as demandas reais e abrangentes.
Em suma, o maior desafio da governança pública nos municípios de pequeno porte é a subjugação dos interesses pessoais em prol da coletividade e a não abertura a uma gestão participativa e democrática. No que tange ultrapassar os limites impostos a sua não institucionalização é preciso estimular nos gestores tomadas de decisões assertivas e com a capacidade de transformação dos municípios como parte de inovação de suas estruturas e promoção de qualidade de vida e bem-estar a todos os seus munícipes.
REFERÊNCIAS
DI PIETRO, Maria Zylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.
KENNEDY, Loraine; SOOD, Ashima. Outsourced urban governance as a state rescaling strategy in Hyderabad, India. Cities, n. 85, p. 130-139, 2019.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006.
PEIXE, Blênio Cezar Severo; DA ROSA FILHO, Celso; DE ABREU PASSOS, Gabriela. Governança pública e accountability: Uma análise bibliométrica das publicações científicas nacionais e internacionais. Revista Contemporânea de Contabilidade, v. 15, n. 36, p. 77-96, Florianópolis 2018.
REDE GOVERNANÇA BRASIL. Governança pública municipal: transformando sua administração/Rede Governança Brasil. 3ª edição, Salvador/BA: Editora Mente Aberta, 2023.
1 Accountability é um termo da língua inglesa que pode ser traduzido para o português como responsabilidade com ética e remete à obrigação, à transparência de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados. (REDE GOVERNANÇA BRASIL,2023)
2 Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 787) polícia administrativa é “a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”.
3 Maria Zylvia Zanella Di Pietro (2014, p. 55) diz que o “fomento abrange a atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública”, a abranger tanto o empresariado quanto às pessoas públicas não estatais.
1 Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências e Tecnologias de Unaí/MG (2005). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá (2010) e Direito Público com capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade Damásio (2015). Presidente da Subseção de Arinos/MG (2016-2018), Presidente da Subseção de Arinos/MG (2019-2021), Presidente da Subseção de Arinos/MG (2022-2024). Membro da Comissão de Agronegócio da Seccional da OAB/MG (2022-2024).
2 Graduado em Direito pela Faculdade INESC de Unaí/MG (2007). Advogado Militante desde maio/2009, sócio da Advocacia Campos e Ruela Advogados Associados desde 30/06/2014. Pósgraduado em Direito Penal pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá (2010) e Direito Público com capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade Damásio (2015).