ANÁLISE DAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DO CYBERBULLYING NO BRASIL, FOCANDO NA LEGISLAÇÃO VIGENTE, NA RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DOS ENVOLVIDOS, E NOS MECANISMOS DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202411210915


Felipe do Nascimento Alencar1


RESUMO

O avanço da tecnologia e a expansão das redes sociais transformaram significativamente as interações sociais, proporcionando novas formas de comunicação, mas também criando desafios e problemas, como o cyberbullying. Este fenômeno tem se mostrado uma preocupação crescente devido ao seu impacto devastador sobre as vítimas, que pode incluir desde danos emocionais e psicológicos até casos extremos de suicídio. A compreensão das consequências jurídicas do cyberbullying é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes, a proteção das vítimas e a responsabilização adequada dos agressores. O cyberbullying é um fenômeno crescente que afeta profundamente a vida de indivíduos, especialmente de crianças e adolescentes, que são os grupos mais vulneráveis a esse tipo de violência. No Brasil, a popularização das redes sociais e o aumento do uso da internet têm exposto uma parcela significativa da população aos riscos associados ao cyberbullying. A relevância social deste tema está ancorada na necessidade urgente de compreender e enfrentar esse problema de maneira eficaz, garantindo a proteção e o bem-estar das vítimas. Em resumo, a presente pesquisa se justifica pela relevância social do cyberbullying e a necessidade de respostas eficazes tanto no âmbito jurídico quanto no desenvolvimento de políticas públicas. As contribuições esperadas incluem a melhoria da legislação, o apoio às vítimas e o avanço teórico sobre o tema, posicionando a pesquisa como um passo importante no desenvolvimento de um ambiente digital mais seguro e justo. 

Palavras-chave: Cyberbullying. Legislação. Mecanismos. Proteção.  

ABSTRACT

The advancement of technology and the expansion of social networks have significantly transformed social interactions, providing new forms of communication, but also creating challenges and problems, such as cyber bullying. This phenomenon has proven to be a growing concern due to its devastating impact on victims, which can include anything from emotional and psychological damage to extreme cases of suicide. Understanding the legal consequences of cyberbullying is essential for the development of effective public policies, the protection of victims, and the proper accountability of perpetrators. Cyberbullying is a growing phenomenon that profoundly affects the lives of individuals, especially children and adolescents, who are the most vulnerable groups to this type of violence. In Brazil, the popularization of social networks and the increase in the use of the internet have exposed a significant portion of the population to the risks associated with cyberbullying. The social relevance of this topic is anchored in the urgent need to understand and address this problem effectively, ensuring the protection and well-being of victims. In summary, the present research is justified by the social relevance of cyberbullying and the need for effective responses both in the legal field and in the development of public policies. The expected contributions include the improvement of legislation, support for victims and theoretical advancement on the subject, positioning the research as an important step in the development of a safer and fairer digital environment.

Keywords: Cyberbullying. Legislation. Mechanisms. Protection.

1 INTRODUÇÃO 

O avanço das tecnologias de comunicação e a disseminação das redes sociais transformaram profundamente as relações sociais, proporcionando novos espaços para interações. Contudo, essa evolução tecnológica também trouxe desafios, especialmente no que diz respeito ao cyberbullying — uma forma de violência caracterizada por atos repetitivos de humilhação, intimidação e assédio no ambiente virtual. No Brasil, esse fenômeno tem despertado a atenção de juristas, legisladores e da sociedade, principalmente devido aos impactos psicológicos e sociais que causa, especialmente entre crianças e adolescentes.

O cyberbullying apresenta características próprias em relação ao bullying tradicional: ele ocorre em plataformas virtuais, geralmente sob a proteção do anonimato, e tem um alcance ilimitado, podendo causar um efeito multiplicador ao atingir audiências amplas. Dessa forma, surgem questões jurídicas complexas sobre como lidar com essa prática, uma vez que as ofensas podem ser replicadas e permanecer acessíveis de forma indefinida, o que potencializa os danos às vítimas.

Este trabalho tem como objetivo analisar as implicações jurídicas do cyberbullying no Brasil, abordando os mecanismos de proteção legal e as responsabilidades civil e penal dos envolvidos. A legislação brasileira já conta com leis que se aplicam diretamente a essa prática, como a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, e a Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, que define direitos e responsabilidades no uso da internet. Além dessas, o Código Penal e o Código Civil também oferecem bases para a responsabilização dos agressores.

A responsabilidade civil em relação ao cyberbullying inclui reparar os danos causados ​​à pessoa prejudicada e buscar indenização integral por qualquer sofrimento, bem como perdas morais e materiais sofridas. O debate sobre supervisão parental e educação pode ser estendido por meio da responsabilização dos responsáveis ​​legais dos menores em questão. No Brasil, como para outras infrações, não há corpo de delito neste caso, então continua sendo uma potencialidade inexplorada da lei, mas a tendência é para uma proteção maior e mais eficaz das vítimas desta nova forma de insulto, incluindo seu análogo pseudônimo. 

Já a responsabilidade criminal visa punir atos de violência virtual com base em infrações como difamação, insulto e ameaças, cujas sanções variam conforme o caso. A lei brasileira também prevê medidas para identificar agressores anônimos e remover conteúdo prejudicial, embora haja dificuldades na aplicação efetiva dessas regras.

Portanto, este artigo pretende examinar as leis existentes e seus pontos fortes e fracos em relação ao cyberbullying. Este trabalho explorará medidas para proteger vítimas de crimes com foco especial em ações preventivas e educativas como uma solução para coibir o cyberbullying e promover um espaço digital mais seguro e inclusivo para todos. 

2 DA DEFINIÇÃO DO CYBERBULLYING 

O cyberbullying representa um desafio crescente na era digital, caracterizado pelo uso de tecnologias de comunicação para realizar ações de violência e intimidação contra indivíduos. Esse fenômeno, amplamente difundido nas redes sociais e outras plataformas online, tem gerado consequências significativas tanto no plano pessoal quanto jurídico. No Brasil, a legislação e as políticas públicas estão em constante evolução para enfrentar esse problema. A fundamentação teórica a seguir explora as dimensões do cyberbullying, suas consequências jurídicas e as respostas institucionais, com base em uma ampla revisão da literatura

O cyber bullying, ou cyberbullying, é um fenômeno relativamente recente, mas com consequências profundas e duradouras. Trata-se de um comportamento agressivo e intencional realizado por meio de tecnologias digitais, como redes sociais, aplicativos de mensagens, e-mails e outros. As implicações jurídicas desse comportamento têm sido objeto de crescente interesse acadêmico e jurídico, refletindo a necessidade de um entendimento aprofundado e de uma legislação eficaz para combater esse problema.

O cyberbullying é definido como o uso das tecnologias de comunicação para hostilizar, ameaçar, amedrontar ou humilhar outras pessoas. Segundo Kowalski, Limber e Agatston (2012), o cyberbullying distingue-se do bullying tradicional por sua capacidade de alcançar um público maior e pela dificuldade de escapar das agressões, uma vez que estas podem ocorrer a qualquer momento e lugar. Esses autores destacam que a anonimidade proporcionada pela internet pode intensificar a crueldade das agressões, uma vez que o agressor sente-se protegido pelo anonimato.

2.1 Das formas e tipos de cyberbullying 

Patchin e Hinduja (2010) apontam que o cyberbullying pode assumir diversas formas, incluindo a disseminação de rumores falsos, a postagem de imagens comprometedoras, o envio de mensagens ameaçadoras e a exclusão social virtual. Os autores enfatizam a complexidade desse tipo de bullying, que frequentemente envolve múltiplos agressores e vítimas, bem como a dificuldade de rastrear a origem das agressões.

Kowalski, Limber, e Agatston (2012) apontam que uma das formas mais conhecidas é a ameaça, que se caracteriza pelo envio repetitivo de mensagens ameaçadoras ou intimidadoras. O autor indica também a provocação incendiária, onde discussões com o uso de linguagem vulgar e ofensiva se iniciam de forma online, e acabam por se propagar de forma rápida tanto no meio virtual, quanto no real, como, por exemplo, uma discussão que se inicia em um site de relacionamento e passa para dentro da sala de aula.

Shariff (2011) indica uma outra forma, que é o assédio virtual, nessa forma específica, ocorre o envio de mensagens ofensivas, por meio de qualquer aparelho eletrônico, com o objetivo de insultar a vítima; Para a autora essa forma pode também se confundir com a difamação, que é caracterizada pelo ato de difamar ou afrontar através do uso de rumores e fofocas que são disseminados na Internet visando causar danos à reputação da vítima.

As consequências do cyberbullying são graves e variadas. Smith et al. (2008) relatam que as vítimas de cyberbullying frequentemente sofrem de ansiedade, depressão e baixa autoestima. Em casos extremos, o cyber bullying pode levar ao suicídio. Os autores também observam que o impacto emocional pode ser mais intenso do que o bullying tradicional devido à onipresença das tecnologias digitais na vida das pessoas.

2.2 Da Distinção entre bullying tradicional e cyberbullying 

Hoje, quanto aos estudiosos dessa área, há uma perspectiva diferente sobre o fenômeno. Para Law et al. (2011), Walker et al. (2011); e Rocha (2012), o cyberbullying se destaca como um fenômeno diferente do principal fenômeno do bullying, enquanto para os autores considera-se que os modos de comunicação eletrônica e os gadgets aplicados, como tablets, smartphones e celulares, são canais de criação de novos tipos de interação social para expandir, fortalecer e diferenciar os modos de comunicação para os jovens de hoje. Os autores argumentam que esse fenômeno se torna muito diferente do bullying face a face quando ocorre dentro de um novo método pelo qual ele cresce e toma sua forma com novos meios de comunicação surgidos.

Shariff (2011) sustenta que o fenômeno do bullying e do cyberbullying poderia ser mais bem compreendido ao dar tipologia, causas e consequências a alguns fatores gerais no contexto. Quanto a Lee (2011) e Bibou-Nakou; Tsiantis; Assimopoulos & Chatzilambou (2013), o bullying pode não ser apenas violência física direta, mas assumir formas relacionais, como ameaças, acusações injustas e indiretas, roubo de dinheiro e pertences, difamação sutil, degradação da imagem social etc., e discriminação ou exclusão do grupo. Além disso, suas manifestações prescritas incluem cyberbullying – postar e-mails e mensagens agressivas diretamente para a vítima ou fotos, vídeos ou comentários difamatórios para uma ampla rede de pessoas.

A característica mais aparente e palpável que o distingue do bullying é seu continuum intenso e quão difícil é sair dele. Uma criança que sofre bullying pode, até certo ponto, ir para casa quando mais fisicamente intimidada; nesta era, no entanto, os ataques apenas os seguem para casa, pois eles podem receber SMSs, e-mails ou mensagens de redes sociais que os atacam moralmente ainda mais enquanto, digamos, estão confinados em seu quarto. (Slonje & Smith, 2008).

2.3 Dos impactos psicológicos, sociais e acadêmicos nas vítimas 

Os efeitos do cyberbullying levam, assim como no bullying tradicional, a várias consequências psicológicas. Ortega e outros (2012) salientam que existem duas perspectivas para a visão das consequências envolvidas no cyberbullying. Na primeira se comparam os efeitos deste com os do bullying tradicional, tentando mostrar qual é mais prejudicial para os envolvidos. Entretanto, Smith e outros (2008) apontam, em seus estudos, que o impacto dessas consequências depende da forma em que ocorre o cyberbullying e da importância das relações virtuais e da forma como se estabelecem dentro da cultura do país.

É crucial reconhecer a gravidade desse fenômeno do cyberbullying e a necessidade de um enquadramento jurídico adequado para proteger os direitos e interesses das vítimas, bem como para estabelecer responsabilidades legais para os autores de tais condutas nocivas de acordo com as normas legais e princípios de justiça:

Algumas vítimas expressaram incapacidade de se concentrarem na escola, outras afirmaram sentir-se forçadas a permanecer offline. É frequente as vítimas desconfiarem dos outros, pois não conhecem a identidade do agressor. Outros estudos correlacionam os pensamentos e comportamentos suicidas com a cibervitimização. Alguma investigação recente apurou que a participação no cyberbullying, seja como agressor ou como vítima, estava ligada ao aumento da probabilidade da ideação do suicídio. Contudo, a vitimização revelou uma maior tendência para se traduzir em pensamentos e tendências suicidas do que para levar, propriamente, ao suicídio. A cyber vitimização também tem sido associada a um provável aumento da automutilação (Guckin et al. 2012, p.17).

Os efeitos psicológicos desta frequente agressão são os mais diversos e vão desde uma baixa autoestima, dificuldade em se relacionar, depressão, síndrome do pânico, chegando em algumas vezes à morte (suicídio). E, por último, a autora apresenta como terceiro personagem, os espectadores que são as pessoas que não sofrem nem praticam as agressões, porém as presenciam, e por medo de se tornarem vítimas, não denunciam os agressores (Fante, 2005).

3 HISTÓRICO DO USO DE TECNOLOGIA E SURGIMENTO DO CYBERBULLYING 

A cibercultura é a cultura contemporânea expressada pela tecnologia digital, resultada da “relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70”, (Lemos, 2003, p.11) em um mundo moderno, onde a tecnologia é a principal responsável pela quebra das barreiras espaços-temporais entre os corpos

O uso da tecnologia evoluiu rapidamente, transformando a comunicação e introduzindo novos meios de interação social. Desde o surgimento da internet e das primeiras redes sociais, como Orkut e MySpace, até a popularização de plataformas como Facebook, Twitter e Instagram, a tecnologia permitiu uma conexão global sem precedentes. No entanto, esse avanço também abriu espaço para o cyberbullying – uma forma de agressão virtual caracterizada por assédio, humilhação e ameaças realizadas por meio de dispositivos digitais. 

Para complementar esta informação de que esta violência virtual não se originou dos artefatos digitais de hoje, os autores Fante e Pedra (2008, p.66) destacam:

Precisamos lembrar que prática semelhante acontece desde há muitos tempos, em brincadeiras de “amigo oculto”, ou de “correio elegante”. Nas trocas de mensagens algumas pessoas eram alvejadas com textos pejorativos e os autores se escondiam no anonimato, obviamente sem os recursos tecnológicos atuais. A intenção de ferir, de magoar e de ridicularizar é a mesma.

Sedentos pela comunicação, os relacionamentos sociais estão se tornando cada vez mais virtuais, porém este tipo de interação apresenta tanto aspectos bons com ruins, pois de um lado, encontramos pontos positivo das potencialidades tecnológicas como, por exemplo, os fóruns, onde partilhamos informações e opiniões, enquanto que por outro deparamo-nos com “situações que indiciam relações em que a questão do poder, nas suas lógicas de manipulação e sofrimento psicológico, passa a ser central” (Neves e Pinheiro, 2009, p. 5) em que, muitos recorrem a estes meios para cometerem ações como o assédio sexual de menores, as difamações e intimidações e o próprio bullying virtual, dentro de uma sociedade caracterizada tanto pela instantaneidade como pela conectividade, sendo regidas pela batuta do processamento de informações e das relações interpessoais virtuais entre diferentes povos.

Com o anonimato e o alcance facilitados pelas plataformas online, o cyberbullying tornou-se uma preocupação séria, especialmente entre jovens. Esse fenômeno tem efeitos profundos na saúde mental e social das vítimas, incluindo problemas como ansiedade, depressão e isolamento social. Diante disso, surgem discussões sobre a responsabilidade das plataformas digitais e a importância de leis e campanhas educativas para prevenir e combater o cyberbullying, tornando o ambiente virtual mais seguro e inclusivo.

3.1 Evolução da legislação sobre violência online e proteção de menores 

A jurisprudência brasileira tem evoluído no tratamento dos casos de cyberbullying. Silva (2016) analisa uma série de decisões judiciais que demonstram a aplicação das leis existentes para responsabilizar civil e penalmente os agressores. Um exemplo significativo é o caso em que um tribunal brasileiro condenou um adolescente a pagar indenização por danos morais a uma colega de escola que foi vítima de cyberbullying, destacando a aplicação do artigo 186 do Código Civil, que trata do ato ilícito.

Comparando com outros países, Brazil (2018) observa que a legislação brasileira ainda possui lacunas significativas em comparação com países como os Estados Unidos e o Reino Unido, que têm desenvolvido políticas mais robustas e específicas para combater o cyberbullying. Nos Estados Unidos, por exemplo, várias leis estaduais estabelecem medidas claras para prevenir e punir o cyberbullying, enquanto no Reino Unido, a Malicious Communications Act de 1988 e o Communications Act de 2003 fornecem uma base legal para processar comportamentos abusivos online.

A necessidade de aprimorar a legislação brasileira é destacada por autores como Rodrigues (2019), que propõe a criação de leis mais específicas e rigorosas para lidar com o cyberbullying. Rodrigues sugere que a legislação deve incluir não apenas sanções mais severas para os agressores, mas também mecanismos de suporte e proteção mais robustos para as vítimas, como a criação de unidades especializadas em cyber crimes e a implementação de programas educativos em escolas.

3.2 Análise das principais leis e regulamentos vigentes relacionados ao cyberbullying 

Os direitos que todo ser humano supostamente possui em virtude de ser humano e que são considerados básicos para a preservação de sua dignidade e a promoção da igualdade na sociedade incluem direitos civis e políticos, bem como direitos humanos socioeconômicos. Estes são essenciais para a realização de todos os direitos humanos e servem para ajudar a garantir que todas as pessoas tenham acesso a condições de vida justas e decentes em uma sociedade social e legal.

A dualidade dos direitos fundamentais é um elemento vital dentro do sistema legal de alguém que avança para algo mais do que um contexto nacional. Tal passagem pode ocorrer além de um horizonte nacional em duas dimensões: uma substancial e outra sistemática.

Em essência, o cyberbullying infringe uma série de direitos humanos fundamentais, incluindo os de dignidade, liberdade de expressão, privacidade, não discriminação, educação, acesso a soluções eficazes e segurança. A proteção contra o impacto deletério do cyberbullying está diretamente relacionada à promoção e proteção dos direitos humanos, no que diz respeito às preocupações que devem dar origem a respostas legais e políticas adequadas o suficiente para lidar com a questão, garantindo a proteção dos direitos fundamentais para todas as pessoas no ambiente online.

A Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, é uma peça fundamental da legislação que estabelece princípios, direitos e deveres para o uso da internet no país por parte de usuários e provedores de conteúdo. A implementação da lei garantirá que não haja práticas discriminatórias para que todas as pessoas tenham acesso irrestrito e sem influência às informações e conhecimentos disponíveis na internet. A legislação tem regras gerais, direitos específicos e direitos de garantia, que ajudam na salvaguarda/mediação, resolvendo assim os conflitos que podem surgir de sua coexistência.

Um dos princípios mais fundamentais, porém complexos, no cerne de tal regulamentação é a doutrina jurídica básica referida como “neutralidade da rede”. Esta disposição estabelece inequivocamente que os ISPs têm uma obrigação absoluta de não discriminação quanto ao tráfego de dados com base em qualquer tipo de conteúdo, origem, destino, serviço ou aplicação. O cerne da questão em si significa, portanto, que todos os dados que trafegam pela rede sejam tratados de forma idêntica, sem nenhuma diferença, favoritismo ou preconceito de qualquer tipo.

A Lei nº 12.737, de 2012, ficou amplamente conhecida como a “Lei Carolina Dieckmann” e marca um marco na legislação brasileira sobre crimes cibernéticos. Por exemplo, quando um indivíduo tem fotos pessoais vazadas na Internet porque seu computador foi hackeado, como o que aconteceu com a atriz Carolina Dieckmann, isso provoca alguma iniciativa pública para a promulgação de lei criminal sobre crimes de computador e medidas sobre isso:

Invasão de dispositivo informático

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput .

§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resultar prejuízo econômico.

§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

A principal finalidade da Lei Carolina Dieckmann é criminalizar as invasões de dispositivos informáticos (computadores, smartphones, tablets etc.) com o intuito de obter, adulterar ou destruir dados pessoais. Ela visa também punir a divulgação não autorizada de informações privadas na internet.

3.3 Lacunas e desafios na legislação atual 

Em muitos países, não existe uma definição legal clara e unificada de cyberbullying. Isso dificulta a identificação e a punição de comportamentos abusivos online.

Com relação à jurisdição e territorialidade, o ambiente online não respeita fronteiras geográficas. Muitas vezes, o agressor e a vítima estão em países diferentes, dificultando a aplicação da lei. Neste ponto, o maior desafio é harmonizar legislações internacionais para lidar com crimes virtuais e estabelecer protocolos de cooperação jurídica entre países.

A autora Silva (2020, p. 05), discute as lacunas na legislação brasileira sobre cyberbullying, destacando que “os dispositivos legais atuais não oferecem clareza suficiente quanto à punição de crimes cibernéticos, deixando margem para interpretações subjetivas e ineficazes.”

Já Gomes (1019, p. 78) aponta que “um dos maiores desafios na legislação sobre cyberbullying é a internacionalidade do crime, considerando que as plataformas digitais muitas vezes operam sob jurisdições diferentes daquelas onde o crime é cometido.”

Algumas possíveis soluções são a criação de leis específicas sobre cyberbullying, com base nas novas tecnologias. Um segundo ponto se trata do desenvolvimento de tratados internacionais para facilitar o combate ao cyberbullying em escala global. Por fim, incentivar ar o uso ético das tecnologias digitais por meio de campanhas educativas

4 ANÁLISE DE CASOS JUDICIAIS E DECISÕES DE TRIBUNAIS SOBRE CYBERBULLYING

A análise de casos judiciais e decisões de tribunais sobre cyberbullying no Brasil oferece um panorama relevante sobre como o Poder Judiciário tem enfrentado esse problema no contexto da legislação vigente. Apesar de avanços legislativos, como o Marco Civil da Internet e a Lei nº 13.185/2015, que estabelecem diretrizes importantes, as decisões judiciais mostram que ainda há desafios na interpretação, aplicação e alcance dessas normas.

Em um caso de danos morais por cyberbullying, um tribunal reconheceu que as práticas contínuas de difamação em redes sociais configuraram violação grave. A decisão foi fundamentada no artigo 186 do Código Civil, que prevê a reparação de danos decorrentes de atos ilícitos, incluindo aqueles realizados de forma intencional em ambientes virtuais:

EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – INSTITUIÇÃO DE ENSINO DA REDE PÚBLICA ESTADUAL – BRIGA DE ALUNOS – INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA NAS REDES SOCIAIS (“CYBERBULLYING”) – MORTE NAS DEPENDÊNCIAS DA ESCOLA – RESPONSABILIDADE – CONDUTA OMISSIVA – RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO MUNICÍPIO – DEVER DE VIGILÂNCIA – OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR – MORTE DO FILHO: DANO MORAL PRESUMIDO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – FAMÍLIA DE BAIXA RENDA – DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA – DANOS MATERIAIS INDENIZÁVEIS – PENSIONAMENTO MENSAL. 1- A responsabilidade civil do ente público exige a prova de três pressupostos, que são o fato administrativo – comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, singular ou coletivo atribuído ao Poder Público -, o dano material ou moral e o nexo causal entre o fato administrativo e o dano; 2- Nos termos da Lei nº 13.185/15, é dever da instituição de ensino combater a violência e à intimidação sistemática (“bullying” e “cyberbullying”); 3- O estabelecimento de ensino tem o dever de guarda e preservação da integridade física dos seus alunos, devendo ter atuação preventiva para evitar danos ou ofensas aos estudantes; 4- De acordo com a prova dos autos, um aluno que praticava intimidação sistemática (“cyberbullying”) à colega de sala foi vítima de golpe de faca este nas dependências da instituição de ensino da rede pública estadual, durante intervalo das aulas, o que causou àquele hemorragia interna aguda e o levou a óbito; 5- O dano moral indenizável é aquele capaz de atingir profundamente a esfera subjetiva da pessoa, causando-lhe grave dor interna, angústia ou sentimento de impotência, capaz de lhe subtrair a própria dignidade; 6- Em caso de morte do filho o dano moral é presumido; 7- É entendimento do Superior Tribunal de Justiça é devida a indenização por dano material, consistente em pensionamento mensal, aos genitores de menor falecido, mesmo que este não exerça atividade remunerada , porque se presume ajuda mútua entre os integrantes de famílias de baixa renda ( AgInt no AREsp 1198316/AC, Rel. Min. OG FERNANDES, T2, DJe 25/05/2018); 8- Nos termos da jurisprudência do STJ, em caso de morte de filho o pensionamento aos pais ocorre desde o sinistro, com 2/3 do salário mínimo, até que completasse 25 anos, a partir de quando será de 1/3 do salário até a data em que a vítima fizesse 65 anos ( REsp 853921/RJ, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, T4, DJe 24/05/2010).
(TJ-MG – AC: 10394140051282001 MG, Relator: Renato Dresch, Data de Julgamento: 28/06/2018, Data de Publicação: 03/07/2018)

Decisões como essa evidenciam a necessidade de intervenções eficazes por parte de escolas e instituições para prevenir o cyberbullying. Além disso, reforçam a responsabilidade compartilhada entre os agressores, instituições e, em alguns casos, o próprio Estado, em assegurar a proteção dos direitos fundamentais das vítimas. A jurisprudência também destaca a importância de provas consistentes e o impacto social da omissão em casos de violência digital.

4.1 Avaliação das políticas públicas atuais de combate ao cyberbullying

Políticas governamentais que buscam parar, abordar e controlar o problema do cyberbullying, que é o ato de usar a tecnologia para assediar, intimidar ou difamar outras pessoas online, são muito importantes para reduzir as taxas de cyberbullying e, consequentemente, tornar o espaço virtual muito mais seguro.

Programas promocionais solicitados dos setores educacionais na escola e na comunidade que criam conscientização entre a geração jovem sobre como ser responsável online, empatia e respeito pelos outros. Isso pode ser feito por meio de palestras, campanhas e materiais de leitura. Este ponto também se refere a faculdades e outros lugares onde crianças e adolescentes entram em contato, cobrindo assim toda a gama de públicos.

Alternativas como criar canais de denúncia direta para que vítimas e testemunhas tenham a chance de denunciar incidentes de cyberbullying em sigilo e anonimamente. Esses canais possibilitam que as autoridades investiguem casos denunciados de cyberbullying e ajam de acordo com o sistema legal.

Deve haver uma disposição para que os usuários denunciem tais postagens ou comentários ofensivos compartilhados em plataformas de mídia social como Facebook e Instagram. Enquanto isso, envolver a polícia é sempre uma boa opção. Portanto, é muito essencial que todas as evidências relativas à ocorrência sejam devidamente mantidas para ajudar em futuros procedimentos para que a polícia civil identifique e processe o suposto autor da conduta.

Além disso, organizações como a SaferNet ajudam a criar uma situação na qual indivíduos podem reclamar formalmente sobre usuários envolvidos em atividades criminosas online, como cyberbullying e hacking. Uma coordenação muito melhor entre essas organizações e as agências de execução aumentaria a capacidade dos instrumentos em vigor para dissuadir e efetivamente enfrentar criminosos virtuais.

Em Manaus, a Lei n° 3.074/23 foi instituído em âmbito municipal o Dia Municipal de Conscientização e Combate ao Cyberbullying, sendo realizado todo dia 03 de agosto:

Artigo 2° O Dia Municipal de Conscientização e Combate ao Cyberbullying tem por objetivos:

I – promover amplo debate na sociedade, com destaque entre os alunos da rede pública e privada de ensino, sobre a prática do cyberbullying, contribuindo para ampliar o conhecimento sobre tal conduta, sua forma de expressão, os danos e efeitos físicos e emocionais causados nas vítimas, bem como conhecimento acerca das medidas para responsabilização de quem o realiza;

II – realizar palestras, debates, distribuição de cartilhas de orientação aos pais, alunos, professores, servidores, entre outras iniciativas;

III – promover trabalho de conscientização, prevenção e combate à depressão, automutilação e ao suicídio entre crianças e adolescentes;

IV – instituir a campanha permanente de conscientização contra o cyberbullying.

Artigo 3° O Poder Executivo, por meio da Secretaria Municipal competente, incluirá, em seu calendário de eventos, na semana do dia 3 de agosto, a campanha de conscientização contra cyberbullying e promoverá todas as ações de implementação dos objetivos previstos no art. 2.º desta Lei.

Os legisladores devem promulgar leis específicas contra o cyberbullying, definindo o crime e prescrevendo punições para os infratores. Isso pode incluir medidas para criminalizar o ciber assédio ou o cyberbullying, com penalidades específicas para o crime. Colaboração com as empresas de mídia social e provedores de serviços online para criar políticas de uso aceitável, mecanismos de denúncia de abuso, bem como dicas e truques de segurança online.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A situação do cyberbullying em termos legais parece já avançada, embora bastante desafiadora, mas ainda muito distante de seu complexo cenário de provisão existente no Brasil. Mais significativamente, a Lei de Proteção à Criança e ao Adolescente, ou seja, a Lei nº 13.185/2015 e o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), fornecem bases necessárias que tocam na responsabilidade, bem como na proteção de direitos. No entanto, essas leis não possuem medidas concretas e suficientes que sejam apropriadas o suficiente para lidar com a peculiaridade e a gravidade da violência digital.

No tocante à responsabilidade civil, observa-se que o Código Civil brasileiro estabelece a obrigação de reparação de danos para atos ilícitos, incluindo aqueles decorrentes de cyberbullying. Assim, agressores podem ser responsabilizados por danos morais e materiais causados às vítimas. No entanto, a identificação de autores anônimos, uma característica comum nos ambientes digitais, frequentemente constitui um obstáculo à aplicação prática da norma.

No âmbito da responsabilidade penal, o Código Penal, em combinação com legislações complementares, como a Lei nº 14.132/2021 (que tipifica o crime de perseguição, ou stalking), oferece instrumentos para punir condutas lesivas no ambiente digital. Contudo, a inexistência de uma tipificação penal específica para o cyberbullying pode limitar a eficácia das ações punitivas, deixando lacunas que demandam a revisão e ampliação da legislação.

Em relação aos mecanismos de proteção às vítimas, o Brasil tem avançado ao implementar medidas como o direito à exclusão de conteúdos ofensivos e a preservação de evidências digitais, previstas no Marco Civil da Internet. Ainda assim, há uma necessidade urgente de políticas públicas que priorizem o apoio psicológico, social e jurídico às vítimas, especialmente adolescentes e crianças, que estão entre os grupos mais vulneráveis.

Adicionalmente, destaca-se a importância da responsabilização das plataformas digitais, que têm papel central no monitoramento e na remoção de conteúdos abusivos. Apesar de avanços, como a previsão de medidas de transparência e cooperação no Marco Civil, é fundamental o aprimoramento de normas que promovam maior eficiência na atuação dessas plataformas, sem comprometer a liberdade de expressão e os direitos dos usuários.

Por fim, é essencial reconhecer que o combate ao cyberbullying exige uma abordagem multifacetada, combinando aprimoramento legislativo, ações preventivas de educação digital, e um sistema judicial mais acessível e célere. O Brasil precisa continuar investindo em iniciativas que equilibrem a proteção de direitos fundamentais com a promoção de um ambiente digital ético e seguro, assegurando às vítimas um respaldo jurídico e humano que mitigue os impactos de tais agressões.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – AC: 10394140051282001 MG, Relator: Renato Dresch, Data de Julgamento: 28/06/2018, Data de Publicação: 03/07/2018

BRAZIL, J. (2018). Cyberbullying Laws: A Comparative Analysis. Journal of Internet Law.

CAVALIERI Filho, S. (2013). Programa de Combate ao Bullying e Cyberbullying: Perspectivas Jurídicas. Revista Brasileira de Direito.

GOMES, L. (2017). Marco Civil da Internet e Cyberbullying no Brasil: Responsabilidade dos Provedores. Revista de Direito da Tecnologia.

KOWALSKI, R. M., Limber, S. P., & Agatston, P. W. (2012). Cyber Bullying: Bullying in the Digital Age. Wiley-Blackwell.

LEMOS, Andre; CUNHA, Paulo. Cibercultura. Alguns pontos para compreender a nossa época. Porto Alegre: Sulina, 2003.

LOPES, C. (2019). Educação Digital e Prevenção do Cyberbullying. São Paulo: Editora Educacional.

MARTINS, R. (2020). Programas de Combate ao Bullying e Cyberbullying no Brasil. Brasília: Editora Governamental.

NASCIMENTO, J. (2016). Marco Civil da Internet e a Proteção Contra o Cyberbullying. Rio de Janeiro: Editora Jurídica.

NEVES, José Pinheiro; PINHEIRO, Luiza. A emergência do cyberbullying: uma primeira aproximação. In: CONGRESSO SOPCOM/ IBÉRICO, 6., 2009, Portugal. Anais Eletrônicos… Portugal: Ulusofona, 2009. p. 4962 – 4974. Disponível em: .

PATCHIN, J. W., & Hinduja, S. (2010). Cyberbullying Prevention and Response: Expert Perspectives. Routledge.

RODRIGUES, A. (2019). Propostas para o Aprimoramento da Legislação sobre Cyberbullying no Brasil. Revista de Estudos Legislativos.

SILVA, M. (2016). Decisões Judiciais sobre Cyberbullying no Brasil: Uma Análise de Casos. Revista Jurídica.

SOUZA, D. (2017). O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Cyberbullying. Brasília: Editora Legal.


1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: nascimento.alencar17@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-9890-6347.