USO ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS POR TRABALHADORES DA SAÚDE: ASPECTOS DO ADOECIMENTO

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102411172307


Léia da Silva Barbalho1


RESUMO

Este artigo teve como objeto de estudo o uso abusivo de substâncias químicas por trabalhadores da saúde. O objetivo foi descrever os principais aspectos do adoecimento, pontuando as categorias profissionais envolvidas, causas, sinais e sintomas, assim como também, as consequências prejudiciais provocadas na carreira profissional e seu tratamento. Optou-se por um estudo de natureza qualitativa, descritivo, exploratório a partir de uma revisão integrativa, com a análise dos dados compilada em um quadro sinóptico, com discussão dos resultados. Os resultados mostraram que o uso abusivo de substâncias químicas de forma excessiva tem relação com as dificuldades encontradas no exercício laboral, comorbidades psiquiátricas e a automedicação, acarretando prejuízos profissionais, quadros de dependências e suicídios, sendo a classe médica a mais afetada pela problemática

Palavras-chave: Automedicação. Toxicologia. Dependência química. Drogas. Profissionais da saúde.

USE OF CHEMICAL SUBSTANCES BY HEALTH WORKERS: ASPECTS OF THE ILLNESS’ PROGRESS

Léia da Silva Barbalho1

ABSTRACT

This article’s purpose is to study the abusive use of chemical substances by health workers. The objective was to describe the main aspects of the illness’ progress, considering the involved professional categories, causes, signs and symptoms, as well as the harmful consequences associated with the professional career and its treatments. We chose a qualitative, descriptive, exploratory study based on an integrative review, with data analysis compiled in a synoptic table, with the discussion of the results. These results showed that excessive use of chemical substances is related to the difficulties/problems encountered at work, previous psychiatric comorbidities and self-medication, resulting in professional prejudisse, dependency and suicide, being the medical class the most affected by this problem.

Key words: Self-medication. Toxicology. Chemical dependency. Drugs. Health professionals.

INTRODUÇÃO

A relação existente entre o abuso de substâncias químicas e trabalhadores da saúde é antiga, porém como objeto de estudo, sua abordagem apresenta datas mais recentes, demostrando uma deficiência sobre a discussão, investigação e conscientização referente ao assunto (LIMA, 2010).

Os estudos demostram que a prevalência do abuso de substâncias químicas por profissionais da saúde é semelhante aos demais grupos populacionais, no entanto, percebe-se um progressivo aumento de tal conduta, especialmente, entre médicos, enfermeiros, dentistas, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, técnicos e auxiliares de saúde, agentes comunitários e administrativos, tornando-se notório o quão delicado é assumir a profissão de cuidar do outro (CAJAZEIRO et al, 2012).

De acordo com Lima (2010), o uso de substâncias inicia-se como uma fuga para que o trabalhador lide melhor com as pressões de suas atividades laborais e permaneça no trabalho, caminhando posteriormente para a dependência química.

A forma como cada indivíduo percorre esse caminho e lida com a situação dependerá de questões não só fisiológicas, mas também de suas subjetividades e do contexto social em que se insere, pois:

[…] a droga nomeia uma forma de experiência, isto é, ela remete a um processo de familiarização com as regras que se convém respeitar para participar de um dado mundo social. E essa experiência varia segundo as circunstâncias: ela pode ser igualmente elaborada, calmante, dolorosa, não problemática, catastrófica, degradante, mortal, banal ou entediante (LIMA, 2010 apud OGIEN, 2006, p.12).

É ainda importante destacar que, segundo Oliveira e Teixeira (2013), a automedicação, que se constitui na administração de medicamentos sem prescrição, orientação ou acompanhamento médico, e o fácil acesso às substâncias dentro dos serviços de saúde são os principais motivadores para o início do processo descrito acima.

Diante do exposto, a problemática em discussão neste artigo, refere-se ao uso abusivo de substâncias químicas por trabalhadores da saúde, tendo como objetivo descrever os principais aspectos do adoecimento, pontuando as categorias profissionais envolvidas, causas, sinais e sintomas, assim como também, as consequências prejudiciais provocadas na carreira profissional e seu tratamento.

O tema proposto foi escolhido por seu impacto causado no mundo do trabalho atualmente, que se traduz em aumento no número de casos, demostrando ser relevante sua discussão entre profissionais e acadêmicos como forma de incentivo à realização de estudos científicos, uma vez que é notável a existência de pouca literatura recente referente a esta temática.

MÉTODOS

Para a investigação do tema, o presente artigo utiliza-se de metodologia de estudo descritivo, de caráter bibliográfico e explicativo. A fonte de dados utilizada neste estudo foi a Scielo, pois esta possibilitou encontrar respostas satisfatórias ao problema, por meio dos artigos científicos existentes nesta base de dados. O período de publicação delimitado para investigação foi de 2005 a 2015.

Os termos aplicados na pesquisa foram escolhidos a partir das palavras-chaves existentes em artigos científicos relacionados ao tema, previamente lidos de forma não sistemática e posteriormente foi realizada a consulta desses termos na lista de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Dessa forma, as palavras-chaves escolhidas foram: Automedicação, Dependência química, Drogas, Toxicologia e Profissionais da saúde.

A coleta dos dados ocorreu por meio do cruzamento entre os descritores supracitados, separados pelo operador booleano AND e dividido entre parênteses assim ilustrados ((Automedicação) AND (Toxicologia)) e ((Dependência química) AND (Drogas) AND (Profissionais da saúde)).

No cruzamento entre os três termos Dependência química, Drogas e Profissionais da saúde foram encontrados 70 artigos, dos quais 5 obedeceram aos critérios de inclusão. No cruzamento entre os dois termos Automedicação e Toxicologia foram encontrados 138 artigos, dos quais 7 obedeceram aos critérios de inclusão.

Dessa forma, obteve-se uma amostra de 12 artigos. Após leitura aprofundada dos títulos, 2 foram excluídos, pois não ofertaram informações relevantes, restando 10 artigos para a amostra final.

Os critérios de inclusão foram artigos publicados nos anos de 2005 a 2015, devido à pouca disponibilidade de literatura referente ao tema, nacionais, que disponibilizam o texto na íntegra e que possuem relação com o objeto de estudo. Já os de exclusão foram os publicados anteriormente aos anos mencionados, salvo os de importância na construção histórica, internacionais e os que disponibilizam apenas o resumo ou não têm relação com o objeto do estudo, além de artigos repetidos nas bases de dados.

A análise dos resultados foi compilada em um quadro sinóptico, sumarizando a amostra final dos estudos, descritivamente.

Os dados utilizados no trabalho foram respeitados na medida em que os autores das obras utilizadas nele foram devidamente referenciados ao decorrer de seu desenvolvimento, conforme recomendação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

RESULTADOS

A amostra final desta revisão bibliográfica conta com 10 artigos, conforme mostra o quadro abaixo, sendo selecionados pelos critérios de inclusão estabelecidos na pesquisa.

TÍTULOAUTOR/A NO REVISTAMETODOLOGIAOBJETIVOBANCO DE DADOSRESULTADOS
1.Abuso de Fármacos Anestésicos pelos AnestesiologistasJUNGERM AN et al. 2012. Rev. Bras. AnestesiolLevantamentos bibliográficos no banco de dados MEDLINE, onde 60 estudos foram selecionados.Este estudo teve como objetivo revisar a literatura sobre o assunto, com artigos dos últimos 30 anos.ScieloApós a análise dos dados, constatou-se que a droga de maior abuso entre os anestesiologistas é o álcool, porém o abuso de agentes anestésicos é o mais preocupante, devido ao alto potencial de dependência, bem como às suas consequências, muitas vezes letais.
2. Automedicação entre os trabalhadores de enfermagem no contexto oncológico: influência da prática profissionalOLIVEIRA; TEIXEIRA. 2013. Rev.enferm UFPE on lineEstudo qualitativo, com abordagem exploratória e descritiva. Participaram da pesquisa 30 enfermeiros assistenciais de um hospital federal que é referência no tratamento de câncer. Sendo realizada entrevista semiestruturada, análise com o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).Descrever o significado da automedicação para trabalhadores de enfermagem que cuidam de doentes oncológicos.ScieloForam encontrados significados para a automedicação entre enfermeiros que cuidam de pacientes oncológicos; descrevendo os seus motivadores e correlacionandoos à psicopatologia do trabalho.
3. Cefaleia como principal causa de automedicação entre os profissionais da saúde não prescritoresOLIVEIRA; PELÓGIA. 2011. Rev DorEntrevista com 65 funcionários, com idade entre 20 e 60 anos, de ambos os sexos, todos com funções relacionadas à saúde e que concordaram em preencher o questionário elaborado pelas pesquisadoras.O objetivo deste estudo foi determinar a automedicação para cefaleia entre os profissionais da saúde que atuam em uma Santa Casa de Misericórdia em cidade do Vale do Paraíba.ScieloA cefaleia foi a principal queixa para o uso de medicamentos, relatada em 23 (33,7%) dos entrevistados. A automedicação foi identificada em 53,1% dos entrevistados.
4. Condições de trabalho e automedicação em profissionais da rede básica de saúde da zona urbana de Pelotas, RSTOMASI et al. 2007. Rev Bras EpidemiolEstudo transversal que investigou condições de trabalho e a morbidade dos profissionais de saúde da atenção básica em Pelotas, através de informações sociodemográficas, comportamentais, daElaborar um diagnóstico das condições de trabalho e saúde, física e mental, de profissionais que atendem a população de Pelotas emScieloCerca de metade dos entrevistados tinha outro emprego (51%) e 25% precisaram faltar ao trabalho no último mês, principalmente por problemas pessoais de saúde (59%) e problemas familiares (22%). Em média, os trabalhadores atendiam cerca de 30 pessoas por dia em uma


atividade e ambiente de trabalho e de morbidade. Foram estudados 329 profissionais em 39 serviços.unidades básicas, com ênfase na automedicação.
jornada semanal de 40 horas. Independentemente de ter problema de saúde, 67% dos entrevistados faziam uso de medicamentos regularmente e 47% referiram este uso nos últimos 15 dias. Um quarto costumava automedicar-se, significativamente em maior proporção entre médicos e outros profissionais de nível superior, entre os trabalhadores de maior nível socioeconômico e entre aqueles com mais de um emprego.
5. As condições de trabalho como fator desencadeador do uso de substâncias psicoativas pelos trabalhadores de enfermagemMARTINS; ZEITOUNE .2007. Esc Anna Nery Rev EnfermEstudo descritivo de abordagem qualitativa com 40 sujeitos trabalhadores de enfermagem de clínica médica de um hospital universitário no Município do Rio de Janeiro, realizado em 2005 e 2006. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista semiestruturada.O objetivo foi analisar as condições de trabalho como fator desencadeador do uso de drogas pelo trabalhador de enfermagem.ScieloOs resultados mostraram que a utilização de substâncias psicoativas pelos profissionais no local de trabalho pode estar relacionada com as condições de sobrecarga de trabalho e com a facilidade de acesso e que tais substâncias comprometem a sua saúde e o desenvolvimento de suas atividades laborais.
6. Dependência química e trabalho: uso funcional e disfuncional de drogas nos contextos laboraisLIMA. 2010. Rev. bras. Saúde ocup.Revisão da literatura pertinente ao tema, propõe-se uma reflexão que, entre outros aspectos, classifica o consumo de drogas em dois modos, funcional e disfuncional.O objeto central do artigo é o uso de drogas nos contextos de trabalho, sendo seu objetivo maior analisar desde o uso continuado, mas sem acarretarScieloApós as análises conclui-se que na passagem entre o uso funcional e o uso disfuncional, a droga deixa de ser um meio para se tornar um fim em si mesmo e, embora isso não ocorra com a maioria dos usuários, a conclusão é a de que, mesmo no uso funcional, a relação do sujeito com sua atividade é basicamente



consequências mais graves para o usuário, até aquele que leva ao desenvolviment o de uma dependência propriamente dita.
adaptativa, não podendo, portanto, ser considerada como saudável.
7. Perfil Clínico e Demográfico de Anestesiologistas Usuários de Álcool e Outras Drogas Atendidos em um Serviço Pioneiro no BrasilALVES et al. 2012. Rev Bras AnestesiolEstudo transversal, prospectivo, tendo sido aplicadas entrevistas estruturadas para diagnóstico de transtornos mentais e transtornos por uso de substâncias psicoativas, com base na Classificação Internacional de Doenças – Versão 10 – e questionário sócio ocupacional, aplicados por dois pesquisadores treinados.Apresentar um estudo descritivo sobre o perfil clínico e sociodemográfic o de uma amostra de anestesiologista s dependentes químicos atendidos em um serviço de referência, bem como elencar comorbidades psiquiátricas, drogas frequentemente utilizadas e repercussões psicossociais e profissionais do consumo.ScieloCinquenta e sete anestesiologistas foram entrevistados, em sua maioria do sexo masculino (77,2%), idade média de 36,1 anos (DP = 8,5). Observou-se uma alta prevalência de uso de opioides (59,6%), benzodiazepínicos (35,1%) e álcool (35,1%).
8. Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência químicaALVES et al. 2005. Rev Assoc Med Bras.Foram coletados dados de 198 médicos em tratamento ambulatorial por uso nocivo e dependência química, através deTraçar o perfil clínico e demográfico de uma amostra de médicos em tratamento por dependênciaScielo66% dos indivíduos já tinham sido internados por causa do uso de álcool e/ou drogas. 69% possuía residência médica e as especialidades mais envolvidas foram: clínica médica, anestesiologia e cirurgia.


questionário elaborado pelos autores.química, avaliar comorbidades psiquiátricas e consequências associadas ao consumo.
Comorbidade psiquiátrica foi diagnosticada em 27,7%. Quanto às substâncias consumidas, o mais frequente foi uso associado de álcool e drogas (36,8%), seguido por uso isolado de álcool (34,3%) e uso isolado de drogas (28,3%).
9. Uso indevido de drogas entre médicos: problema ainda negligenciadoFIDALGO; SILVEIRA. 2008. J Bras Psiquiatr.Foram sorteados 100 médicos não- residentes de áreas clínicas, selecionados ao acaso entre os profissionais com vínculo em um hospital público de São Paulo. Destes, 83 concluíram o estudo, respondendo perguntas sobre o uso de drogas entre médicos.Avaliar as impressões e as opiniões de médicos de áreas clínicas acerca do uso de drogas entre médicos e, mais especificamente , em ambiente cirúrgico.ScieloDeclararam conhecer algum colega com problemas relacionados ao uso de substâncias 67,5% dos médicos. Esse índice foi de 41,0% quando a pergunta era acerca de drogas disponíveis em ambiente cirúrgico, visto que 68,6% julgam ser fácil o desvio de psicotrópicos desse local. 16,9% admita já ter feito uso de psicotrópicos sem prescrição.
10. Toxicologia e profissionais de saúde: uso abusivo e dependênciaCAJAZEIR O et al. 2012. Rev Med Minas GeraisRevisão bibliográfica utilizando os descritores “abuse” ou “addiction” e “healthcare professionals”, nos bancos de dados da Scielo e Pubmed online. Foram identificados 258 artigos até 2011 e selecionados 20, com maior abrangência em relação ao assunto.Discutir a real prevalência, a etiologia e as estratégias de controle no abuso de propofol, opioides e cetamina entre os profissionais da saúde, especialmente entre as especialidades médicas.ScieloEntre os profissionais de saúde, a prevalência da dependência química de propofol, opioides (principalmente fentanil e sufentanil) e cetamina é mais alta entre os anestesiologistas, médicos socorristas e psiquiatras. Foi encontrada considerável associação entre a dependência química desses profissionais e outras psicopatogenias, como transtornos de personalidade e depressão.

Quadro 1: Síntese dos artigos da revisão bibliográfica contendo título, autor, ano, revista, metodologia, objetivo, banco de dados e resultados. Natal/RN, 2018.

Dentre os 10 artigos da amostragem, 7 tratam-se de estudos de campo e 3 de revisão bibliográfica, todos descritivos, exploratórios, com abordagem qualitativa, sendo que apenas 2 estudos utilizaram o método transversal.

Quanto aos pesquisadores, de modo geral, tem-se 36 autores, dentre os quais

50% são médicos, 25% acadêmicos de cursos da área da saúde, 11,11% enfermeiros, 8,3% psicólogos e 5,5% são farmacêuticos.

Em relação ao ano de publicação dos artigos, 60% foram publicados entre os anos de 2010 a 2015. Os 40% restantes dividiram-se entre os anos de 2005, 2007 e 2008.

DISCUSSÃO

O consumo e o uso abusivo de substâncias químicas sempre estiveram presentes na história da humanidade, atreladas às definições e contextos específicos. No tocante a situação no Brasil, esse fato é associado ao estereótipo de que os usuários devem ser jovens, com pouca escolaridade e possuírem baixo nível socioeconômico, o que de fato tem relação. No entanto, os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), revelam que o quadro não se restringe apenas a estes grupos (SILVA e BOTTI, 2011).

Indivíduos com formação superior representam uma fatia relevante dos usuários de substâncias químicas, com destaque para os profissionais da área da saúde, sendo alarmante o atual ritmo de crescimento dos casos e a não atenção despendida ao fato (SILVA e BOTTI, 2011). Porém é sabido que se faz necessário ampliar o debate e difundir informações, haja vista o grande impacto social causado por este cenário.

Por meio da busca de respostas aos objetivos deste trabalho, foi possível identificar pontos importantes para a discussão, entendidos como os aspectos do adoecimento dos usuários de drogas no meio laboral. Para tanto, estes aspectos foram categorizados para melhor compreensão.

Classes profissionais

De acordo com Alves et al (2005), o uso excessivo de substâncias químicas entre profissionais da área da saúde mostra percentuais equivalentes quando comparados com a população em geral, porém, no que diz respeito ao álcool, as taxas apresentam-se superiores.

Por meio da revisão dos artigos da amostra identificou-se que as principais classes profissionais envolvidas na problemática são médicos, biomédicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, técnicos em radiologia, dentistas, farmacêuticos e nutricionistas, as quais fazem uso de diversos tipos de drogas, descritas na Tabela 1.

Tabela 1 – Principais drogas de abuso entre profissionais da saúde

Álcool
Propofol
Opioides
Anestésicos inalatórios
Anti-inflamatórios não-esteroides (AINES)
Benzodiazepínicos
Cocaína
Maconha
Anfetaminas

Fonte: Adaptada de Alves et al (2005), Jungerman et al (2012) e Alves et al (2012).

Para Jungerman et al (2012), a especialidade médica com mais distúrbios em relação as substâncias é a Anestesiologia, considerando esta ocupação como um fator de risco, devido ao grande contato com fármacos e ao fácil acesso a estes.

Causas

Em alinhamento com Martins e Zeitoune (2007), para se falar das causas que levam ao uso abusivo de substâncias químicas, se faz necessário derrubar o conceito de que é o indivíduo que faz a escolha de estar em tal situação, pelo contrário, não é escolha, é um problema de saúde, e como qualquer outro, possui seus fatores de risco.

Para tanto, esses fatores de risco podem determinar o surgimento do problema e/ou sua piora, entre eles, pode-se citar as particularidades pessoais, contextos ambientais, comorbidades prévias e transições durante todo o processo (MARTINS e ZEITOUNE, 2007).

Por meio da análise dos estudos de Martins e Zeitoune (2007) e Tomasi et al (2007) e concordando com Jungerman et al (2012), o uso imoderado de substâncias, entre elas, medicamentos, tem estreita relação com doenças prévias, das quais se destacam as cefaleias tensionais e os distúrbios de cunho psiquiátrico, em especial os transtornos de personalidade.

Em decorrência do enquadramento acima exposto, indivíduos recorrem ao método da automedicação, sem nenhum acompanhamento especializado, para alívio dos sintomas, utilizando-se exorbitantemente de medicamentos como os antiinflamatórios não-esteroides (AINES), estimulantes, opioides e anfetaminas, sendo esta postura um fator determinante para o posterior uso ilícito e dependência (OLIVEIRA e PELÓGIA, 2011).

Em relação aos contextos ambientais e ocupacionais em que os trabalhadores de saúde se inserem, Tomasi et al (2007) e Cajazeiro et al (2012) citaram múltiplos fatores de risco associados ao exercício profissional e a predisposição ao abuso de substâncias como: extensas jornadas; trabalho noturno; estresse ocupacional; instabilidade no emprego; responsabilidade excessiva; má qualidade das relações interpessoais; alta competitividade entre as equipes; acúmulo de vínculos trabalhistas e a convivência com situações de dor, sofrimento, desgaste e morte.

O fato adicional de estarem inseridos em meio aos diversos fatores de risco ambientais e ocupacionais citados anteriormente, levam os profissionais de saúde a buscarem nas drogas uma forma de lidar e aliviar as tensões causadas pelas exigências impostas pela profissão, acarretando em postura disfuncional (TOMASI et al, 2007) e (CAJAZEIRO et al, 2012).

Sinais e Sintomas

Segundo Cajazeiro et al (2012), é possível reconhecer alguns sinais e sintomas característicos do abuso de substâncias no meio laboral. Esse reconhecimento é crucial para posterior diagnóstico e adoção de um tratamento bem-sucedido.

A equipe com a qual o profissional convive é muito importante nessa fase do processo, uma vez que é com esta que ele passa a maior parte das horas de seu dia e é no ambiente físico do trabalho onde, geralmente, o indivíduo faz o uso da droga.

Porém, contar com a contribuição da equipe, assim como da família, não é tarefa fácil, pois ambas temem pelas consequências ocupacionais que podem surgir, caso o problema seja revelado, entre elas a perda do status social e da credibilidade profissional do indivíduo abusador, assim como posteriores demissões (CAJAZEIRO et al, 2012).

A partir da observação da amostragem, foi possível listar os principais sinais e sintomas apresentados no processo de abuso de substâncias, estes estão expostos na Tabela 2.

Tabela 2 – Sinais e Sintomas apresentados no abuso de substâncias

Não cumprimento das obrigações no emprego
Renúncia de prazeres e interesses em favor do uso da droga
Falta ao trabalho sem explicações
Comportamento inapropriado com a equipe e pacientes
Prescrição de grande quantidade de medicamentos
Atrasos repetidos e desorganização
Persistência no consumo
Qualidade do trabalho diminuída
Várias idas ao banheiro
Longos intervalos para almoço e lanches

Fonte: Adaptada de Alves et al (2005) e Cajazeiro et al (2012).

Consequências

Concordando com Lima (2010), as consequências do uso abusivo de

substâncias são múltiplas, afetando todas as áreas da vida de um indivíduo. Este vêse rodeado de contrariedades, caminhando por um círculo cada vez mais fechando, onde passa a ser uma dúvida para o seu coletivo, chegando ao ponto de duvidar de si mesmo.

Profissionais envolvidos em tal problemática enfrentam duros julgamentos e resistência de serem aceitos por suas equipes de trabalho, resultando em sucessivos afastamentos e isolamento do trabalhador, passando a serem vistos como um fator de risco para o ambiente, além de terem suas competências não mais reconhecidas. Muitos chegam a experimentar processos de ações disciplinares por parte de seus empregadores antes de iniciarem os tratamentos, em decorrência de suas posturas.

(LIMA, 2010).

Outro ponto que permeia o campo das consequências, e como bem destacou Jungerman et al (2012), é o risco elevado de morte devido a suicídios entre a classe médica, principalmente nos especialistas em anestesiologia. Esta classe é especialmente afetada por progredirem mais rapidamente para a dependência, uma vez que encontram mais facilidade de consumirem drogas mais potentes no ambiente de trabalho.

Tratamento

Por meio da leitura da amostragem, foi possível chegar ao ponto de reflexão de que a discussão em torno do tratamento de trabalhadores envolvidos com o uso abusivo de substâncias químicas é bastante extensa, pois envolve diversos métodos complexos, tanto objetivos, como subjetivos.

Alguns países já possuem serviços voltados para o tratamento de profissionais envolvidos com o problema em questão, entre eles podemos citar os Estados Unidos e Canadá. Seus programas são, geralmente, baseados no método Minnesota, que representa uma estratégia ampla, permeando a desintoxicação e o uso de ferramentas para promover apoio psicológico (JUNGERMAN et al, 2012).

No contexto brasileiro, Alves et al (2012) e Cajazeiro et al (2012), citam o serviço ofertado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São PauloCREMESP a partir de parceria feita com a Universidade Federal de São PauloUNIFESP, chamado Rede Estadual de Apoio a Médicos Dependentes Químicos, o qual oferta tratamentos, apoio psicológico e encaminhamentos de acordo com a necessidade. A adesão se dá de forma voluntária, onde o primeiro contato é feito por telefone ou e-mail, o que proporciona mais autonomia e privacidade ao médico que procura por ajuda.

Cajazeiro et al (2012), enfatiza ainda que o tratamento farmacológico deve ser restringido aos casos mais graves de intoxicação e crises de abstinência, sendo as estratégias de educação, psicoterapia, grupos de autoajuda e participação da família do indivíduo, essenciais para desintoxicação, prevenção de recaídas e ajuda no retorno à atividade profissional, resultando em melhor prognóstico.

Como citado, o envolvimento com substâncias de forma demasiada, muitas vezes relaciona-se com comorbidades psiquiátricas e a iniciativa de automedicar-se. Dessa forma, também se inclui no tratamento a investigação dessas comorbidades e a educação permanente, com vistas a reduzir a automedicação, uma vez que esta pode acarretar em consequências nocivas (JUNGERMAN et al, 2012).

CONCLUSÃO

Os trabalhadores da área da saúde são gravemente afetados pela problemática do uso abusivo de substâncias químicas, sofrendo influências diretas ocasionadas pelos processos de trabalho, os quais envolvem muitas tensões, cobranças, desgastes pelo convívio com situações de sofrimento e acesso facilitado às drogas.

Perante isso, faz-se necessário maior discussão sobre o tema, afim de ampliar as estratégias para melhor lidar com o número crescente de casos. Ofertar atenção adicional à saúde mental desses profissionais é essencial no processo de prevenção, tratamento e diagnóstico.

Espera-se que este estudo tenha trazido contribuições relevantes para o assunto aqui tratado, estimulando ainda o desenvolvimento de um olhar sensível ao contexto atual, difundindo informações e conscientizando acadêmicos e profissionais.

REFERÊNCIAS

ALVES, Hamer Nastasy P. et al. Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência. Rev Assoc Med Bras., São Paulo, v.51, n.3, p.139-143, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S010442302005000300013&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 09 out. 2017.

_____. Hamer Nastasy P. et al. Perfil clínico e demográfico de anestesiologistas usuários de álcool e outras drogas atendidos em um serviço pioneiro no Brasil. Rev Bras Anestesiol., São Paulo, v.62, n.3, p.356-364, 2012. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S003470942012000300008&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 09 out. 2017.

CAJAZEIRO, Júnia Maria Drumond. et al. Toxicologia e profissionais de saúde: uso abusivo e dependência. Rev Med., Minas Gerais, v.22, n.2, p.153-157, 2012. Disponível em:<http://saudepublica.bvs.br/pesquisa/resource/pt/lil-684754>. Acesso em: 16 out. 2017.

FIDALGO, Thiago Marques; SILVEIRA, Dartiu Xavier da. Uso indevido de drogas entre médicos: problema ainda negligenciado. J Bras Psiquiatr., Santos, v.57, n.4, p. 267-269, 2008. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S004720852008000400007&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 09 out. 2017.

JUNGERMAN, Flávia Serebrenic. et al. Abuso de fármacos anestésicos pelos anestesiologistas. Rev Bras Anestesiol.,São Paulo, v.62, n.3, p.375-386, 2012. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S003470942012000300010&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 16 out. 2017.

LIMA, Maria Elizabeth. Dependência química e trabalho: uso funcional e disfuncional de drogas nos contextos laborais. Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, v.35, n.122, p.260-268, 2010. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S030376572010000200008&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 16 out. 2017.

MARTINS, Elizabeth Rose Costa; ZEITOUNE, Regina Célia Gollner. As condições de trabalho como fator desencadeador do uso de substâncias psicoativas pelos trabalhadores de enfermagem. Esc Anna Nery Rev Enferm., Rio de Janeiro, v.11, n.3, p.639-644, 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S141481452007000400013&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 20 jan. 2018.

OLIVEIRA, Andréia Lúcia Martins de; PELÓGIA, Naira Correia Cusma. Cefaleia como principal causa de automedicação entre os profissionais da saúde não prescritores. Rev Dor., São Paulo, v.12, n.2, p.99-103, 2011. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S180600132011000200004&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 20 jan. 2018

OLIVEIRA, Alessandro Fábio; TEXEIRA, Eneas Rangel. Automedicação entre os trabalhadores de enfermagem no contexto oncológico: influência da prática profissional. Rev enferm UFPE online., Recife, v.7, n.2, p.5044-5046, 2013. Disponível em:<https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11769/14102> . Acesso em: 26 jan. 2018.

SILVA, Valdete Lourenço; BOTTI, Nadja Lappann. O consumo de drogas lícitas e ilícitas pelos profissionais da área da saúde. Rev enferm UFPE online., Recife, v.5, n.5, p.1286-1294, 2011. Disponível em:<https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/6859/610> . Acesso em: 14 fev. 2018.

TOMASI, Elaine. et al. Condições de trabalho e automedicação em profissionais da rede básica de saúde da zona urbana de Pelotas, RS. Rev Bras Epidemiol., Pelotas, v.10, n.1, p.66-74, 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1415790X2007000100008&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 09 out. 2017.


1 Aluna do curso de pós-graduação em Enfermagem do Trabalho, Enfermeira.