O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BIPOLAR DE INTENSIDADE GRAVE COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411172156


Anna Lara Chaves Oliveira Cruz1
Brenda Miranda De Sousa1
Prof. Orientadora: Bianca Silva Oliveira2


RESUMO

O transtorno bipolar (CIDF31) é um transtorno de humor complexo, grave e multifatorial que reflete na vida cotidiana da pessoa e de quem convive com ela, nesse sentido, refletir sobre esse tema relacionado ao poder familiar é deveras salutar. Assim, esse estudo tem como objetivo tratar sobre o transtorno de personalidade bipolar de intensidade grave como causa de extinção do poder familiar, especificamente buscando compreender o poder familiar na legislação e na doutrina, fazendo uma análise do art. 1.635 do Código Civil e os critérios legais para a extinção do poder familiar e jurisprudência sobre o assunto. Para isso foi feito um estudo de revisão de literatura baseada em estudos sobre o tema, fazendo uma análise documental e bibliográfica, com estudo de caso, também com abordagem qualitativa. Por fim, conclui-se que o poder familiar gera responsabilidades e dá novos moldes as famílias hodiernas, considerando como família as entidades pautadas no afeto e sempre levando em conta o melhor interesse da criança e que casos de bipolaridade podem afetar crianças e por isso pode ser considerada causa de extinção do poder familiar.

Palavras-chave: Bipolaridade; Extinção do poder familiar; Interesse da criança; CIDF31.

ABSTRACT

Bipolar disorder is a complex, severe and multifactorial mood disorder that affects the daily life of the person and those who live with them. In this sense, reflecting on this topic related to parental authority is very healthy. Thus, this study aims to address severe bipolar personality disorder as a cause for termination of parental authority, specifically seeking to understand parental authority in legislation and doctrine, analyzing art. 1,635 of the Civil Code and the legal criteria for termination of parental authority and case law on the subject. To this end, a literature review was conducted based on studies on the topic, using a documentary and bibliographic analysis, with a qualitative approach. Finally, it is concluded that parental authority generates responsibilities and gives new forms to today’s families, considering as family the entities based on affection and always taking into account the best interests of the child and that cases of bipolarity can affect children and therefore can be considered a cause for termination of parental authority.

Keywords: Bipolarity; Termination of parental authority; Interest of the child; CIDF31.

  1. INTRODUÇÃO

O transtorno bipolar (TB) (CIDF31) é um transtorno psiquiátrico de etiologia multifatorial, altamente hereditário que afeta diretamente o ambiente, gerando dificuldades sociais e quando as pessoas com esse tipo de transtorno tem filhos vão ser inseridos ainda mais desafios tanto quando a questão hereditária, quanto ao manejo do transtorno e com relação à capacidade parental efetiva (Bastos et al., 2022).

Para Vasconcelos et al. (2020) com a reforma psiquiátrica brasileira obteve-se a desconstrução de uma realidade onde pessoas com transtornos mentais viviam institucionalizadas, e com garantias de direitos muitas pessoas estão inseridas nas famílias e na sociedade, como é o caso de pessoas com Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), que gera alterações psicológicas e sociais e gera dificuldades pessoais, familiares e sociais.

Nesse contexto, ter um familiar com TAB afeta as relações intrafamiliares, gera desgaste e demanda compreensão dos comportamentos da pessoa e quando essa  situação envolve uma relação com um menor de idade e gera discussão sobr eo poder familiar se torna necessário refletir sobre as necessidades da criança (Watson et al., 2014).

A evolução do arcabouço jurídico da autoridade parental, definida como poder familiar reflete uma profunda transformação na percepção e proteção dos direitos e consideração do bem estar dos filhos, pois antes esses eram considerados sujeitos passivos nas decisões dos pais que os afetariam, mas atualmente já são reconhecidos como titulares de direitos fundamentais, tendo uma participação em decisões que possam afetá-los, e tal situação já é verificada em práticas judiciais e reformas legislativas em diferentes países no mundo (Lemos e Neves, 2018).

A sociedade como um todo deve estar comprometida em proteger os interesses das crianças (Brasil, 1988), e, no judiciário não é diferente, pois os profissionais do direito, juízes e serventuários da justiça devem primar por atuar em respeito a criança, analisando-a não como uma entidade jurídica abstrata, mas como um indivíduo com seus próprios direitos e, nesse contexto esse estudo destaca os desafios enfrentados e a adaptação a novos papeis familiares e sociais, refletindo na organização familiar de crianças que convivem com genitores que têm esse transtorno.

Tal situação emana discussões complexas sobre sua capacidade de exercer o poder familiar de maneira estável e responsável, especialmente no que diz respeito ao bem-estar emocional e psicológico dos filhos. No Brasil, o Código Civil estabelece as bases legais para a organização e funcionamento da instituição familiar, incluindo disposições relacionadas à extinção do poder familiar em casos específicos (Brasil, 2002).

Contudo, a legislação vigente não aborda diretamente a questão da capacidade parental de indivíduos diagnosticados com transtornos mentais graves, como o transtorno bipolar de intensidade grave (Bastos et al., 2022). Diante desse cenário, surge a necessidade premente de investigar se o transtorno de personalidade bipolar, em sua forma mais grave, pode ser considerado uma causa legítima para a extinção do poder familiar, que poderia ser considerada e incluída no rol do art. 1.635 do Código Civil brasileiro.

Com isso, surge a necessidade de se discutir sobre essa temática, trazendo uma abordagem de revisão de literatura sobre o tema e discutindo o mesmo conforme lei, doutrina e jurisprudência , levando em conta a proteção do melhor interesse do menor que deve ser feita de forma integral e com absoluta prioridade seus direitos fundamentais. A partir disso, o presente trabalho tem a seguinte questão problema: diante da instabilidade psicológica das pessoas portadoras do transtorno afetivo bipolar de intensidade grave poderia esse trantorno se tornar causa de extinção do poder familiar?

Assim, ao passo que a saúde mental sob o espectro da legislação ainda é pouco abordada, esse estudo se justifica pelo fato de se propor a analisar a necessidade de trazer um olhar atento do Código Civil, em especial o artigo 1.635, como forma de assegurar o melhor interesse da criança, através da extinção do Poder Familiar dos responsáveis portadores do Transtorno Bipolar.

Este estudo está organizado da seguinte forma: o primeiro capítulo aborda o Poder familiar e traz seu conceito e os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, em seguida trata do transtorno de personalidade bipolar, destacando a sua definição e características e ainda o  impacto do TAB na vida cotidiana e nas relações familiares para então definir o TAB de intensidade grave e o poder familiar, fazendo uma relação entre ele e incapacidade parental a partir de estudo de casos e precedentes jurídicos para por fim tratar da extinção do poder familiar conforme art. 1.635 do código civil e fazer uma análise do art. 1.635 do código civil e os critérios legais para a extinção do poder familiar, trazendo dados de jurisprudência e estudos de caso.

Para a realização deste estudo, utilizou-se uma pesquisa bibliográfica, qualitativa e exploratória e as etapas foram seguidas no rigor científico, a saber: seleção dos estudos, fichamento e síntese. Para isso foi necessário fazer uma coleta de dados que foi realizada no período de janeiro a março de 2024, e o recorte temporal dos artigos foi feito entre estudos publicados de 2014 a 2024. O levantamento bibliográfico foi realizado nas bases de dados, Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), por meio do portal de dados, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e google acadêmico.

Diante disso, esse estudo busca compreender o transtorno bipolar à luz do art.1.635 do Código Civil, visando identificar se os danos causados nos filhos são suficientes para extinguir o poder familiar e especificamente prima por tratar sobre os danos que o transtorno de personalidade bipolar causa na criação e desenvolvimento da criança, e sobre o espectro do princípio do melhor interesse ao verificar que o transtorno é causa possível para gerar a extinção do poder familiar.

2. PODER FAMILIAR NO CÓDIGO CIVIL

2.1 Poder familiar: definição, distribuição do poder e evolução

Dentre os direitos e garantias estabelecidos pela Constituinte de 1988, encontra-se o poder familiar, regulamentado nos artigos 1.630 a 1.638 do Código Civil de 2022.

O poder familiar teve origem no pátrio poder que envolvia o  paterfamilias, o chefe da família, que detinha o poder exclusivo de expressar sua vontade,  o que mudou atualmente visto que o modelo patriarcal não permeia as famílias como no passado, e o conceito de poder familiar passou por transformações significativas ao longo do tempo (Carvalho, 2005).

É fundamental ressaltar que, na Roma Clássica, a família era vista como um conjunto de indivíduos subordinados ao poder jurídico exercido pelo paterfamilias sobre seus filhos legítimos, independentemente do sexo, e que se estendia também a descendentes legítimos, filhos adotivos e filhos naturais legitimados, e, a esse poder, denominou-se pátria potestas, nesse contexto, o paterfamilias detinha a autoridade de nomear tutores para seus filhos, arranjar seus casamentos e escolher seus cônjuges, sem permitir que qualquer opinião ou vontade contrária à sua prevalecesse (Rodrigues, 2002).

De acordo com a Lei de Manu, a mulher era dependente de seu pai na infância, de seu marido na juventude e, após a morte do marido, de seus filhos, nota-se é possível ampliar a discussão sobre os deveres dos genitores, ressaltando que, ante so sistema de pátrio era muito rigoroso, e  o poder anterior à promulgação da atual Constituição Federal, a autoridade estava concentrada nas mãos do pai, e a vontade do paterfamilias prevalecia sempre, e a mulher tinha pouca influência ou quase nenhuma (Diniz, 2003).

Com o passar do tempo, a sociedade e as relações foram mudando, e a igualdade existente foi começando a fomentar o contexto de relações entre pais-filhos, não mais a ditadura e superioridade, mantendo o que vem impresso no artigo 379 do Código Civil de 1916 antigo que trazia “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”, mas primando pelo melhor interesse da criança e para garantir o bem dos filhos (Rizzardo, 2005).

Para Rodrigues (2002) apesar dos avanços na formação das novas gerações, a autoridade dos pais na condução dos filhos permanece e a Lei 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é resultado do empenho de várias pessoas e comunidades dedicadas à proteção, bem-estar e desenvolvimento de crianças e adolescentes em prol de garantir a segurança e conforto a esses indivíduos e a falta de ação da sociedade diante das injustiças e violências que afetam crianças e adolescentes foi um dos principais fatores que levaram à elaboração desta lei, que visa promover uma mudança na mentalidade da sociedade brasileira.

O artigo 21 do ECA já incorpora o princípio da igualdade entre homens e mulheres, assim como a igualdade entre os filhos: o poder familiar será exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, conforme a legislação civil, garantindo a ambos o direito de recorrer em caso de discordância (Brasil, 1996).

Ishida (2003, p.50) aduz: As características do poder familiar são bem definidas:

a) é um munus público, uma função que corresponde a um cargo privado (poder-dever); b) é irrenunciável, ou seja, os pais não podem abrir mão dele; c) é inalienável, não podendo ser transferido a terceiros, seja gratuitamente ou mediante compensação. Contudo, em casos expressamente previstos na legislação, seus atributos podem ser confiados a outra pessoa, como nas situações de adoção ou suspensão do poder parental; d) é imprescritível, o que significa que o genitor não perde esse poder apenas por não exercê-lo, podendo perdê-lo somente nas situações previstas em lei; e) é incompatível com a tutela, conforme evidenciado pela norma do parágrafo único do artigo 36 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim, vê-se que atualmente a legislação evoluiu, e não só o Eca, mas a própria Constituição Federal e o atual Código Civil de 2002 traz o poder familiar como condição confiada a ambos os pais com o objetivo de orientar os filhos e reger seus bens, desde a concepção até a fase adulta do mesmo. Tal função é exercida em prol do interesse dos filhos, tratando-se mais de um “múnus” legal do que propriamente um “poder” (Diniz, 1995).

2.2 Direitos e deveres dos pais em relação aos filhos

No Brasil é igualitária a titularidade e exercício do poder pelos cônjuges ou companheiros. Sendo assim, o Código Civil prevê que havendo divergência dos pais o judiciário solucionará o acordo (Brasil, 2002). O regime de incapacidade de agir para menores visa protegê-los dos perigos da vida adulta e dos conflitos judiciais entre seus pais. No entanto, apesar dessa proteção, as crianças muitas vezes permanecem excluídas dos processos de tomada de decisão que as afetam.

Embora certos direitos e capacidades sejam reconhecidos para menores em várias idades, como o direito de ser ouvido ou de realizar alguns atos legais, esses direitos permanecem fragmentados e limitados. Por exemplo, uma religião ou tipo de escolaridade pode ser imposto a uma criança sem seu consentimento, e decisões importantes sobre sua filiação ou nome podem ser tomadas sem seu conhecimento. Essa situação ilustra a tensão entre proteger a criança e reconhecer sua crescente autonomia (Rodrigues, 2002).

Na sociedade contemporânea, ampliou-se direitos e buscou-se evoluir e como a família é o primeiro contato da pessoa na vida e o principal agente socializador do indivíduo, sendo célula do Estado e da sociedade ela deve se adequar aos anseios sociais, pois em tempos mais remotos era comum observar a família como uma célula do Estado dentro de outro Estado, era como um regramento e cada um tinha sua função dentro do seio familiar, se via mais mando e menos afeto. No que diz respeitos aos filhos não biológicos estes não tinham direitos diante dos filhos legítimos e aqueles adotados eram excluídos da sucessão do adotante, as diferenças entre os que não tinham ligação biológica com os que tinham era evidente (Diniz, 2003).

Atualmente a família é vista como uma construção social organizada através de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comportamento onde não há lugares previamente postos onde necessariamente um ocupa o lugar da figura paterna, ou materna, ou mesmo que sejam parentes consanguíneos (Dias e Pereira, 2003).

Interessante se faz até chegar ao status atual de família observar como se deu a evolução da organização da sociedade através da formação das famílias e como se dispunha a estrutura familiar, onde anteriormente pautava-se no casamento entre heterossexuais, muitas vezes arranjado pelas famílias onde o homem era o centro da família e detinha todo o pátrio poder, similar a hierarquia e disciplina do militarismo, e devido a isto com o desenvolvimento da civilização acabaram por acontecer muitas restrições a total liberdade deste e a situação foi mudando com a participação da mulher e a mudança dos parâmetros dentro do seio familiar (Carvalho, 2005).

A família tinha características fortemente militarizadas, com caráter hierarquizado e patriarcal. Mas as mudanças sociais e revoluções foram alterando este padrão influenciado também pela Revolução Industrial que necessitou de mais mão de obra nas fábricas e em atividades terciárias, o que deu um espaço maior a mulher que ao chegar ao mercado de trabalho foi cada vez mais tomando conta deste e passou a ter igualdade com o homem na subsistência da família que agora vive em espaços menores o que faz com que seus membros fiquem mais íntimos e eleva o vínculo afetivo dando novas feições a concepção da família , que agora é formada por laços afetivos de carinho e de amor (Diniz, 2003).

Hoje a afetividade é elemento preponderante nas famílias e o modelo de família com traços patriarcais já está mais que ultrapassado não há mais papeis predispostos e fixos, é imperativo uma visão pluralista da família protegendo os arranjos familiares, pois a nova entidade familiar é pautada no elo de afetividade, independentemente de sua conformação (Rizzardo, 2005).

Anteriormente conforme visto as relações familiares centravam-se no modelo hierárquico de família que deu espaço para a democratização, que agora centra-se na convivência com fundamentos em princípios da afetividade, igualdade, respeito e lealdade (Diniz, 2003).

A Constituição Federal foi salutar neste processo e a de 1988 igualou homens e mulheres em direitos e deveres e o Código Civil de 2002 anexou tais parâmetros equiparando pai e mãe na família e em seus papeis dentro do lar e o aumento dos novos conceitos das relações interpessoais apurou o novos modelos de concepção de família, e as mudanças sociais e a evolução dos costumes alteraram os parâmetros anteriores e trouxeram uma mudança seja esta da conjugalidade, ou da parenteralidade. Consagra-se agora a consagração igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos tidos fora do casamento, atuam na verdadeira transformação na família (Ishida, 2003).

Atualmente visa-se respeitar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, da igualdade de filhos, igualdade entre cônjuges e companheiros, igualdade na chefia familiar, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade, tais princípios são base de todos os ramos do direito (Dias e Pereira, 2003).

Com base nisso, os tribunais brasileiros vem buscando adequar-se a esta nova formação familiar de laços afetivos centrando a família e buscando reconhecer direitos aos companheiros, união estável, concubinos, filhos adotivos, casamento e adoção de casais homoafetivos, tudo em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e preservação do melhor interesse da criança (Watson et al., 2014).

Observa-se que os pais tem direitos e deveres com relação aos filhos e devem exercê-los com a devida paternidade responsável que é totalmente avessa à ideia de alienação, devendo primar pelo respeito e proteção da dignidade humana sendo dever do Estado prestar assistência à toda família e levar em consideração sempre o interesse do menor de idade, que precisa de maior proteção e cuidado (Carvalho, 2005).

O artigo 1.634 do Código Civil de 2002, traz deveres dos genitores com relação aos filhos menores citando a obrigação de criar e educar os filhos, matricular esses em escola, mantê-los em sua companhia e guarda, dando-lhes segurança devida, permitindo ou dando consentimento para casarem, nomeando tutor em alguns casos prescritos em lei, o dever de representa-los (até os 16 anos) ou assisti-los (após os 16 anos) e em casos de violação ao poder familiar foi violado, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, tendo o direito de cobrar de seus filhos obediência e respeito e as atividades próprias de sua idade e condição.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, traz no artigo 22 do seu bojo legal  os deveres dos pais em relação à pessoa dos filhos: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. “ (Brasil, 1996, p.12).

Dentro desse contexto, fomenta-se que tais deveres devam ser exercidos de forma adequada, os filhos devem ter em seus pais seu exemplo,  precisam presenciar ao máximo possível relacionamentos saudáveis e fortes com ambos os pais e ser protegidos dos conflitos destes casos existam, devendo ser envolvidos de afeto, atenção, cuidado, zelo, e tais situações devem ter grande valor jurídico e por isso precisa de maior tutela estatal, devido a sua importância no âmbito familiar e do conceito de cuidado a criança que acompanhada das mudanças e anseios sociais necessária para as novas considerações das relações familiares; com base no princípio da afetividade primam pela criação adequada no sentido de repsietar a dignidade da mesma (Rizzardo, 2005).

2.3  Condições para extinção do poder familiar conforme o Art. 1.635 do Código Civil

O poder familiar é um múnus que deve ser cumprido por quem tem repsonsabilidade para tal, geralmente os pais a detém e engloba o dever de criar e educar os filhos, prevalecendo o melhor interesse do menor e tendo repsaldo legal para tal premissa. Tal poder familiar é irrenunciável, inalienável e indelegável e caso não seja respeitado nem seguido de acordo, caberá ao Estado fazer uma interferência em tal relação, e por isso deve haver fiscalização para casos em que o poder familiar não é feito de acordo com os deveres dos pais em relação à pessoa dos filhos, devendo nesses casos o Poder Público interferir (Dias e Pereira, 2003).

Considerando as consequências que a perda do poder familiar pode trazer, o poder público deve adotar medidas inibitórias e fiscalizatórias que devem ser adotadas quando a continuidade do vínculo familiar coloca a criança em risco extremo. Caso contrário, se houver a possibilidade de restaurar os laços afetivos, deve-se optar pela suspensão do poder familiar (Lemos e Neves, 2018).

Assim, embora a lei estabeleça de forma clara as causas para a suspensão e a extinção do poder familiar, é fundamental que essas causas sejam apresentadas ao Poder Judiciário de maneira abrangente, permitindo que o juiz tenha liberdade para avaliar os fatos e decidir sobre a interrupção temporária ou definitiva das funções parentais, deve-se considerar as seguintes circuntâncias que podem levar à extinção do poder familiar: a) morte dos genitores ou dos filhos; b) emancipação legal ou voluntária; c) castigo excessivo ao filho; d) abandono do menor; e) prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; f) reincidência nas faltas que justificam a suspensão do poder familiar (Arraes, 2019).

Logo, para que haja perda é necessário que judicialmente tenha tido uma sanção imposta e descrita em sentença judicial, já a extinção do poder familiar pode ocorrer em caso de morte, emancipação ou extinção do sujeito passivo. O código Civil de 2002 traz em seu artigo 1.638 e no 1.635 V sobre o tema, que traz a perda e extinção do  poder familiar. Salientando que a perda é permanente, mas não definitiva.

Ishida (2003) trata que a doutrina admite a possibilidade de revogação da perda, permitindo que os pais recuperem o poder familiar se comprovarem a superação das causas que levaram à sua perda, mas que essa perda não deve ser considerada simplesmente como uma forma de extinção, pois a extinção se refere a causas naturais e a doutrina concorda que a perda é uma medida drástica aplicada em casos graves, conforme os artigos 1.638 do CC e 24 c/c 22 do ECA, sendo a sanção mais severa, imposta quando um dos pais falha gravemente em seus deveres.

3. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BIPOLAR

3.1 Definição e características do transtorno bipolar

Há quase trinta anos, o transtorno bipolar II recebeu um reconhecimento oficial no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e sua definição foi baseada no conceito de hipomania, um termo originalmente cunhado pelo neuropsiquiatra alemão Emanuel Mendel no final do século XIX e atualmente integrado na nosografia psiquiátrica oficial para descrever formas de mania mais brandas, não psicóticas e menos prejudiciais, mas não qualitativamente diferentes (Brancati et al., 2023).

Como o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) consiste em um distúrbio associado a alterações de humor que vão da depressão a episódios de obsessão, o indivíduo acometido com tal doença pode facilmente tornar-se violento por se sentirem perseguidos ou afrontados, e geralmente tem dificuldades em demonstrar carinho (Bastos et al., 2022) e tal situação pode comprometer a sua capacidade.

Esse tipo de transtorno já foi conhecido como depressão maníaca, sendo uma condição cerebral que causa mudanças extremas no humor, sendo dividido em tipos de transtorno bipolar (transtorno bipolar I, transtorno bipolar II ou ciclotimia), e as pessoas com essa condição passam por períodos maníacos marcados por humor extremamente elevado ou irritável e alta energia, sendo passíveis de alterações bruscas e podem passar também por períodos depressivos quando ficam tristes, sem esperança e desanimadas (Brown; White, 2017).

O transtorno bipolar pode surgir desde a infancia e apresentar sintomas que são confusamente semelhantes aos de outros transtornos comuns como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ( TDAH ), transtorno de desregulação disruptiva do humor (DMDD), bem como depressão maior, ansiedade, conduta e transtornos por uso de substâncias, pode afetar o sono, humor e altera os níveis de energia, o que dificulta que a pessoa que tem ess eproblema pense com clareza e acabe afetando as pessoas ao redor as quais se relacionam (Garcia; Martinez, 2020).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais define dois tipos primários de transtorno bipolar: Bipolar I (pelo menos um episódio de mania ou transtorno misto) e Bipolar II (episódios de hipomania alternando com períodos severos de depressão). Mais de 2% da população dos EUA tem transtorno Bipolar I ou II, e outros 2,4% têm o transtorno em suas várias formas subclínicas (ou subsindrômicas) (Brancati et al., 2023).

Episódios de oscilações de humor de depressão para mania podem ocorrer raramente ou várias vezes por ano e cada surto geralmente dura vários dias e entre os episódios, algumas pessoas têm longos períodos de estabilidade emocional, o utras podem ter oscilações de humor de depressão para mania com frequência ou depressão e mania ao mesmo tempo (Lemos e Neves, 2018).

O transtorno bipolar pode começar em qualquer idade, mas geralmente é diagnosticado na adolescência ou no começo dos 20 anos, sendo que os sintomas podem diferir de pessoa para pessoa, e os sintomas podem variar ao longo do tempo.

Quando há um episódio depressivo maior os sintomas são graves o suficiente para fazer com que a pessoa tenha dificuldade em fazer atividades do dia a dia. Essas atividades incluem ir ao trabalho ou à escola, bem como participar de atividades sociais e se dar bem com outras pessoas (Jones et al., 2019).

3.2 Impacto do transtorno bipolar na vida cotidiana e nas relações familiares

Importante ressaltar que o transtorno bipolar (CIDF31) afeta a vida cotidiana de quem tem e acaba influenciando nas relações familiares e como o transtorno bipolar é tido como uma da sprincipais  causas de incapacidade no mundo entre todas as doenças médicas e podem variar de extremos de mania (um estado altamente energizado, eufórico ou irritável) e depressão (um estado desanimado, retraído, taciturno e frequentemente suicida) é importante alertar para o impacto gerado por quem tem esse problema nas suas relações mais próximas (Smith; Johnson, 2018).

A doença é altamente recorrente, com 60% dos pacientes apresentando recorrências de mania ou depressão em 2 anos e até 75% apresentando recorrências em 5 anos e como os sintomas são significativos eles geram múltiplos comprometimentos na escola, no trabalho e nos relacionamentos (Garcia,  Martinez, 2020).

O ambiente familiar é o mais afetado e é um contexto importante para a compreensão do desenvolvimento e manutenção de psicopatologia grave  e transtornos de humor em particular, gera alto estresse familiar e altos níveis de crítica, hostilidade e/ou envolvimento emocional excessivo de um parente cuidador durante ou imediatamente após um episódio agudo de doença do paciente (Lemos e Neves, 2018).

Quando existe esse problema em uma familia e podem afetar uma criança com as atitudes advindas dos distúrbios temperamentais (por exemplo, irritabilidade, baixa tolerância à frustração, instabilidade de humor, alta ansiedade) ou funcionamento cognitivo comprometido tais problemas vão refletir na criança (Arraes, 2019).

Um estudo que recrutou 808 pacientes com transtornos bipolares I ou II de clínicas ambulatoriais especializadas que incluiu características da vida e do curso inicial da doença, bem como resposta ao tratamento dos principais estabilizadores de humor observou que os pacientes bipolares II eram mais frequentemente mulheres e mais frequentemente casadas ​​ou viúvas, consistente com essa informação viu-se que a maioria tinha relação com crianças, e detinham poder familiar sobre menor de idade (Miklowitz, 2007).

Logo, o Estado deve se preocupar com situações onde necessite de cuidados de pacientes com TB e seus descendentes, pois tal problema entre os genitores geram danos significativos à vida das crianças, os serviços que trabalham com a população com transtorno de bipolaridade devem ser adaptados para fornecer cuidados adequados com grupos de apoio, psicoeducacionais e/ ou psicoterapêuticos que são meios importantes de identificar necessidades individuais de cuidados, buscando evitar o diagnóstico tardio de transtornos psiquiátricos do eixo I, bem como prevenir tentativas de suicídio (Smith; Johnson, 2018).

Com tudo isso é essencial avaliar de forma preventiva relações parentais onde há presença de algum paciente com transtorno de bopilaridade e atuar preventivamente, tendo apoio de demais membros da familia e buscando atuar com compreensão desse fenômeno para criar intervenções efetivas direcionadas a essas crianças e no caso de implicações negativas conseguir buscar trazer sanção aos que afetarem as crianças com seu problema, gerando a perda do poder familiar como meio de caráter protetivo em relação aos filhos (Vasconcelos et al., 2020).

4 TRANSTORNO BIPOLAR DE INTENSIDADE GRAVE E O PODER FAMILIAR

4.1 Relação entre transtorno bipolar grave e incapacidade parental

Diante disso, esse estudo visa aprofundar a discussão de como o transtorno bipolar, quando de intensidade grave afeta o paciente de tal modo que reflete em sua relação familiar e sobretudo no poder familiar.  De fato esse problema gera impactos psicossociais do transtorno bipolar na dinâmica familiar e sua relação com a proteção dos direitos das crianças e adolescentes envolvidos (Smith; Johnson, 2018).

Logo, deve-se ter como foco a proteção ao menor dada pela Constituição Federal de 1988, que tutela ainda em seus artigos 226 e 227 a família como base da sociedade com total proteção do Estado, sendo dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, […] além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988).

Ademais, cuidar das condições de saúde, tanto físicas como psicológicas de crianças e adolescentes também é um meio de garantir-lhes o direito à proteção integral, considerando-se que saudáveis seu desenvolvimento ocorre de modo melhor e mais completo. Todavia, muitas são as doenças mentais existentes, onde a mesma pode causar danos a diversas esferas da vida de um indivíduo (Bastos et al., 2022).

Importante ressaltar que a perda do poder familiar é uma sanção com consequências significativas, diferentemente da suspensão, que é temporária e facultativa. Embora a perda tenha um caráter protetivo em relação aos filhos, suas repercussões jurídicas são profundas, especialmente no que diz respeito ao direito sucessório e à herança deixada pelo genitor falecido (Garcia; Martinez, 2020).

A perda do poder familiar exige uma sanção judicial específica, enquanto sua extinção pode ocorrer em casos como morte, emancipação ou término da relação. O Código Civil de 2002, no artigo 1.638, estabelece que a perda da autoridade parental resulta na extinção do poder familiar, definida como a cessação definitiva desse poder. Contudo, a doutrina admite a possibilidade de revogação da perda, permitindo que os pais recuperem o poder familiar se comprovarem a superação das causas que levaram à sua perda.

Ishida (2003) argumenta que a perda do poder familiar não deve ser considerada simplesmente uma forma de extinção, pois a extinção se refere a causas naturais. Apesar das imprecisões na terminologia legal, a doutrina concorda que a perda é uma medida drástica aplicada em casos graves, conforme os artigos 1.638 do CC e 24 c/c 22 do ECA. Como perder é mais grave e severo, pode-se extinguir em casos de que haja problemas nos quais os pais falham gravemente com seus deveres, tal situação prima por proteger os menores de pais que não agem de acordo com as responsabilidades parentais (Arraes, 2019).

É fundamental destacar que a perda do poder familiar é uma sanção que traz consequências severas, ao contrário da suspensão, que é temporária e opcional. Embora a perda tenha um caráter protetivo para os filhos, suas implicações jurídicas são profundas, especialmente em relação ao direito sucessório e à herança deixada pelo genitor falecido (Bastos et al., 2022).

Assim, casos de transtorno bipolar grave que devem gerar incapacidade parental ocorre pelo fato de gerar problemas que envolvem considerações psicológicas, sociais e jurídicas, pois este tipo de transtorno pode afetar significativamente a vida e a capacidade de um indivíduo em assumir responsabilidades parentais pois os episódios maníacos e depressivos podem comprometer a tomada de decisões, a estabilidade emocional e a capacidade de cuidar de crianças, podendo gerar negligência e até instabilidade emocional, estresse e insegurança podendo impactar em seu desenvolvimento psicológico (Lemos e Neves, 2018).

5. EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR NO ART. 1.635 DO CÓDIGO CIVIL

5.1 Análise do Art. 1.635 do Código Civil e os critérios legais para a extinção do poder familiar

O artigo 1.635 do Código Civil brasileiro trata da extinção do poder familiar, tranzendo consigo os tipos de situações em que esse poder se encerra.

1.635. Extingue-se o poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;

II – pela emancipação, nos termos do art. 5 o, parágrafo único;

III – pela maioridade;

IV – pela adoção;

V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

O artigo menciona as seguintes hipóteses para a extinção do poder familiar e no inciso V destaca as hipoteses por decisão judicial, na forma do artigo 1.638 que traz casos de perder por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: castigar imoderadamente o filho, deixar em abandono, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. ou entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.  

Logo, deve haver a destituição do poder familiar como medida drástica, em situações de abusos ou negligência por parte dos pais, sendo essa uma decisão judicial na qual o processo tenha comprovado que os genitores foam incapazes de exercer suas funções adequadamente (Garcia,  Martinez, 2020).

Logo, a perda do poder familiar em casos transtorno d ebopilaridade na qual afeta os filhos de quem tem a patologia se molda no Art. 1.635, V do Código Civil e detém sua descrição no  artigo 1.638 do memso diploma legal que descreve as condutas que fomentam graves danos ao menor, facilmente constatados em situações onde a criança conviva com pai ou mãe bipolar e por isso deve-se considerar o melhor interesse da criança, respeitada que ela está em pleno desenvolvimento, primando pela sua dignidade e resguardadas suas necessidades, evitando-se situações que ponham em risco sua integridade e segurança, logo, casos assim devem haver processos que gerem a extinção do poder familiar em relação acriança por quem detém o transtorno e que esse problema realmente afete a convivência entre genitor e filho (Watson et al., 2014).

Para Campos et al. (2018)  as implicações dos fatores genéticos e ambientais em filhos de mães e pais com transtorno afetivo bipolar (TAB) têm sido amplamente debatidas, revelando que essa população é considerada de risco para o desenvolvimento de psicopatologias e dificuldades psicossociais. Filhos de mães com TB apresentam taxas mais elevadas de transtornos de humor, ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade, além de comportamentos disruptivos, em comparação com filhos de mulheres com outros transtornos psiquiátricos ou de controles saudáveis.

Sendo assim é crucial pensar no melhor interesse da criança como meio de garantir sua dignidade e integridade mesmo que nesses casos seja necessário a perda do poder familiar, por isso os juizes podem e devem legitimamente tomar decisões em nome de uma criança em prol de seu melhor interesse, e os tribunais vão apoiar o limite para pais que devam ter a sua autoridade ilimitada quando essa for apropriada e justificada conforme cada caso (Garcia,  Martinez, 2020).

Como as crianças são membros vulneráveis ​​da nossa comunidade, e cabe a todos, como sociedade, proteger aqueles que não podem se proteger. É preciso encontrar um equilíbrio entre oferecer tal proteção, respeitando a autoridade parental e prevenindo incursões ilegítimas na vida privada e familiar, devendo fazer uma interação entre a assistência à saúde mental e considerar o poder familiar pois os pais podem ser portadores de sofrimento psíquico ou mal grave e ser necessário atuação juridica em prol de assistir essas pessoas e seus descendentes. (Barbosa; Jucá, 2017).

5.2  Jurisprudência e Estudos de Caso

Logo, por ser uma situação grave, é encontrado na jurusprudência casos que envolvem o transtorno de personalidade bipolar de intensidade grave, entendidos como aqueles que gera sintomas que afetam as relações sociais da pessoa que detém esse diagnóstico, que pode servir como causa de extinção do poder familiar, logo, existem já precedentes jurídicos que abordam a questão da incapacidade parental em casos que envolvem transtornos mentais, o que é o caso da bipolaridade (Smith; Johnson, 2018).

 Os tribunais tendem a avaliar cada situação de maneira individual, considerando não apenas o diagnóstico, mas também o funcionamento do indivíduo em sua vida cotidiana e a capacidade de atender às necessidades da criança.

Estudos de casos mostram que a decisão sobre a capacidade parental de indivíduos com transtorno bipolar pode variar amplamente e fatores como a adesão ao tratamento, o suporte familiar e a estabilidade emocional são frequentemente levados em consideração, e nos julgados dos tribunais não é diferente, a baixo segue ementa de decisão sobre o tema:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C GUARDA – GUARDA DE FATO EXERCIDA PELO GENITOR – REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS DA GENITORA – DIREITO DE CONVIVÊNCIA – INSTABILIDADE EMOCIONAL DA MÃE – HISTÓRICO DE TRANSTORNO BIPOLAR COM IDEAÇÃO DE AUTOEXTERMINIO – VISITAÇÕES ASSISTIDAS – INTEGRIDADE E SEGURANÇA DOS FILHOS – PRESERVAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO. – O direito de visitação dos pais aos filhos está previsto no artigo 1.589 do Código Civil e deve ser sempre orientado pelo melhor interesse da criança, levando em conta sua condição de pessoa em desenvolvimento. É fundamental garantir suas necessidades e proteger sua integridade e segurança, evitando situações que possam comprometer seu bem-estar. Considerando os laudos médicos nos autos que apontam a instabilidade emocional da mãe, com histórico de transtorno bipolar e ideação suicida, a decisão que estabelece o direito de visitação supervisionada pelos filhos, que estão sob a guarda de fato do pai, deve ser mantida, até que surjam novos elementos de prova que possam alterar a situação apresentada. (TJ MG, 2021).

Nota-se que a decisão do juiz do Tribunal de minas Gerais considerou que a mãe podia ser um risco para criança, pois a situação emocional da genitora, que tinha transtorno bipolar e já tiha tentado se suicidar gerou a perda do poder familiar da mãe, dando a guarda de fato do genitor, e nas visitas da mãe essas seriam feitas com  supervisão até que a situação fosse modificada e comprovada em laudos médicos.

Logo, vê-se que a relação entre transtorno bipolar grave e incapacidade parental é multifacetada, envolvendo uma análise cuidadosa de aspectos clínicos e jurídicos sendo essencial que os profissionais da saúde mental colaborem com os sistemas legais para garantir que as decisões tomadas sejam sempre em benefício do bem-estar da criança. A abordagem deve ser individualizada, levando em conta tanto as capacidades do genitor quanto as necessidades da criança (Garcia; Martinez, 2020).

Outra jurisprudência que é interessante de ser destacada foi a da ação de guarda que também foi demonstrado no processo os problemas de saúde mental da mãe do infante, e como ela não estava se medicando acabava tendo surtos e assim afetando a saúde do menor, prejudicando a integridade física e psicológica de seu filho, que escolheu ficar com a tia, pois considerava a mãe um risco para ele mesmo.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA. ALTERAÇÃO DE GUARDA. CABIMENTO NO CASO. No presente caso, considerando os problemas de saúde da genitora do infante, que é portadora de transtorno bipolar e depressão, não fazendo uso contínuo da medicação e apresentando surtos que comprometem a integridade física e psicológica do filho, atualmente com 11 anos, foi concedida a guarda provisória da criança à irmã, Letícia, conforme a manifestação de vontade do menor. Tal decisão deve ser mantida por ora. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070814942, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 26/10/2016).

Assim, desses casos chega-se ao entendimento que em casos de que os genitores não tenham condições psicologicas de criarem seus filhos, como é o caso dos que tem transtorno de bipolaridade mais gravoso que reflete em seu cotidiano sintomas e alterações de humor, deve ser decretada a interdição judicial ou mesmo extinção do poder familiar e demonstrar que esse pai ou mãe é absolutamente incapaz para exercer pessoalmente os atos e os direitos e deveres inerentes ao Poder Familiar (TJ MG, 2021).

Ademais, a bipolaridade é causa que traz alterações na conduta de quem tem esse problema, mostrando ser incompatível com o bem-estar da criança, evidenciando grave transtorno mental que pode gerar problemas ao menor, inclusive afetando a sua integridade física e mental, um genitor com tal problema não possui condições de exercer seu poder familiar que fica prejudicado e por isso deve sim ser extinto devido as alterações de sáude mental (Bastos et al., 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo tratou sobre o pátrio poder relacionado a casos de transtorno de bipolaridade, sendo demonstrado que é possível  perder esse direito quando o detentor do poder familiar tem transtorno de personalidade bipolar de intensidade grave podendo ser tido como causa de extinção do poder familiar, vez que deve haver um comprometimento com a proteção dos interesses das crianças e no âmbito judicial, isso também se aplica, pois profissionais do direito, juízes e serventuários da justiça devem agir em respeito aos direitos de quem precisa de maior proteção.

Essa situação levanta discussões complexas sobre a capacidade de exercer o poder familiar de maneira estável e responsável, especialmente em relação ao bem-estar emocional e psicológico dos filhos. No Brasil, o Código Civil estabelece as bases legais para a organização familiar, incluindo normas sobre a extinção do poder familiar em casos específicos, porém, a legislação atual não aborda diretamente a capacidade parental de indivíduos diagnosticados com transtornos mentais graves, como o transtorno bipolar em sua forma .

Assim, a análise da extinção ou perda do poder familiar em indivíduos diagnosticados com transtornos mentais graves, como o transtorno afetivo bipolar, evidencia a complexidade da questão, sendo crucial considerar que a presença de um transtorno mental grave não implica automaticamente na incapacidade de exercer a parentalidade de maneira responsável e por isso cada caso deve ser avaliado de forma individualizada, levando em conta a gravidade do transtorno, o contexto familiar e o impacto no bem-estar da criança.

Entretanto, nota-se que não existe na lei de forma direta casos de extinção ou perda do poder familiar para indivíduos diagnosticados com transtornos mentais graves, como o transtorno bipolar, mas vê-se que deve se pensar em mudança legislativa para que sentido, pois conforme vê-se a grande quantidade de casos judiciais em prol da demanda há uma necessidade urgente de investigar se o transtorno bipolar grave pode ser considerado uma causa legítima para a extinção do poder familiar, já sendo tratada legalmente para dar melhor segurança juridica ao tema.

Por fim, vale acrescer que a extinção do poder familiar deve ser uma medida extrema, aplicada somente quando comprovada a incapacidade de proporcionar um ambiente seguro e saudável para os filhos, por isso é necessário promover um diálogo interdisciplinar que inclua profissionais da saúde mental, do direito e da assistência social, a fim de criar políticas que garantam a proteção dos direitos das crianças sem desconsiderar as possibilidades de recuperação e suporte para os pais com transtornos mentais.

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1 Alunas do Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste- FAINOR, e-mail: annalaracruz@gmail .com e brendamirandas123@gamail.com

2 Docente do Curso de graduação em Direito da UNEB e da Fainor, advogada Mestra em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduada em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).