O IMPACTO DOS PROCEDIMENTOS ESTÉTICOS NAS MULHERES EM TRATAMENTO ONCOLÓGICO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411160858


Karoline Martins Mattos Moraes Ferreira Feitosa1;
Luanna Silva Caldas2;
Pietra Boneli Magno da Silva3


RESUMO

Objetivo: Avaliar os benefícios da estética em pacientes em tratamento quimioterápico, com foco na autoestima, autoimagem e impactos positivos de procedimentos estéticos. Método: Estudo descritivo e exploratório de abordagem qualitativa realizado no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória. A amostra incluiu mulheres em fase inicial, durante ou final de tratamento oncológico, selecionadas por amostragem aleatória simples. Foram aplicados questionários semiestruturados a mulheres que já realizaram e aquelas que pretendem realizar procedimentos estéticos. A coleta de dados foi encerrada ao atingir a saturação das informações, seguida de análise estatística. Resultados: Entre as 10 entrevistadas, observou-se que a maioria não realiza intervenções estéticas durante o tratamento, citando como obstáculos questões financeiras e receios de comprometer a terapia. Entretanto, as participantes que optaram pela realização de procedimentos estéticos relataram aumento na autoestima. O suporte emocional foi considerado crucial, em sua maioria pelas participantes, concordando que a falta desse suporte poderia agravar a situação. Considerações Finais: Os procedimentos estéticos possuem um grande impacto para a autoestima das mulheres em tratamento oncológico, entretanto enfrentam barreiras financeiras e médicas. A pesquisa ressalta a necessidade de uma abordagem mais abrangente sobre a relação entre estética e saúde emocional, destacando a importância do apoio familiar e profissional nas decisões sobre intervenções estéticas durante o tratamento. Esses achados indicam que se faz necessário um maior entendimento e suporte que podem melhorar significativamente a qualidade de vida dessas pacientes. 

Palavras-chave: Estética. Benefício. Oncologia. 

ABSTRACT 

Objective:  To evaluate the benefits of aesthetics in patients undergoing chemotherapy, focusing on self-esteem, self-image, and the positive impacts of aesthetic procedures. Method: This descriptive and exploratory study utilized a qualitative approach conducted at the Santa Casa de Misericórdia Hospital in Vitória. The sample included women at various stages of oncology treatment, selected through simple random sampling. Semi-structured questionnaires were administered to women who had already undergone aesthetic procedures and those considering such interventions. Data collection concluded upon reaching saturation of information, followed by statistical analysis. Results: Among the 10 participants, it was observed that most did not pursue aesthetic interventions during treatment, citing financial constraints and concerns about compromising their therapy as primary obstacles. However, those who opted for aesthetic procedures reported an increase in self-esteem. Emotional support was deemed crucial, with the majority agreeing that the lack of such support could exacerbate their situation. Conclusions: Aesthetic procedures have a significant impact on the self-esteem of women undergoing oncological treatment; however, they face financial and medical barriers. The research highlights the need for a more comprehensive approach to the relationship between aesthetics and emotional health, emphasizing the importance of familial and professional support in decision-making regarding aesthetic interventions during treatment. These findings indicate a necessity for greater understanding and support, which can significantly enhance the quality of life for these patients.

Keywords: Aesthetics. Benefit. Oncology.

INTRODUÇÃO 

O aparecimento do câncer na vida de uma mulher pode ser considerado um acontecimento marcante, pois gera diversas modificações em toda a sua imagem pessoal, interferindo na forma como se sentem em relação a si mesmas e no modo como enxergam a vida 1

Estudo aponta que em poucos lugares do mundo a beleza é parte tão importante de sua cultura quanto no Brasil. Para os autores, o culto a um padrão estético, nem sempre está ao alcance da maioria das pessoas. Quando se trata um paciente de câncer, que enfrenta efeitos colaterais aparentes, como alopecia e ressecamento da pele, essa questão assume contornos mais sensíveis 2.

Um dos malefícios do câncer é a desconstrução da imagem, não só pelas mutilações provocadas pelas cirurgias, mas também em consequência de todas as alterações físicas 3. Algumas dessas modificações físicas são: magreza intensa ou até mesmo o ganho de peso exacerbado, grandes cicatrizes, queda de cabelo. Essas mudanças implicam diretamente na sua identidade física e automaticamente em sua autoestima 4

A quantidade de estudos sobre procedimentos estéticos ainda é escassa, principalmente quando correlacionado a oncologia. Resultados positivos vêm sendo observados, explicando sua importância na melhora de aspectos psicológicos e emocionais dos pacientes, entre os quais podemos encontrar uma maior estima por si mesmo, um aumento nas relações sociais e interpessoais, e uma melhoria na qualidade de vida 5

Ribeiro et al. 6 realizou um estudo com mulheres cujas idades variavam de 40 a 60 anos, que realizavam tratamento quimioterápico, e que perderam os pelos da sobrancelha. Ele então observou que com a técnica de micro pigmentação, muitas mulheres tiveram a melhora da autoestima, trazendo satisfação e bem-estar, como resultado notou que o procedimento estético trouxe benefícios para essas mulheres. 

É sabido que as principais substâncias envolvidas na sensação de bem-estar e felicidade são a endorfina, a dopamina, a serotonina e a ocitocina. Em relação a ocitocina, sabe-se que essa é muito relacionada à busca pela beleza, e isso engloba manter qualidade de vida. Associada aos sentimentos de bem-estar e felicidade, na saúde o hormônio tem seus efeitos reconhecidos na contração uterina, ejeção de leite, prazer sexual e reduções do estresse e da ansiedade 7

Desta forma, questiona-se: quais os benefícios da estética durante o tratamento oncológico? Tem-se como hipótese que os benefícios são: melhora da autoestima, promoção do bem-estar físico e mental e melhora do convívio social. Segundo o INCA, a manutenção da autoestima influencia positivamente no tratamento, assim como no resultado terapêutico 8. Quando usamos a estética de forma saudável e sem exageros, como Rolim et al. diz, ela tende a fazer com que essa mulher tenha não somente o bem-estar físico, como também a melhora da autoestima, influenciando então positivamente em sua qualidade de vida e em saúde no geral 8

Ao receber o diagnóstico de uma doença grave, as prioridades de um indivíduo podem mudar e os cuidados com a aparência acabam sendo deixados de lado, mas ao longo do tempo pode gerar um desequilíbrio com o próprio bem-estar. 

Por isso, esse trabalho se justifica com base no atual cenário da saúde e social, onde é necessário entender o processo de tratamento quimioterápico e quais as maiores queixas estéticas desta população alvo. Nesse sentido, a proposta é trazer uma reflexão sobre a qualidade de vida e como a estética pode ser um grande auxiliador para combater a disfunção da autoimagem. 

O estudo global What Women Want constatou que a autoimagem da mulher ainda é consideravelmente mais baixa que a do homem. 13% delas têm baixa autoestima, enquanto entre eles esse percentual é de apenas 9%. Outro fator apontado no estudo é que a autoestima das brasileiras teve uma queda significativa em 2021 comparado ao ano de 2019, saindo de 31% para apenas 16%9

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2020) estima-se cerca de 316 mil novos casos de câncer entre mulheres, sendo que 29,7% (66 mil, em média) seriam de mama, apresentando um percentual maior que a média mundial calculada em 2018, de 24,2% 10

Com isso, os efeitos colaterais advindos da quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia também interferem negativamente no cotidiano, na elaboração da imagem corporal e na vida sexual da mulher. As principais consequências desse tratamento são náuseas, vômitos, fadiga, disfunção cognitiva, alopecia, ganho de peso, palidez, menopausa induzida, diminuição da lubrificação vaginal e excitação, redução do desejo sexual, dispareunia e anorgasmia¹¹. 

Ressalta-se que a aparição de quadros depressivos e ansiedade também estão relacionados com maior sensação de dor e desconforto físico, ou seja, podemos perceber como a autoestima interfere diretamente na qualidade de vida das mulheres que enfrentam o tratamento oncológico e como isso pode gerar traumas e consequências não somente estéticas, mas também para a saúde mental para toda a vida. Segundo Daniela Batista Sorato, psicóloga da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Câncer de Barretos, durante um desfile de modas organizado com as pacientes em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, a simples valorização da beleza das pacientes teve grande impacto nos relatos de dor². 

Cabe ainda salientar que o estudo se torna relevante para melhorar a compreensão dos profissionais de saúde que estão presentes durante todo o processo quimioterápico do paciente, tendo assim como foco a melhora da autoestima e o conforto do paciente, gerando indicadores de como a autoimagem durante o tratamento afeta diretamente a qualidade de vida do paciente.  

Portanto, este trabalho tem como objetivo avaliar os benefícios da estética nos pacientes em tratamento quimioterápico. 

MÉTODO 

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de abordagem qualitativa. Esse tipo de estudo, segundo Gil, permite o aprimoramento das ideias. Além disso, permite a investigação de fenômenos pouco conhecidos8. O estudo foi realizado no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, localizado no município de Vitória, na região metropolitana do Espírito Santo. O serviço oncológico do hospital atua desde 2009, em convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS), atendendo as regiões da Grande Vitória, Região Norte do Espírito Santo e Sul da Bahia. Participaram da pesquisa mulheres em fase inicial, durante ou final do tratamento oncológico ou com liberação médica para procedimentos estéticos, como tintura de cabelo, reconstrução mamária e tatuagem mamária. 

A amostragem é aleatória simples, buscando maximizar o número de participantes que atendem aos critérios de inclusão. A coleta de dados encerrou-se ao alcançar a saturação do fenômeno, ou seja, quando novas entrevistas não aportaram informações adicionais. Para a coleta de dados foi elaborado um questionário semiestruturado, elaborado pelas autoras. O questionário abordou dados sociodemográficos, como estado civil, idade, ocupação, além de perguntas relacionadas ao tema da pesquisa. Após a aplicação do termo de consentimento livre e esclarecido, as participantes responderam ao questionário. 

Os dados quantitativos foram organizados em planilhas do Microsoft Excel 2019 e analisados estatisticamente de forma descritiva, A análise qualitativa incluiu agrupamento e interpretação dos dados conforme os objetivos da pesquisa. Foi adotado codinomes para identificação das participantes da pesquisa, respeitando o sigilo. 

ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS DA PESQUISA 

A pesquisa foi realizada após aprovação do comitê de ética em pesquisa com seres humanos, seguindo todos os preceitos conforme as Resoluções 466/12 e 510/16, sob o número do CAAE 79713124.4.0000.5065 e sob o número do parecer 6.974.759, aprovado na data de 8 de julho de 2024. 

RESULTADOS 

A partir da amostra inicial de 10 pacientes, foram analisados os questionários, dos quais 6 foram respondidos manualmente e quatro através de gravação de voz, com posterior transcrição. Essa metodologia busca capturar as experiências e percepções das participantes, contribuindo para uma compreensão mais aprofundada do tema, visto que algumas participantes não possuem alfabetização. 

A seguir, as tabelas com o mapeamento socioeconômico e os resultados obtidos. Além das tabelas, é exposto a fala das participantes em relação as perguntas realizadas, corroborando com os dados analisados.

A Tabela 1 demonstra o mapeamento da faixa etária das entrevistas, em que é observado que a faixa etária mais incidente para o câncer é acima de 51 anos, corroborando com a literatura quanto à incidência e prevalência do câncer, que, sendo uma doença crônica, atinge uma população com mais idade 2 1.   

Tabela 1 – Mapeamento da faixa etária e cor/raça das participantes. 

A Tabela 2 evidencia que, mesmo diante de uma doença crônica, por vezes incapacitante, 60% das participantes mantêm algum tipo de vínculo empregatício ou atividade geradora de renda, inferindo que essas mulheres contribuem no seu âmbito familiar com as questões financeiras. 

Tabela 2 – Mapeamento da ocupação profissional e estado civil das participantes.  

A partir da Tabela 3, têm-se as respostas obtidas na aplicação do questionário. A maioria das participantes entende os procedimentos estéticos como tratamentos que visam melhorar a aparência, evidenciando a relevância desse aspecto em momentos de vulnerabilidade, como o tratamento oncológico. Ademais, entendem que procedimentos estéticos consistem em tintura de cabelo, micro pigmentação da sobrancelha e limpeza de pele. Algumas entrevistadas apresentaram dificuldade de entendimento com o termo “procedimento estético”. 

Tabela 3 – Respostas obtidas na primeira questão do questionário. 

Em relação à realização de procedimentos estéticos, 80% das entrevistadas afirmaram não ter realizado algum tipo de intervenção. Nesse trabalho, foi considerado qualquer tipo de intervenção que elevasse a autoestima da mulher, desde procedimentos simples a cirurgias reparadoras. 

Participante Violeta: “Eu particularmente vejo bem positivamente. Eu tenho uma amiga, que ela passou por câncer no útero, e ela fez um mapeamento e constatou que se ela não retirasse as mamas, provavelmente num espaço curto de tempo, a possibilidade era muito grande do câncer desenvolver nos seios dela. Pra ela foi um divisor de águas, uma mulher com uma beleza ímpar, que teve a beleza arrancada, porque ela parou de se cuidar devido a doença, e ela tinha lipo, ela tinha silicone, malhava, academia, cabelão, toda linda, e com a retirada das mamas, que é uma mutilação, querendo ou não, tirou um pouco da autoestima dela. E foi um divisor de águas para ela fazer o preenchimento e colocar as mamas de volta. Foi muito positivo, muito bacana, ajuda a mulher a pelo menos se sentir melhor.” 

Em grande parte, as entrevistadas relataram não realizar nenhum procedimento estético durante o tratamento e as participantes que responderam “SIM” informaram que realizaram Botox capilar e corte de cabelo (cuidado de beleza). 

Tabela 4 – Respostas obtidas na terceira questão do questionário. 

Apesar da maioria das participantes não terem realizado nenhum tipo de intervenção, como observado na tabela 4, quando há a realização de algum procedimento, há promoção da elevação da estima por meio da revitalização da imagem pessoal, conforme a fala das participantes a seguir:

Participante Margarida: “Olha, pode influenciar bastante, porque a gente fica muito vulnerável, principalmente emocionalmente, de aceitar a doença, aceitar o diagnóstico, de insegurança no futuro também, alguns momentos que eu disse pra mim mesma que eu não ia fazer plano nenhum para o futuro, porque a doença não ia me permitir fazer ne. A gente tem que ser muito forte para não chutar o balde e falar:” NÃO! Se amanhã eu amanhecer viva eu fazer o que eu tiver que fazer amanhã”. Eu agradeço a Deus, entendeu? O tratamento estético é importante por causa disso, porque faz com que a gente esqueça um pouquinho, a gente não transpareça essa preocupação, esse coisa ruim que a doença, o diagnóstico traz na gente. Revigora a nossa autoestima” 

Procedimentos estéticos costumam possuir um valor elevado, principalmente quando comparado ao salário-mínimo brasileiro. Devido ao fator financeiro, sabendo que o tratamento oncológico dispõe de gastos e rearranjos familiares, não se torna uma prioridade. Entretanto, observa-se que a maioria das participantes não realizam tratamentos estéticos devido ao medo de prejudicar o tratamento oncológico e medo da intervenção não obter sucesso²¹. 

Participante Violeta: ““Hoje em dia tá muito difícil, a questão do procedimento estético não é só questão de beleza, é uma questão de saúde. Então, assim, você faz um procedimento estético, você confia num médico que tá fazendo, na equipe, e as vezes você se decepciona ou perde a sua vida, porque não era tudo aquilo que você esperava ou as vezes aconteceu um erro mesmo, de deixar a pessoa pior do que foi fazer. Hoje eu acho o maior medo das mulheres.”

Além disso, devido ao risco de interferir no tratamento, os procedimentos podem não ser autorizados pela equipe médica. Dependendo do tratamento estético, a composição química do produto pode afetar diretamente a ação da medicação quimioterápica ou acarretar efeitos colaterais, agravando o quadro clínico²². O medo em relação a realização de procedimentos estéticos e a interferência no tratamento, mesmo após orientação médica quanto ao que pode ser feito, como relatado a seguir, ao ser perguntada por que não realiza procedimentos estéticos:

Participante Rosa: “O medo, eu penso também ser pelo medo.”

Participante Lírio: “É o medo de alguma interferência no tratamento ne? Como a gente não tem muito conhecimento das químicas que tem, então, eu, na minha opinião, tenho medo. Tem muita química, então não coincidir com a outra, uma tinta de cabelo. Eu não sei até que influencia isso, mas também ninguém tira nossas dúvidas. Meu cabelo tá aqui oh, esperando o médico falar: PODE!”

O suporte emocional é de fundamental importância, desde o diagnóstico até o desfecho final do tratamento oncológico, como evidenciado na Tabela 7, onde 70% das participantes concordam que, sem esse apoio, pode haver pioras significativas no enfrentamento da doença, e pelo relato a seguir.

Tabela 5 – Respostas obtidas na quinta questão do questionário.

Participante Violeta: “Mexe muito. A falta de apoio de família e companheiros, é como se o mundo dela fosse desconstruído ali. Porque ela geralmente imagina, visualiza sua vida, sua relação como algo muito sólido, e quando a doença chega na vida da pessoa, ela descobre que não é tão fácil assim. Teve uma conhecida minha que descobriu que teve câncer e o marido abandonou com uma filha de dois aninhos. Só que a justiça de Deus não tarda, ne? Ele casou novamente, só que a mulher com quem ele casou também tem câncer. Então, assim, o que ele vai fazer? Vai abandonar também, vai correr? Vai pro terceiro, quarto? Então é complicado. Exige por falta dos homens um companheirismo, uma parceria, saber que quando você casa, mesmo que você não vá diante de um juiz ou um padre e diga: na alegria, na                     tristeza, na dor e na doença, mesmo que você não fale, isso é algo real, pra quem casa, pra quem junta. Algumas mulheres sentem dependência emocional, também tem esse fator. Tem mulheres que são decididas, são vividas e tem positividade e tocam a vida sozinha, mas tem mulheres que tem dependência emocional, e aí o mundo delas cai, como se a vida dela ruísse ali. Tem muitos fatores… eu acho que mãe e pai poderiam ensinar seus filhos desde pequenos a não ser só honesto, educado, a não bater em mulher… devia ensinar desde criança o que é parceiro, união.”

Participante Lírio: “Isso depende muito de cada pessoa. Tem pessoas que talvez essa dependência emocional de outros, é… afeta muito profundamente. Já outros não, já são mais bem resolvidos, já tomam suas decisões por si próprios, sem essa dependência emocional, se bem que a doença já cria essa dependência emocional na gente. Mas, como a gente já tem um histórico de criação, que vem da família criar a gente com um suporte emocional dentro da gente mesmo, mais firme, mais seguro, então eu acredito que não é tão frágil, entendeu? Então, há pessoas e pessoas. Eu conheço muitas pessoas que tão fazendo o tratamento como eu, e elas ficam assim, muito coitadinhas, tendeu? E eu não sou essa coitadinha não, inclusive, meu pior momento, eu chutei o balde e disse assim: “Eu não tenho expectativa de vida então vou jogar a toalha!”. Depois eu disse: “eu jogar a toalha? Eu? Eu? Essa não sou eu!”. Aí dei um corte no cabelo, dei uma repaginada em mim mesmo, e aí já fui ver outras coisas no trabalho mesmo, tendeu? Aí deu um progresso no meu trabalho, reformei minha loja, fiz um monte de coisa que eu não faria, e eu tivesse pra baixo, eu não faria. Então depende muito de pessoa pra pessoa.”

DISCUSSÃO 

As participantes da pesquisa relataram predominantemente que os procedimentos estéticos trazem um sentimento de bem-estar e felicidade, fazendo com que se sintam mais vivas e revitalizadas, corroborando com a literatura, quando estudos sugerem que a imagem corporal desempenha um papel significativo na qualidade de vida dessas pacientes, impactando sua autoestima e saúde mental24

Cerca de 70% das pacientes acreditam que a compreensão da família ou amigos influencia na tomada de decisão, seja ela positiva ou negativa. Sabemos que, já no momento inicial do diagnóstico, o câncer deixa de ser uma doença individual, passando a ter uma caracterização familiar26, o que gera, principalmente, medo e angústias. Por diversas vezes, o tratamento estético durante esse processo pode ser entendido pelos familiares como fútil, tendo em vista o momento vivido, assim como temos do outro lado, aqueles que entendem que ao realizar um procedimento estético naquele momento, poderá “reacender” a autoestima da mulher. 

A busca por procedimentos estéticos, frequentemente motivada pela necessidade de restaurar a imagem corporal após mudanças físicas decorrentes do tratamento, parece desempenhar um papel crucial na promoção do bem-estar emocional. As participantes relataram que esses procedimentos não apenas ajudaram a melhorar sua autoimagem, mas também proporcionaram uma sensação de controle em um momento de incerteza e vulnerabilidade, corroborando a literatura que aponta para a importância da imagem corporal na qualidade de vida das pacientes oncológicas27

Em nossa população de estudo evidenciou-se a complexa relação entre os procedimentos estéticos e a experiência de mulheres em tratamento oncológico. Há escassez de estudos que contemplem a temática proposta, limitando o diálogo com autores quanto ao fenômeno observado.  Entretanto, as respostas obtidas, tanto das entrevistas manuais quanto das gravações de voz, revelaram insights significativos sobre como essas intervenções podem influenciar a autoestima e a percepção corporal das participantes. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Este estudo destaca a importância dos procedimentos estéticos para a autoestima e bem-estar emocional de mulheres em tratamento oncológico. Os resultados indicam que, apesar de 80% das participantes não terem realizado intervenções estéticas durante o tratamento, aquelas que optaram por procedimentos, relataram uma revitalização da imagem pessoal e um aumento na autoestima. Isso sugere que, mesmo em um contexto de vulnerabilidade, as intervenções estéticas podem servir como uma forma de recuperação emocional e controle sobre a própria aparência. 

Entretanto, barreiras significativas ainda se impõem, como preocupações financeiras e o medo de interferir no tratamento quimioterápico. A compreensão e apoio familiar também desempenham um papel crucial na decisão de buscar tais procedimentos, destacando a necessidade de um ambiente de suporte que valide as necessidades emocionais das pacientes. 

A pesquisa evidencia a relação complexa entre a imagem corporal e a saúde mental, sugerindo que profissionais de saúde, especialmente enfermeiros, devem considerar a estética como um componente relevante na abordagem integral ao cuidado oncológico. Futuras investigações com amostras maiores e metodologias diversificadas poderão ampliar a compreensão sobre o impacto dos procedimentos estéticos, contribuindo para a promoção da qualidade de vida das mulheres em tratamento contra o câncer. 

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1Docente do curso de graduação em Enfermagem da Escola Superior de Ciências da Santa Casa e Misericórdia de Vitória – EMESCAM. Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery – Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN-UFRJ). Especialista em Oncologia com ênfase em Enfermagem e Farmácia pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM). Especialista em Cuidados Paliativos e Terapia da Dor pela Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). MBA em Gestão da Qualidade pela UnyLeya.https://orcid.org/0000-0002-1052-4719
2Discente do curso de graduação em Enfermagem da Escola Superior de Ciências da Santa Casa e Misericórdia de Vitória – EMESCAM. https://orcid.org/0009-0005-6729-3578
3Discente do curso de graduação em Enfermagem da Escola Superior de Ciências da Santa Casa e Misericórdia de Vitória – EMESCAM. ORCID: https://orcid.org/0009-0006-2327-1315, E-mail: pietra.silva@edu.emescam.br