A DANÇA E SUAS PLURALIDADES: SERÁ QUE CONSEGUE CHEGAR EM TODOS OS LUGARES?

DANCE AND ITS PLURALITIES: CAN IT ARRIVE EVERYWHERE?

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411150335


Liliany Corrêa Serrão1
Fábio Coelho Pinto2


RESUMO

Este artigo apresenta uma reflexão acerca da acessibilidade da dança para qualquer pessoa independente de sua posição social e como ela está relacionada à nossa identidade cultural e suas ramificações na Usina da Paz na comunidade da Cabanagem na cidade de Belém Pará. A importância da dança para a formação de saberes e conhecimentos empíricos para os alunos da Usina e para quaisquer pessoas possam ter esse acesso e como o poder público pode garantir esses direitos a estes de suma importância para a formação, desenvolvimento e libertação tracejado pela Dança.

Palavras-Chave: Dança, Identidade, Cultura, Acessibilidade.

ABSTRACT

This article presents a reflection on the accessibility of dance to anyone regardless of their social position and how it is related to our cultural identity and its ramifications at Usina da Paz in the Cabanagem community in the city of Belém Pará. The importance of dance for the formation of knowledge and empirical knowledge for the students of the Usina and for any person who can have this access and how the public power can guarantee these rights to those of paramount importance for the formation, development and liberation traced by Dance.

Keywords: Dance, Identity, Culture, Accessibility.

INTRODUÇÃO

O meu envolvimento com o tema desta pesquisa se deu, primeiramente, pelo fato de ser amante da dança desde muito cedo. Inicialmente, comecei meus estudos no balé clássico e por suas estruturas consolidadas procurei me permitir a outras experiências como a dança contemporânea e a improvisação, as quais foram de suma importância para a compreensão da minha dança e o do meu olhar sobre ela, também estudei Jazz, sapateado e passei a estudar as pluralidades da dança em seu contexto social e sua acessibilidade, bem como nas escolas privadas de dança, em projetos sociais e até no CRF (Centro de Reeducação Feminino) localizado em Ananindeua, pois acredito e compreendo que a arte, principalmente a dança possa chegar em qualquer lugar, em  todas as localidades, esteja disponível para que as pessoas possam experimentá-las e apreciá-las em sua amplitude, significações e compreender este mundo que nos cerca e abraça. 

Passei a estudar e compreender a dança em alguns lugares como uma forte significação de sua cultura, a sua identidade, raízes, ancestralidades que determina a história de um determinado povo, para esta discussão utilizei o autor Hall (1992), para nos debruçarmos de que pode ser essa “nação mãe”? E de como se configura essa identidade de um povo por meio da dança e suas potencialidades.

A minha inquietação e tristeza sobre por que a dança não chega em todos os lugares se torna protagonista e às vezes antagonista neste artigo devido aos  temas relacionados a este, se atravessarem como um vigor  da dança  na identidade de uma determinada pessoa, a dança autoral e orgânica que eu desenvolvo em todas as minhas aulas, pois é a minha compreensão de arte-dança e é a forma de trabalho na Usina da Cabanagem em Belém do Pará, aos quais é através desta que a  comunidade de periferia e marginalizada conseguirá o acesso a nossa dança, e para falar e compreender a dança orgânica e própria utilizei autoras Lobo e Navas  (2008) e Miller (2007).

A pesquisa justifica-se pela reflexão sobre o acesso da dança e suas pluralidades em todos os lugares, se isso será possível, ou ficará no imaginário do leitor, apresentarei compreensões acerca dessa problemática, que ter essa acessibilidade e alcance da dança para todos e não uma parte deste, pois através dele não apenas potencializa a criatividade, eleva o seu grau de conhecimento e saberes, a dança é libertadora e formadora de opiniões importantes para a construção e formação das pessoas.

1. A DANÇA-IDENTIDADE CULTURAL

A dança em seus primórdios é caracterizada pela identidade e pela cultura de um determinado povo, em uma determinada localidade, meio, espaço, temporalidade aos quais trazendo para os tempos atuais mais precisamente o século XXI podemos notar que as danças possuem em alguns lugares particularidades, mais o que seria isso? Por exemplo se tratando de uma modalidade de dança clássica mais precisamente o Ballet Clássico, datado francês, através do seu desenho curricular, a sua historiografia, sua vestimenta, forma de prender o cabelo para as mulheres, a utilização de sapatilhas, ou seja, existe uma denominação acerca do bailado clássico, que foi se constituindo, se transformando e se firmando em um padrão ou melhor em padrões. Nos quais em sua maioria nem todas as pessoas têm esse acesso a essa nomenclatura clássica.

No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural. Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes” (HALL,1992, pg.47)

O que podemos compreender de certa forma ao nascermos em uma determinada “nação mãe”, não possamos beber e conhecer outras nacionalidades ou etnias para chamar de ‘nossas’, para nos deleitarmos em conhecimentos empíricos mesmo sem ser pertencentes daquele eixo, daquele determinado povo, raça e nação. Acredito que os pseudos genes não são fator determinante para que tenhamos autorização ou não de desfrutar e enriquecer nossos conhecimentos através de outras culturas pertencentes ao nosso berço primário.

Essas fontes de identidades culturais são pluralidades de sapiências de um determinado povo aos quais podemos usufruir sem deixar o seu sentimento de identificação nacional esquecidas e sim temos que as unir e a fim de solidificadas e fortalecê-las em um prol maior que é a construção, desenvolvimento e firmamento de uma cultura “homogênea” mesmo com suas particularidades e sim com amplitudes, significativas, acolhedoras e transmissora de conhecimentos.

A dança se mostra inserida em uma determinada cultura de um povo, seja representada como forma de adoração aos deuses, para ter boa colheita, fartura, casamentos, celebrações, um contexto amplo de contemplações e representatividade, transformam-se em movimentos, giros, balanceio, saltos, uma imersão e sagração.

As identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres do jogo de poder, de divisões e contradições internas, de lealdades e de diferenças sobreposta. Assim, quando vamos discutir se as identidades nacionais estão sendo deslocadas, devemos ter em mente a forma pela qual as culturas nacionais contribuem para “costurar” as diferenças numa única identidade, (HALL,1992, pg.65).

Partindo da citação acredito que as identidades culturais não se mostram-se independente de hierarquias de poder bem como divisões ou possíveis contradições internas que possam surgir na histografia de um determinado povo, ou seja, não estão subordinadas as outras distinções o que nos mostra através do deslocamento histórico o cuidado que devemos ter em compreender, analisar, e perceber essas ligações, essas junções  pela qual as culturas nacionais favorecem as diferenças permitindo encontrar-se em uma única identidade, tentando a unificação do mesmo.

Fazendo uma alusão a dança e suas pluralidades de modalidades aos quais possui o seu desenho curricular, sua estrutura de formação, seu público alvo, sua vestimenta e diversas particularidades, mas que, no entanto, chegam em um denominador comum quando quer ir em busca da compreensão do seu corpo e suas alavancas, quando permite-se transcender além das movimentações e dar vida à essas movimentações, quando se quer sentir apenas, ao invés de codificar-la, e quer Ser a Dança e não apenas reproduzi-la, assim consigo ver essa união de pluralidades de modalidades de dança como existem em pluralidades de identidades culturais sendo “costuradas”, sendo entrelaçadas  e ainda vou mais além sendo atravessadas umas pelas outras transformando-se em um rizoma de identidades culturais-danças.

2. A DANÇA CHEGA EM TODOS OS LUGARES?

A dança revela vários significados para um determinado povo, à um determinado grupo de pessoas, uma localidade, um grupo artístico, uma crença, uma artista em potencial, revela o que podemos encontrar através desta, de forma  sublime e  essencial as particularidades do ser humano e suas pluralidades e significações e é por meio desta a forma de revelação de mundo, forma em transmitir algo, conhecimentos, questionamentos, colocar “para fora” o que podemos e devemos transformar, ressignificar alicerces para se viver em harmonia e imersos aos corpos que dançam, que se configuram a esta dança, que rendem ao magnetismos de caminhos diversificados para se compreender e ser a Dança.

Qual é o corpo que dança? O do bailarino, do ator, do indivíduo que se entrega para dançar e se sentir bem? Vale ressaltar que a ideia de corpo que utilizo neste livro remete a soma, ou seja, ao ser corporal humano na sua integridade. Não o corpo cartesiano mecanicista, mas, ao contrário, o corpo holístico vestido pelas vivências e pelos saberes do século XXI, (MILLER,2012, pg.13)

E qual é este corpo que “Dança”, que pode dançar ou que quer dançar, em meio às demasiadas perguntas, trago questionamentos de qual corpo pode dançar afinal? Qualquer corpo que esteja disposto a realizar está dança ou melhor qualquer pessoa que se permita a experimentar esse ato de dançar-corpo,  não mecanicista e sim aberto às novas experiências e vivências do meio e extra meio, tornando-se a soma do que podemos construir através dessa nossa forma de bailar, transformar a arte em movimentos, passos, gestos inacabados, tracejados muitas vezes pelas emoções que transbordam movendo o corpo em sintonias simétricas ou assimétricas configurando o nascimento da dança de cada um, seja diluída em uma determinada modalidade desta ou não, o que importa é se permitir e deixar os saberes percorrerem por seu corpo- o ato de Dançar.

E como essa dança chega nas pessoas, como podemos ter acesso a ela, e mais será que é possível que essa dança chegue nas comunidades periféricas de Belém do Pará? Ou melhor, como a dança chega na comunidade da Cabanagem em Belém do Pará? Acreditem chega sim, e foi através de um programa de redução de criminalidade desenvolvido no Estado do Pará, por meio das Usinas das Paz, que a dança aterrissou nesta comunidade periférica, desprovida de assistência médica, infraestrutura, mergulhada em elevados níveis de criminalidade, sendo o bairro de destaque em jornais em  altíssimo grau de  periculosidade e bandidagem, enfim uma comunidade esquecida aos olhos do poder público mas que entrou nas políticas públicas deste e que foi agraciada com a implantação da segunda Usina da Paz, sendo a primeira usina em Belém do Pará, que tem o objetivo de desenvolver através de sua infraestrutura e diversos cursos, acessibilidade para esta deste ao esporte da faixa etária  infantil ao adulto, modalidades de danças como ballet clássico, jazz, dança contemporânea, e ritmos também da faixa etária infantil a maior idade, a cursos de todas as esferas, desde culinária à robótica, e emissão de documentos e consultas médicas, ou seja, programas sociais  distantes deste local passou a fazer parte da rotina diária e coração desta comunidade.

E por que a dança não está inserida diretamente nas escolas de ensino formal público? Visto que, a arte encontra-se dentro do desenho curricular desde as séries infantis, portanto os alunos deveriam ter essa acessibilidade à essa esfera da arte, porém na prática isso não acontece e sim encontramos apenas nas escolas privadas de dança, aos quais em sua maioria o acesso é difícil e desprovido financeiramente, pois nem todo o aluno contém recursos financeiros para pagar uma mensalidade durante um ano, sem contar os outros gastos, como transporte, alimentação ,vestimenta, o que deveria vir do poder público essa construção de saberes através da dança, e infelizmente isso não acontece de forma gradual e eficaz.

O ato de dançar traz à tona sentimentos primais que ganham forma no corpo, manifestando nossas impressões de mundo, escrevendo-as em movimento dançado no tempo e no espaço. Dançar é a expressão sensível que, ao se lançar no espaço externo, configura-se em forma, criando símbolos e significados. É nesse momento que a dança sai do patamar das celebrações, dos impulsos ritmos, da expressão individual, das relações sociais, organizando-se enquanto linguagem estética. (LOBO; NAVAS, 2008, p. 25).

Segundo a citação o ato de dançar expõe os sentimentos primais, ou seja, mais sensíveis e significativos por meio do bailado do corpo, forma está de impressões de mundo também de expor e dizer algo, “nossa visão” de mundo, desenha-se e se desnuda através de movimentos, movimentações, tracejados no tempo em um determinado espaço, nada mais é a celebração de uma dança conceitual, própria, significativa permeada pela visão de mundo, orgânica, deixando surgir e nascer as sensações que desenvolveram o ato de dançar, o ser dançante.

Pensando neste ato de dançar que desenvolvo o meu trabalho com as turmas de dança da Usina da Cabanagem que agora já tem acesso a essa esfera da arte, através deste projeto de cunho social, as Usinas da Paz, como já foi descrito anteriormente, em parceria com o Estado do Pará, com a finalidade de oportunizar experiências e cursos para comunidades periféricas e de alto índices de criminalidade deste. Crio situações por meio de minhas aulas de dança, seja de ballet clássico, jazz, dança contemporânea, e ritmos que elas possam criarem, desenvolverem e compreenderem a dança que elas têm e que podem potencializá-las, transformá-las, ressignificá-las, fazendo que acreditem em sua dança, em seu potencial de criação e compreensão de seu corpo, por uma dança consciente e orgânica em detrimento a uma dança de repetições e de cópias, de que você pode ser o protagonista de sua dança, basta querer e se permitir por esta construção de uma dança autoral, orgânica e acessível a todas as pessoas, que atravessem muros, preconceitos e que o poder público possa garantir esses conhecimentos empíricos não apenas em Projetos Sociais e quem se faça presente no seu orçamento político, no seu plano de governo, nas suas prioridades.

Acredito que a arte especificamente a dança tem o seu lugar de suma importância em uma sociedade de uma estrutura excludente, onde quem detém o poder consegue ter acesso a conhecimentos, a arte, a dança de forma “normal” e tranquila enquanto em sua maioria fica de fora dessa parcela do contexto social, e fico me perguntando como artista-pesquisadora e professora e como ficam esses talentos esquecidos pelos cantos das ruas das periferias?  Não ficam, entram para a estatísticas de criminalidade ou nas estatísticas de óbito, que poderiam nos representar pelo mundo, voando e encantando por meio da dança, pois ela salva vidas e é libertadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve a finalidade de oportunizar discussões e reflexões acerca de questionamentos que sempre carrego comigo no meu caminho artístico-docente, ao perceber de como a dança sempre esteve à margem da sociedade e presente apenas para um percentual pequeno que possui um poder aquisitivo equilibrado para poder custear  aulas de danças em locais privados, por não ser interessante para o poder público ter no desenho curricular a dança como formadora de conhecimento e saberes, ponto de início de diversos  saberes e experiências de vida.

A dança caracteriza a cultura e identidade de um determinado povo historicamente através de seu bailado, suas raízes, etnia fazendo uma comparação com as modalidades de dança que cada uma possui a sua característica, sua estrutura, seu norteador mas que tem a finalidade única em potencializar a pessoa que experimenta a dança, bem como a cultura potencializa e leva para outros lugares, mas quando essa dança chega  à uma determinada  pessoa, poderia ser pelos investimentos do poder público, dando a devida importância deixando de assumir o cargo de entretecimento e  assumir o cargo de aquisição de múltiplos conhecimentos e vivências.

Compreendo e estudo de uma dança disseminadora que possa chegar e transfigurar em qualquer lugar seja em um povoado, em uma escola privada, ou em uma comunidade periférica acolhendo, refletindo sobre o meu meio, de forma orgânica, sendo a dança em sua totalidade e não reproduzindo meros passos codificados. A arte é mola propulsora de aprendizados, lugar de transmissão de pensamentos, de ideias e é através da dança que sempre seremos libertos e transformados, quando deixamos de nos permitir ser tocados por ela.   

REFERÊNCIAS

HALL, Stuart.  A identidade cultural na pós-modernidade Tradução: Tomaz Tadeu da Silva Guaciara Lopes Louro, Rio de Janeiro: D&P,2006.

LOBO, Lenora; NAVAS, Cássia. Arte da Composição: Teatro do movimento. Brasília: Editora: LGE, 2008.

MILLER, Jussara. Qual é corpo que dança? Dança e educação somática para adultos e crianças. São Paulo. Editora: Summus, 2012.


1Mestranda em Ciências da Educação pela FCIS, Especialista em EJA-ARTE-AMAZÔNIA pela UFPA, Neuropsicopedagoga Institucional pela Censupeg MG, Licenciada em Dança pela UFPA, Professora do Estado do Pará da Usina da Cabanagem, Técnica em Dança pela UFPA, Artista da Cena Paraense, Pesquisadora da Cena paraense e suas pluralidades. lilianyserrao@hotmail.com
2Doutorando em Ciências da Educação pela FICS, Mestre em Educação pela UFPA, Mestre em Ciências da Educação pela FCIS, Especialista em Gestão e Planejamento da Educação pela UFPA, Especialista em Gestão Financeira e Projetos Sociais pela FAP, Graduado em Sociologia pela Uniasselvi, Graduado em Língua Inglesa pela UFPA e Graduado em Pedagogia pela UFPA. fabio.cpinto@escola.seduc.pa.gov.br