REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202411122122
Isabela Oliveira1
Resumo
O envelhecimento da infraestrutura associada à indústria de petróleo e gás têm gerado preocupação. Essa preocupação torna o descomissionamento uma pauta central para a indústria, ao mesmo tempo em que a pressão para acelerar a transição energética e reduzir as emissões de CO2 aumenta. No contexto em que iniciativas de CCS por parte de empresas da indústria de petróleo começam a ser observadas ao redor do mundo, o presente estudo tem como objetivo discutir, a partir de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), o reuso de equipamentos submarinos da indústria de óleo e gás no Brasil para CCS e as principais oportunidades e fragilidades para a implementação dessa atividade no país. Como principal resultado esse estudo conclui que o Brasil é marcado especialmente por aspectos políticos e regulatórios que dificultam o reuso dos equipamentos submarinos in situ e o desenvolvimento das atividades de CCS. O cenário é exacerbado pela ausência de metas de mitigação específicas para a indústria e pela escassa literatura investigando os impactos em potencial da atividade na região.
Palavras-chave: Descomissionamento, CCS, óleo e gás, RSL
1. Introdução
A indústria de óleo e gás está presente ao redor do globo, contando com mais de 7500 estruturas construídas para possibilitar o seu funcionamento (PAGE et al., 2006). Essa infraestrutura está envelhecendo (DOYLE et al., 2008), e esse envelhecimento tem sido motivo para uma preocupação global com o fim de vida dessas estruturas e a iminência de uma grande quantidade de iniciativas de descomissionamento (FOWLER et al., 2014; MARTINS et al., 2020).
O descomissionamento refere-se a série de processos envolvidos na desativação de uma instalação, incluindo a desconstrução ou o desmonte dos componentes dessa estrutura e o direcionamento desses componentes para reuso, reciclagem ou destinação final (FAM et al., 2018), e consiste hoje em uma das questões mais urgentes ligadas à indústria de O&G em termos de impactos sociais, ambientais e técnicos (SOMMER et al., 2019).
O processo de descomissionamento de estruturas offshore é complexo e custoso, e tem sido discutido cada vez mais na literatura (CAPOBIANCO et al., 2021). Dentre as estruturas que compõem um sistema offshore os equipamentos submarinos demandam atenção especial devido a sua natureza sensível e aos desafios logísticos associados ao seu processo de descomissionamento (MARTINS et al., 2020).
Regulamentações internacionais originalmente exigiram a remoção completa de quaisquer estruturas em plataformas continentais. Entretanto, devido aos elevados custos e riscos ambientais envolvidos nas atividades de descomissionamento, as regulamentações têm se tornado mais flexíveis e opções de remoção parcial ou abandono in situ passaram a ser consideradas aceitáveis quando análises as indicam como as opções mais favoráveis (CAPOBIANCO et al., 2021). Globalmente iniciativas de CCS por parte de empresas de petróleo têm sido observadas (EPBR, 2022a, 2022b), e no Brasil a Petrobras estuda a possibilidade de projeto piloto na área (PETROBRAS, 2023).
No Brasil, entretanto, o descomissionamento é regido pela Resolução ANP nº 817, de 24 de abril de 2020 (ANP, 2020), que exige a remoção total das estruturas – exceto em regime de exceção quando análises justifiquem a permanência in situ parcial ou total. Esse precedente, à luz de soluções alternativas para as estruturas submarinas que são observadas ao redor do globo, levanta a possibilidade de se reutilizar as estruturas submarinas da indústria de petróleo e gás para novas funções que contribuam para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) do setor.
Embora, no Brasil, a grande maioria das instalações esteja em águas rasas, a construção da estratégia para as atividades de descomissionamento apresenta desafios devido ao seu ineditismo no país (ANP; FGV, 2021). Além dos aspectos técnico e econômico, a complexidade e a multidisciplinaridade do processo de descomissionamento inclui aspectos ambientais que podem apresentar trade-offs que abarquem desde impactos locais e temporários até impactos globais e de longo prazo.
Dessa maneira, iniciativas de reuso das instalações se inserem no contexto da Economia Circular e geram benefícios ambientais para diversos setores industriais (SOUZA & ANGELO, 2021). Assim sendo, na indústria de O&G faz-se necessário incluir estratégias competitivas de modelos de negócios sustentáveis, que apoiem a transição energética e mitiguem os impactos ambientais da indústria de forma geral e especificamente sobre as mudanças climáticas (SILVESTRE; GIMENES; E SILVA NETO, 2017).
O presente estudo tem como objetivo discutir, a partir de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), o reuso de equipamentos submarinos da indústria de óleo e gás no Brasil para CCS e as principais oportunidades e fragilidades para a implementação dessa atividade no país.
2. Método
O presente estudo fez uso de uma revisão temática baseada nas etapas da Revisão Sistemática da Literatura (RSL) de acordo com o protocolo PRISMA (do inglês Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (MOHER et al., 2009). Para as etapas de coleta, análise e síntese de dados foi realizada uma análise bibliométrica.
A RSL foi utilizada para identificar as experiências nacional e internacional de reutilização de equipamentos submarinos em etapa de descomissionamento na indústria de óleo e gás relatadas na literatura, para análise dos principais obstáculos que se apresentam para a implementação de estratégias de reuso ou reciclagem dos equipamentos submarinos no Brasil.
2.1. Revisão Sistemática de Literatura
Revisões Sistemáticas de Literatura buscam agregar todas as evidências empíricas que se enquadrem em critérios específicos previamente definidos para responder a uma dada pergunta, fazendo uso de métodos explícitos e sistemáticos de forma a minimizar vieses e oferecer resultados confiáveis (LIBERATI et al., 2009). Assim, contribuem para a construção de uma visão integrada do estado da arte e ajudam a identificar lacunas de conhecimento e oportunidades de pesquisa (SHOAIB; LIM; WANG, 2020). O presente estudo foi realizado utilizando o protocolo PRISMA (MOHER et al., 2009).
Figura 1 – Fluxo de etapas de uma RSL segundo o protocolo PRISMA
3.2. Bibliometria
Em um contexto em que o volume de publicações acadêmicas cresce em ritmo acelerado, análises bibliométricas têm o potencial de introduzir um método de revisão sistemático e transparente, baseado na aplicação da medição estatística da ciência (BROADUS, 1987; DIODATO, 1994; PRITCHARD,1969 apud ARIA; CUCCURULLO, 2017).
No presente estudo a análise bibliométrica foi realizada utilizando-se o RStudio e, especialmente, o pacote bibliometrix. Essa escolha foi motivada pelo pacote ser escrito em linguagem R e, portanto, contar com um volume substancial de algoritmos estatísticos e ferramentas integradas de visualização dos dados (ARIA; CUCCURULLO, 2017).
Antes do início da análise foram definidas as seguintes perguntas norteadoras:
(I) Qual a distribuição das publicações no tempo e no espaço?
(II) Quais os países mais produtivos nesse tema?
Para realizar a coleta de dados foram definidas, além das perguntas norteadoras, as bases de dados a serem consultadas e as strings de busca a serem utilizadas. As bases de dados mais comumente utilizadas para análises bibliométricas são as bases Scopus, Web of Science e Google Scholar (WANG; LIM; LYONS, 2019). Entretanto, o controle de qualidade da Google Scholar é menos rígido do que o das demais (CAMARASA et al., 2019). Assim, para garantir a qualidade dos metadados, nessa dissertação optou-se por usar somente as bases Scopus e Web of Science.
3. Resultados da bibliometria
Buscas com 10 strings diferentes foram realizadas para as bases Scopus e Web of Science.
Todas essas strings incluíam o termo “Brazil”, no intuito de captar a produção referente ao país. Ao final de cada busca os resultados de ambas as bases de dados eram exportados em modelo BibTeX para posterior processamento em R e análise bibliométrica utilizando-se o pacote bilbiometrix. O volume de resultados obtidos a cada string utilizada para cada uma das bases pode ser observado na Tabela 1.
Tabela 1 – Resultados das buscas nas bases de dados incluindo o termo “Brazil”
Os resultados foram reunidos para análise e 15 resultados duplicados foram excluídos (o código utilizado para combinar e tratar os dados consta no Anexo I). Assim, um total de 11 artigos seguiu para a avaliação primária, a partir de leitura dos títulos e dos resumos. Nessa avaliação foram excluídos 4 artigos identificados como não relacionados à temática do presente estudo – captura de carbono ou outras reutilizações para equipamentos submarinos em etapa de descomissionamento ou fim de vida.
Os demais artigos seguiram para leitura na íntegra, com 2 sendo identificados como diretamente relacionados ao tema e 5 como indiretamente relacionados (tratando de captura de carbono na indústria de óleo e gás, mas não no cenário de descomissionamento ou fim de vida). Todos os artigos que seguiram para leitura na íntegra foram publicados no período de 2016 a 2023.
Todas as buscas foram repetidas, então, sem o termo “Brazil”, com o intuito de captar também a produção referente a outros países. Os resultados dessas buscas podem ser observados na Tabela 2.
Tabela 2 – Resultado das buscas nas bases de dados excluindo o termo “Brazil”
Os resultados das 20 buscas foram combinados, excluindo-se as duplicatas. Depois da exclusão dos resultados duplicados 1011 artigos foram excluídos (o código utilizado para combinar e tratar os dados consta no Anexo II). Dessa maneira, 727 artigos seguiram para a primeira triagem, a ser realizada a partir da leitura dos títulos e resumos, para selecionar quais trabalhos seriam lidos na íntegra e analisados.
Na triagem foram mantidos somente os artigos que tratavam de opções de reuso dos equipamentos submarinos em descomissionamento na indústria de óleo e gás e que estavam na língua inglesa. Nesse ínterim, foram excluídos os artigos tratando exclusivamente de reinjeção de CO2 na produção de óleo e gás (CHEN et al., 2023; FENG et al., 2016; WANG et al., 2020), por se tratar de uma prática concomitante às atividades da indústria. Também foram excluídos artigos que tratavam de alternativas de reuso para as plataformas descomissionadas, como rigs-to-reef (DOYLE et al., 2008; GONZALEZ; MOREIRA, 2021; KAISER; SHIVELY; SHIPLEY, 2020; SAYER; BAINE, 2002; TÁVORA, 2019) e utilização das plataformas para produção de energias renováveis (ALIAS; GO, 2023; BARBOZA et al., 2023; LEPORINI et al., 2019), por não tratarem especificamente dos equipamentos submarinos.
Ao final dessa etapa 33 artigos permaneceram. Desses, 27 eram estudos de caso aplicados a regiões específicas. A distribuição desses estudos ao redor do mundo pode ser observada na Figura 2.
Figura 2 – Distribuição dos estudos de caso ao redor do mundo2
Os 33 artigos selecionados foram publicados no período de 2006 a 2023, com uma tendência de crescimento no volume de publicações observada no período de 2018 a 2019, apresentando queda de 2019 a 2021 e tornando a crescer. O volume de publicações se estabilizou em 2023 em relação a 2022, embora seja possível que essa queda possa ser atribuída ao fato de o levantamento ter sido realizado antes do final do ano de 2023. A distribuição das publicações, ao longo do tempo, pode ser observada na Figura 3.
Figura 3 – Distribuição temporal da publicação dos artigos selecionados na primeira triagem
As publicações dos estudos de caso por região de realização do estudo, por sua vez, podem ser observadas na Figura 4.
Figura 4 – Estudos de caso publicados divididos por localização a cada ano
Nos estudos analisados as regiões com maiores números de publicações são, respectivamente, Mar do Norte, Brasil – o que pode estar relacionado às strings utilizadas na etapa de coleta de dados – e China.
4. Discussão e análise sistemática
As propostas de reuso de estruturas submarinas identificadas foram CCS, utilizando-se as formações geológicas depletadas de óleo e gás como depósito de CO2 e a utilização dos dutos removidos para a construção de estruturas de proteção costeira. Para restringir a análise de conteúdo às contribuições mais recentes acerca do tema, foram lidos na íntegra para análise das experiências internacionais e construção de propostas para o caso brasileiro somente os artigos publicados a partir de 2018, totalizando 18 artigos. Os artigos analisados foram identificados como pertencentes a cinco grupos temáticos principais, como pode ser observado na Figura 5.
Figura 5 – Distribuição dos artigos analisados em grupos temáticos
O grupo temático com menor número de publicações identificadas foi o referente à viabilidade econômica, com somente uma publicação (SCAFIDI; GILFILLAN, 2019). O trabalho analisado tratava da produção de metano e energia geotérmica de forma concomitante às atividades de CCS com o intuito de tornar a atividade mais viável economicamente na região do Mar do Norte. A infraestrutura existente no local possibilita o escoamento do gás produzido via dutos já instalados e a comercialização da energia elétrica produzida via conexão com a rede elétrica do Reino Unido, o que torna o sistema viável para a localidade analisada – a depender da manutenção da infraestrutura existente (SCAFIDI; GILFILLAN, 2019).
Os grupos temáticos referente a equipamentos submarinos (MAHMOUD; DODDS, 2022; ZHANG et al., 2023) e ao panorama geral de CCS na indústria (ADU; ZHANG; LIU, 2019; DENG et al., 2022) apresentaram o mesmo volume de publicações. Entretanto, as publicações referentes ao uso dos equipamentos submarinos dividiram-se entre uma análise do uso desses equipamentos in situ para atividades de CCS (MAHMOUD; DODDS, 2022) e a reutilização dos dutos na construção de estruturas de proteção costeira (ZHANG et al., 2023).
A proposta de reutilização dos dutos para o transporte de CO2 ou hidrogênio exige que dutos fabricados para atuar por 25 anos permaneçam em uso por muito mais tempo, e a extensão da vida desses equipamentos deve respeitar critérios legais, ambientais, econômicos, de segurança e de localização. Análises desses critérios serão de grande valor para a tomada de decisão, mas dependerão do acesso a dados confiáveis que podem ser difíceis de obter para instalações antigas, como no caso do Mar do Norte para dutos cuja instalação foi anterior a 1996. A crescente confiabilidade de dutos e equipamentos submarinos mais recentes contribui, entretanto, para que a extensão de vida e reuso de dutos seja cada vez mais viável, gerando ainda mais oportunidades para o futuro (ZHANG et al., 2023).
Nos casos em que não for possível estender a vida dos dutos, supõe-se o descomissionamento e retirada dos equipamentos submarinos, o que pode gerar volumes expressivos de resíduos. A reutilização ou reciclagem dos dutos representa um ganho financeiro e uma redução do impacto ambiental das atividades de descomissionamento. Resultados preliminares apontam para benefícios estruturais de se incorporar dutos rígidos e flexíveis na construção de vigas de concreto, o que pode gerar estruturas de proteção costeira economicamente viáveis e de impacto ambiental reduzido (ZHANG et al., 2023).
Os panoramas de CCS na indústria de óleo e gás consistem em uma análise da indústria na China (DENG et al., 2022) e uma análise da indústria global (ADU; ZHANG; LIU, 2019). Em ambos os casos são abordados também projetos de CCUS, devido ao volume crescente da utilização CO2 para recuperação de óleo utilizando-se métodos de EOR (Enhanced Oil Recovery). Projetos dessa natureza já são observados nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil, na China e na Arábia Saudita (ADU; ZHANG; LIU, 2019), embora na China mesmo essas iniciativas de CCR sejam relatadas como experimentais e de pequeno porte (DENG et al., 2022).
Ao redor do mundo predominam as iniciativas de CCUS, com projetos de CCS enfrentando desafios tanto de natureza técnica – capturar as emissões da indústria e integrar o ponto de captação ao local destinado para o armazenamento do CO2 permanece uma atividade complexa – quanto de natureza econômica. A atividade de CCS apresenta altos custos, e a falta de investimento público e privado representa um desafio à sua expansão. Assim, o estabelecimento de projetos de CCS em um determinado país torna-se dependente de diversos fatores, entre os quais se destaca o nível de comprometimento do país em reduzir as emissões de sua indústria (ADU; ZHANG; LIU, 2019).
Os projetos de CCS mapeados, excluindo-se os de EOR, utilizam como reservatório majoritariamente aquíferos salinos, com somente um projeto mapeado fazendo uso de um reservatório de gás depletado (ADU; ZHANG; LIU, 2019). Essa escassez de projetos demarca a relevância dos artigos identificados que investigam critérios e a interferência de condições físicas para a seleção de reservatórios depletados de óleo e gás (CALLAS et al., 2022; MKEMAI; GONG, 2020; SAZALI et al., 2019) e para aquíferos salinos (KOEHN; ROMANS; POLLYEA, 2023).
Nos estudos mapeados identificou-se que alta temperatura, alta pressão e o nível de saturação da água interferem na permeabilidade dos reservatórios (MKEMAI; GONG, 2020; SAZALI et al., 2019) que, por sua vez, altera a pressão de propagação do fluido na injeção de CO2 (KOEHN; ROMANS; POLLYEA, 2023). Foi identificado, ainda, um fluxo de critérios a serem considerados na seleção de reservatórios para as atividades de CCS (CALLAS et al., 2022).
O grupo temático com mais publicações identificadas foi o de análise de potencial regional, que se caracteriza pela presença de estudos que analisam a capacidade de reservatórios específicos de hidrocarbonetos atuarem como depósitos geológicos de CO2 em atividades de CCS. Os estudos analisaram reservatórios na Nigeria (UMAR et al., 2020), no Mar do Norte (MULROONEY et al., 2020; UNDERHILL et al., 2023), na China (DAI et al., 2022), na Califórnia (KIM et al., 2022) e no Brasil (CIOTTA et al., 2021; SILVA RAMOS et al., 2023). Os objetivos e principais conclusões desses estudos de caso podem ser observados na Tabela 3.
Tabela 3 – Objetivos e principais conclusões dos estudos de caso analisados
4.1. Lacunas na literatura e recomendações para o caso brasileiro
A maioria dos estudos de caso analisados se concentrou em critérios técnicos e geológicos que definissem a viabilidade do reservatório para atividades de CCS (DAI et al., 2022; MULROONEY et al., 2020; SILVA RAMOS et al., 2023; UMAR et al., 2020; UNDERHILL et al., 2023), e reservatórios em potencial foram identificados no Brasil (CIOTTA et al., 2021; SILVA RAMOS et al., 2023). Assim, embora ainda existam poucos estudos aplicados no Brasil, há indícios de que a natureza das formações geológicas brasileiras não será um obstáculo para a implementação das atividades de CCS no país.
Embora a disponibilidade de reservatórios adequados seja um primeiro passo fundamental para atividades de CCS, entretanto, é preciso considerar as demais barreiras que se apresentam, como os altos custos (ALCALDE et al., 2019; BUDINIS et al., 2018); a localização dos reservatórios (BUDINIS et al., 2018) e a percepção pública (ASHWORTH et al., 2019). O número limitado de estudos voltados para a análise de viabilidade econômica aponta para uma lacuna na literatura, e a inexistência de estudos dessa natureza no Brasil indica uma fragilidade para a implementação de projetos dessa natureza no país.
Em um dos estudos de caso aplicados ao Brasil o critério de localização foi considerado, analisando a proximidade dos reservatórios em potencial em relação a grandes fontes de emissão (CIOTTA et al., 2021). A inclusão desse critério contribui para a viabilidade de um possível projeto, e a existência de regiões com potencial para serem utilizadas como reservatório de CO2 com proximidade de regiões de alta emissão é um fator facilitador para a sua implementação.
O único estudo dentre os selecionados que adotou critérios de análise de riscos ambientais foi realizado na California, incorporando critérios de exclusão para reservatórios próximos de áreas densamente populadas, aquíferos salinos cuja água estivesse em níveis de salinidade que possibilitassem outros usos e habitats sensíveis (KIM et al., 2022). A inclusão desses critérios pode contribuir para a minimização não só de riscos ambientais, mas também reputacionais.
Nos estudos de caso brasileiros os reservatórios em potencial estudados eram em áreas de atuação offshore da indústria de petróleo e gás, cujas sensibilidades ambientais são mapeadas na etapa de licenciamento, conforme exigido pela Resolução CONAMA nº 237/1997 (CONAMA, 1997). Os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) realizados para as atividades de exploração e desenvolvimento de campos de petróleo têm como objetivo mitigar os riscos de impactos ambientais das atividades nas respectivas regiões. Esses estudos não consideram, entretanto, todos os riscos existentes para atividades de CCS, como o risco de vazamento de CO2 (ONARHEIM; MATHISEN; ARASTO, 2015).
Atualmente a atividade de CCS não é regulamentada no Brasil. O Projeto de Lei n° 1425, de 2022, ainda em tramitação, visa regulamentar a atividade no país. Embora atividades de CCUS já sejam realizadas por operadoras de petróleo no país (ADU; ZHANG; LIU, 2019), a insegurança regulatória sobre as atividades de CCS se apresenta como uma fragilidade para a implementação de projetos dessa natureza.
Ao mesmo tempo, as atividades de descomissionamento no Brasil são regidas pela Resolução ANP nº 817/2020, que estipula que ao final do período de produção quaisquer instalações devem ser removidas da área sob contrato e exige a análise dos critérios técnicos, econômicos, ambientais, sociais e de segurança para qualquer alternativa de descomissionamento proposta. A análise desses critérios pode justificar, em caso de exceção, a permanência in situ total ou parcial dos equipamentos (ANP, 2020).
Nesse caso, entretanto, será necessário garantir a extensão segura da vida útil dos equipamentos, o que demandará a realização de estudos que dependerão do acesso a dados consistentes sobre os equipamentos em questão (ZHANG et al., 2023). Assim, torna-se recomendável a padronização dos dados a serem registrados sobre os equipamentos submarinos de campos em atividade e cujas atividades ainda se iniciarão pode contribuir para a tomada de decisão sobre iniciativas de CCS no futuro. A análise dos impactos das atividades de CCS sobre os aspectos técnico, ambiental, social, econômico e de segurança consiste, ainda, em uma lacuna na literatura cujo preenchimento seria benéfico para a implementação de projetos dessa natureza.
Globalmente, o estabelecimento de projetos de CCS em um país é intensamente afetado pelo comprometimento do país em reduzir as emissões de seu setor industrial e os altos custos são um obstáculo à implementação do CCS, agravado pela falta de investimento público e privado (ADU; ZHANG; LIU, 2019). Na California, por exemplo, a implementação do CCS é impulsionada por créditos com esse fim (KIM et al., 2022).
No caso brasileiro a não regulamentação da atividade e a ausência de metas específicas de redução de emissões para o setor industrial (BRASIL, 2023) – em um país em que as maiores fontes de emissão de GEE são uso da terra e mudança de uso da terra e florestas (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, 2023) – contribuem negativamente para o avanço das atividades de CCS em geral. Ao mesmo tempo, a exigência de que quaisquer instalações offshore devem ser removidas da área sob contrato exceto em caso de exceção desestimula o investimento em alternativas de reuso da infraestrutura in situ.
4. Considerações finais
Globalmente o envelhecimento da infraestrutura offshore da indústria têm sido fonte de preocupação, dando notoriedade à pauta do descomissionamento. Ao mesmo tempo, a mudanças climáticas têm motivado ações de redução das emissões de GEE. Nesse contexto, o aproveitamento das estruturas submarinas da indústria de óleo e gás para atividades de CCS surge como uma possível resposta para dois problemas.
Assim, o presente estudo mapeou a distribuição das publicações acerca dessa temática no tempo e no espaço, identificando os países com maior volume de publicações, e analisou as contribuições mais recentes sobre o tema para mapear lacunas na literatura e os principais obstáculos para atividades de reuso dos equipamentos submarinos da indústria de óleo e gás no Brasil.
A implementação de projetos de CCS, identificados como a principal alternativa de reuso dos equipamentos submarinos, apresenta alto custo, desafios tecnológicos e riscos ambientais que precisam ser considerados. Esses fatores tornam a implementação de projetos de CCS ainda rara, mesmo em regiões com mercados de petróleo e gás mais maduros que o brasileiro, como é o caso do Mar do Norte, onde as atividades de descomissionamento já ocorrem há mais tempo.
O presente estudo teve como limitações a atuação de somente uma pesquisadora na etapa de triagem dos artigos, impossibilitando a verificação da aderência dos critérios por uma segunda parte. Além disso, é preciso ressaltar que o levantamento na literatura é delimitado pelas strings escolhidas e, dessa maneira, é possível que estudos pertinentes a essa análise tenham sido excluídos dos resultados pela natureza das strings escolhidas.
Apesar dessas ressalvas, a análise sistemática realizada possibilitou concluir que o Brasil é marcado especialmente por aspectos políticos e regulatórios que dificultam o reuso dos equipamentos submarinos in situ e o desenvolvimento das atividades de CCS. O cenário é exacerbado pela ausência de metas de mitigação específicas para a indústria e pela escassa literatura investigando os impactos em potencial da atividade na região.
2Para fins de produção da figura, os estudos realizados no Mar do Norte foram centralizados na Noruega, enquanto estudos realizados no Golfo do México foram somados aos estudos localizados na California e foram representados como referentes aos Estados Unidos. As localidades detalhadas dos estudos constam no Anexo III.
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1Programa de Engenharia de Produção, Universidade Federal do Rio de Janeiro