DIABETES MELLITUS E SUAS IMPLICAÇÕES RENAIS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA FOCADA NA NEFROPATIA DIABÉTICA E INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

DIABETES MELLITUS AND ITS RENAL IMPLICATIONS: A BIBLIOGRAPHICAL REVIEW FOCUSED ON DIABETIC NEPHROPATHY AND CHRONIC RENAL FAILURE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411121307


Bárbara de Sousa Carvalho
Luma Vasconcelos Falcão
Orientadora: Walkíria Silva Soares Marins


RESUMO

O artigo explora as complicações renais do diabetes mellitus (DM), com foco na nefropatia diabética (ND) e na insuficiência renal crônica (IRC). A ND, considerada uma das principais causas de IRC no mundo, resulta em altas taxas de morbidade e mortalidade em pacientes diabéticos. O artigo aborda a fisiopatologia dessas doenças, destacando como a hiperglicemia crônica no DM leva a uma série de alterações estruturais e funcionais nos rins. Mecanismos como a glicação avançada de proteínas, estresse oxidativo, ativação de citocinas inflamatórias e disfunção endotelial são centrais para a progressão da ND.

Além da fisiopatologia, o artigo discute amplamente os tratamentos disponíveis para retardar a progressão da ND e prevenir a IRC. O controle rigoroso dos níveis glicêmicos, por meio de medicamentos e alterações no estilo de vida, é essencial. Ademais, o uso de fármacos como inibidores da ECA e bloqueadores dos receptores de angiotensina II tem mostrado efeitos benéficos na proteção renal. Outros tratamentos emergentes incluem inibidores da SGLT2 e GLP-1, que demonstram eficácia tanto no controle glicêmico quanto na preservação da função renal. O artigo conclui que a prevenção e o manejo adequado dessas complicações são fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e reduzir as taxas de progressão para a IRC.

Palavras-chave: Nefropatia diabética; Insuficiência Renal; Diabetes Mellitus;

ABSTRACT

The article explores the renal complications of diabetes mellitus (DM), focusing on diabetic nephropathy (DN) and chronic renal failure (CRF). DN, considered one of the main causes of CRF in the world, results in high rates of morbidity and mortality in diabetic patients. The article addresses the pathophysiology of these diseases, highlighting how chronic hyperglycemia in DM leads to a series of structural and functional changes in the kidneys. Mechanisms such as advanced protein glycation, oxidative stress, activation of inflammatory cytokines, and endothelial dysfunction are central to the progression of DN.

In addition to pathophysiology, the article extensively discusses treatments available to slow the progression of DN and prevent CKD. Strict control of glycemic levels, through medication and lifestyle changes, is essential. Furthermore, the use of drugs such as ACE inhibitors and angiotensin II receptor blockers has shown beneficial effects on renal protection. Other emerging treatments include SGLT2 and GLP-1 inhibitors, which demonstrate efficacy in both glycemic control and preservation of renal function. The article concludes that prevention and adequate management of these complications are fundamental to improving patients’ quality of life and reducing rates of progression to CKD.

Keywords: Diabetic nephropathy; Renal failure; Diabetes Mellitus;

RESUMEN

El artículo explora las complicaciones renales de la diabetes mellitus (DM), centrándose en la nefropatía diabética (ND) y la insuficiencia renal crónica (IRC). La ND, considerada una de las principales causas de IRC en el mundo, resulta en altas tasas de morbilidad y mortalidad en pacientes diabéticos. El artículo aborda la fisiopatología de estas enfermedades, destacando cómo la hiperglucemia crónica en la DM conlleva una serie de cambios estructurales y funcionales en los riñones. Mecanismos como la glicación avanzada de proteínas, el estrés oxidativo, la activación de citocinas inflamatorias y la disfunción endotelial son fundamentales para la progresión de la DN.

Además de la fisiopatología, el artículo analiza ampliamente los tratamientos disponibles para retardar la progresión de la DN y prevenir la ERC. Es fundamental un control estricto de los niveles de glucemia, mediante medicación y cambios en el estilo de vida. Además, el uso de fármacos como los inhibidores de la ECA y los bloqueadores de los receptores de angiotensina II ha demostrado efectos beneficiosos sobre la protección renal. Otros tratamientos emergentes incluyen los inhibidores de SGLT2 y GLP-1, que demuestran eficacia tanto en el control de la glucemia como en la preservación de la función renal. El artículo concluye que la prevención y el manejo adecuado de estas complicaciones son fundamentales para mejorar la calidad de vida de los pacientes y reducir las tasas de progresión a ERC.

Palabras-clave: Nefropatía diabética; Insuficiencia renal; Diabetes Mellitus;

1 INTRODUÇÃO

A nefropatia diabética representa uma das complicações mais devastadoras e comuns do diabetes mellitus, contribuindo significativamente para a morbidade e mortalidade associadas à doença.

A Federação Internacional de Diabetes estima que 537 milhões de pessoas viviam com diabetes em 2021, com um aumento esperado para 784 milhões até o ano 2045. Nos EUA, o custo total estimado da diabetes diagnosticada em 2017 foi de 327 mil milhões de dólares, incluindo 237 mil milhões de dólares em custos médicos diretos e 90 mil milhões de dólares em produtividade reduzida. A despesa global direta estimada em saúde com a diabetes em 2019 foi de 760 mil milhões de dólares. (BOER, Ian, 2022, p.2).

Dessa forma, com o aumento global da prevalência do diabetes, a importância de compreender e abordar de forma eficaz a nefropatia diabética torna-se cada vez mais premente. A compreensão dos mecanismos fisiopatológicos subjacentes, juntamente com uma abordagem multidisciplinar e individualizada, é essencial para mitigar os danos renais e melhorar os desfechos clínicos nessa população de alto risco.

Portanto, o presente estudo visa fornecer uma visão abrangente das estratégias de tratamento mais eficazes para essa condição nefrológica, destacando a necessidade premente de uma intervenção precoce e assertiva para evitar a progressão da doença renal em pacientes com nefropatia diabética.

2. METODOLOGIA

Foi realizado uma revisão de literatura descritiva utilizando dados extraídos a partir de pesquisas nos bancos de dados Pubmed e Scielo. A busca por dados para compor o conteúdo do presente artigo foi dividida em 4 etapas: a busca por informações referentes ao manejo clínico da Diabetes Mellitus, a procura pela terapêutica com melhor evidência científica para a Nefropatia Diabética, a pesquisa pela melhor forma de diagnóstico e manutenção da Doença Renal Crônica e, por fim, a construção do arcabouço teórico acerca da fisiopatologia da Diabetes Mellitus do tipo I e do tipo II. 

Para a abordagem terapêutica da Nefropatia Diabética, foi utilizada a plataforma PubMed, à partir dos Mesh terms (Diabetic Nephropathy) AND (Treatment), em uso concomitante dos filtros: “revisão sistemática”, “texto completo” e “artigos publicados nos últimos 5 anos”. Foram obtidos, portanto, 107 resultados, dos quais apenas 8 foram selecionados, visando utilizar apenas artigos completos que não abordassem nichos populacionais específicos e/ou que abordassem de forma tangencial o tema.

À busca na plataforma PubMed, acerca do manejo clínico da Diabetes Mellitus, utilizou os Mesh terms (Diabetes Mellitus) AND (Clinical Management), em combinação com os filtros: “artigos publicados nos últimos 5 anos”, “texto completo” e “revisão sistemática”. Assim, foram obtidos 536 resultados, dos quais 16 foram selecionados pelos autores a partir da seleção de artigos completos que abordassem isoladamente o tratamento da moléstia em questão, e excluindo artigos que abordassem pacientes pediátricos e artigos que abordavam tangencialmente o tema.

Acerca do diagnóstico e manutenção da Doença Renal Crônica, foi utilizada a plataforma PubMed, a partir dos Mesh terms (Chronic kidney failure) AND (Treatment), em uso concomitante dos filtros: “revisão sistemática”, “texto completo” e “artigos publicados nos últimos 5 anos”. Foram obtidos, portanto, 317 resultados, dos quais apenas 9 foram selecionados, visando utilizar apenas artigos completos, que não abordassem terapêuticas com baixos níveis de evidência científica, que não abordassem nichos populacionais específicos e que abordassem de forma tangencial o tema.

Por fim, para o alicerce teórico sobre a fisiopatologia da Diabetes Mellitus I e II, foi feita uma busca a plataforma Scielo, utilizando o termo “Diabetes Mellitus” associado aos filtros: artigos do tipo “artigo” ou “artigo de revisão”, publicados nos anos “2019” “2020”, “2021”, “2022”, “2023”, abrangendo os últimos 5 anos, nas áreas temáticas “Ciências da Saúde” e “Endocrinologia”, e que são passíveis de citação. Foram obtidos 76 artigos, dos quais 4 foi incluído baseado no critério de artigo completo, que não abrangesse um grupo populacional específico ou abordasse de forma tangencial o tema do trabalho.

3. REVISÃO DA LITERATURA
3.1 Insuficiência Renal Crônica

O termo insuficiência renal crônico foi substituído pelo termo “doença renal crônica” (DRC), que designa tanto condições nas quais há perda insidiosa da função renal, quanto nas condições nas quais há lesão renal com função ainda preservada. Diversas doenças sistêmicas e primárias renais culminam em agressão lenta do parênquima renal, o qual acaba sendo substituído por tecido fibroso, uma lesão considerada irreversível. (AGUIAR et al.,2020).

Por definição, os critérios para a doença renal crônica são: lesão renal maior ou igual a três meses, definida por anormalidades estruturais ou funcionais, com, ou sem, diminuição no ritmo de filtração glomerular manifestadas por anormalidades histopatológicas renais e marcadores de lesão renal, como anormalidades urinárias (proteinúria); anormalidades sanguíneas (síndromes tubulares renais) e alterações em exames de imagem (hidronefrose), ou pode ser definida pelo ritmo de filtração glomerular menor que 60 ml/min/1,73m2 durante período igual, ou maior, que três meses. (TITAN, Silvia, 2013).

A DRC se tornou um problema de saúde pública. Diversos motivos contribuem para sua manifestação, sendo particularmente importante o aumento da prevalência da obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica (HAS), tabagismo e sedentarismo. “Dessa forma, diversas doenças podem causar a DRC, e entre todas as causas, a nefropatia diabética está entre as etiologias mais frequentes.” (TITAN, Silvia, 2013). “Sendo assim, A DRC está associada a altas taxas de morbidade e mortalidade, com grande impacto socioeconômico, tornando-se um desafio de saúde pública em âmbito mundial.” (AGUIAR et al.,2020).

Segundo Maciel (2019), em “nefropatia diabética–incidência e fatores de risco associados” a função primária do rim em manter constante a composição do meio extracelular é bem preservada até que haja perda significativa da massa renal. Quando isso acontece, seja por alguma doença ou ablação cirúrgica, os néfrons remanescentes apresentam resposta fisiológica de hipertrofia e hiperfluxo compensatórios. A redução de massa renal é acompanhada não apenas de aumento significativo na função dos néfrons remanescentes, mas também nos túbulos, responsáveis pelo ajuste fino da excreção de água, eletrólitos, ácidos e produtos do catabolismo proteico.

O regime de hiperfluxo, a princípio vantajoso, acarreta uma série de alterações patogênicas, que podem resultar em glomeruloesclerose, fibrose tubulointersticial e, portanto, perda progressiva da função renal. (ANDRADE et al. 2022).

A doença renal crônica pode ser dividida nos seguintes grupos: G1 = ≥ 90  ml/min/1,73  m2,  G2  =  60  a  89  ml/min/1,73  m2,  G3a  =  45  a  59  ml/min/1,73  m2,  G3b  =  30  a  44  ml/min/1,73 m2, G4 = 15 a 29 ml/min/1,73 m2, G5 = <15 ml/min/1,73 m2 G5D = diálise (CAETANO et al., 2022, p.3).

3.1.2 Custos da Doença Renal Crônica

Segundo uma revisão feita pela “Heath Residencies Journal” (2023), pacientes com DRC não dialíticos (estágios de I a IV) irão evoluir para o estágio final da doença renal se não forem adequadamente tratados. Portanto, se desassistidos, aumentarão a demanda por diálise no Brasil. O gasto com o programa de diálise e transplante renal no Brasil situa-se ao redor de 1,4 bilhão de reais ao ano. (ANDRADE et al. 2022).

Dessa forma, infere-se que os custos relacionados à hemodiálise, que incluem não apenas o procedimento em si, mas também os custos associados ao tratamento de complicações e cuidados com o paciente renal crônico, podem ser extraordinários e a falta de controle sobre esses gastos pode comprometer a capacidade dos sistemas de saúde de fornecer uma ampla gama de serviços médicos de qualidade para toda a população.

Além disso, a hemodiálise não é uma solução definitiva para a doença renal crônica, embora possa prolongar a vida e melhorar a qualidade de vida em muitos casos, não representa um tratamento curativo. Portanto, estratégias que visam prevenir a progressão da doença renal crônica e reduzir a necessidade de hemodiálise são fundamentais para melhorar os resultados clínicos e reduzir os custos a longo prazo. (ANDRADE et al. 2022).

3.1.3 Diagnóstico da DRC

O diagnóstico da DRC deve ser feito através da medição de albumina urinária e taxa de filtração glomerular (TFG), e segundo Boer (2022) em “diabetes management in chronic kidney disease” a relação albumina/creatinina persistente na urina >30 mg/g e/ou TFG e persistente <60mL/min/1,73 m2 e/ou outras evidências de danos renais diagnosticam a DRC e deve-se iniciar o tratamento imediato baseado em evidências.

3.2 DIABETES MELLITUS
3.2.1 Definição

O diabetes é uma doença do sistema endócrino determinada por níveis altos de glicose no sangue, de alta prevalência na população e rápida evolução. Essa condição ocorre devido a consequência de defeitos na secreção de insulina, da resistência a ação da insulina ou associação de ambos os fatores.

“A hiperglicemia crônica do diabetes frequentemente está associada a dano, disfunção e insuficiência de vários órgãos, principalmente olhos, rins, coração e vasos sanguíneos.” (VILLAR, Lúcio et al., 2021).

Embora seja classicamente dividida em uma forma autoimune de início precoce (diabetes tipo 1 ou T1D) e uma forma não autoimune de início tardio (T2D), existem subtipos adicionais clinicamente reconhecíveis, como o diabetes monogênico (por exemplo, Diabetes de início na maturidade dos jovens [MODY] ou diabetes neonatal), diabetes gestacional e, possivelmente, uma forma autoimune de início tardio (diabetes autoimune latente no adulto ou LADA). (COLE e FLOREZ, 2020).

3.2.2 Classificação
3.2.2.1 Diabetes Mellitus Tipo 1

Ocorre devido à destruição autoimune das células β, que são responsáveis pela produção de hormônios que regulam a concentração de glicose no sangue, ou seja, regulam a glicemia. Dessa forma, pode-se ter a deficiência absoluta de insulina, e o paciente apresenta o quadro de hiperglicemia, evoluindo para Diabetes tipo 1.

3.2.2.2 Diabetes Mellitus Tipo 2

Ocorre devido ao desenvolvimento de uma resistência à insulina, frequentemente associado a uma perda progressiva de secreção de insulina pelas células β. Nesse viés, o indivíduo torna-se resistente à insulina e, consequentemente, ocorre um aumento dos níveis de glicose no sangue (hiperglicemia).

3.2.3 Fisiopatogenia Do Diabetes Mellitus Tipo 1

Em casos de indivíduos que desenvolvem o diabetes mellitus tipo 1 (DM1), pode-se perceber uma deficiência absoluta na produção de insulina, que ocorre como consequência da destruição de células β do pâncreas (processo autoimune). Acredita-se que o polimorfismo no complexo antígeno leucocitário (HTLA), que tem sua localização no cromossomo 6, mostra-se como principal causa para a maior suscetibilidade para o DM1.

3.2.4 Fisiopatogenia do Diabetes Mellitus tipo 2

As principais causas fisiopatológicas que levam ao diabete mellitus tipo 2 (DM2) são resistência à ação da insulina perifericamente nos adipócitos; deficiência de secreção insulínica pelo pâncreas; aumento da produção de glicose no fígado.

A incidência de DM2 é alta na população mundial e corresponde cerca de 90 a 95% dos casos de diabetes. Dentre seus principais fatores de risco encontram-se: obesidade, rastreio familiar de diabetes, raça/etnia, idade acima de 45 anos, diagnóstico prévio de intolerância à glicose, hipertensão arterial, dislipidemia e tabagismo.

3.2.5 Critérios diagnósticos

“O diagnóstico de diabetes mellitus (DM) deve ser estabelecido pela identificação de hiperglicemia. Para isto, podem ser usados a glicemia plasmática de jejum, o teste de tolerância oral à glicose (TOTG) e a hemoglobina glicada (A1c).” (Cobas, Roberta et al., 2021).

3.2.5.1 Rastreio em indivíduos assintomáticos

No indivíduo assintomático, é recomendado utilizar como critério de diagnóstico de DM a glicemia plasmática de jejum maior ou igual a 126 mg/dl, a glicemia duas horas após uma sobrecarga de 75 g de glicose igual ou superior a 200 mg/dl ou a HbA1c maior ou igual a 6,5%.  É necessário que dois exames estejam alterados. Se somente um exame estiver alterado, este deverá ser repetido para confirmação.” (COBAS, Roberta et al., 2021, p.4).

Na presença de sinais e sintomas sugestivos de hiperglicemia, associados a glicemia medida ao acaso ≥ 200 mg/dl, pode-se fechar diagnóstico de DM.

Na presença de glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl e HbA1c ≥ 6,5% em uma mesma amostra de sangue, deve-se estabelecer o diagnóstico de DM.

3.2.5.2 Critérios Laboratoriais

A glicemia em jejum é adquirida por meio da dosagem sérica da glicemia em um paciente em jejum por mais de 8 horas. Os níveis de glicemia em jejum < 100 mg/dl indicam normalidade. Os níveis de glicemia em jejum entre 100 e 126 mg/dl indicam pré-diabetes. E os níveis de glicemia em jejum ≥ 126 mg/dl indicam DM2. (COBAS, Roberta et al., 2021).

O teste de tolerância oral à glicose é a dosagem sérica de glicose após 2 horas da ingestão oral de glicose pelo paciente. Os níveis de TOTG < 140 mg/dl indicam normalidade. Os níveis de TOTG entre 140 e 200 mg/dl indicam pré-diabetes. E os níveis de TOTG ≥ 200 mg/dl indicam DM2. (COBAS, Roberta et al., 2021).

A hemoglobina glicada é outro parâmetro importante para analisar os níveis glicêmicos dos pacientes, e pode-se obtê-lo por meio de exame de sangue. Os níveis de HbA1c < 5,7% indicam normalidade. Os níveis de HbA1c entre 5,7 e 6,5% indicam pré-diabetes. Os níveis de HbA1c ≥ 6,5% indicam DM2. (COBAS, Roberta et al., 2021).

3.3 DIABETES MELLITUS E A INSUFICIÊNCIA RENAL

“A DRD é uma doença metabólica crônica na qual a hiperglicemia provoca disfunção e lesões em vários tipos de células renais e vasculares.” (AMORIM et al., 2019).

É válido destacar o papel de citocinas pró-inflamatórias no processo de formação de lesões vasculares, que podem levar ao desenvolvimento de nefropatias. As citocinas pró-inflamatórias mostram-se elevadas no paciente que apresenta Diabetes Mellitus e hiperglicemia, e apresentam-se diretamente associadas aos níveis de excreção renal de albumina e com marcadores de dano glomerular e túbulo intersticial.

O meio diabético leva ao desenvolvimento de inflamação que inclui a ativação de células imunes e a regulação positiva de citocinas pró-inflamatórias. As células imunes ativadas migram e se infiltram no tecido renal localmente, produzindo mais mediadores inflamatórios e quimiocinas que recrutam mais células imunes para o rim. Além disso, as células renais residentes ativadas também podem produzir mediadores pró-inflamatórios adicionais, contribuindo para a inflamação sustentada e a indução de dano renal. (CORREA et al., 2021)

3.4 RASTREAMENTO DA NEFROPATIA DIABÉTICA

Para a maioria das pessoas, a DRC não é identificada como resultado dos sintomas; A DRC é frequentemente diagnosticada através de exames de rotina. O rastreio da DRC deve começar no diagnóstico de DM2 porque a evidência de DRC muitas vezes já é aparente neste momento. Para DM1, o rastreamento é recomendado a partir de 5 anos após o diagnóstico, antes do qual a DRC é incomum. (BOER, Ian, 2022).

Dessa forma, o rastreio da DRC na DM1 deve ser feito anualmente, começando 5 anos após o diagnóstico e na DM2 deve ser feito anualmente logo após o diagnóstico.

Sob essa perspectiva, a principal razão para o rastreamento precoce da nefropatia diabética é a possibilidade de implementação de medidas terapêuticas para retardar ou interromper a progressão da doença renal. A detecção precoce de microalbuminúria, um marcador inicial de disfunção renal, permite a realização de intervenções oportunas para evitar a progressão para estágios avançados da doença renal, que podem requerer tratamento com diálise ou transplante renal.

3.5 ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA NEFROPATIA DIABÉTICA

As principais abordagens terapêuticas para prevenir a nefropatia decorrente da diabetes consistem no controle da glicemia, controle rígido da pressão arterial e da dislipidemia, administração de inibidores de ECA (inibidores da enzima conversora de angiotensina), BRA (bloqueadores de receptores de angiotensina) ou fármacos que atuam no sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA) – fármacos de primeira linha do cuidado. Além disso, pode-se salientar que hábitos de vida como, o tabagismo, prática de atividades físicas e alimentação adequada, influenciam diretamente no quadro clínico do paciente.

3.5.1 Terapia não medicamentosa

Os pilares da terapia não medicamentosa, Boer (2022) em “diabetes management in chronic kidney disease” se baseiam na elaboração de uma dieta específica que se adeque ao paciente, prática de exercícios físicos, controle do peso corporal e cessação do tabagismo.

“Além disso, a prática de atividade física vem sendo recomendada como um importante recurso não farmacológico para melhoria nos níveis de filtração glomerular e função renal.” (CAETANO et al.,2022).

Isso porque o exercício físico regular está associado à redução do acúmulo de gordura visceral, o que pode ajudar a mitigar o risco de resistência à insulina e síndrome metabólica em pacientes com DRC. Isso pode ter efeitos benéficos na função renal e na progressão da nefropatia diabética, conforme sugerido em uma revisão publicada na “revista master” em 2021 (INACIO, Igor, 2021). Ainda assim, no mesmo estudo foi comprovado que o exercício físico regular demonstrou reduzir o estresse oxidativo e a inflamação sistêmica em pacientes com DRC, além de regular e reduzir a pressão arterial, o que é crucial para pacientes com DRC, já que a hipertensão é uma das principais causas e fatores de progressão da doença renal.

Sendo assim, tais medidas são a base do tratamento e entram como primeira linha de cuidado da nefropatia diabética atualmente, e atuam apenas como meio de retardar o aparecimento e avanço da doença.

3.5.2 Terapia Medicamentosa

Sob essa perspectiva, em um importante estudo, (DCCT – Diabetes Control and Complications Trial), foi mostrado que pacientes que passaram por um tratamento intensivo com insulina (três a quatro doses diárias) apresentaram redução de 35% a 50% no desenvolvimento, respectivamente, de proteinúria, em relação ao grupo tratado convencionalmente, com duas aplicações diárias. Nesse contexto, a terapia anti-hipertensiva também pode aumentar a sobrevida de pacientes com DM1, reduzindo, também, a necessidade de diálise e transplante renal, desde que se mantenha a Pressão Arterial (PA) <130/80 mmHg, com o uso dos Inibidores da Enzima Conservadora de Angiotensina (ECA) pois esses medicamentos, além de não interferir, negativamente, sobre o perfil lipídico e glicídico, possibilita a prevenção ou o retardo no surgimento de microalbuminúria e diminuição na progressão da nefropatia diabética. (MACIEL et al., 2019)

3.5.2.1 Uso dos Agonistas do Receptor de GLP1

Os agonistas do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1RAs) e os inibidores do cotransportador 2 de sódio-glicose são duas novas classes de medicamentos que têm atraído ampla atenção por seus benefícios cardiovasculares e renais em pacientes com diabetes tipo 2. Essas classes de medicamentos tornaram-se opções atraentes para o tratamento do diabetes tipo 2, particularmente no desenvolvimento de GLP-1RAs, que têm avançado rapidamente com avanços importantes juntamente com o desenvolvimento contínuo de novos medicamentos nos últimos anos. (YAO, et al., 2024)

Os GLP-1RAs possuem mecanismos de controle glicêmico induzidos pelos estados de hiperglicemia e hipoglicemia. O medicamento aumenta a secreção de insulina e inibe a secreção de glucagon quando os níveis glicêmicos estão altos. Além disso, induz a desaceleração do esvaziamento gástrico, prevenindo o aumento da glicose pós-prandial e, consequentemente, reduz a ingestão calórica e o peso corporal.

A hemoglobina glicada (HbA 1c) e a glicemia de jejum e noturna são mais significativamente afetadas pelos GLP-1RAs de ação prolongada (como liraglutida, exenatida e dulaglutida), tanto isoladamente quanto em conjunto com medicamentos hipoglicemiantes orais.

Os GLP-1RAs são eficazes no tratamento de adultos com diabetes tipo 2. Em comparação com o placebo, a tirzepatida foi o medicamento GLP-1RA mais eficaz para o controle glicêmico, reduzindo as concentrações de hemoglobina A 1c e de glicose plasmática em jejum. Os GLP-1RAs também melhoraram significativamente o controle de peso para diabetes tipo 2, com o CagriSema apresentando o melhor desempenho para perda de peso. (YAO, et al., 2024)

3.5.3 Uso do SGLT2

Existem evidências sólidas que indicam que o SGLT2i, além de reduzir a glicemia, oferece um efeito protetor a nível macrovascular e microvascular derivado dos resultados de estudos clínicos nos quais a eficácia e segurança do SGLT2i são avaliadas tanto a nível CV como renal. (ROTTER et al., 2021)

O uso de SGLT 2 deve ser considerado nos casos em que o paciente apresente resistência a Metformina, sendo assim, o medicamento é administrado com alternativa para o controle da glicemia. Além de seus efeitos na glicemia, estudos demonstram que o SGLT 2 também apresenta eficácia na redução do dano vascular, sendo uma importante droga para o tratamento de insuficiência renal e cardíaca.

Foram utilizados dados de pacientes com TFGe > 30 ml/min/1,73 m 2 e os objetivos renais secundários avaliados foram: aparecimento ou piora de nefropatia (progressão da microalbuminúria, aumento dos níveis de creatinina sérica para o dobro dos valores iniciais, necessidade de diálise ou morte por causas renais) e aparecimento de albuminúria. Os pacientes tratados com empagliflozina tiveram uma incidência significativamente menor de piora da ND, em comparação ao grupo tratado com placebo (12,7 vs. 18,8% respectivamente; p < 0,001), uma redução significativa de 44% no risco de duplicação dos níveis séricos de creatinina e 55 % necessitam de diálise. (ROTTER et al., 2021)

3.6 METAS DO TRATAMENTO

Segundo Boer (2022), em “diabetes management in chronic kidney disease” para paciente com DM e DRC é recomendada uma meta individualizada de HbA1c de <6,5% a <8,0%, sendo que metas nesta faixa foram associadas com melhorias na sobrevida, resultados cardiovasculares e microvasculares além de desfechos mais favoráveis.

Ainda segundo esse estudo, a gestão da PA é universalmente aceita como um objetivo crítico para a prevenção da DRC e as recomendações se baseiam em uma meta de PA de <130/80 mmHg se esta meta puder ser alcançada com segurança.

4 CONCLUSÃO

Em suma, esta revisão de literatura destaca a nefropatia diabética como uma das complicações com maior potencial de gravidade e prevalência associadas ao diabetes, especialmente o tipo 2. Não obstante, a nefropatia diabética é uma das principais causas de insuficiência renal crônica (IRC), sendo responsável por um número crescente de pacientes que necessitam de tratamento dialítico ou transplante renal.

Além disso, a hiperglicemia prolongada e com controle indevido potencializa esses danos, o que torna essencial o monitoramento constante dos níveis glicêmicos e da função renal. O diagnóstico precoce da nefropatia diabética é um dos principais fatores para a prevenção da progressão da doença, sendo a microalbuminúria um importante marcador inicial de disfunção renal em diabéticos, logo, o tratamento envolve não apenas o controle glicêmico, mas também o controle da pressão arterial e o uso de medicamentos que protegem os rins, como os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA).

Outrossim, mudanças no estilo de vida, como a adoção de uma dieta equilibrada e a prática regular de exercícios físicos, são fundamentais para controlar os fatores de risco. Conclui-se que o entendimento aprofundado da conexão entre diabetes e complicações renais, bem como a implementação de estratégias de diagnóstico e tratamento precoces, são essenciais para mitigar o impacto da nefropatia diabética e reduzir a progressão para a insuficiência renal crônica, melhorando a qualidade de vida dos pacientes diabéticos.

5 REFERÊNCIAS

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