REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202411100854
Solange Fabiana Gebauer
Orientadora: Profa Dra Rita Tonocchi
RESUMO
Introdução: estudos ressaltam acerca do estreitamento de relações entre homem e animal e, nesse sentido, destaca-se sobre utilização de animais como auxílio em tratamento/reabilitação/recuperação de sujeitos/pacientes, bem como seus familiares/cuidadores, independente de questões patológicas e aspectos sociodemográficos. Para tanto, a intervenção é baseada no vínculo homem-animal, como forma de assistência no processo de promoção de saúde, denominada como Terapia Assistida por Animais (TAA). Portanto, a TAA é entendida como utilização de animal com o intuito de mediar e facilitar processos de acompanhamentos/tratamentos em diversos quadros clínicos. Trabalhos apresentam a respeito da eficiência de TAA, no âmbito de sujeitos/pacientes e familiares/cuidadores, em relação a aspectos clínicos/subjetivos/sociais. À vista disso, direciona-se para a relevância em verificar acerca da TAA no âmbito da Fonoaudiologia e, portanto, durante a formação de fonoaudiólogos. Objetivo: analisar a visão de alunos de Fonoaudiologia sobre Terapia Assistida por Animais na prática clínica fonoaudiológica. Metodologia: trata-se de estudo transversal, de caráter quantitativo, sendo a coleta de dados realizada por meio de questionário online, elaborado pelas pesquisadoras e disparado por meio de WhatsApp a alunos do Curso de Fonoaudiologia de uma Instituição de Ensino privada localizada em Curitiba/PR. A análise dos dados quantitativos foi efetuada de forma numérica. Resultados: Resultados: participaram 39 alunos de graduação em Fonoaudiologia, divididos em faixas etárias, sendo 18 participantes entre 18 – 25 anos; 11, 25 – 35 anos; oito, 35 – 45 anos; dois, com idade acima de 45 anos. Acerca do período de graduação em que se encontravam: 14 participantes em 1/2 período; cinco, 3/4 período; 13, 5/6 período; sete, 7/8 período. A maioria dos entrevistados não apontaram malefícios relacionados ao atendimento terapêutico com animais. Vinte e um entrevistados consideraram muito importante a relação homem-animal. Vinte e dois participantes consideraram o tratamento com animais muito necessário, o que aponta os efeitos benéficos para a saúde humana através da TAA. Há, de se destacar a relevância quanto a temática em torno da TAA para o processo de formação do fonoaudiólogo, considerando que a ampla maioria, trinta e três entrevistados responderam que desejariam que a temática TAA fosse abordada na graduação. Considerações Finais: As evidências no campo da saúde humana sobre as respostas obtidas com a TAA, tem nos instigado como fonoaudiólogos a um despertar para essa demanda. Os animais como coterapeutas já auxiliam na redução do sofrimento em diversas áreas da saúde, o que nos instiga a um despertar para essa temática, acordando para a necessidade de implantarmos como prática clínica ainda na formação dos futuros profissionais de fonoaudiologia, nas diversas instituições de ensino. As experiências vivenciadas nos diversos trabalhos científicos, podem nos ajudar a motivar os fonoaudiólogos a buscar também essa experiência, em ter um animal como coterapeuta, objetivando um melhor ambiente na clínica e no tratamento terapêutico, reduzindo o estresse paciente/terapeuta, melhorando o tempo de resposta ao resultado esperado, se comparado as práticas terapêuticas convencionais.
PALAVRAS-CHAVE: Terapia Assistida com Animais. Estudantes. Fonoaudiologia.
INTRODUÇÃO
O cenário das relações com animais é antigo e, independentemente da cultura ou da região, a inter-relação entre eles e a espécie humana vai desde a convivência até a domesticação (LAMPERT, 2014). Também a intervenção com animais como auxílio nos processos de reabilitação é apresentada há tempo, sendo essa intervenção baseada no vínculo homem-animal como uma forma de assistência no processo de instauração da saúde (PEREIRA; PEREIRA; FERREIRA, 2007).
Intervenções Assistidas por Animais (IAA) podem ser subdivididas em três grupos com meios e propósitos diferentes de ações: Terapia Assistida por Animais (TAA), Atividade Assistida por Animais e Educação Assistida por Animais (ANDRADE, 2021). Quanto à TAA, “[…] é definida como uma intervenção terapêutica planejada e estruturada por metas, direcionada por profissionais da saúde e áreas afins. Existe a necessidade de um objetivo terapêutico, assim a proposta desta terapia é promover a saúde física, social, emocional e/ou funções cognitivas.” (ANDRADE, 2021, p. 11).
Neste âmbito, verificam-se legislações que autorizam a entrada e participação de animais em processos de tratamento, como a lei federal nº 13.830 sancionada em 13 de maio de 2019, que regulamenta a equoterapia (utilização de equinos) como forma de tratamento e, portanto, obrigatória na cobertura por planos de saúde. A TAA é entendida como a utilização do animal com o intuito de mediar e facilitar intervenções indicadas para diversos quadros clínicos, sendo o animal coterapeuta, ou seja, extensão do terapeuta/profissional (SOARES et al, 2018). A TAA colabora na promoção da saúde de sujeitos/pacientes e familiares/cuidadores, atuando em aspectos subjetivos/emocionais, cognitivos, motores e sociais, sendo sua aplicabilidade sem restrição quanto a questões sociodemográficas (MACHADO; ROCHA; SANTOS, 2008).
No que se refere a espécies de animais que podem ser utilizadas nos processos de TAA, diversas são incluídas, sendo que os cães representam grande parte desses animais (LIMA; SOUZA, 2018). Quanto a ambientes para aplicação de TAA, ressaltam-se âmbitos hospitalar, clínico e educacional (SILVA; MARISCO, 2018).
Segundo Dalcin (2019), com pacientes hospitalizados de diferentes faixas etárias e profissionais de hospitais, verifica-se aceitação de TAA por todos. Com relação aos sujeitos/pacientes, nota-se, na maioria dos casos, que o contato com animais antes do período de hospitalização aponta a necessidade da presença desses no processo terapêutico, remetendo a familiaridade e ambientação no hospital. Já com relação aos profissionais, a presença dos animais tem boa aceitação, apesar do baixo nível de conhecimento sobre TAA, contribuindo para rotina de trabalho desses profissionais.
Nobre et al (2017) observaram processo de educação assistida por animais (EAA) em alunos com condições especiais, principalmente, os que apresentavam Transtorno do Espectro Autista (TEA), cujo processo proporcionou desenvolvimento de vínculo por parte das crianças e atividades mais interessantes, o que caracterizou o animal como mediador no processo de aprendizado. Após a utilização da EAA, os resultados foram percebidos por todos os envolvidos, incluindo os familiares/cuidadores dos alunos com TEA, os quais verificaram evoluções nas esferas social, cognitiva, afetiva e/ou expressiva, ressaltando a alta efetividade da utilização dos animais.
Vários profissionais da saúde demonstram interesses em TAA, entretanto, não conhecem esta vertente de trabalho ou não adquirem conhecimento suficiente para aplicar ao ser humano (MACHADO; ROCHA; SANTOS, 2008). Desse modo, destaca-se a relevância acerca de trabalhos e estudos na área de TAA e, em especial, na área da Fonoaudiologia.
Nessa área, a utilização de animais, não somente como companheiros para uma abordagem mais lúdica, mas também como coterapeutas, mostra-se eficiente. Contudo, de acordo com Oliveira (2010), muitos profissionais que desejam utilizar ou já aplicam a TAA não possuem especializações ou treinamentos necessários para a opção.
Pesquisas na área fonoaudiológica apontam a evolução na terapia de fala/linguagem em sujeitos/pacientes acometidos por afasia quando um cão era inserido no ambiente clínico, despertando melhora nos comportamentos social verbal e não-verbal. A utilização de cães na terapia no campo da fala/linguagem é apontada como proposta importante para melhora nas habilidades de comunicação. Porém, a utilização de terapia acompanhada por animais na área da fonoaudiologia ainda é muito restrita, sendo, em geral, a equoterapia a mais utilizada pelos fonoaudiólogos (DOMINGUES, 2007).
Segundo Domingues (2007), a TAA no campo da Fonoaudiologia promove a despatologização clínica, reduzindo sintomas manifestos na linguagem ora/escrita, possibilitando atividade dialógica, gestual e afetiva em sujeitos/crianças, favorecendo vínculos interpessoais e reduzindo condições patológicas,
Oliveira (2018) destaca acerca da relevância da TAA na clínica fonoaudiológica ao concluir que “[…] a presença do cão configurou-se como recurso potente para a criação de um enquadre fonoaudiológico inovador, cuja efetividade foi revelada pela maior adesão às intervenções e pela evolução significativa do desempenho comunicativo do sujeito estudado.” (OLIVEIRA, 2018, p. 377).
A partir do exposto, destaca-se a pertinência da TAA junto à atuação fonoaudiológica, com a finalidade de promoção de saúde e de qualidade de vida de sujeitos/pacientes e familiares/cuidadores, considerando aspectos clínicos, subjetivos/emocionais e sociais.
Entretanto, nota-se que a TAA na área fonoaudiológica é pouco abordada, como refere Oliveira (2018), “Prosseguir com a investigação de um tema pouco falado na área da Fonoaudiologia implicam desafios, embora os resultados de estudos ao longo dos anos apontem os benefícios positivos da relação homem- animal nas áreas diversas de atuação do fonoaudiólogo.” (OLIVEIRA, 2018, p. 360).
Devite (2016) buscou identificar o perfil dos fonoaudiólogos do Estado de São Paulo que utilizavam a Intervenção Assistida por Animais (IAA) como modalidade de atendimento, verificando que nesse estado havia 11 profissionais atuantes, sendo que a maioria da IAA realizada por cães, considerando que toda demanda e/ou diagnóstico são beneficiados com esta modalidade de atendimento. Segundo a autora, os benefícios que se destacaram foram a interação paciente x terapeuta, comunicação, atenção, motivação e concentração. A maioria dos atendimentos foi realizado com crianças nas áreas de linguagem, psicomotricidade, autonomia e estímulos proprioceptivos. A autora ressalta que por ser uma modalidade de atendimento nova, o número de profissionais atuantes é reduzido e, desse modo, pesquisas são necessárias para divulgação dos efeitos, da efetividade e da eficácia da IAA, especialmente, na Fonoaudiologia.
Nessa direção, frente à possibilidade de propostas terapêuticas fonoaudiológicas associadas a uso de animais, este estudo tem como objetivo analisar a visão de estudantes de Fonoaudiologia sobre TAA na prática clínica fonoaudiológica.
METODOLOGIA
Esta pesquisa trata-se de um estudo prospectivo, transversal, de caráter quantitativo e exploratório, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Tuiuti do Paraná sob número 5.110.685.
Foram considerados como critérios de inclusão, alunos do Curso de Fonoaudiologia de uma determinada Universidade privada localizada em Curitiba/PR, do 1° ao 8° período, maiores de 18 anos, como critérios de exclusão, alunos menores de 18 anos, não do Curso de Fonoaudiologia e não da Instituição de Ensino Superior estabelecida para este estudo.
A coleta de dados foi realizada por meio de aplicação de questionário online, a partir de um link disparado pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Em tal questionário (Apêndice), elaborado pelas pesquisadoras, constavam questões objetivas sobre perfis dos participantes e referentes à TAA, as quais eram respondidas após o participante concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Cabe colocar que, no questionário, as questões 4 e 5 apresentavam opções de resposta quanto a assinalar mais de uma alternativa pelos participantes – desse modo, nessas questões, as respostas não apresentam números correspondentes ao número de participantes.
A análise quantitativa dos dados foi realizada através de descrições numéricas referentes à coleta realizada junto aos participantes deste estudo, mediante planilha excel.
RESULTADOS
Participaram deste estudo 39 alunos do Curso de Fonoaudiologia da Universidade estipulada, constando, em relação à faixa etária: 18 participantes entre 18 – 25 anos; 11, 25 – 35 anos; oito, 35 – 45 anos; dois, com idade acima de 45 anos. Acerca do período de graduação em que se encontravam: 14 participantes em 1/2 período; cinco, 3/4 período; 13, 5/6 período; sete, 7/8 período.
A seguir, a Tabela 1 apresenta os dados coletados no questionário online aplicado.
Tabela 1 – Questões e dados referentes à coleta junto aos participantes deste estudo
Cabe colocar que, no questionário, as questões 4 e 5 apresentavam várias opções de respostas quanto a assinalar mais de uma alternativa pelos participantes, desse modo, nessas questões, as respostas não apresentam números correspondentes ao número de participantes.
DISCUSSÃO
Animais de estimação além de ocuparem um lugar especial nas vidas das pessoas também se tornaram membros da família.
Os cães hoje fazem parte da vida do homem. Habitam nossas casas, trabalham com e para nós, tomaram-se, além de companheiros, “filhos”, “irmãos” etc. Devido à domesticação, o “melhor amigo do homem” passou também a constituir intensamente a vida dos seres humanos em uma relação marcada por transformações importantes para ambas as espécies. (DOMINGUES, 2007, p. 28)
A companhia agradável e sociável de um animal de estimação, com o qual alguém pode se comunicar e também aprender a desempenhar uma série de funções úteis, traz benefícios diretos aos seres humanos (DELARISSA, 2003).
Nessa direção, atualmente, destaca-se uma nova composição familiar, configurada pela presença de seres humanos e seus animais de estimação, considerada como multiespécie, a qual é composta por sujeitos que reconhecem e legitimam seus animais de estimação como membros da família. Verificam-se diversas razões que levam famílias multiespécie a aquisição de um animal de estimação, especialmente, relacionadas a relações afetivas e companhia (HELENA; CUNHA, 2021).
Diante disso, interessa explorar os impactos dessa relação humano-animal. Neste estudo, 21 entrevistados consideraram a relação homem-animal muito importante (questão 1 – Você considera a relação homem – animal:). Ressalta-se que os animais desempenham um papel importante na subsistência e sobrevivência dos homens, sendo que, com o passar do tempo, a relação entre o homem e o animal estreitou-se, tornando possível alcançar efeitos benéficos para a saúde humana através da TAA (CARDOSO; CARVALHO, 2021).
A prática de se utilizar animais em terapias deu origem a diferentes nomes para as atividades que os animais realizam para cuidar da saúde humana: terapia animal, terapia facilitada por animais (FAC), atividade facilitada por animais, atividade assistida por animais (AAA) e terapia assistida por animais (TAA) (DOMINGUES, 2007).
Segundo Cardoso e Carvalho (2021), “TAA consiste em uma intervenção dirigida, auxiliada por um animal na prática terapêutica e conta com objetivos pré-definidos, visando a melhora da saúde física e mental, e a estimulação de funções cognitivas do paciente, podendo ser realizada individualmente ou em grupo.” (CARDOSO, CARVALHO, 2021, p. 231). Ao encontro disso, nesta pesquisa, 22 participantes consideraram a participação de animais em processos de tratamento como ‘muito necessário’ (questão 2 – Para você, o uso de animais em processos de tratamento/reabilitação/recuperação com pessoas é:), sendo que 23 deles referiram que já ouviram falar sobre TAA (questão 3 – Sobre Terapia Assistida por Animais:)
Quanto aos benefícios (questão 4 – Quais benefícios a Terapia Assistida por Animais pode trazer – marque quantas opções desejar – ?) nenhum participante marcou que não há benefícios, verificando-se: 33 participantes marcaram ‘redução de ansiedade e estresse’; 30, ‘melhora do bem-estar físico e emocional’; 27, ‘relaxamento’, 26, ‘conforto e segurança’; 19, ‘melhora nas relações sociais’; 17, ‘melhora motora’; 16, ‘redução no nível de dor’; 14, ‘melhora na cognição’; 13, ‘melhora na comunicação’. No estudo de Andrade (2021), todos os fonoaudiólogos participantes concordaram que a IAA pode trazer benefícios aos pacientes, como:
[…] 89 (91,8%) acreditam que podem ajudar na redução da ansiedade e do estresse, 84 (86,6%) na melhora do comportamento social, 82 (84,5%) na melhora do bem estar físico e emocional, 78 (80,4%) na melhora na comunicação, 74 (76,3%) no aumento da sensibilidade, 74 (76,3%) na promoção do relaxamento, 69 (71,1%) na redução de chances de depressão, 64 (66%) na promoção de conforto e maior segurança, 63 (64,9%) na melhora da cognição (inteligência/capacidade de raciocínio), 57 (58,8%) na melhora da autoestima, 53 (54,6%) na diminuição dos níveis de dor, 47 (48,5%) na regulação da pressão arterial e 46 (47,4%) na melhora da qualidade do sono. (ANDRADE, 2021, p. 17)
Portanto, em geral, a TAA, que inclui a participação do animal como parte integrante e principal do tratamento, busca promover bem-estar e melhoras psíquica, social, cognitiva e até mesmo física dos pacientes (LIMA; SOUZA, 2018). De acordo com estudo de Helena e Cunha (2021), observou-se que os sujeitos e seu(s) animal(s) de estimação(s) foram parceiros interacionais, sendo que o cão desempenhou papel de interlocutor durante as cenas de interação. Para as autoras, “[…] aspectos positivos, no que se refere à aquisição da linguagem oral foram evidenciados, especialmente nas interações multiespécie. Deste modo, a hipótese do cão, no lar da família multiespécie, potencializar as habilidades comunicativas da criança no seu processo de aquisição da linguagem, não pode ser refutada.” (HELENA; CUNHA, 2021, p. 168).
Bezerra e Castro (2023), expõem que o potencial terapêutico com animais e a interação com eles permite redução da ansiedade, cria sensações de calma e segurança e promove comunicação a interação social. Já Domingues (2007) acrescenta que favorece a interação terapeuta/paciente e intensifica a atividade dialógica. Nessa pesquisa, cabe ressaltar que apenas 13 participantes, alunos de Fonoaudiologia, citaram ‘melhora na comunicação’ como benefício da TAA.
Acerca da TAA na prática clínica fonoaudiológica, estudos desenvolvidos apontam que essa promove certa despatologização da cena clínica em favor do fortalecimento de vínculos interpessoais e minimização das condições patológicas das populações estudadas nesses estudos (OLIVEIRA, 2018a). Assim, para a inserção da TCC na Fonoaudiologia,
Questões são instigantes e até intrigantes, como: – “Onde está a Fonoaudiologia nisso?”; “Para que e por quê um fonoaudiólogo colocaria um animal dentro da sala de terapia?”; “Como assim usar um cão no seu atendimento, doutora?”; “A terapia é para o cão?”
Pondero: – Por que não investigar e aprimorar esse importante
objeto de trabalho da fonoaudiologia como o processo de comunicação e socialização atrelado à IAA?
Respondo: – A presença do cão pode potencializar o processo terapêutico fonoaudiológico, além de fazer com que esta proposta seja uma extensão da prática clínica fonoaudiológica (Oliveira, 2010). (OLIVEIRA, 2018a, p. 360)
Sherrill e Hengst (2022) descrevem a importante contribuição do uso da TAA nos tratamentos voltados a distúrbios da comunicação. Os autores compararam sessões fonoaudiológicas com e sem uso de TAA, sendo que as que envolveram esse uso apresentaram mais processos discursivos e interacionais, bem como a aceitação e incorporação pelos fonoaudiólogos em suas práticas clínicas.
A influência de urbanização, saneamento e mudanças na estrutura familiar tradicional tem sido identificada como fator-chave na determinação das interações homem-animal. Os processos de controle de doenças zoonóticas promoveram maior contato com animais, pois doenças, como raiva, começaram a ser erradicadas. Estudos sobre infecção hospitalar mostram ser mais comum um visitante humano transmitir infecções aos pacientes do que os animais, quando devidamente preparados e acompanhados pelo médico veterinário (CASTANHO, 2018). Nesse sentido, observa-se na questão 5 (Quais malefícios a Terapia Assistida por Animais pode trazer (marque quantas opções desejar – ?) que 20 participantes desconheciam sobre malefícios relacionados a contato com animais durante atendimentos/acompanhamentos terapêuticos e 15 não o apontaram. No estudo de Andrade (2021), quanto a possíveis malefícios que os animais utilizados nas Intervenções poderiam trazer para o paciente/cliente,
[…] 55 (57%) sujeitos responderam que acreditam que os animais podem provocar alergias, 24 (25%) que os animais podem provocar medo e angústia, 14 (14%) acreditam que podem transmitir infecções/doenças, 9 (9,3%) que podem aumentar o estresse, 5 (5,2%) que os animais são perigosos, 2 (2,1%) acreditam que os animais são sujos e 32 (33%) acreditam que não existem malefícios. (ANDRADE, 2021, p. 18)
Portanto, frente aos possíveis benefícios, ressaltados em pesquisas, 33 participantes colocaram que aceitariam atuar com TAA (questão 6 – Você aceitaria atuar com Terapia Assistida por Animais?). No estudo de Andrade (2021), a maioria dos profissionais fonoaudiólogos participantes afirma que introduziria IAA no seu local de trabalho,
Desses, 78 (80%) afirmam que os animais podem auxiliar na recuperação do cliente/paciente, 65 (67%) porque os animais promovem boa relação interpessoal, 64 (66%) afirmam que utilizariam os animais porque eles alegram o ambiente, 60 (62%) utilizariam porque os animais possuem um afeto incondicional e 58 (60%) afirmam que os animais contagiam com energia positiva. Dos profissionais que não utilizariam 17 (17,5%), 3 (3,1 %) justificam que os animais podem ser agressivos e ferir alguém, 2 (2,1%) porque os animais são sujos, 1 (1,0%) não gosta do cheiro do animal e 1 (1,0%) tem fobia de animais. Apenas 4 (4,1%) profissionais já usam animais como coterapeutas nos atendimentos. (ANDRADE, 2021, p. 18)
Sobre critérios para escolha do animal para uso em TAA, (questão 7 – Você acha que existe(m) critérios(s) para escolha do animal em tratamento/reabilitação/recuperação de uma pessoa), neste estudo, 38 concordaram que sim, sendo que 25 dos 39 participantes recomendaria, certamente, um local que utilize TAA (8 – Você recomendaria um local (hospital, clínica, lar de longa permanência, etc) que permita a presença de animais e adote Terapia Assistida por Animais?). Segundo Andrade (2021), entre os requisitos que os profissionais fonoaudiólogos citaram que um animal coterapeuta deve ter,
[…] 60 (61,9%) fonoaudiólogos citam características do animal, tais como temperamento e raça, 51 (52,6%) citam o treinamento/adestramento do animal,31 (32,0%) citam o acompanhamento com profissionais da Medicina Veterinária, 15 (16,5%) citam questões relacionadas à higiene, 5 (5,2%) citam questões burocráticas (consentimento do paciente, dos donos dos animais e dos locais das Intervenções), 4 (4,1%) citam o bem estar do animal e 7 (7,2%) acreditam que não existem requisitos. (ANDRADE, 2021, p. 19).
Destaca-se a relevância de que a temática em torno de TAA seja tomada no processo de formação do fonoaudiólogo, o que é fomentado pelo desejo por parte dos participantes deste estudo, como mostra a questão 11 (Caso não tenha sido abordado, você desejaria que fosse abordado?), na qual 33 responderam que desejaria que essa temática fosse abordada em tal processo. Por outro lado, 38 deles referiram que tal temática não foi abordada em suas aulas (questão 10 – Durante a graduação, em aula(as), foi abordado o tema Terapia Assistida por Animais?), bem como que não conheciam profissionais que atuam com TAA (questão 12 – Você conhece profissional(is) que utiliza(m) Terapia Assistida por Animais?); já 37 participantes referiram que nunca participaram de curso ou apresentação sobre este tema (questão 9 – Você já realizou curso(s) ou assistiu apresentação(ôes) sobre Terapia Assistida por Animais?).
Andrade (2021) refere que o conhecimento de profissionais fonoaudiólogos sobre TAA é limitado, sendo a área da linguagem a mais beneficiada e o cachorro a preferência devido a esse uso. A autora acrescenta que muitos profissionais ainda desconhecem a existência da Lei sobre a temática no Rio Grande do Sul e o manejo adequado com animais que poderiam participar das terapias. Por fim, ela refere:
Cada vez mais podemos perceber um avanço nos estudos envolvendo as IAAs nas diversas áreas da saúde. Porém não existem trabalhos que meçam exclusivamente o conhecimento dos profissionais de Fonoaudiologia sobre estas Intervenções. Todavia, dos trabalhos existentes, podemos encontrar afirmações dos benefícios que as IAAs trazem às terapias fonoaudiológicas, como nos estudos citados anteriormente. (ANDRADE, 2021, p. 26)
Isto posto, como refere Mandrá et al (2019), embora a temática TAA seja reconhecida cientificamente em vários países, estudos no Brasil ainda são restritos a algumas áreas da saúde, referindo-se em grande parte à reabilitação física. À vista disso, salienta-se a importância da explanação acadêmico-científica a respeito dessa temática, especialmente, na área fonoaudiológica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo ressalta quanto à utilização de animais não somente como companhias, mas como coterapeutas, confirmando-a como eficiente a tratamento/reabilitação/recuperação em diversos locais e circunstâncias consideradas patológicas. Nessa direção, salienta-se acerca deste uso na clínica fonoaudiológica e seus benefícios, como fortalecimento de vínculos interpessoais e minimização das condições patológicas – especialmente, quanto evolução em desempenho linguístico/comunicativo dos sujeitos/pacientes envolvidos.
Entretanto, verifica-se que os alunos de Fonoaudiologia abordados nesta pesquisa, em geral, pouco conheciam a respeito do tema TAA e com relação a profissionais que a utilizam em suas atuações; segundo eles, tal tema não foi abordado nas suas formações acadêmicas, mas mostraram-se interessados no que concerne a esse.
Em vista disso, destaca-se que a adoção da TAA na prática clínica fonoaudiológica é uma discussão que precisa fazer parte da formação de profissionais fonoaudiológicos, uma vez que, considerando-se importante a relação homem/animal, trata-se de uma abordagem relevante tanto para esses profissionais quanto para sujeitos/pacientes e familiares. Direciona-se, portanto, que a Fonoaudiologia participe mais ativamente no âmbito da TAA, visto que a interação com o animal possibilita promover qualidade de vida a todos os implicados no processo fonoterapêutico.
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