REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411071522
Cláudio Nunes1
RESUMO
O artigo científico testilhado examina a igualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil sob a perspectiva dos direitos humanos, abordando as barreiras culturais e estruturais que perpetuam a disparidade de gênero no mercado de trabalho. A partir de uma análise histórica, o estudo explora as convenções internacionais, como a CEDAW, bem como as legislações nacionais, incluindo a Constituição de 1988 e a Lei nº 14.611/2023, que buscam assegurar a igualdade de oportunidades. Também são analisadas decisões jurisprudenciais relevantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reforçam a interpretação dos princípios de igualdade. Os resultados indicam que, embora existam avanços significativos, a efetivação desses direitos enfrenta desafios consideráveis, mormente, devido a fatores como a penalidade da maternidade e a segregação ocupacional. O estudo conclui que o caminho para a igualdade de gênero no trabalho exige não apenas legislações eficazes, mas, também, uma mudança cultural profunda e consciente.
Palavras-chave: Direitos Humanos; Igualdade Salarial; Gênero; Jurisprudência; Legislação Trabalhista; Discriminação de Gênero; Mercado de Trabalho; Direitos das Mulheres.
ABSTRACT
The scientific article tested examines wage equality between men and women in Brazil from the perspective of human rights, addressing the cultural and structural barriers that perpetuate gender disparity in the job market. Based on a historical analysis, the study explores international conventions, such as CEDAW, as well as national legislation, including the 1988 Constitution and Law No. 14,611/2023, which seek to ensure equal opportunities. Relevant jurisprudential decisions from the Federal Supreme Court (STF) and the Superior Court of Justice (STJ) are also analyzed, which reinforce the interpretation of the principles of equality. The results indicate that, although there are significant advances, the implementation of these rights faces considerable challenges, mainly due to factors such as the maternity penalty and occupational segregation. The study concludes that the path to gender equality at work requires not only effective legislation, but also a deep and conscious cultural change.
Keywords: Human Rights; Equal Pay; Gender; Jurisprudence; Labor Legislation; Gender Discrimination; Labor Market; Women’s Rights.
1. INTRODUÇÃO
A desigualdade salarial entre homens e mulheres é um desafio global que se insere em um contexto mais amplo de luta por direitos humanos e justiça social. Histórica e socialmente, a inserção das mulheres no mercado de trabalho tem sido marcada por profundas diferenças de tratamento e remuneração, refletindo, ainda hoje, desigualdades estruturais que limitam as oportunidades de milhões de trabalhadoras. Em resposta a essa realidade, diversas convenções internacionais e legislações nacionais foram instituídas para garantir a igualdade de direitos e oportunidades, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), adotada pela ONU em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984 (SILVA, 2011).
No Brasil, a luta pela igualdade de gênero no mercado de trabalho começou a ganhar destaque após a Constituição de 1988, que assegura, em seu artigo 5º, a igualdade de todos perante a lei, proibindo qualquer forma de discriminação. O inciso I, do artigo 5.º, dispõe, de uma maneira precisa, a igualdade de gênero. Além disso, o artigo 7º, inciso XXX, reforça a necessidade de equiparação salarial e de oportunidades para homens e mulheres que desempenhem funções de igual valor (BRASIL, 1988). Apesar desses avanços, a desigualdade salarial persiste, com dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020) indicando que as mulheres ainda recebem, em média, 78% do salário dos homens para funções semelhantes.
Esse estudo tem como objetivo precípuo analisar a trajetória e os desafios da igualdade salarial sob a perspectiva dos direitos humanos, examinando as principais convenções internacionais, legislações nacionais e interpretações jurisprudenciais. A análise se baseia em uma perspectiva crítica, abordando tanto as barreiras estruturais e culturais que perpetuam a discriminação quanto os avanços legais e institucionais que buscam mitigar essas desigualdades. Para autores como Freire (2015), “a igualdade de gênero no trabalho requer uma transformação cultural e estrutural que vá além das leis, pois só assim se torna possível reduzir as desigualdades de forma concreta” (p. 87).
Dessa forma, o artigo procura contribuir para o entendimento de como o Brasil tem enfrentado os desafios de implementar a igualdade salarial, focando nos esforços legislativos e nas ações do Poder Judiciário, bem como nos dados estatísticos e estudos de caso que expõem a complexidade desse fenômeno. A estrutura do trabalho inclui a análise histórica da igualdade de gênero sob os direitos humanos, as convenções e leis que asseguram a igualdade salarial e os fatores estruturais e culturais que ainda dificultam a superação dessas desigualdades, concluindo com uma reflexão crítica sobre as possibilidades e limitações do avanço efetivo da igualdade de gênero no trabalho.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Histórico da igualdade de gênero no trabalho sob a perspectiva dos direitos humanos
A luta pela igualdade de gênero no trabalho está profundamente enraizada nos princípios dos direitos humanos. Desde a Revolução Industrial, homens e mulheres passaram a desempenhar papéis produtivos no mercado de trabalho, mas as diferenças de tratamento e remuneração sempre foram marcantes. No Brasil, essa questão começou a ganhar destaque principalmente após a Constituição de 1988, que introduziu mecanismos legais para assegurar a igualdade de direitos, conforme preconizado no artigo 5º, que trata da igualdade de todos perante a lei (BRASIL, 1988). A partir desse marco, a discussão sobre a igualdade de gênero no trabalho ganhou mais relevância na sociedade brasileira.
A história dos direitos das mulheres no trabalho passa pela luta por reconhecimento e proteção legal. O movimento feminista, nas décadas de 1960 e 1970, teve um papel crucial na visibilidade dessas questões. Durante esse período, intelectuais como Heleieth Saffioti (2013) trouxeram uma análise crítica sobre a opressão das mulheres no contexto do capitalismo, apontando para a necessidade de uma abordagem mais ampla dos direitos humanos que integrasse as demandas específicas das mulheres. Esse movimento culminou em debates nacionais e internacionais sobre igualdade de gênero, promovendo avanços significativos na legislação.
No contexto global, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 já trazia elementos que afirmavam e garantiam a concretude da igualdade de direitos e oportunidades para todos, independentemente, de gênero (ONU, 1948). No entanto, a efetivação desses salutares princípios em políticas públicas e no mercado de trabalho se afigurava como um árduo desafio durante décadas. O Brasil, alinhado a esses compromissos internacionais, implementou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), da ONU, em 1984. Indigitada convenção fortaleceu o aparato jurídico brasileiro e foi um marco importante no reconhecimento dos direitos das mulheres no trabalho (SILVA, 2011).
A participação crescente das mulheres no mercado de trabalho ao longo do século XX foi acompanhada por diversas formas de discriminação. Estudos como os de Nádia Araújo (2011) demonstram como essa discriminação estrutural ocorre, muitas vezes, de maneira velada, seja na forma de segregação ocupacional, seja por meio da remuneração desigual para funções equivalentes. As mulheres, historicamente, enfrentaram uma dupla jornada, conciliando atividades profissionais e domésticas, o que, para muitos autores, dificulta sua ascensão profissional e perpetua a desigualdade.
Além disso, autores como Ricardo Antunes (2006) destacam que, na sociedade capitalista contemporânea, a inserção feminina no mercado de trabalho continua marcada por desigualdades significativas, especialmente no que tange à divisão sexual do trabalho. A valorização das ocupações tipicamente masculinas e a desvalorização dos postos de trabalho ocupados por mulheres reforçam a disparidade salarial entre os gêneros, apesar dos avanços legais. Dessa forma, as questões de gênero no trabalho devem ser analisadas a partir de uma perspectiva interseccional, considerando também fatores como raça e classe social.
O movimento sindical também teve um papel relevante na história da igualdade de gênero no trabalho. Nos anos 1980, com a redemocratização do Brasil, houve uma pressão maior dos sindicatos para incluir as demandas das mulheres trabalhadoras nas negociações coletivas. A igualdade salarial e a proteção contra demissões arbitrárias devido à maternidade tornaram-se pontos centrais dessas negociações. Nesse sentido, as contribuições de autoras como Vilma Reis (2015) são fundamentais para entender o impacto das ações sindicais no avanço dos direitos das mulheres no trabalho.
Portanto o histórico da igualdade de gênero no trabalho no Brasil e no mundo está profundamente entrelaçado com a evolução dos direitos humanos. As legislações internacionais e nacionais, aliadas à luta dos movimentos sociais e feministas, foram fundamentais para a construção de um arcabouço jurídico que garantisse a igualdade de oportunidades e remuneração para homens e mulheres. Nada obstante, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que essa igualdade seja plenamente efetiva no cotidiano das trabalhadoras brasileiras.
2.2 Convenções internacionais e nacionais que asseguram a igualdade salarial e de oportunidades
A luta pela igualdade salarial e de oportunidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho foi impulsionada por importantes convenções internacionais e legislações nacionais. Um dos principais marcos globais é a Convenção nº 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em 1951, que trata especificamente da igualdade de remuneração entre homens e mulheres por trabalho de igual valor (OIT, 1951). Esse documento foi um avanço significativo ao propor critérios objetivos para garantir que as diferenças salariais não fossem baseadas em discriminações de gênero. O Brasil ratificou essa convenção em 1957, comprometendo-se a adotar medidas internas que assegurassem a igualdade de tratamento no mercado de trabalho.
Outro importante documento internacional que impulsionou a igualdade de gênero foi a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), adotada pela ONU em 1979. A CEDAW define diretrizes para que os países signatários implementem políticas públicas que garantam a igualdade de direitos, incluindo o acesso ao trabalho e à remuneração justa (ONU, 1979). A ratificação brasileira da CEDAW em 1984 foi fundamental para a revisão de diversas leis que reforçavam o papel subordinado da mulher no mercado de trabalho, promovendo uma maior equidade de condições para a mulher trabalhadora (SILVA, 2011).
No plano nacional, a Constituição Federal de 1988 desempenhou um papel crucial ao assegurar a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. O artigo 7º, inciso XXX, da Constituição proíbe qualquer discriminação relativa a salários e critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (BRASIL, 1988). Essa garantia constitucional reforçou a necessidade de adequar a legislação trabalhista brasileira aos compromissos internacionais já assumidos pelo Brasil. Além disso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi reformulada, ampliando a proteção à mulher no mercado de trabalho, especialmente no que tange à igualdade salarial (BRASIL, 2017).
Ademais, em 2023, foi aprovada a Lei Federal nº 14.611, conhecida como a “Lei da Igualdade Salarial”, que regulamenta a paridade de remuneração entre homens e mulheres que exercem a mesma função. A nova lei não apenas reforça a legislação existente, mas também estabelece mecanismos de fiscalização e punição para as empresas que não cumprirem as regras de igualdade salarial (GOLDENBERG; COVRE, 2023). Essa legislação foi recebida com grande expectativa, uma vez que a implementação prática das leis anteriores ainda apresentava lacunas, representando, assim, um passo fundamental para mitigar as disparidades salariais no país.
Além das convenções e legislações já mencionadas, a participação ativa do Brasil em fóruns internacionais, como as conferências mundiais sobre a mulher, tem impulsionado a adoção de políticas de promoção da igualdade. As conferências de Pequim (1995) e Nairobi (1985) foram momentos-chave em que os países signatários reafirmaram seus compromissos com a igualdade de gênero. O Plano de Ação de Pequim, por exemplo, estabeleceu metas claras para a redução da desigualdade salarial e o aumento da participação das mulheres em cargos de liderança, influenciando diretamente as políticas públicas brasileiras (SOUZA, 2018).
O impacto dessas convenções e legislações se reflete não apenas nas conquistas jurídicas, mas também nas mudanças culturais que elas provocam. A conscientização da sociedade sobre a importância da igualdade salarial cresceu nas últimas décadas, na medida em que a mídia e as organizações da sociedade civil passaram a cobrar maior transparência das empresas e do setor público em relação às suas políticas de remuneração. A análise de autores como Margarida Barreto (2014) ressalta que a igualdade de oportunidades no trabalho não se limita apenas ao salário, mas também envolve a promoção de ambientes de trabalho inclusivos e que valorizem a diversidade.
Portanto as convenções internacionais e as legislações nacionais são fundamentais para a promoção da igualdade salarial e de oportunidades no Brasil. No entanto, como indicam estudos de Lélia Gonzalez (1982), a plena efetivação desses direitos ainda enfrenta desafios, notadamente, no que diz respeito à aplicação prática dessas normas. Dessa feita, é necessário um esforço contínuo de fiscalização e conscientização para que as conquistas legais se traduzam em melhorias concretas na vida das trabalhadoras brasileiras.
2.3 Causas Estruturais e Culturais da Desigualdade Salarial
A desigualdade salarial entre homens e mulheres é um fenômeno multifacetado, cuja origem está enraizada tanto em fatores estruturais quanto culturais. A diferença salarial, também conhecida como “gender pay gap”, persiste mesmo em países que possuem legislações avançadas no campo dos direitos trabalhistas. No Brasil, essa desigualdade reflete a complexidade das interações entre o patriarcado, o capitalismo e a segregação de gênero no trabalho (ANTUNES, 2013). Para compreender plenamente as causas dessa desigualdade, é essencial examinar tanto os aspectos estruturais quanto os culturais que a sustentam.
Uma das principais causas estruturais da desigualdade salarial é a segregação ocupacional. Num enfoque histórico, as mulheres têm sido direcionadas para ocupações que são socialmente desvalorizadas, como as ligadas ao cuidado, educação infantil e serviços domésticos (SAFFIOTI, 2013). Essas áreas tendem a oferecer salários menores, independentemente da qualificação das trabalhadoras. Além disso, o conceito de “trabalho de igual valor” muitas vezes não é respeitado, o que agrava a desvalorização das profissões predominantemente femininas.
Outro fator estrutural relevante é a discriminação direta ou indireta que ocorre nos processos de contratação e promoção. Embora seja ilegal discriminar com base no gênero, as mulheres frequentemente enfrentam preconceitos implícitos que afetam suas chances de ascensão profissional e resultam em uma disparidade salarial significativa. Estudos apontam que, mesmo quando homens e mulheres têm níveis equivalentes de educação e experiência, os homens ainda tendem a receber salários mais altos (SOUZA, 2018).
A divisão sexual do trabalho também desempenha um papel central na perpetuação da desigualdade salarial. Ricardo Antunes (2013) observa que a economia capitalista moderna valoriza mais as funções exercidas predominantemente por homens, como as ligadas à tecnologia e à produção, enquanto desvaloriza as atividades associadas às mulheres, como serviços e cuidados. Essa divisão não só contribui para a disparidade salarial, mas também reforça estereótipos de gênero que dificultam a inserção das mulheres em setores mais bem remunerados.
Do ponto de vista cultural, a sociedade patriarcal impõe expectativas sobre o papel das mulheres no trabalho e em casa. O conceito de dupla jornada — em que as mulheres são responsáveis tanto pelo trabalho remunerado quanto pelo trabalho doméstico não remunerado — é um fator que limita as oportunidades de ascensão profissional para muitas mulheres (FREIRE, 2015). A cultura do cuidado, que associa a mulher à maternidade e ao cuidado da casa, perpetua a ideia de que elas são menos comprometidas com o mercado de trabalho, resultando em discriminação salarial velada.
A maternidade, em particular, é frequentemente utilizada como justificativa para a disparidade salarial. Muitos empregadores, mesmo de forma inconsciente, consideram as mulheres em idade fértil como uma “ameaça” à produtividade, temendo que elas venham a se ausentar devido à licença maternidade. Esse fenômeno, conhecido como “penalidade da maternidade”, é uma das principais razões pelas quais as mulheres são menos propensas a serem promovidas ou a receberem aumentos salariais em comparação com seus colegas homens (GONZALEZ, 1982).
Além disso, a falta de políticas públicas eficazes para lidar com a desigualdade de gênero no mercado de trabalho agrava a situação. Embora o Brasil tenha adotado leis que promovem a igualdade salarial, como a recente Lei nº 14.611/2023, a implementação dessas políticas enfrenta barreiras, principalmente na fiscalização e na aplicação das sanções para as empresas que descumprem a lei (GOLDENBERG; COVRE, 2023). Sem mecanismos rigorosos de controle, as disparidades salariais tendem a persistir.
Portanto, a desigualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil é resultado de uma combinação de fatores estruturais e culturais. Para enfrentar esse problema, é essencial que as políticas públicas abordem tanto a segregação ocupacional quanto os estereótipos de gênero que continuam a influenciar a forma como o trabalho das mulheres é valorizado.
2.4 Estudos de Caso e Dados Estatísticos sobre a Diferença Salarial entre Homens e Mulheres
A análise de estudos de caso e dados estatísticos sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres revela um cenário preocupante, tanto no Brasil quanto em outros países. Mesmo com os avanços legais e a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, a diferença salarial persiste. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, as mulheres no Brasil ganhavam, em média, 78% do que os homens recebiam em cargos semelhantes (IBGE, 2020). Esse dado confirma que, embora existam esforços para reduzir essa diferença, ela ainda está profundamente enraizada em fatores culturais e estruturais.
Um dos principais estudos de caso realizados no Brasil foi conduzido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), que analisou a desigualdade salarial entre homens e mulheres em diferentes setores econômicos. O estudo constatou que a diferença salarial era mais acentuada em setores como a tecnologia da informação e finanças, onde os homens dominam os cargos de liderança e gerência. Nessas áreas, as mulheres chegam a ganhar até 40% menos do que os homens, mesmo com qualificações equivalentes (FIPE, 2018). Esse estudo demonstra que a segregação ocupacional e a falta de acesso das mulheres a posições de liderança são fatores cruciais na perpetuação da desigualdade salarial.
Outro estudo importante foi conduzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), que analisou a desigualdade salarial no setor público e privado. O estudo revelou que, no setor privado, a diferença salarial é maior, com as mulheres recebendo, em média, 75% do salário dos homens em cargos equivalentes. No setor público, embora a diferença ainda exista, ela é menos acentuada, com as mulheres ganhando cerca de 90% do salário dos homens (DIEESE, 2019). Isso sugere que a presença de regras mais rígidas e maior transparência no setor público ajuda a reduzir a disparidade salarial, embora ainda não a elimine completamente.
Em termos globais, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou um estudo em 2019 que apontou que a diferença salarial entre homens e mulheres é um fenômeno universal, presente em todas as economias do mundo, independentemente do nível de desenvolvimento econômico. O relatório da OIT destacou que a diferença salarial global era de 20%, com variações dependendo da região. Nos países desenvolvidos, a diferença era de cerca de 16%, enquanto nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a disparidade chegava a 23% (OIT, 2019). O estudo também indicou que a maternidade é um dos principais fatores que afetam negativamente os salários das mulheres, uma vez que muitas se afastam temporariamente do mercado de trabalho e enfrentam dificuldades para retornar às mesmas condições de antes.
No Brasil, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) reforçam essa questão, mostrando que as mulheres com filhos têm maiores dificuldades para avançar em suas carreiras e, muitas vezes, acabam aceitando trabalhos menos qualificados e com remuneração inferior. Isso está diretamente relacionado à falta de políticas públicas eficazes de apoio à maternidade e à conciliação entre trabalho e vida familiar (PNAD, 2020). Além disso, o fenômeno da “penalidade da maternidade” também é observado nos setores mais informais da economia, onde as trabalhadoras têm pouca ou nenhuma proteção social.
Um estudo de caso específico sobre a diferença salarial na área da educação realizado pela Universidade de São Paulo (USP) também chamou a atenção para a disparidade nos salários de professores homens e mulheres. O estudo revelou que, embora as mulheres constituam a maioria dos profissionais da educação básica, seus salários são, em média, 15% menores do que os dos homens, mesmo quando ocupam cargos equivalentes (USP, 2019). Esse dado é alarmante, considerando que a educação é um setor historicamente associado às mulheres, o que demonstra que a desigualdade de gênero persiste mesmo em áreas onde as mulheres são numericamente predominantes.
Estudos de caso como esses são fundamentais para evidenciar a profundidade da desigualdade salarial e para subsidiar a criação de políticas públicas que possam combater efetivamente essas disparidades. No entanto, como apontam autores como Margarida Barreto (2014), o sucesso dessas políticas depende não apenas de leis, mas também de mudanças culturais e sociais que transformem as percepções sobre o papel das mulheres no mercado de trabalho.
Resulta incontroverso, pelo exposto, que os dados estatísticos e os estudos de caso realizados até agora mostram que, embora existam leis e regulamentações que busquem garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres, há uma lacuna significativa entre a legislação e a realidade. A desigualdade salarial é um reflexo das barreiras estruturais e culturais que limitam as oportunidades das mulheres, e para combatê-la é necessário um esforço contínuo e articulado entre o governo, as empresas e a sociedade civil
3. Capítulo 3 – Análise Crítica da Jurisprudência sobre Igualdade Salarial
3.1 Introdução à Análise Jurisprudencial
A análise da jurisprudência brasileira revela os avanços e desafios no que tange à aplicação prática da igualdade salarial entre homens e mulheres, especialmente no contexto da discriminação de gênero. Este subcapítulo explora decisões importantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), evidenciando como os tribunais têm interpretado leis como a Lei da Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023) e princípios constitucionais para garantir os direitos humanos.
Historicamente, a igualdade salarial no Brasil passou a ser fortalecida após a Constituição de 1988, que introduziu garantias no artigo 7º, inciso XXX, proibindo qualquer discriminação em salários e admissão (BRASIL, 1988). No entanto, o processo de efetivação desses direitos nem sempre ocorre de maneira uniforme. A jurisprudência, portanto, tem o papel de consolidar esses direitos ao aplicá-los em casos concretos, possibilitando um avanço progressivo para a igualdade de gênero.
Como enfatiza Carvalho (2015, p. 120), “o papel da jurisprudência é fundamental para interpretar e consolidar direitos sociais em uma sociedade que busca a justiça”. Este capítulo, assim, analisa como a jurisprudência vem interpretando e aplicando as normas de igualdade salarial no Brasil, discutindo ainda as implicações e limitações dessas decisões para a efetivação dos direitos humanos no país.
3.2 Decisões Significativas no STF e STJ
As decisões do STF e do STJ são fundamentais para a interpretação e aplicação das normas de igualdade salarial. No Recurso Extraordinário (RE) 576967, por exemplo, o STF reafirmou a necessidade de equiparação salarial entre gêneros, considerando o princípio da igualdade previsto na Constituição (STF, RE 576967, 2021). Essa decisão destaca a obrigatoriedade de igualdade de remuneração para funções de igual valor, estabelecendo um marco na proteção contra a discriminação de gênero.
A jurisprudência do STJ também apresenta casos relevantes, como no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1728027, onde foi determinado que a ausência de uma justificativa legítima para a diferença salarial entre homens e mulheres configura violação dos direitos fundamentais, assegurando, assim, a equiparação salarial. Conforme destacam Antunes e Silva (2018, p. 212), “o STJ tem sido uma peça-chave na aplicação concreta dos princípios constitucionais, fortalecendo a igualdade material entre homens e mulheres”.
Essas decisões revelam o compromisso dos tribunais superiores com a igualdade de gênero no trabalho, mas evidenciam também os desafios na aplicação prática das leis, uma vez que muitos casos ainda esbarram na resistência cultural e em lacunas na fiscalização.
A jurisprudência no Brasil tem identificado práticas de discriminação de gênero velada, especialmente relacionadas à penalidade da maternidade. Em julgamentos recentes, o STF condenou empresas por práticas discriminatórias que limitavam a ascensão profissional de mulheres em idade fértil, alegando a “potencial ausência” devido à maternidade. Esses casos ilustram um padrão discriminatório subjacente e demonstram a importância de decisões jurídicas que coíbam tais práticas.
No julgamento do Habeas Corpus 161965, o STF estabeleceu que a discriminação contra mulheres em virtude da maternidade infringe diretamente os princípios da igualdade e da dignidade humana, conforme previsto na Constituição. “A jurisprudência desempenha um papel crucial ao interpretar a igualdade em seu aspecto mais abrangente, incluindo o direito das mulheres de exercerem sua maternidade sem penalidades” (ARAÚJO, 2017, p. 95).
Esses casos refletem uma mudança de paradigma, onde o enfoque é dado à igualdade material, buscando não apenas a igualdade formal na legislação, mas sua aplicação prática no cotidiano das relações de trabalho.
A Lei nº 14.611/2023, também conhecida como Lei da Igualdade Salarial, trouxe novas diretrizes para a igualdade de remuneração entre gêneros no Brasil. Em decisões recentes, o STJ vem aplicando essa lei em casos de equiparação salarial, reforçando a necessidade de comprovação objetiva de trabalho de igual valor para a concessão do benefício da igualdade salarial.
No julgamento do REsp 1649268, o STJ determinou que empresas devem demonstrar, de forma clara, a justificativa para eventuais diferenças salariais, em conformidade com a nova legislação (STJ, REsp 1649268, 2023). Como expõe Souza (2023, p. 134), “a Lei da Igualdade Salarial tem sido fundamental para estabelecer parâmetros objetivos de remuneração, visando eliminar discriminações de gênero enraizadas no mercado de trabalho”.
Essa nova legislação representa um avanço no combate à desigualdade salarial, mas ainda enfrenta obstáculos em sua plena aplicação, sobretudo no que se refere à fiscalização das práticas das empresas no setor privado.
3.3 Impactos e Limitações da Jurisprudência no Brasil
Apesar dos avanços, as limitações da jurisprudência no campo da igualdade salarial são evidentes. A implementação das decisões judiciais encontra resistência em diferentes setores, sendo muitas vezes dificultada pela falta de mecanismos eficazes de fiscalização e punição para as empresas que praticam discriminação salarial.
Estudos de Barreto (2019) sugerem que “a efetividade da jurisprudência depende da conjugação de esforços entre o Poder Judiciário e as instituições de fiscalização” (p. 58). Barreto critica ainda a falta de um sistema de monitoramento adequado que garanta o cumprimento das decisões judiciais em favor da igualdade salarial, destacando a importância de políticas públicas que reforcem a aplicabilidade prática das decisões.
Assim observa-se que, embora a jurisprudência desempenhe um papel importante na promoção da igualdade de gênero, ela ainda não é suficiente para garantir a eliminação da discriminação salarial, exigindo ações mais robustas e coordenadas.
A análise comparativa com jurisprudências de outros países, como Estados Unidos e países da União Europeia, mostra que o Brasil tem avançado na equiparação salarial, mas ainda enfrenta desafios na aplicação prática das leis. Nos Estados Unidos, por exemplo, a jurisprudência consolidada em torno do Civil Rights Act de 1964 estabelece que a discriminação de gênero nas relações de trabalho é uma violação direta dos direitos civis, com sanções mais rígidas para as empresas.
Gonzalez (2022, p. 185) observa que “a experiência internacional indica a importância de mecanismos sancionatórios eficazes e transparentes, que garantam o cumprimento da legislação sobre igualdade salarial”. Esses exemplos internacionais demonstram que, além da jurisprudência, são necessárias políticas integradas para efetivar a igualdade de gênero no trabalho.
Esse capítulo revelou a importância da jurisprudência na luta pela igualdade salarial no Brasil, destacando os avanços significativos das decisões judiciais na promoção dos direitos humanos. Entretanto, também ficou claro que ainda existem desafios a serem superados para que a legislação de igualdade salarial seja plenamente efetiva.
Como argumenta Reis (2024, p. 210), “o caminho para a igualdade de gênero no trabalho exige mais do que apenas decisões judiciais; requer uma mudança cultural e estrutural em toda a sociedade”. Portanto, a jurisprudência deve ser complementada por esforços institucionais e sociais para que a igualdade salarial seja verdadeiramente garantida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo aprofundou-se nos desafios e nas conquistas da luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres sob a perspectiva dos direitos humanos. Desde a Revolução Industrial até os dias atuais, a inserção das mulheres no mercado de trabalho tem sido marcada por discriminações e diferenças salariais, refletindo tanto fatores históricos quanto culturais. A análise histórica e jurídica demonstra que, embora o Brasil tenha adotado legislações e convenções internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e a recente Lei nº 14.611/2023, os desafios para a efetivação desses direitos permanecem consideráveis.
Os estudos de caso e dados estatísticos analisados revelam que, apesar dos avanços legislativos e das ações de conscientização, a diferença salarial entre homens e mulheres persiste. Sob uma ótica quantitativa, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020) mostra que as mulheres continuam ganhando, em média, 78% do que os homens em cargos equivalentes. Essa disparidade é sustentada por barreiras estruturais e culturais, como a segregação ocupacional, a penalidade da maternidade e os estereótipos de gênero, que afetam a forma como o trabalho feminino é valorizado na sociedade.
A jurisprudência brasileira tem desempenhado um papel relevante ao garantir a interpretação e aplicação das normas de igualdade salarial. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como no caso do Recurso Extraordinário 576967, reforçam o compromisso do Judiciário com a eliminação das desigualdades salariais. No entanto, como observa Souza (2018), “a eficácia das decisões judiciais depende de uma fiscalização rigorosa e de políticas públicas que ampliem o alcance prático dessas normas” (p. 134).
Além disso, como expõe Antunes (2013), é necessária uma abordagem interseccional que considere fatores como raça e classe, ampliando a análise das desigualdades e suas causas. Essas condições estruturais destacam que a plena igualdade de gênero requer não apenas legislações e convenções, mas também mudanças culturais profundas que promovam a valorização e o respeito pelo trabalho feminino em todos os setores.
Por fim, a construção de um mercado de trabalho igualitário depende de uma ação coordenada entre políticas públicas, fiscalização, jurisprudência e engajamento da sociedade civil. Somente com o esforço conjunto de todas essas esferas será possível reduzir a lacuna entre os direitos assegurados em lei e a realidade das trabalhadoras brasileiras, promovendo, assim, um mercado de trabalho mais justo e equitativo
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1 Advogado, Santos, Estado de São Paulo, Brasi
Orcid: https://orcid.org/ HYPERLINK “https://orcid.org/0009-0001-5923-5838″0009-0001-5923-5838
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