UMA ABORDAGEM ACERCA DO CONTEXTO DIS DIVERSOS DETERMINANTES AO DESENVOLVIMENTO DE ÚLCERAS GENITAIS

AN APPROACH TO THE DIFFERENT CONTEXT DETERMINING THE DEVELOPMENT OF GENITAL ULCERS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411011047


Julia Schmidt Corvo1
Fernanda Cechinato Ferreira2
Helena Ferreira De Lima Lopes3
Amanda Amancio da Silva4
Julia Froldi Pereira5
Gabriel Azinheira Miguel6
Giovane Fornazari Flores7
Mariana de Oliveira Ribeiro8
Nelson Pinto Gomes9
Rejane Andrade Machado10


Resumo

Atualmente, estima-se que as úlceras genitais podem ser causadas por inúmeras e distintas causas. No entanto, são vulgarmente limitadas a etiologia de infecção por via sexual. Quando estas se manifestam no grupo infantil, idosos e demais contextos que descartam a transmissão por via sexual.Torna-se obrigatório e ao mesmo tempo trabalhoso, sendo fundamental para a condução adequada da doença. O seguinte artigo objetiva descrever os principais determinantes ao desenvolvimento de úlceras genitais junto às principais manifestações clínicas.

Palavraschaves: Ulceras genitais; infecções sexualmente transmissíveis; manifestações sistêmicas das ulceras genitais.

Abstract

Currently, it is estimated that genital ulcers can be caused by numerous and distinct causes. However, they are commonly limited to the etiology of sexual infection. When these manifest themselves in children, the elderly and other contexts that rule out sexual transmission. It becomes mandatory and at the same time laborious, being fundamental for the proper management of the disease. The following article aims to describe the main determinants of the development of genital ulcers along with the main clinical manifestations.

Keywords: Ulceras genitais; infecções sexualmente transmissíveis; manifestações sistêmicas das ulceras genitais.

Introdução

Úlceras genitais correspondem a injúrias a integridade  tissular epitelial, com envolvimento da epiderme e derme, ou somente a epiderme, localizadas na vulva e/ou vagina e/ou colo uterino.

As úlceras genitais femininas são consideradas sinais de alarme pois, podem ser a manifestação pioneira de muitas patologias e são produto da necrose tecidual devido à injúria celular oriunda dos processos inflamatórios e isquêmicos focais intensos.

Atualmente, as úlceras genitais são responsáveis por elevada preocupação dos programas de saúde mundiais, não apenas pelo desconforto físico inerente à doença, mas também por estarem intimamente associadas com elevadas taxas de transmissão e aquisição de demais infecções sexualmente transmissíveis, em especial o vírus da imunodeficiência humana (HIV).

O seguinte artigo objetivou descrever acerca dos caracteres mais importantes a cerca das úlceras genitais, para o correto diagnóstico e tratamento destas afecções, visto que podem provocar grandes morbidades para os pacientes, além de ser um problema de saúde pública.

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo de revisão narrativa, adequado para debater sobre os aspectos patológicos das úlceras, desmistificando a exclusividade da via sexual neste processo, visando o melhor prognóstico do portador. É composto por uma análise abrangente da literatura, a qual o método baseou-se por ser uma análise bibliográfica, foram recuperados artigos indexados nas bases de dados do PubMed, Lilacs, SciELO, Latindex e demais literaturas pertinentes a temática, durante o mês de outubro  de 2024, tendo como período de referência os últimos 15 anos.

Foram utilizados os termos de indexação ou descritores: úlceras genitais, infecções sexualmente transmissíveis, erosões,  úlceras dolorosas, úlceras indolores, infecções e não infecciosas, isolados ou de forma combinada. O critério eleito para inclusão das publicações era ter as expressões utilizadas nas buscas no título ou palavras-chave, ou ter explícito no resumo que o texto se relaciona aos aspectos vinculados ás informações pertinentes das úlceras genitais. Os artigos excluídos não continham o critério de inclusão estabelecido e/ou apresentavam duplicidade, ou seja, publicações restauradas em mais de uma das bases de dados. Também foram excluídas dissertações e teses. Após terem sido recuperadas as informações-alvo, foi conduzida, inicialmente, a leitura dos títulos e resumos. Posteriormente, foi realizada a leitura completa dos 20 textos. Como eixos de análise, buscou-se inicialmente classificar os estudos quanto às particularidades da amostragem, delimitando aqueles cujas amostras são das úlceras infecciosas, sendo estas delimitadas em dolorosas ou não; úlceras não infecciosas e aqueles cujas amostras são das doenças sistêmicas e os acometimentos clínicos. A partir daí, prosseguiu-se com a análise da fundamentação teórica dos estudos, bem como a observação das características gerais dos artigos, tais como ano de publicação e língua, seguido de seus objetivos. Por fim, realizou-se a apreciação da metodologia utilizada, resultados obtidos e discussão.

Resultados e  Discussão

CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA

As úlceras genitais podem ser classificadas em infecciosas e não infecciosas. O primeiro grupo, por sua vez, pode ser dividido em outros dois: úlcera de causa sexualmente transmissível (IST) e não sexualmente transmissível (não IST).

Em mulheres na menacme, isto é, durante a vida reprodutiva, as úlceras de transmissão sexual são mais frequentes. Já em crianças e idosos, predominam outros tipos de infecção, ou mesmo doenças inflamatórias, autoimunes e neoplásicas.

ETIOLOGIA DAS ÚLCERAS INFECCIOSAS

IST                                                            NÃO IST

Cancro duro (sífilis)                        Salmonelose

Cancro mole (cancroide)            Citomegalovírus

Herpes.                                                 Epstein-Barr

Donovanose (granuloma inguinal)      Influenza A

Linfogranuloma venéreo.                      Tuberculose

ETIOLOGIA DAS ÚLCERAS NÃO INFECCIOSAS

Doença de Behçet

Doença de Crohn

Úlcera de Lipschütz

Aftose bipolar de Newman

Neoplasia intraepitelial vulvar

Neoplasia invasora

Líquen plano erosivo

Traumas

Reações a drogas (doença de Steven-Johnson)

Doenças vesicobolhosas da pele

Síndrome de Reiter

Retocolite ulcerativa

Dermatose por IgA linear

Hidradenite supurativa

Idiopáticas

ÚLCERAS INFECCIOSAS DE CAUSA SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL

 SÍFILIS

A sífilis é uma doença infecciosa sistêmica, sexualmente transmissível e de evolução crônica, causada pela bactéria Treponema pallidum.

Classicamente , manifesta-se como úlcera genital, o cancro duro ou protossifiloma (sífilis primária). Trata-se de uma úlcera indolor (ou pouco dolorosa), em geral única, com fundo limpo, secreção serosa escassa e bordas endurecidas

Geralmente passa despercebida, mas está localizada em pequenos e grandes lábios, paredes vaginais e colo. Ocorre linfadenopatia regional móvel, indolor, múltipla e que não fistuliza. No geral, a adenopatia também cursa sem alardes.

A lesão aparece de 10-90 dias após exposição sexual (média de três semanas) altamente infectante, abundante em treponemas, que podem ser vistos ao microscópio óptico com campo escuro. O cancro costuma desaparecer espontaneamente entre três a quatro semanas, sem deixar cicatrizes. Destaca-se que este seja o principal determinante para postergação terapêutica e exacerbação patológica.

O tratamento padrão da sífilis primária, secundária e latente recente (menos de um ano de evolução) deve ser feito com penicilina

Benzatina 2,4 milhões de unidades IM, em dose única (1,2 milhão UI em cada glúteo). Como opções, podem ser usados:

• Eritromicina (estearato ou estolato) 500 mg, VO, 6/6h, por 15 dias.

• Tetraciclina 500 mg, VO, 6/6h, por 14 dia (CDC 2021).

• Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, por 15 dias (esquema do MS).

• Ceftriaxona 1g IM ou EV por dia, por 10 dias (CDC 2021).

• Azitromicina 1g, VO, dose única por semana, por 2-3 semanas (O CDC contraindica esse regime devido à resistência bacteriana nos EUA).

Deve ser realizado o tratamento de todas as parcerias dos últimos 90 dias.

A sífilis secundária e a sífilis tardia não costumam apresentar ulceração, contudo podem se manifestar com lesões genitais, denominados condiloma plano.

As lesões são pápulas hipertróficas, planas, levemente róseas ou cinzentas nas articulações mucocutâneas e em áreas úmidas da pele. Essas lesões planas da sífilis secundária podem ulcerar. Habitualmente, o condiloma plano (sífilis secundária) localiza-se na área genital devido a umidade, oclusão e trauma.

CANCRO MOLE

O cancro mole, popularmente chamado de  cancroide, cancrela, cancro venéreo, úlcera mole ou cancro de Ducrey e cavalo, é uma infecção sexualmente transmissível causada pela bactéria Gram-negativa Haemophilus ducreyi. A bactéria adentra os tecidos através de microabrasões cutâneas. Tem período de incubação curto, de três a cinco dias (máximo de duas semanas) e, logo após, surgem pápulas que se rompem rapidamente e formam úlceras múltiplas, rasas, dolorosas, com fundo sujo, purulento e bordas irregulares, que facilmente sangram ao toque. As lesões, em geral, localizam-se em fúrcula ou na face interna de pequenos lábios, são muito contagiosas e autoinoculáveis.

Em 50% dos casos, pode existir linfadenopatia dolorosa (mais comum no sexo masculino), sendo unilaterais em 2/3 dos casos, que evoluem para fistulização em orifício único.

As lesões são múltiplas e com fundo sujo. Cerca de 10% dos casos, há coinfecção de sífilis e cancro mole, chamada de cancro misto de Rollet.

Diagnóstico

Microscopia direta (Gram): mostra a presença dos cocobacilos Gram-negativos dispostos em “cardume de peixe”, em “impressão digital”.

Em paliçada ou em cadeias isoladas;  microscopia direta mostrando Haemophilus ducreyi

Cultura: a partir da úlcera ou do aspirado ganglionar. Tem sensibilidade <80%.

PCR multiplex: maior sensibilidade, mas não disponível comercialmente.

 A biópsia não é recomendada, pois não confirma a doença.

Devem ser tomadas medidas de higiene local nas úlceras. As opções terapêuticas, segundo o CDC (2021) e o Ministério da Saúde (2022) são:

MEDICAÇÃO

1ª opção: azitromicina 1g, dose única Pode ser utilizado em gestantes

2ª opção: ceftriaxona 250mg, IM, dose única Pode ser utilizado em gestantes

2ª opção: ciprofloxacino 500mg, VO, de 12/12h, por 3 dias Contraindicado em gestantes

Eritromicina (estearato ou estolato) 500mg, VO, de 8/8h, por 7 dias; apenas recomendado pelo CDC Estearato de eritromicina; pode ser utilizado em gestantes

O tratamento dos parceiros sexuais nos 10 dias anteriores ao aparecimento da úlcera é recomendado, mesmo que não haja doença clínica evidente.

A paciente deve ser rastreada para outras infecções sexualmente transmissíveis no momento do diagnóstico e 3 meses após o tratamento.

HERPES GENITAIS

O herpes genital é uma IST oriunda do herpes simples vírus (HSV) tipos 1 e 2, pertencentes à família Herpesviridae. Anteriormente, a maioria das infecções genitais era causada pelo HSV-2, e o HSV-1 estava mais relacionado à infecção orolabial. Atualmente, a prevalência de HSV-1 na infecção genital está aumentando devido à pratica de sexo oral. O HSV é a principal causa de úlcera genital, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.

O período de incubação varia de 2 a 26 dias, com média de 7 dias. A primoinfecção herpética é assintomática em 75% dos casos e pode ou não ter pródromos, como aumento de sensibilidade, formigamento, mialgias ou prurido. Existe replicação viral e risco de transmissão mesmo em casos sem evidência clínica da infecção.

Nos casos sintomáticos (cerca de 25%), a lesão genital primária tende a ser mais grave e pode durar até 3 semanas. Inicialmente, formam-se pápulas eritematosas, seguidas por múltiplas vesículas dolorosas com conteúdo citrino, que se rompem dando origem a ulcerações. As úlceras são rasas, por isso também são chamadas de exulcerações. As localizações mais comuns são os pequenos lábios, clitóris, grandes lábios, fúrcula e colo uterino. Em 50% dos casos, ocorre linfadenopatia inguinal dolorosa. Quando ocorrem lesões no colo uterino (geralmente na primoinfecção), podem estar associadas a corrimento vaginal aquoso ou até sanguinolento.

Após a infecção primária, o vírus ascende pelos nervos periféricos sensoriais, penetra nos núcleos das células ganglionares e entra em latência. No caso do HSV-2, a latência ocorre nos gânglios sacrais. Já no HSV-1, a latência ocorre nos gânglios do nervo trigêmeo.

Após a infecção primária, uma parte dos pacientes desenvolverá novos episódios por reativação do vírus (90% dos pacientes com HSV-2 e 60% com HSV-1). A recorrência está associada a fatores desencadeantes, como febre, estresse, radiação ultravioleta, imunodeficiência, traumatismos etc. Os episódios de recorrência são mais leves, geralmente nos mesmos locais das lesões anteriores, durando em torno de 2-10 dias e precedidos de pródromos, como queimação, aumento de sensibilidade e prurido. As úlceras cicatrizam independentemente de tratamento

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico deve ser feito essencialmente pela apresentação clínica das lesões, mas os seguintes exames podem ser realizados:

• Cultura de secreção: a cultura viral é o método padrão-ouro devido à alta especificidade, mas é raramente utilizada, pois a sensibilidade diminui com a duração da lesão.

• PCR em material da lesão: método de preferência, caso a opção seja o exame complementar.

Tratamento

Não existe tratamento curativo para herpes. Os antivirais controlam os sintomas da doença e encurtam a duração das lesões, mas não alteram a frequência ou severidade das recorrências, exceto se usados em profilaxia diária. Devem ser iniciados, de preferência, ainda nos pródromos  a terapia supressiva está indicada quando a paciente tem 6 ou mais surtos por ano e deve ser mantida por, no mínimo, 6 meses.

Têm se os seguintes remédios aciclovir; fanciclovir e valaciclovir. A posologia destes variam conforme o estágio de primoinfecção, recorrência e terapia de supressão

HERPES E IMUNOSSUPRIMIDOS

Pacientes imunocomprometidos podem ter episódios mais severos e prolongados de herpes. Nas pacientes HIV positivas, as lesões herpéticas são comuns e podem ser mais dolorosas e de apresentação atípica, com tendência à cronicidade. Em casos de lesões extensas em pacientes imunossuprimidos, pode-se optar pelo tratamento endovenoso com aciclovir 5-10 mg/kg de  peso, EV, de 8/8h, por 5 a 7 dias, ou até a resolução clínica.

DONOVANOSE

Também conhecida como granuloma inguinal, úlcera serpiginosa e granuloma esclerosante, a donovanose é uma IST crônica progressiva causada pela bactéria Gram-negativa Klebsiella. É uma patologia de baixa transmissibilidade. Seus mecanismos de transmissão não são bem conhecidos, mas é associada à via sexual.

O período de incubação é bastante variável, de 1 a 360 dias. Surgem lesões em regiões cutâneas e mucosas da genitália e região anal, perianal ou inguinal, que se iniciam como pápulas ou nódulos subcutâneos indolores, que aumentam de tamanho e necrosam, formando úlceras indolores de bordas hipertróficas, com fundo granuloso, de aspecto vermelho vivo e de sangramento fácil. A ulceração evolui lenta e progressivamente, podendo tornar-se vegetante ou úlcero-vegetantes. As lesões são múltiplas, frequentemente assumindo “configuração em espelho”. Não há adenite, porém raramente podem formar-se pseudobubões na região inguinal.

 DIAGNÓSTICO

Em toda úlcera de evolução acima de quatro semanas, sem resposta ao tratamento das úlceras genitais não vesiculares mais frequentes (sífilis e cancro mole), deve ser considerada a hipótese de donovanose e causas neoplásicas.  Sendo assim, a biópsia deve ser realizada.

O diagnóstico pode ser confirmado por:

• Esfregaço e/ou biópsia das lesões: coleta do material de granulação para busca dos corpúsculos de Donovan (bactérias no interior de macrófagos com forma em “alfinete de dama”).                              

TRATAMENTO

PRIMEIRA OPÇÃO ALTERNATIVA

Azitromicina 500mg, 2 Comprimidos, VO, 1x/semana, por pelo menos três semanas ou até cicatrização das lesões

Doxiciclina 100mg, VO, de 12/12h, por pelo menos 21 dias ou até o desaparecimento das lesões

Ciprofloxacino 750mg, VO, 12/12H, por pelo menos 21 dias ou até o desaparecimento das lesões

Sulfametoxazol-trimetoprim (400/80mg), 2 comprimidos, VO, 2x/dia, por no mínimo 3 semanas, ou até a cicatrização das lesões não havendo resposta na aparência da lesão nos primeiros dias de tratamento com ciprofloxacino, recomenda-se adicionar um aminoglicosídeo, como a gentamicina, 1mg/kg/dia, EV, 3x/dia, por pelo menos três semanas ou até cicatrização das lesões.

O critério de cura é o desaparecimento da lesão, não tendo sido relatada infecção congênita. As sequelas da destruição tecidual ou obstrução linfática podem exigir correção cirúrgica. Devida à baixa infectividade, não é necessário tratar as parcerias sexuais.

 LINFOGRANULOMA VENÉREO

O linfogranuloma venéreo (LGV) é uma doença infecciosa de transmissão exclusivamente sexual, também conhecida como doença de Nicolas-Favre, doença de Frei, linfadenopatia venérea e bubão climático. É causada pelos sorotipos L1, L2 e L3 da Chlamydia trachomatis.

O período de incubação é de 4-30 dias, com média de 7 dias. A evolução da doença ocorre em 3 fases: primária (lesões precoces), secundária (disseminação linfática regional) e terciária (sequelas ou síndrome anogenital), que são descritas a seguir:

• Fase primária: pápula, pústula, exulceração ou erosão, indolor, muitas vezes imperceptível e desaparece sem deixar sequelas. Nesse estágio, pode ocorrer corrimento uretral ou cervical. Na mulher, a lesão localiza-se na parede vaginal posterior, no colo do útero, na fúrcula ou em outras partes da genitália externa. No homem, ocorre no sulco coronal, frênulo e prepúcio.

• Fase secundária: ocorre disseminação linfática regional e aparece a manifestação clínica mais comum da doença, linfadenopatia inguinal ou femoral, geralmente unilateral e dolorosa. No homem, acomete linfonodos inguinais, os quais se desenvolvem uma a seis semanas após a lesão inicial e são unilaterais em 70% dos casos. Na mulher, o acometimento dos linfonodos é variável, dependendo do local de inoculação. Ocorre também a formação de abscessos necrosantes. Os linfonodos fistulizam por orifícios múltiplos, no padrão característico de “bico de regador”. Essa fase pode ser acompanhada de sintomas gerais inespecíficos: febre, mal-estar, anorexia, emagrecimento, cefaleia, vômitos, artralgia, sudorese noturna e hepatoesplenomegalia.

 DIAGNÓSTICO

Deve ser levantada a hipótese de LGV em toda paciente com adenite inguinal e elefantíase genital. Comprovação laboratorial não é feita rotineiramente. Os testes que podem ser realizados são:

• Swabs genitais ou aspirados de linfonodos para pesquisa de C. trachomatis.

• Teste de Frei: inoculação intradérmica do microrganismo morto. Atualmente tem apenas valor histórico. É considerado positivo se houver surgimento de nódulo com halo eritematoso >5mm após 48-72h.

• Sorologia: positiva não somente nos casos de LGV, mas também em todas as outras infecções causadas pela clamídia, como uretrites, cervicites e tracoma.

• Imunofluorescência: detecta anticorpos IgM e IgG. Não utilizada na rotina comercial. Títulos de IgG> 1:128 sugerem LGV. Não distingue a infecção causada pelos diferentes sorotipos de clamídia. Para isso, pode ser feita a cultura tecidual, usando-se a cepa HeLa-229 ou célula de McCoy, que não é amplamente disponível.

 TRATAMENTO

Seguem abaixo as opções terapêuticas, segundo orientação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis:

PRIMEIRA OPÇÃO

Doxiciclina 100mg, VO, de 12/12h, por 21 dias

Azitromicina 500mg, 2 cp, VO, 1x/semana, por 3 semanas (esquema preferencial para gestantes)

As parcerias sexuais devem ser tratadas; se sintomáticas: tratar igual caso índice; e se assintomáticas: azitromicina 500mg, 2 cp, VO, dose única ou doxiciclina 100mg, VO, de 12/12h, por 7 dias.

Os bubões que se tornarem flutuantes podem ser aspirados com agulha calibrosa, não devendo ser incisados cirurgicamente (risco de fístulas). A recomendação do CDC (2021) é doxiciclina como primeira opção (na dosagem acima) e inclui a eritromicina 500mg, VO, de 6/6h por 21 dias, como alternativa.

 ÚLCERAS INFECCIOSAS DE CAUSA NÃO SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL

Diversos agentes infecciosos não relacionados com as ISTs podem causar úlceras genitais, entretanto são raros, mas devem ser lembrados como diagnóstico diferencial:

• As úlceras associadas ao vírus Epstein-Barr podem ser únicas ou múltiplas, muito dolorosas, profundas, vermelho-púrpura, acometendo, em geral, meninas adolescentes. É associada com sintomas sistêmicos (característicos de mononucleose infecciosa) e linfadenopatia inguinal

• A tuberculose vulvar apresenta quadro clínico inespecífico e diagnóstico tardio. Corresponde a menos de 2% dos casos de tuberculose genital e, em muitos casos, coexiste com a tuberculose pulmonar.

• As lesões mucocutâneas causadas pelo citomegalovírus são raras. Podem ser úlceras, vesículas, máculas purpúricas ou pápulas eritematosas.

ÚLCERAS NÃO INFECCIOSAS

As úlceras genitais podem ser manifestações clínicas de doenças sistêmicas e inerentes ao trato genital inferior, porém de causa pulmonar não infecciosa.

ÚLCERA DE LIPSCHÜTZ

Também conhecida como úlcera vulvar aguda, é caracterizada por úlceras genitais dolorosas, febre e linfadenopatia. Ocorrem mais comumente em adolescentes e mulheres jovens, em geral, virgens.

A etiologia ainda é desconhecida, mas parece estar relacionada a infecções virais, como citomegalovírus e Epstein-Barr, pois as pacientes apresentam um quadro de febre, odinofagia e mialgia anterior ao aparecimento da lesão. Ocorrem úlceras necróticas, profundas e dolorosas, geralmente na face interna de pequenos lábios que cicatrizam espontaneamente dentro de 4-6 semanas. O tratamento deve ser com sintomáticos, podendo ser utilizados corticoides tópicos e sistêmicos.

DOENÇA DE CROHN

A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória crônica transmural que pode atingir qualquer região do trato gastrointestinal. O acometimento vulvar e perineal da DC é pouco frequente. Pode ocorrer por extensão direta do acometimento intestinal ou de forma não contígua, ou seja, sem nenhuma ligação entre vulva e intestino. As lesões vulvares iniciam com eritema, edema, prurido ou dor e evoluem para massa vulvar, ulceração ou formação de abscesso. As lesões patognomônicas dessa doença na vulva são as “úlceras em facada”, que ocorrem nas regiões de dobras.

DOENÇA DE BEHÇET

A doença de Behçet é uma patologia autoimune que acomete adultos jovens, com média etária de início de 25-30 anos. Produz manifestações cutâneas, oculares e ulcerações orais e genitais. É uma vasculite sistêmica que envolve artérias e veias de todos os calibres.

As manifestações mucocutâneas são as mais precoces e frequentes na síndrome de Behçet, a começar pelas úlceras doenças orais e características da doença. As úlceras orais são dolorosas, geralmente múltiplas, recorrentes e, por vezes, herpetiformes. Ocorrem com mais frequência na mucosa labial e jugal, língua e palato mole e podem deixar cicatrizes. Já as úlceras genitais são mais frequentes no escroto e nos grandes lábios, apesar de poderem surgir no pênis e nos pequenos lábios. Também são dolorosas e podem deixar cicatrizes, especialmente as maiores.

Considerações finais

As úlceras genitais compõem síndrome clínica desencadeada  por distintos agentes patogênicos e que se manifestam como lesões ulcerativas erosivas, precedidas ou não por vesículas, que podem ser acompanhadas de dor, ardor, prurido, material mucopurulento ou sangramento. As aparições clínicas das úlceras genitais são abundantemente diversos e têm baixa relação de sensibilidade e especificidade com o agente causal, mesmo nos casos considerados clássicos. Destaca-se que a úlcera genital não é exclusividade das IST e pode estar associada com infecções inespecíficas por fungos, vírus ou bactérias.

Referências Bibliográficas

  1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.
  2. CARDIAL, M.F.T.; CAMPANER, A.B.; SANTOS, A.L.F.; SPECK, N.M.G.; BARBOSA, M.T.A.; MARTINS, C.M.R. Manual de diagnóstico e condutas em patologia do trato genital inferior. 1. Ed. Rio De Janeiro: Atheneu, 2018.
  3. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines. Atlanta: CDC, 2015.
  4. MARTINS, N.V.; RIBALTA, J.C.L. Patologia do trato genital inferior. 2. Ed. São Paulo: Roca, 2014.
  5. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília: Ministério da Saúde, 2020.
  6. ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Management of Genital Herpes in Pregnancy. [s.l.]: RCOG, 2014.
  7. Tratado de Ginecologia Febrasgo. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2020.

1 Medicina, PUC-SP/Soroca
bajuliacorvo@hotmail.com

2 Medicina, PUC-SP/Sorocaba
cechinatofernanda@gmail.com

3 Medicina, PUC-SP/Sorocaba
helenaflimalopes@gmail.com

4 Medicina, Universidade de Mogi das Cruzes/UMC
amandaamanciods@gmail.com

5 Medicina, PUC-SP/Sorocaba
juliafroldi@live.com

6 Medicina, PUC-SP/Sorocaba
Gabrielazinheira1@gmail.com

7 Medicina, PUC-SP/Sorocaba
Giovaneflores2009@gmail.com

8 Médica Unifagoc
Email:  Marideoliveira14@hotmail.com

9 Ordem dos Médicos de Portugal
Email: Npgomes5@hotmail.com

10 Enfermagem pela UNEMAT
Email: Enfrejane2@hotmail.com