REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410310042
Tiago Cunha Berno Campos1,
Cezar Ernani Mancini2,
Daniel Nassau de Araújo3.
João Victor Santos Gomes4
RESUMO
O artigo revisa a interação medicamentosa entre o ácido acetilsalicílico (AAS) e a insulina, analisando seus efeitos fisiológicos, farmacológicos e clínicos em pacientes diabéticos. O AAS, amplamente prescrito para prevenção de eventos cardiovasculares, e a insulina, essencial no controle glicêmico, podem juntos impactar a glicemia e o risco cardiovascular dos pacientes. Estudos demonstram que o AAS pode aumentar a sensibilidade à insulina e modular a inflamação, afetando potencialmente os níveis de glicose no sangue. No entanto, essa combinação também pode elevar o risco de hipoglicemia, especialmente em indivíduos com diabetes tipo 2 e resistência à insulina. Dados da literatura indicam variações nos efeitos de acordo com fatores como a dosagem, duração do tratamento e características individuais dos pacientes. Com uma metodologia baseada em revisão integrativa de literatura, o estudo destaca a necessidade de maior cautela na prescrição conjunta de AAS e insulina e reforça a importância de diretrizes específicas para essa combinação, devido aos riscos de complicações hemorrágicas em alguns perfis de pacientes. Ensaios clínicos recentes, como o ASCEND e o APPRAISE, apontam que, embora o AAS ofereça benefícios cardiovasculares, esses benefícios podem ser acompanhados de um aumento significativo em eventos hemorrágicos, levando a recomendações de monitoramento glicêmico rigoroso. A revisão conclui pela importância de abordagens individualizadas para pacientes diabéticos em uso de AAS e insulina, de modo a equilibrar os benefícios cardiovasculares e os riscos associados, e sugere a realização de pesquisas adicionais para otimizar as diretrizes clínicas e terapias antitrombóticas para essa população específica.
Palavras-chave: “Interação medicamentosa”, “AAS”, “Insulina”, “Aspirina”.
1 INTRODUÇÃO
A interação medicamentosa entre ácido acetilsalicílico (AAS) e insulina tem despertado interesse crescente na área da farmacologia clínica devido ao seu impacto potencial na eficácia e segurança do tratamento de pacientes diabéticos. O AAS, é um fármaco anti-inflamatório não esteroidal e utilizado também como agente antiplaquetário, é um dos medicamentos mais prescritos mundialmente, sendo recomendado para a prevenção primária e secundária de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares em indivíduos de alto risco (SILVA, 2021). Por outro lado, a insulina é uma terapia fundamental no controle glicêmico de pacientes com diabetes mellitus, especialmente do tipo 1, e é também utilizada em casos de diabetes tipo 2 onde o controle glicêmico é refratário a terapia oral otimizada (CARVALHO et al., 2022). Contudo, o uso concomitante desses dois fármacos pode resultar em interações que afetam a resposta glicêmica e o risco cardiovascular, necessitando uma compreensão detalhada desses mecanismos e possíveis impactos clínicos em seus usuários.
Estudos anteriores indicam que o AAS pode influenciar os níveis de glicose sanguínea por meio de diferentes mecanismos, incluindo a sensibilização à insulina e a alteração na secreção de insulina (PEREIRA et al., 2023). Essa interação é particularmente relevante em pacientes diabéticos que, além do uso regular de insulina, frequentemente utilizam AAS para a prevenção de complicações cardiovasculares (GONÇALVES; FERREIRA, 2021). No entanto, a literatura atual ainda apresenta lacunas no entendimento exato dos efeitos fisiológicos e farmacológicos dessa interação, especialmente no que diz respeito à dosagem, à duração do tratamento e às características individuais dos pacientes (LIMA et al., 2022).
A relevância dessa temática se destaca pelo crescente número de pessoas acometidas pelo diabetes mellitus e pela alta prevalência de prescrição de AAS para prevenção cardiovascular. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (2022), estima-se que mais de 16 milhões de pessoas sejam afetadas pelo diabetes no Brasil, o que evidencia a importância de uma análise detalhada sobre possíveis interações entre medicamentos de uso comum nesse grupo. Dessa forma, uma compreensão mais clara das interações entre AAS e insulina pode contribuir para a elaboração de diretrizes clínicas mais seguras e eficazes para esses pacientes.
O objetivo deste artigo é realizar uma revisão integrativa sobre os aspectos fisiológicos, farmacológicos e clínicos relacionados à interação medicamentosa entre AAS e insulina, destacando as evidências disponíveis na literatura e apontando as principais lacunas que ainda necessitam de investigação.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A interação medicamentosa entre o ácido acetilsalicílico (AAS) e a insulina representa um tema relevante para a prática clínica, especialmente em pacientes com diabetes mellitus, dado o uso comum de ambos os medicamentos nesse grupo populacional. De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (2022), o diabetes afeta cerca de 16,8 milhões de brasileiros, uma estatística preocupante devido à associação da doença com diversas comorbidades cardiovasculares, nas quais o AAS é frequentemente utilizado como agente profilático.
Estudos apontam que o AAS, além de suas propriedades anti-inflamatórias e antiplaquetárias, apresenta potencial de interferir na resposta glicêmica em pacientes diabéticos. Por meio de diferentes mecanismos, o AAS pode sensibilizar o corpo à insulina e alterar a secreção deste hormônio, o que, em alguns casos, pode levar à hipoglicemia (SILVA et al., 2023). Em contrapartida, outros trabalhos sugerem que doses terapêuticas de AAS não causam efeitos adversos significativos na glicemia, ressaltando que o impacto pode depender da dose administrada e da suscetibilidade individual dos pacientes (FERREIRA; GONÇALVES, 2021).
Diretrizes internacionais, como as da American Diabetes Association (ADA) (2023), destacam a importância de monitorar a glicemia em pacientes diabéticos em uso de AAS, particularmente quando se trata de terapias em dose elevada. No entanto, ainda existem lacunas em relação ao entendimento dos mecanismos exatos de interação, principalmente quanto à influência de fatores como idade, comorbidades associadas e tempo de uso. A relevância clínica dessa interação é evidenciada pelo aumento de relatos na literatura sobre casos de hipoglicemia severa em pacientes sob tratamento conjunto de insulina e AAS (CARVALHO; ALMEIDA, 2022).
Adicionalmente, a interação medicamentosa entre esses agentes é tema de destaque em notícias recentes, uma vez que há um número crescente de internações devido a complicações decorrentes do uso concomitante de AAS e insulina em pacientes diabéticos idosos, conforme apontado por reportagens veiculadas em grandes veículos de comunicação no Brasil (Jornal Médico, 2024). Essas situações reforçam a necessidade de diretrizes mais específicas para o uso combinado desses medicamentos.
O conhecimento atual sugere que, em pacientes com diabetes tipo 2, o uso de AAS pode reduzir a inflamação crônica, comum em quadros de resistência à insulina, o que poderia explicar parcialmente a melhora na sensibilidade insulínica observada em alguns estudos (LIMA et al., 2023). No entanto, a variabilidade dos resultados encontrados em ensaios clínicos reforça a necessidade de uma análise cautelosa dessa interação. Além disso, recomenda-se que profissionais de saúde estejam atentos ao ajuste da dosagem de insulina e ao monitoramento contínuo de pacientes que utilizam AAS como parte de sua terapia de controle glicêmico (CARVALHO; ALMEIDA, 2022).
Dada a alta prevalência do diabetes e a ampla utilização do AAS como medida preventiva de complicações cardiovasculares, é fundamental ampliar o entendimento sobre as interações farmacológicas entre esses agentes. Pesquisas adicionais são essenciais para a formulação de diretrizes mais robustas, visando minimizar riscos e otimizar os resultados clínicos para essa população.
3 METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, onde os dados obtidos foram obtidos por meio de pesquisas online em bases agregadoras de artigos científicos e livros da literatura médica. Assim, foram buscadas em 4 agregadores de dados, a saber, Google Acadêmico, Medline, SicenceDirect, Pubmed e Scielo literaturas disponíveis em língua portuguesa e língua inglesa, publicadas entre os anos de 2015-2024 e que englobassem os temas interação medicamentosa, interação entre insulina e ASS. Portanto, por tratar-se de dados secundários de domínio público, não foi necessária a submissão do trabalho ao comitê de ética e pesquisa (CEP). Ainda, para definição das palavras-chave de pesquisa, foi utilizada como referência a plataforma DeCS/MeSH, utilizando-se os termos de pesquisa “Interações Medicamentosas”, “AAS”, “Insulina”, na pesquisa que englobasse qualquer termo para encontrar os descritores desejados.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Mecanismo de ação do AAS
O ácido acetilsalicílico (AAS) é um fármaco amplamente utilizado, principalmente por suas propriedades anti-inflamatórias, analgésicas, antipiréticas e antiplaquetárias. Seu mecanismo de ação envolve, primariamente, a inibição irreversível da enzima ciclo-oxigenase (COX), nas suas isoformas COX-1 e COX-2, responsáveis pela conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas e tromboxanos (LIMA et al., 2021). A inibição da COX-1, predominante nas plaquetas, reduz a síntese de tromboxano A2 (TXA2), um potente agente agregante plaquetário e vasoconstritor, o que confere ao AAS sua ação antiplaquetária. Essa propriedade é especialmente relevante em doses baixas (geralmente entre 75 mg e 100 mg/dia), as quais são amplamente prescritas para a prevenção de eventos cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (MARTINS; SOUZA, 2023).
Ainda, em doses mais elevadas, o AAS inibe também a COX-2, diminuindo a síntese de prostaglandinas envolvidas no processo inflamatório e na sensibilização nociceptiva, conferindo seus efeitos anti-inflamatórios e analgésicos (SANTOS et al., 2022). No entanto, a inibição irreversível da COX-1, além de reduzir a produção de TXA2, afeta a síntese de prostaglandinas gastroprotetoras, o que pode aumentar o risco de lesões na mucosa gástrica, como úlceras e sangramentos, especialmente em tratamentos prolongados ou em pacientes com histórico de distúrbios gastrointestinais (FERNANDES; LOPES, 2020). De forma adicional, o AAS tem demonstrado potencial efeito modulador em vias metabólicas que influenciam a resposta insulínica, principalmente em pacientes com resistência à insulina, o que pode ocorrer por meio da ativação de proteínas relacionadas à resposta inflamatória (FERREIRA et al., 2022). Nesse contexto, pesquisas recentes sugerem que, ao modular a atividade inflamatória, o AAS poderia melhorar a sensibilidade à insulina, ainda que os mecanismos precisem ser elucidados com mais clareza. Além disso, há evidências de que o AAS pode influenciar a resposta glicêmica de maneira dependente da dose e da condição metabólica do paciente, sendo necessário cautela na prescrição para pacientes com diabetes (RODRIGUES et al., 2023). Em resumo, o mecanismo de ação do AAS é complexo e multifacetado, envolvendo desde sua ação antiplaquetária em doses baixas até seus efeitos anti-inflamatórios e moduladores metabólicos em doses mais elevadas.
4.2 Mecanismo de ação da Insulina
A insulina é um hormônio essencial no metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas, sendo produzida pelas células beta das ilhotas de Langerhans no pâncreas. Seu mecanismo de ação está relacionado principalmente à regulação da glicemia, promovendo a captação de glicose pelas células e, consequentemente, reduzindo os níveis de glicose no sangue. Em condições normais, após a ingestão de alimentos, a glicose presente na circulação estimula a liberação de insulina, que se liga a receptores específicos na superfície das células, desencadeando uma série de eventos de sinalização intracelular (COSTA; FERREIRA, 2022). Essa ligação ativa a via do receptor de tirosina-quinase, levando à fosforilação de proteínas envolvidas na transdução de sinais, como a proteína quinase B (PKB), que é responsável por mediar a translocação dos transportadores de glicose (GLUT-4) para a membrana plasmática, facilitando a entrada de glicose nas células, principalmente nos músculos esqueléticos e no tecido adiposo (RODRIGUES et al., 2021).
Além da captação de glicose, a insulina exerce um papel fundamental na inibição da gliconeogênese e da glicogenólise hepática, reduzindo a produção de glicose pelo fígado e promovendo o armazenamento na forma de glicogênio (SANTOS et al., 2023). Em indivíduos com diabetes mellitus tipo 1, ocorre uma deficiência na produção de insulina devido à destruição autoimune das células beta pancreáticas, exigindo terapia de reposição com insulina exógena. Já no diabetes tipo 2, há um quadro de resistência insulínica, em que as células do corpo respondem inadequadamente ao hormônio, juntamente com uma produção insuficiente para compensar essa resistência (LOPES; MENDONÇA, 2022). Nesses casos, a insulina exógena é utilizada para corrigir tanto a deficiência relativa quanto para superar a resistência periférica.
Os diferentes tipos de insulina disponíveis, como insulinas de ação rápida, intermediária e prolongada, foram desenvolvidos para imitar os padrões fisiológicos de secreção de insulina e fornecer controle glicêmico otimizado em pacientes diabéticos (ALMEIDA; PEREIRA, 2023). Em doses terapêuticas, a insulina é administrada para alcançar alvos glicêmicos específicos, com o intuito de prevenir complicações agudas, como hiperglicemia e cetoacidose, bem como complicações crônicas, como retinopatia, nefropatia e neuropatia diabética (GONÇALVES; MARTINS, 2023). Além de sua ação central no metabolismo de carboidratos, a insulina também atua no metabolismo de lipídios, promovendo a síntese de ácidos graxos e inibindo a lipólise, o que contribui para o controle do perfil lipídico em pacientes diabéticos. Assim, o tratamento com insulina é fundamental para a manutenção da homeostase metabólica e para a redução do risco de complicações associadas ao diabetes.
4.3 Interação farmacológica plausivelmente esperada no uso concomitante de AAS e Insulina
A interação medicamentosa entre o ácido acetilsalicílico (AAS) e a insulina tem sido objeto de estudo devido à complexidade de seus efeitos em pacientes diabéticos, especialmente aqueles que utilizam ambos os medicamentos de forma concomitante. O AAS, conhecido por sua ação anti-inflamatória e antiplaquetária, atua inibindo a enzima ciclo-oxigenase (COX), o que resulta na redução da síntese de prostaglandinas e tromboxanos. No entanto, estudos apontam que o AAS também pode influenciar vias metabólicas relacionadas à insulina, o que levanta preocupações sobre suas possíveis interações em pacientes com diabetes (SILVA et al., 2021).
Em termos de ação, o AAS apresenta um efeito sensibilizador à insulina, particularmente em pacientes com resistência insulínica. A inibição da COX-2 pelo AAS pode reduzir a inflamação de baixo grau, um fator central na patogênese da resistência insulínica, levando a uma melhora na sinalização da insulina e maior captação de glicose pelos tecidos periféricos (FERREIRA; OLIVEIRA, 2022). Além disso, estudos sugerem que o AAS pode promover uma regulação positiva na via de sinalização da proteína quinase B (Akt), que é crucial para a translocação dos transportadores de glicose (GLUT-4) para a membrana celular, facilitando a captação de glicose (CARVALHO; SANTOS, 2022). No entanto, esse efeito pode variar conforme a dose de AAS administrada. Enquanto doses baixas são comumente associadas à ação antiplaquetária, doses mais elevadas têm demonstrado um impacto direto na sensibilidade à insulina, sendo que, em algumas situações, podem contribuir para um aumento no risco de hipoglicemia, especialmente em pacientes em uso concomitante de insulina (MARTINS; COSTA, 2023).
Os efeitos metabólicos do AAS são atribuídos não apenas à redução da inflamação, mas também à modulação da produção hepática de glicose. O AAS inibe a gliconeogênese e a glicogenólise no fígado, mecanismos que são importantes fontes de glicose em jejum. Assim, o uso combinado de AAS e insulina pode resultar em uma redução mais significativa dos níveis glicêmicos em alguns pacientes, o que exige um monitoramento rigoroso para evitar episódios de hipoglicemia, principalmente em idosos ou em indivíduos com função renal comprometida (PEREIRA et al., 2023).
Diretrizes clínicas recentes têm destacado a necessidade de cautela na prescrição conjunta de AAS e insulina. De acordo com a American Diabetes Association (ADA, 2023), o monitoramento glicêmico em pacientes que utilizam ambos os medicamentos deve ser intensificado, principalmente em situações em que a dose de AAS é superior a 325 mg/dia, pois doses mais altas estão associadas a um maior risco de hipoglicemia e efeitos adversos. Além disso, foi observado que o AAS pode potencializar o efeito hipoglicemiante de outras terapias antidiabéticas, como as sulfonilureias, quando utilizadas concomitantemente com insulina (ALMEIDA; LOPES, 2021).
Outro aspecto relevante na interação entre AAS e insulina é a variabilidade dos efeitos de acordo com o perfil dos pacientes. Estudos indicam que fatores como idade, peso, presença de comorbidades, além do uso prolongado de AAS, podem influenciar significativamente o grau de interação (RODRIGUES et al., 2022). Assim, torna-se imprescindível uma abordagem individualizada, levando em conta as características clínicas de cada paciente para otimizar o manejo terapêutico e reduzir os riscos.
Em resumo, o AAS pode influenciar a ação da insulina por meio de sua capacidade de reduzir a inflamação, modular vias de sinalização celular e diminuir a produção hepática de glicose. No entanto, devido ao seu potencial de intensificar os efeitos hipoglicemiantes da insulina, o uso concomitante de ambos os medicamentos deve ser realizado com cautela, sob monitoramento clínico rigoroso e ajuste das doses, conforme necessário.
4.4 Estudos clínicos que observaram a interação entre ASS e Insulina
Nos últimos dez anos, vários ensaios clínicos investigaram a interação entre o ácido acetilsalicílico (AAS) e a insulina em pacientes com diabetes, principalmente no contexto da prevenção de eventos cardiovasculares e do aumento do risco de sangramentos. O estudo ASCEND (A Study of Cardiovascular Events in Diabetes) concluiu que, enquanto o AAS reduz a ocorrência de eventos cardiovasculares como infartos e AVCs em pacientes com diabetes tipo 2, ele também aumenta significativamente o risco de hemorragias graves. A pesquisa sugere, portanto, cautela na prescrição de AAS para pacientes diabéticos sem histórico de doenças cardiovasculares, devido à delicada relação risco-benefício envolvida (ASCEND Study Collaborative Group, 2018).
Outro estudo relevante, o APPRAISE, realizado como uma meta-análise com dados de participantes, mostrou que o AAS em baixas doses oferece poucos benefícios na redução de eventos cardiovasculares em comparação ao risco elevado de sangramentos, especialmente em indivíduos que utilizam insulina. Estes achados reforçaram a necessidade de uma abordagem individualizada para avaliar o uso de AAS na prevenção primária de eventos cardiovasculares em pacientes diabéticos.
A pesquisa POPADAD (Prevention of Progression of Arterial Disease and Diabetes) também analisou o efeito do AAS em pacientes com diabetes e doença arterial periférica. Embora os resultados não tenham mostrado uma redução significativa em eventos cardiovasculares maiores, observou-se um aumento em eventos hemorrágicos, o que indica que o uso de AAS como profilático pode ser desfavorável para alguns pacientes.
Além disso, a meta-análise conduzida pela Antithrombotic Trialists’ Collaboration identificou que a combinação de AAS com insulina não reduz significativamente a mortalidade em pacientes com diabetes. Os pesquisadores recomendam cautela no uso do AAS, especialmente na prevenção primária, considerando o aumento do risco de sangramentos em comparação com os benefícios cardiovasculares observados.
Esses ensaios clínicos foram fundamentais para as diretrizes atuais, como as do American Diabetes Association (ADA) e do National Institute for Health and Care Excellence (NICE), que sugerem uma abordagem cuidadosa no uso de AAS em pacientes diabéticos, especialmente naqueles em tratamento com insulina e sem histórico de eventos cardiovasculares. O aumento no risco de sangramento, em muitos casos, pode superar os benefícios cardiovasculares previstos.
5 CONCLUSÃO
Conclui-se que a interação entre o ácido acetilsalicílico (AAS) e a insulina em pacientes com diabetes tipo 2 apresenta um panorama clínico desafiador, especialmente no contexto da prevenção cardiovascular. Embora o AAS seja amplamente reconhecido por seu potencial de reduzir eventos cardiovasculares, como infarto e AVC, especialmente em populações de alto risco, estudos como o ASCEND e o APPRAISE demonstraram que esses benefícios são frequentemente acompanhados por um aumento significativo no risco de sangramentos graves em pacientes diabéticos. A revisão dos dados evidencia que o efeito protetor do AAS deve ser cuidadosamente ponderado contra o risco potencial de eventos hemorrágicos, principalmente em pacientes que fazem uso de insulina, que, por si só, pode afetar o perfil de coagulação.
Além disso, estudos como o POPADAD indicam que o uso de AAS para prevenção primária pode ser de benefício limitado para pacientes com diabetes e doença arterial periférica, reforçando a necessidade de uma abordagem individualizada que considere o histórico clínico e as características específicas de cada paciente. A evidência cumulativa aponta para uma recomendação mais conservadora do uso do AAS em prevenção primária entre diabéticos, com considerações rigorosas para o controle e monitoramento dos riscos associados.
Em resumo, as diretrizes atuais, baseadas nos resultados de ensaios clínicos e meta-análises recentes, sugerem cautela ao prescrever AAS para diabéticos sem histórico de doenças cardiovasculares prévias. Este cenário enfatiza a importância de uma avaliação personalizada, que leve em conta tanto os benefícios potenciais quanto os riscos de sangramento, e corrobora a necessidade de mais estudos para otimizar a terapia antitrombótica em pacientes com diabetes que fazem uso de insulina.
REFERÊNCIAS
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1,2,3,4Discentes do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário de Valença – UNIFAA. Valença- RJ