O CRESCIMENTO EXPONENCIAL DA INFLUÊNCIA DA TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410300930


Thaís Galba Ramos de Souza[1]
Rogério Costa da Silva[2]


RESUMO: O presente artigo visa evidenciar a presença da Teoria do Direito Penal do Inimigo, desenvolvida pelo doutrinador alemão, Gunther Jakobs, na Legislação Brasileira. A guisa de exemplo, analisar-se-á algumas tipificações penais que adotam, ainda que de maneira mitigada, tal teoria, e tratam o investigado como o inimigo, despojando-o de seus os direitos e de suas garantias constitucionais.

Palavraschave: Direito Penal do Inimigo. Direito Penal. Legislação Brasileira.

ABSTRACT: This article aims to highlight the presence of the Enemy Criminal Law Theory, developed by the German scholar Gunther Jakobs, in Brazilian legislation. As an example, we will analyze some criminal classifications that adopt, albeit in a mitigated manner, this theory and treat the person under investigation as an enemy, depriving him of his rights and constitutional guarantees.

Keywords: Enemy Criminal Law. Criminal Law. Brazilian Legislation.

INTRODUÇÃO

Em 1985, o jurista alemão Gunther Jakobs apresentou o funcionalismo sistêmico denominado Teoria do Direito Penal do Inimigo, e idealizou dois Códigos Penais, um direcionado aos cidadãos possuidores de direitos constitucionais, e o outro direcionado aos inimigos do Estado, com aplicação de penalizações mais severas, e a desconsideração de direitos e garantias fundamentais.

 Para Jakobs, as pessoas que põem em risco a vida dos demais indivíduos visando sua autossatisfação não deveriam ser regidas pela mesma lei que os cidadãos comuns. Ao revés, tais pessoas, uma vez estigmatizadas de inimigos do Estado, devem ser desprovidas de todo e qualquer direito humano.

A guisa de exemplo, pode-se citar o modo como os EUA “caçaram” os terroristas que praticaram o ataque às Torres Gêmeas, em Nova Iorque, realizado em 11 de setembro de 2001.

Em pese o Brasil não acolher explicitamente, em seu ordenamento jurídico, tal medida, o presente trabalho tem por escopo evidenciar que a teoria defendida por  Jakobs encontra-se permeando alguns institutos penalizadores no Brasil.

Neste diapasão, analisar-se-á a Lei nº 9.614/98 (Lei do abate) que autoriza a derrubada de aeronaves não identificadas, desconsiderando o princípio constitucional da presunção da inocência; a Lei nº 10.792/03 que criou o Regime Disciplinar Diferenciado, o qual separa por periculosidade os criminosos; e por fim o Art. 288 do Código Penal Brasileiro e no Art. 1º da Lei de Organização Criminosa, que tipificam a punição de atos meramente preparatórios.

Neste contexto, o presente trabalho almeja demonstrar a existência de uma crescente influência do Direito Penal do Inimigo na Legislação Brasileira.

1 TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

A terminologia atribuída ao “Direito Penal Inimigo” foi proposta pelo Professor Günther Jakobs da Universidade de Bonn em 1985, movido pelas políticas públicas de combate à criminalidade que se fortaleceu ao redor do mundo. Na época, este conceito teve pouca difusão e baixíssimas críticas.

O termo inimigo já havia sido definido por Kant como sendo “pessoas que vivem em um estado de guerra”, que negam as normas da coletividade, e em razão disso sua mera presença no local tornaria o ambiente hostil.

Admite-se comumente que não se pode proceder hostilmente contra ninguém, a não ser quando ele de fato já me lesou, e isto também é inteiramente correto quando ambos estão no estado civil-legal. Pois, pelo fato de que entrou nesse estado, ele dá àquele (mediante a autoridade que possui poder acima de ambos) a segurança requerida. Mas o homem (ou o povo) no puro estado de natureza tira de mim esta segurança e me lesa já por esse mesmo estado, na medida em que está ao meu lado, ainda que não de fato (facto), pela ausência de leis de seu Estado, pelo que eu sou continuamente ameaçado por ele, e posso forçá-lo ou a entrar comigo em um Estado comum legal ou a retirar-se de minha vizinhança. O postulado, portanto, (…) é: todos os homens que podem influenciar-se reciprocamente têm de pertencer a alguma constituição civil[3].

Neste contexto, a Teoria do Direito Penal do Inimigo coloca em polos diametralmente opostos os cidadãos e os inimigos, sendo considerado cidadão, possuidor de todas as garantias constitucionais e penais, aquele que respeita o ordenamento e cumpre suas determinações legais; e inimigo aquele que, em via transversa, desrespeita o ordenamento jurídico posto, sendo visto apenas como um “individuo”, sem direitos fundamentais para protegê-lo.

Para Jakobs, o Estado tem o direito e dever de garantir a segurança dos cidadãos contra os delatores de normas reincidentes, e para isso é necessário criação de dois tipos de Direito Penal: Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo.

Aprioristicamente, todos devem se valer do Direito Penal do Cidadão, com garantias de cidadania, direitos e deveres, reconhecendo o criminoso como sujeito de direitos e sendo adotadas intervenções penais de acordo com algumas regras estabelecidas, como por exemplo, a regra do Direito Penal do Fato, sendo oportunizado ao criminoso um meio de ressocialização para reintegração na sociedade.

Entretanto, alguns criminosos violam o pacto social de modo tão significativo que deveriam ser considerados inimigos, Jakobs cita alguns exemplos:

é quando o criminoso, em sua conduta (nos crimes sexuais) ou em sua vida ativa (criminalidade econômica, criminalidade organizada, narcocriminalidade) ou mediante integração a uma organização (terrorismo, criminalidade organizada e narcocriminalidade novamente), tenha se envolvido de forma supostamente duradoura com o crime. [4]. (grifo nosso).

Nesse caso o inimigo, seria todo o indivíduo que viola a norma imposta pelo Estado, não agindo de acordo com o que foi estabelecido no Direito Penal, deixando com isso de ser um cidadão portador de direito.

De acordo com Jakobs:

Além da certeza de que ninguém tem direito a matar, deve existir também a de que com um alto grau de probabilidade ninguém vá matar. Agora, não somente a norma precisa de um fundamento cognitivo, mas também a pessoa. Aquele que pretende ser tratado como pessoa deve oferecer em troca uma certa garantia cognitiva de que vai se comportar como pessoa, sem essa garantia, ou quando ela for negada expressamente, o Direito Penal deixa de ser uma reação da sociedade diante da conduta de um de seus membros e passa a ser uma reação contra o adversário.[5]

Aqueles considerados inimigos perderão todos os direitos e as garantias, serão severamente punidos.

A guisa de exemplo do tratamento que pode ser dado aos Inimigos, cita-se o  ocorrido após o ataque da organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda, em 11 de setembro de 2001, às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos da América, quando o mundo presenciou o governo norte-americano adotar severos meios de perseguição e punição dos responsáveis por este atentado terrorista.

Após o fatídico 11 de setembro, o Presidente George W. Bush adotou medidas excepcionais de urgência, reagindo de maneira desproporcional aos ataques. O Patriot Act, é um controverso ato do Congresso dos Estados Unidos da América que o então presidente Bush, assinou tornando-o lei em 26 de outubro de 2001. O acrônimo significa “Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001” (algo como Ato de Unir e Fortalecer a América Providenciando Ferramentas Apropriadas Necessárias para Interceptar e Obstruir o Terrorismo, de 2001). Entre as medidas impostas pela lei, estavam a invasão de lares, espionagem de cidadãos, interrogatórios e torturas de possíveis suspeitos de espionagem ou terrorismo, sem direito a defesa ou julgamento. As liberdades civis com esse ato foram removidas do cidadão. Detenções ilegais e outros tratamentos desumanos eram permitidos no Afeganistão, no Iraque, na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, e na base naval norte-americana de Guantánamo, em Cuba. Figurando como desrespeito absoluto à dignidade da pessoa humana, contraditório, ampla defesa e devido processo legal daqueles que se enquadram como inimigos. Os presos muitas vezes não possuíam os direitos de consultar advogados, visitas ou até mesmo de um julgamento. Existiam evidências de torturas e interrogatórios ilegítimos. As ações terroristas que levaram pânico, morte e destruição, criaram na sociedade um clima de insegurança e medo indiscriminado. [6]

A Teoria do Direito Penal do Inimigo foi estruturada com as seguintes características:

(a) ampla antecipação da punibilidade, ou seja, mudança de perspectiva do fato típico praticado para o fato que será produzido, como no caso de terrorismo e de organizações criminosas;

(b) falta de uma redução da pena proporcional ao referido adiantamento (por exemplo, a pena para o mandante/mentor de uma organização terrorista seria igual àquela do autor de uma tentativa de homicídio, somente incidindo a diminuição referente à tentativa);

(c) mudança da legislação de Direito Penal para legislação de luta para combate à delinquência e, em concreto, à delinquência econômica. [7]

Sobre o tema, Gomes faz as seguintes observações:

(a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito Penal retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; (f) o cidadão, mesmo depois de delinquir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito Penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito Penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade. [8]

Desta feita, é possível observar que o cerne basilar desta Teoria é a manutenção da paz social, e nesse viés os Inimigos podem, e serão, severamente punidos quando praticarem os atos criminosos. Ademais, o Inimigo será recriminado pela representatividade do seu perigo abstrato, não apenas pela efetiva prática do crime.

Neste diapasão, destaca Souza:

O inimigo do Estado (ou do Direito Penal) é o indivíduo que reincide de maneira contumaz na prática de crimes ou aquele que comete crimes que ponham em risco a própria existência do Estado. Ao agir conforme uma dessas situações, o indivíduo rompe o contrato social e não é mais considerado cidadão pelo Estado, porque negou submeter-se ao Estado soberano, não merecendo sequer ser considerado pessoa – mas mero indivíduo Em todas essas hipóteses, o antigo cidadão demonstra uma periculosidade tamanha que inviabiliza o Estado a considerá-lo uma pessoa dotada de direitos, sob pena de vulnerabilizar o direito à segurança daqueles que merecem realmente ser chamados de cidadãos. [9]

Segundo esta Teoria, “não é o Direito Penal que se adapta à sociedade: é a sociedade que se adapta ao Direito Penal”.[10]

2 DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL

O Direito Penal, dentro do Ordenamento Jurídico Brasileiro, é o ramo do Direito Público que

regula o exercício do poder punitivo do Estado, tendo por pressuposto de ação delitos (isto é, comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, afetando bens jurídicos indispensáveis à própria conservação e progresso da sociedade) e como consequência as penas.[11]

Em outras palavras, no Brasil, cabe ao Direito Penal, após a análise do fato criminoso, determinar a penalidade a ser aplicada aos autores desta infração, levando em consideração todos os fatos e circunstâncias presentes no momento da ação criminosa.

Ocorre que, hodiernamente, em meio aos altos índices de criminalidade que assolam o Brasil, fato este de domínio público, emergem um grupo de juristas que defendem um Direito Penal mais ativo e estrito, ainda que isso resulte no desrespeito de certos direitos individuais quando o interesse coletivo exige celeridade e punição.

E neste diapasão, sociedade amedrontada x criminalidade exacerbada, a Teoria do Direito Penal do Inimigo tem ganhado espaço, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, e permeado alguns textos legislativos, ainda que de forma mitigada.

O terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal Máximo é uma sociedade amedrontada, causada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana. Não é necessária estatística para afirmar que a maioria das sociedades modernas, a do Brasil dramaticamente, vive sob o signo de insegurança. O roubo com traço cada vez mais brutal, „sequestros-relâmpagos‟, chacinas, delinquência juvenil, homicídios, a violência propagada em „cadeia nacional‟, somados ao aumento da pobreza e à concentração cada vez maior da riqueza e à verticalização social, resultam numa equação bombástica sobre ânimos populares [12]

Neste condão, analisar-se-á algumas legislações, no escopo de observar a influência da teoria sob estudo.

2.1. LEI DO ABATE

A Lei nº 9.614/98, responsável pela alteração do Art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86), ficou popularmente conhecida como Lei do Abate, haja vista sua previsão de destruição de aeronaves consideradas hostis:

Art. 303-A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:

I -Se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;

II – Se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

III – Para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;

IV – Para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);

V – Para averiguação de ilícito.

§ 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.

§ 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.[13]

Neste contexto, a aeronave que for classificada como hostil, ensejadoras de um perigo iminente, ser considerada inimiga e estará sujeita a destruição, juntamente com todos os seus tripulantes.

As ordens de pouso não acatadas e o desrespeito às normas postas legitimam a prática do abate da aeronave, ou seja, autorizada está a morte de todos os passageiros e tripulantes da aeronave que ameaçarem a Segurança Nacional.

Oportuno destacar que, nesse momento, o Estado Brasileiro coloca a Segurança Nacional acima do Princípio da Presunção de Inocência, (CF/88, art. 5º, LVII), e a Lei do Abate, ao presumir a existência de perigo, autoriza ações para exterminá-lo, tratando seus autores como verdadeiro Inimigos, que merecem “destruição”.

2.2 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Em meio ao caos do Sistema Penitenciário Brasileiro, com sua superlotação e incontáveis rebeliões, emergiu a Lei nº 10.792/2003, que alterou texto legal da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal). trazendo consigo uma nova modalidade de sanção disciplinar, chamada de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD):

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I -Duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II -Recolhimento em cela individual;

III -Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV -O preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§ 1°O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§ 2°Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. [14]

 O Regime Disciplinar Diferenciado mantém a ordem penitenciária de uma maneira especial, isola os presos de maior grau de periculosidade limitando o contato com o mundo exterior, podendo ser usado como medida preventiva nas circunstâncias estipuladas por lei.

Sobre o tema, manifesta-se o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONFIGURAÇÃO. EXECUÇÃO PENAL. LOCAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. TRANSFERÊNCIA PARA PRESÍDIO DE SEGURANÇA MÁXIMA. RENOVAÇÃO DO PRAZO DE PERMANÊNCIA. ART. 10, § 1º, DA LEI 11.671/08. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FUNDADA MOTIVAÇÃO PELO JUÍZO DE ORIGEM. OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DO CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA PARA ACOMPANHAMENTO DA EXECUÇÃO PENAL. PERSISTÊNCIA DOS MOTIVOS ENSEJADORES DO PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA. MANUTENÇÃO DO CUMPRIMENTO DA PENA EM PRESÍDIO DE SEGURANÇA MÁXIMA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO PARA APLICAR AS NORMAS DA EXECUÇÃO, COM A MANUTENÇÃO DOS RÉUS NO PRESÍDIO DE SEGURANÇA MÁXIMA.

1. Quando as autoridades judiciárias não afirmam nem negam a sua competência para julgar determinado caso, mas havendo efetivamente uma discordância entre elas, não há um conflito nos moldes tradicionais, mas pode configurar, na realidade, conflito.

2. Existe a possibilidade de renovação do prazo de permanência do preso em presídio de segurança máxima, desde que cumpridos os requisitos previstos no art. 10, § 1º, da Lei 11.671/08.

3. O Juízo de origem deve fundamentar o pedido de transferência dos presos para o presídio de segurança máxima, consoante os Arts. 3º e 4º da Lei 11.671/08.

4. Não obstante os direitos individuais garantidos aos presos, o interesse em resguardar a coletividade por vezes se sobressai, preponderando a necessidade de se primar pela segurança pública, justificando a transferência ou a manutenção do preso em presídio de segurança máxima, conforme previsto nos arts. 3º, 4º e 10 da Lei 11.671/08.

5. O acompanhamento da execução, quando da transferência de presos para presídio de segurança máxima, cabe ao Juízo Federal competente da localidade em que se situar referido estabelecimento, salvo na hipótese de preso provisório, consoante o Art. 4º, §§ 1º e 2º, da Lei 11.671/08.

6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 5ª Vara de Campo Grande da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso do Sul, ora suscitado, para acompanhar e aplicar as normas referentes à execução penal para o restante do período de prorrogação em curso.(CC n. 110.576/AM, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em 9/6/2010, DJe de 11/10/2011.) [15]

Ao analisar, com minúcia o referido regime, observa-se que aquele submetido ao RDD é punido pelo perigo que ele representa, pelo seu alto grau de periculosidade para a sociedade e/ou o estabelecimento prisional.

É possível observar que, no escopo de punir e coibir possíveis atos de violência, o encarcerado é tratado de modo diferente, com fundamento em sua periculosidade, ou seja, seu potencial para cometer novos crimes e atos de violência.

Essa punição mais severa embasada na periculosidade do encarcerado exclui o Direito Penal do Fato, teoria hodiernamente adotada no Brasil, e analisa a situação sob a ótica da Teoria do Direito Penal do Autor, a mesma usada por Jakobs para penalizar aqueles declarados Inimigos.

2.3 ORGANIZAÇÃO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

O crime de associação criminosa está previsto no Art. 288 do Código Penal e dispõe que:

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. [16]

Já o Crime de Organização Criminosa está disposto Art. 1º, §1º da Lei nº 12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa):

Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. [17]

Ao analisar os tipos penais acima, é possível observar que o legislador brasileiro antecipa o momento a punibilidade desses crimes e criminaliza atos meramente preparatórios, como o fato de pessoas se organizarem e planejarem comer um crime.

A Teoria do Direito Penal do Inimigo manifesta-se na punibilidade do autor, de per si, independentemente da consumação do crime, visto que a associação criminosa é punível a despeito da consumação de qualquer outro crime.

Destarte, pode-se afirmar que a organização e associação criminosa, inspirando-se da Teoria sob estudo, antecipa a tutela e penaliza os inimigos do Estado antes que cometam crime.

CONCLUSÃO

Longe de exaurir o assunto, o presente trabalho objetivou demonstrar o crescimento da influência da Teoria do Direito Penal do Inimigo, desenvolvida pelo alemão Gunther Jakobs, na Legislação Brasileira.

Segundo esta Teoria, todos aqueles que desrespeitam a legislação posta e que ameaçam a Segurança Nacional serão considerados, e tratados, como inimigos, sendo segregados da sociedade, e recebendo um Direito Penal diferenciado, que suprime diretos e garantias fundamentais em prol de um bem jurídico maior.

Ao pensar na punição do inimigo, Jakobs sugere que as penalidades sejam impostas com fulcro na periculosidade do agente e não em sua culpabilidade. Para ele, quanto maior a ameaça de perigo que este inimigo represente à sociedade, maior e mais gravosa deverá ser sua punição.

O intuito não é ressocializar, mas sim excluir, punir e até eliminar aquele que ameaça a Segurança Nacional: os inimigos da sociedade.

Nesse condão, o Ordenamento Jurídico Brasileiro, no intuito de conter o constante aumento da criminalidade, tem incorporado em alguns textos legislativos o ideário desta Teoria, como se pode observar na Lei do Abate, que, sem contraditório e nem ampla defesa, autoriza a destruição das aeronaves consideradas hostis.

Também é possível observar que esta Teoria embeveceu a Legislação Brasileira quando da criação do Regime Disciplinar Diferenciado, o qual mensura a periculosidade do encarcerado para determinar seu modo de cumprimento de pena, ou seja, quando mais perigoso, mais inimigo do Estado, menos direitos e garantias assegurados.

Vislumbra-se ademais a influência da Teoria na tipificação dos crimes de Associação e Organização Criminosa, os quais definem como crime meros atos preparatórios, como “associar-se na intenção de”, ou seja, não se faz necessário a execução de condutas delitivas, basta a disposição de praticá-las.

Destarte, embasado em todo o exposto salta aos olhos a crescente permeabilidade dos fundamentos da Teoria no Direito Penal do Inimigo na Legislação Brasileira.

REFERÊNCIAS

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[1] CV: http://lattes.cnpq.br/6025738866468597

[2] CV: http://lattes.cnpq.br/1341715492675841

[3] KANT, Immanuel.  À Paz Perpétua. Porto Alegre: L&PM, 2008, p.23.

[4] JAKOBS, Günther. Ciência do Direito e Ciência do Direito Penal. (Tradução de Maurício Antônio Ribeiro Lopes). São Paulo: Manole, 2003. v.1. Coleção Estudos de Direito Penal, p. 90.

[5] JAKOBS, Günther. Ciência do Direito e Ciência do Direito Penal. (Tradução de Maurício Antônio Ribeiro Lopes). São Paulo: Manole, 2003. v.1. Coleção Estudos de Direito Penal, p. 175.

[6] GALLINATI, Raquel Kobashi. Direito Penal do Inimigo e Lei dos Crimes Hediondos. Disponível em: <https://marioleitedebarrosfilho.blogspot.com/2012/07/direito-penal-do-inimigo-e-lei-dos.html>.  Acesso em 16 de setembro de 2024.

[7] JAKOBS, Günther. Ciência do Direito e Ciência do Direito Penal. (Tradução de Maurício Antônio Ribeiro Lopes). São Paulo: Manole, 2003. v.1. Coleção Estudos de Direito Penal, p. 55-57.

[8] GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do direito penal). Revista jurídica Unicoc, 2005. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/open-pdf/cj029698.pdf/consult/cj029698.pdf>. Acesso em 12 de setembro de 2024. p 2.

[9]OLIVEIRA, Giovana A. de; CORDEIRO, Gustavo H. de A. O Direito Penal do Inimigo como Política Criminal decorrente da Sociedade do Medo. São Paulo, 2018. REGRAD, UNIVEM/Marília-SP, v. 11, n. 1, p 336-348. Disponível em <file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/2644-85-5674-1-10-20180828%20(1).pdf> Acesso em 10 de setembro de 2024.

[10] Idem, p. 339

[11] MEZGER, Edmundo.Tratado de Derecho Penal. Madrid: Revista de Derecho Privado. REIMPRESSÃO INTELLECTUS.  1955, 27-28.

[12] SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 77.

[13]______. Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Código Brasileiro de Aeronáutica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7565compilado.htm>. Acesso em: 19 de setembro de 2024.

[14] ______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 19 de setembro de 2024.

[15]______. Superior Tribunal de Justiça. CONFLITO DE COMPETÊNCIA – EXECUÇÃO PENAL – PRESO TRANSFERIDO DE UM ESTADO PARA OUTRO DA FEDERAÇÃO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DE CUMPRIMENTO DA PENA) STJ – CC 40326-RJ Disponível em <https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?preConsultaPP=&pesquisaAmigavel=+%3Cb%3ERDD+ministro+arnaldo+esteves%3C%2Fb%3E&acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&b=ACOR&livre=RDD+ministro+arnaldo+esteves&filtroPorOrgao=&filtroPorMinistro=&filtroPorNota=&data=&operador=e&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T&processo=&classe=&uf=&relator=&dtpb=&dtpb1=&dtpb2=&dtde=&dtde1=&dtde2=&orgao=&ementa=&nota=&ref=> Acesso em 15 de setembro de 2024

[16]______. Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 06 de agosto de 2024.

[17]______. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Lei de Organização Criminosa. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm> Acesso em 01 de setembro de 2024.


[1] CV: http://lattes.cnpq.br/6025738866468597

[2] CV: http://lattes.cnpq.br/1341715492675841