REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410300923
Bernardete de L. Alvares Marcelino1
Mauricio Silva2
Olhar atento: como incentivar os alunos a aprender por meio da observação, de Shari Tishman, Tradução Marcos Viola Cardoso. Revisão técnica Renata Araújo. Porto Alegre: Penso, 2024.
O livro Olhar atento: como incentivar as crianças a aprender por meio da observação”, autoria de Shari Tisham, professora de Harvard Graduate School of Education e pesquisadora do Project Zero, aborda com elementos práticos e exemplifica sobre como desenvolver o olhar do docente com relação às crianças. A obra convida os leitores a despertarem a habilidade crítica e criativa em observar o mundo, ressaltando a aprendizagem significativa.
A apresentação do livro é escrita por Renata Araújo, pedagoga da Universidade Estadual de Educação (Unesp) e doutoranda em Educação, cujo foco de pesquisa é o Project Zero, coordenado por Shari Tisham, no centro de pesquisa da Harvard Graduate School of Educacion. A obra é composta por nove capítulos, intitulados sequencialmente: “Introdução: o ritmo importa”, “Estratégias do olhar”, “O olhar atento na prática”, “Observar e descrever’, “Veja por si mesmo… e visite um museu”, “O olhar atento na escola”, “A ciência aprende a observar”, “Olhar atento e complexidade” e “Conclusão: pensando atentamente”.
Em “Introdução: o ritmo importa”, a autora apresenta histórias diversas sobre o olhar atento, e, independentemente da forma sensorial que o tome, o olhar atento é uma maneira de obter conhecimento sobre o mundo, devendo-se considerá-lo como uma forma de cognição ativa, realizando uma série de questionamentos sobre as práticas de observação em diferentes contextos.
No Capítulo 2, “Estratégias do olhar”, Tishman relata sobre especialistas em diversas áreas que observam atentamente aspectos muitos distintos. Ao longo do texto, ela discorre acerca das categorias para guiarem a visão e como esta pode ser registrada em inventários abertos. Assim, a experiência ensinará o observador a estabelecer uma rotina e profundidade, a observar e descrever, experimentando a visão espalhada com algumas estratégias (escala e escopo, justaposição) em vários contextos, afirmando que para observar e ter um olhar atento é preciso compreender e usar as estratégias de fato.
A autora busca em sua escrita uma cultura que valorize o tempo, uma vez que muitas pesquisas revelam a dificuldade contemporânea da “falta de tempo”, ocasionando em muitas pessoas crises ou transtornos relacionados à ansiedade. A vida, cada vez mais acelerada, faz com que as pessoas se tornem impacientes, desejando um cotidiano diferente. Shari Tishman criou o conceito de “slow looking” ou “olhar atento”, aquele que valoriza o tempo, a observação e seus processos. Seu percurso não foi solitário, muitos autores, jornalistas e outros profissionais refletem sobre essa aceleração do mundo contemporâneo. Tal fato gerou uma mudança de paradigma em direção à cultura de valorização do tempo, à contemplação e à qualidade sobre rapidez e eficiência, levando-nos a este universo filosófico que nos faz repensar os hábitos alimentares, informativos e educacionais, além da nossa relação com o mundo e as pessoas ao nosso redor.
A autora afirma, no decorrer da obra, que, em vez da pressa, surge em seu lugar a contemplação por uma vida mais calma e mais significativa. As diversas áreas do conhecimento, tais como a arte, a filosofia e a ciência, usam a observação para compreender, indagar, representar e trazer novas propostas de como se relacionar no e com o mundo. A grande sacada da autora é provar que contemplar é essencial para a aprendizagem, chamando-nos para olhar de verdade, para observarmos atentamente.
Em “O olhar atento na prática”, a autora retoma uma caminhada para explorar duas práticas relacionadas ao olhar atento realizada pelo jornalista Paul. A primeira é uma prática chamada de jornalismo lento, uma alternativa radical ao ciclo acelerado cotidiano, e a segunda é um programa educacional em que jovens de todo o mundo praticam o olhar atento e trazem relatos sobre as quatro maneiras de olhar atentamente: ver com novos olhos, explorar perspectivas, perceber detalhes e bem-estar filosófico. A prática do olhar atento toca profundamente os estudantes na descoberta familiar sobre si, sobre o outro e sobre seu entorno.
No Capítulo 4, “Observar e descrever”, Thishman analisa as várias maneiras de conexão entre o olhar atento e a descrição. Define que descrever o olhar atento é trazer nossos pensamentos, nossos sentimentos e impressões, referindo-se a fenômenos que são observáveis pelos sentidos. A descrição se constitui por meio da estrutura cognitiva (quando lemos, ouvimos e recebemos descrições feitas por outros), e na literatura a descrição contrasta com a narrativa. Nas artes visuais, a descrição é vista como representação (evocar uma impressão sensorial vivida da coisa retratada) e, nas ciências, a descrição é explicativa (dados objetivamente observáveis). Para autora, descrever algo é assumir uma separação entre o observador e a coisa descrita e,, para tanto, existem algumas estratégias para aprimorar o olhar atento e a descrição, tais como: procurar detalhes, observar diferentes pontos de vista, tornar o familiar estranho, assumir personas diferentes, descrever mais do que palavras (gestos, sons, marcações). Sua crítica à educação é a de que ela sempre promove a aprendizagem a respeito do que especialistas descrevem, e nunca pela aprendizagem de olhar e descrever por si mesmo.
Shari Tishman, no capítulo “Veja por si mesmo… e visite um museu”, leva-nos a pensar nos museus como instituições culturais de aprendizagem e que oferecem na era moderna várias possibilidades de experimentar prazeres cognitivos de olhar as coisas por nós mesmos, reafirmando que, se quisermos defender o olhar atento, não apenas como um modo importante de aprendizagem, mas também como algo que pode ser ensinado, nós, educadores, precisamos de abordagens práticas e temos que inserir informações externas na experiência de observar.
O Capítulo 6, “O olhar atento na escola”, anuncia a ideia de escola baseada na crença de um padrão organizado de instrução para aprender de forma eficaz, para dialogar dialeticamente sobre essa ideia. Tishman resgata as filosofias educacionais como contraponto por meio dos pensadores Comenius, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Agassiz e Dewey, pois todos acreditavam que a educação deveria ser organizada para promover e ampliar o interesse nato dos alunos em olhar as coisas por si mesmos. Esse pensamento publicado de maneira diferente em suas várias filosofias torna a ideia principal vigorosa, cujo ponto mais importante é como as teorias acontecem na prática. Como dito criticamente por Dewey ao estudo da natureza, é muito fácil para uma instrução projetada com a melhor das intenções partir para atividades didáticas em que o aluno não pode ser curioso, impulsivo cognitivamente ao olhar as coisas por ele mesmo e, ao invés de ser encorajado, passa a ser tolhido, sufocado.
A autora fundamenta o Capítulo 7, “A ciência aprende a observar”, com os adventos e inovações do médico Lusitanus Amatus (1551) que, ao separar suas observações de estudos médicos de suas especulações acadêmicas, usando formas e fontes diferentes, promove uma grande mudança cultural. Tempos depois, com o uso da fotografia, a observação, o olhar e suas representações mais precisas e singulares não foram capazes de separar, classificar ou discernir padrões. Mesmo na medicina, as imagens não diziam tudo. Para a autora, os paradigmas observacionais persistem ao longo do tempo e outros surgem, e o espírito da atividade é a objetividade mecânica, mas olho e mão trabalham juntos para distanciar o “eu” subjetivo do processo de observação, constatando, assim, que olhar atento e observação científica não são a mesma coisa, mas se sobrepõem, pois compartilham compromisso epistemológico na crença da observação cuidadosa.
A obra vai criando forma e conteúdo e, em “Olhar atento e complexidade”, Capítulo 8, ressalta a importância do olhar atento como uma prática educacional e propõe maneiras de identificar sua complexidade, em suas três categorias (complexidade das partes e interações, complexidade da perspectiva e complexidade do engajamento). Assim, a autora resgata as respostas das indagações acerca do discernimento da complexidade como uma espécie de conhecimento, e esse discernimento como a forma mais valiosa de conhecimento. Reafirma que para aprender a apreciar a complexidade de interação e a de engajamento leva tempo, além de ensinar os estudantes a entenderem sua subjetividade.
O último capítulo conclui que, para aprender o olhar atento é preciso cultivar tempo e desacelerar, dar espaço à observação, utilizando as estratégias, as estruturas e as ferramentas mencionadas ao longo da obra. Tishman diz com todas as letras que o olhar atento pode ser aprendido, mas requer comportamento disposicional (habilidade, inclinação e sensibilidade) em diferentes contextos e fronteiras disciplinares. Ela defende que, no contexto educacional, precisa-se de estudantes ativamente envolvidos em pensar por si mesmos e construir suas próprias ideias, para assim olhar e pensar. O olhar atento é um modo importante de aprendizagem.
O livro desafia os educadores a mudarem de atitude, a crerem que é possível trabalhar de outras maneiras, e para além das fronteiras disciplinares, ampliando o olhar não para como ensinar, e sim para a existência de outras formas de aprendizagem.
1 Graduação em Letras-Português pela Universidade de São Paulo (1990); Mestrado em Letras Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1995); Doutorado em Letras Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (2001); Pós-Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (2005); Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
https://orcid.org/0000-0002-9609-4579
2 Doutoranda no Programa de Pós Graduação Profissional Educação Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho- UNINOVE. Mestre em Educação: Formação de Formadores pela PUCSP, Pesquisadora de narrativas docentes como estratégia formativa para constituição de grupo colaborativo. Coordenadora Pedagógica na rede municipal de ensino de São Paulo- SP. Pesquisadora Associada aos Núcleos de Estudos Avançados em Representações Sociais- NEARS e ao Grupo de Pesquisas Políticas Públicas da Infância- CRIANDO- PUCSP/ e ao GRUPO DE PESQUISA SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES (GRUPEIFORP), do (a) Universidade Nove de Julho. https://orcid.org/0000-0002-8878-5388