REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410292042
Ana Raisa Jatahy Santos1; Gabriela Santiago Eufrasio1; Fabiana Ferreira Barbosa1; Cristina Melo Rocha1; Ziza Emi Sakamoto1; Aline de Vasconcelos Costa e Sá Storino1
RESUMO
Paciente do sexo masculino, 38 anos, com diagnóstico de cirrose hepática há 5 anos, em tratamento irregular com lactulose e furosemida, iniciou quadro de febre, confusão mental, fadiga, icterícia e dor pleurítica do tipo ventilatório dependente quando procurou atendimento. Ao atendimento apresentava-se lúcido, no entanto com raciocínio lentificado, inversão de sono-vigília e flapping. Ao exame físico foi possível notar presença de edema de membros inferiores, icterícia e dor na região subcostal esquerda. Devido a presença do quadro de descompensação cirrótica iniciou-se acompanhamento e investigação diagnóstica para prováveis etiologias. Foram realizados exames laboratoriais, ECG, RX de tórax, ecocardiograma. A realização da Tomografia computadorizada (TC) revelou esplenomegalia de contornos regulares e coeficiente de atenuação heterogêneo, apresentando coleções hipodensas e não realçantes ocupando totalmente sua metade superior, foi evidenciado também derrame pleural esquerdo e sinais de hepatopatia crônica e hipertensão portal. Foi realizado uma incisão transversal na qual evidenciou-se esplenomegalia com presença de coleções de líquido espesso em polo superior esplênico, compatíveis com o diagnóstico de abcesso esplênico. O paciente evoluiu com choque hipovolêmico e reabordagem cirúrgica após 72 horas para controle de sangramento ativo. Foi realizada a administração de ciprofloxacino e clindamicina por 28 dias. Paciente evoluiu bem após alta da UTI com melhora clínica e laboratorial. O seguimento foi realizado com amoxicilina 250mg por dois anos e segue o acompanhamento ambulatorial com gastroenterologista. O abscesso esplênico (AE) usualmente surge de endocardite ou outras formas de transmissão hematogênica, como pneumonia, perfurações gastrointestinais ou malformações arteriovenosas. Embora nem sempre presentes, os fatores de risco para o desenvolvimento de endocardite incluem imunossupressão, diabetes mellitus, trauma ou microrganismos. O diagnóstico é baseado em achados clínicos e exames de imagem (ultrassonografia e TC). O tratamento depende do número, tamanho e localização dos abscessos. A terapia antibiótica pode reduzir drasticamente a mortalidade associada a esta doença, a drenagem percutânea tem sido bem-sucedida. Porém, em alguns casos é necessária a realização da esplenectomia. O AE é uma condição rara e seu diagnóstico precoce requer alto grau de suspeita e ainda não há uma melhor abordagem para tratamento.
Palavras-chave: Abscesso esplênico; Esplenomegalia; Cirrose hepática
ABSTRACT
A 38-year-old male patient with a diagnosis of liver cirrhosis for 5 years, irregularly treated with lactulose and furosemide, presented with fever, confusion, fatigue, jaundice, and ventilator-dependent pleuritic pain when seeking medical attention. Upon examination, he was lucid but exhibited slowed thinking, a sleep-wake cycle inversion, and flapping. The physical examination revealed edema in the lower limbs, jaundice, and pain in the left subcostal region. Due to the presence of decompensated cirrhosis, monitoring and diagnostic investigation for possible etiologies were initiated. Laboratory tests, ECG, chest X-ray, and echocardiogram were performed. A computed tomography (CT) scan revealed splenomegaly with regular contours and heterogeneous attenuation coefficients, showing hypodense, non-enhancing collections occupying the entire upper half, as well as a left pleural effusion and signs of chronic liver disease and portal hypertension. A transverse incision was made, revealing splenomegaly with the presence of thick fluid collections in the upper pole of the spleen, consistent with a diagnosis of splenic abscess. The patient progressed to hypovolemic shock and underwent reoperation after 72 hours for active bleeding control. Ciprofloxacin and clindamycin were administered for 28 days. The patient improved well after discharge from the ICU, with clinical and laboratory improvement. Follow-up was conducted with amoxicillin 250 mg for two years, and he continues outpatient follow-up with a gastroenterologist. Splenic abscess (SA) usually arises from endocarditis or other forms of hematogenous transmission, such as pneumonias, gastrointestinal perforations, or arteriovenous malformations. Although not always present, risk factors for the development of endocarditis include immunosuppression, diabetes mellitus, trauma, or microorganisms. Diagnosis is based on clinical findings and imaging studies (ultrasound and CT). Treatment depends on the number, size, and location of the abscesses. Antibiotic therapy can drastically reduce mortality associated with this condition, and percutaneous drainage has been successful. However, in some cases, splenectomy is necessary. Splenic abscess is a rare condition, and its early diagnosis requires a high degree of suspicion, and there is still no best approach for treatment.
Keywords: Splenic abscesso; Splenomegaly; Liver cirrhosis
INTRODUÇÃO
Uma infecção pouco frequente conhecida como abscesso esplênico normalmente surge de endocardite ou outras formas de transmissão hematogênica, como pneumonia, perfurações gastrointestinais ou malformações arteriovenosas. Embora nem sempre presentes, os fatores de risco para o desenvolvimento de endocardite incluem imunossupressão, diabetes mellitus e trauma. Salmonella sp, Staphylococcus, Streptococcus, Klebisiella e Plasmodium falciparum estão entre as causas mais comumente identificadas da doença. Contudo, vale ressaltar que Bartonella henselae e Proteus mirabillis também podem ser responsáveis por abcesso esplênico (1,2).
Os sintomas comuns incluem dor abdominal, febre e aumento do baço (esplenomegalia). No período recente houve um aumento no número de diagnósticos dessa condição, o que pode ser atribuído ao progresso nas técnicas de imagem, como ultrassonografia e tomografia computadorizada. O tratamento mais recomendado é a esplenectomia, acompanhada de antibióticos, embora a drenagem percutânea também tenha se mostrado uma opção eficaz (3).
O objetivo deste trabalho é relatar Múltiplos abscessos esplênicos em paciente com cirrose hepática no Amazonas.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 38 anos, etilista, refere história pregressa de astenia de membros inferiores e dificuldade de deambular há 5 anos, quando foi internado devido quadro de ascite. Após admissão no serviço, iniciou investigação para o quadro clínico sendo evidenciado o diagnóstico para cirrose hepática, para o qual foi realizado tratamento clínico com furosemida e lactulose durante um período referido de 9 meses, interrompido por decisão própria há 4 anos quando reiniciou ingesta de bebidas alcoólicas.
Paciente procurou novamente atendimento há 3 anos relatando quadro de confusão mental associado a fadiga, febre, icterícia, colúria e dor pleurítica do tipo ventilatório dependente e história de trauma abdominal não especificado. Ao atendimento o paciente se apresentava lúcido, entretanto com raciocínio lentificado, inversão de sono-vigília e flapping. Ao exame físico foi possível notar presença de edema de membros inferiores, icterícia e dor na região subcostal esquerda. Após compensação do quadro foi transferido a um hospital terciário na região.
Devido a presença do quadro de descompensação cirrótica iniciou-se acompanhamento e investigação diagnóstica para prováveis etiologias. Foram realizados exames laboratoriais, ECG, RX de tórax, ecocardiograma, endoscopia digestiva alta, ultrassonografia de abdome total e tomografia computadorizada de abdome com e sem contraste. A realização de testes rápidos para HIV e sorologias para hepatite B e C, obtiveram resultado negativo. O ecocardiograma revelou fração de ejeção preservada (63%), função sistólica global preservada, refluxo mitral discreto e derrame pericárdico discreto sem sinais de restrição diastólica.
A realização da TC revelou esplenomegalia de contornos regulares e coeficiente de atenuação heterogêneo, apresentando coleções hipodensas e não realçantes ocupando totalmente sua metade superior, foi evidenciado também derrame pleural esquerdo e sinais de hepatopatia crônica e hipertensão portal. A realização da paracentese juntamente com análise do líquido peritoneal revelou GASA> 1,1 g/dl e proteína< 2,5, sugerindo transudato (Figura 1).
Optou-se por abordagem cirúrgica com realização de uma incisão transversal na qual evidenciou-se esplenomegalia com presença de coleções de líquido espesso em polo superior esplênico, compatíveis com o diagnóstico de abcesso esplênico. O paciente evoluiu com choque hipovolêmico e reabordagem cirúrgica após 72 horas para controle de sangramento ativo. Paciente evoluiu bem após alta da UTI com melhora clínica e laboratorial.
O material da drenagem das coleções purulentas foi coletado e mandado para análise laboratorial com realização de cultura com antibiograma, revelando medições 15,0 x 12,1 x 11,6 cm e volume de 1094 ml. A análise de cultura resultou na presença de Staphylococcus aureus com multirresistência. Foi realizada a administração de ciprofloxacino e clindamicina por 28 dias. O seguimento foi realizado com antibioticoprofilaxia com amoxicilina 250mg por dois anos e acompanhamento ambulatorial com gastroenterologista.
DISCUSSÃO
O abscesso esplênico (AE) é uma doença rara associada à imunossupressão e uma das causas de infecção intra-abdominal. Estudos de autópsia mostram uma prevalência de 0,14% a 0,7%. É mais comum em homens. Os abscessos esplênicos podem ser classificados como solitários (61-69%) com melhor prognóstico e abscessos multifocais (31-38%) com pior prognóstico, muitas vezes apresentando-se como sepse grave (4–6).
O abscesso esplênico é frequentemente subdiagnosticado devido à natureza inespecífica de seus sinais e sintomas. A febre é o sintoma mais comum, seguida de dor abdominal no quadrante superior esquerdo, e exames hematológicos podem revelar leucocitose. Os microrganismos mais frequentemente associados a esta condição incluem anaeróbios, Streptococcus, Staphylococcus e Escherichia coli. No caso em questão, o paciente apresentou infecção por Staphylococcus aureus(2,7)
O diagnóstico é frequentemente fundamentado em achados clínicos e exames de imagem. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada (TC) são especialmente úteis, pois não apenas confirmam a presença de abscessos, mas também fornecem detalhes sobre seu número, tamanho e localização, informações essenciais para o planejamento do tratamento. Além disso, esses exames auxiliam na diferenciação dos abscessos em relação a outras condições que apresentam sintomas semelhantes, como hematomas e tumores (Meyer & Mehdorn, 2023).
O advento da terapia antibiótica pode reduzir drasticamente a mortalidade associada a esta doença. A drenagem percutânea sob orientação ultrassonográfica ou tomográfica tem sido bem-sucedida. Pode ser útil quando o tratamento cirúrgico é contraindicado ou em pacientes mais jovens. Porém, o tratamento definitivo é a esplenectomia (Liu et al., 2000; Stan-Ilie et al., 2021; Yang et al., 2023).
A dificuldade em chegar a um consenso sobre a melhor abordagem para o tratamento desses abscessos torna ainda mais importante a individualização do manejo, levando em consideração fatores como a gravidade da condição, a presença de comorbidades e a resposta do paciente ao tratamento inicial. Além disso, a avaliação cuidadosa do estado geral do paciente e a análise de possíveis complicações são fundamentais para determinar a intervenção mais adequada, seja ela conservadora, com terapia antibiótica, ou invasiva, como drenagem percutânea ou esplenectomia. Essa abordagem personalizada é essencial para otimizar os desfechos clínicos e minimizar riscos associados ao tratamento (11–13).
CONCLUSÃO
O diagnóstico precoce do abscesso esplênico exige um elevado grau de suspeita clínica, especialmente em pacientes que apresentam febre e dor abdominal de origem desconhecida. Nestes casos, os exames de imagem, como ultrassonografia e tomografia computadorizada, desempenham um papel crucial, permitindo a visualização da anatomia esplênica e a identificação de coleções líquidas que podem indicar a presença de abscessos.
REFERÊNCIAS
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13. Evans CL, Triggs MK, Desai J, Campos J. Surgical Management of a Splenic Abscess: Case Report, Management, and Review of Literature. Cureus. 30 de agosto de 2022;
1Fundação Hospital Adriano Jorge, Manaus – Am.