REVISÃO DE LITERATURA: BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR EM CÃES 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202410281555


Thiago Shoiti Nishimura Sugie1;
Thiago Felix Rovina1;
Pedro Guilherme Masi Reis1;
Erilaine Rodrigues da Silva Santana Boeno1;
Patrícia Franciscone mendes2


RESUMO

O Bloqueio Atrioventricular (BAV) é uma disfunção em que a transmissão dos sinais elétricos do nó atrioventricular para os ventrículos do coração é interrompida ou retardada. Esses sinais elétricos são responsáveis por coordenar os batimentos cardíacos, garantindo a circulação adequada do sangue. Quando essa transmissão é comprometida, pode haver uma redução na frequência cardíaca, prejudicando a capacidade do coração de bombear o sangue eficientemente para o corpo. Com base no eletrocardiograma (ECG), os bloqueios são classificados em BAV de grau 1, 2 ou 3. Embora pacientes com BAV em estágios iniciais geralmente não apresentem sintomas graves, a condição pode progredir, exigindo acompanhamento com um cardiologista veterinário para diagnóstico e manejo. Sinais clínicos, como intolerância ao exercício e síncope, podem servir como indícios importantes e orientar a realização de exames que permitam confirmar o diagnóstico de BAV.

Palavras-chave: Bloqueio atrioventricular; Patologia cardíaca; Cardiovascular; Nodo atrioventricular; Câmaras cardíacas. 

INTRODUÇÃO

O Bloqueio Atrioventricular (BAV) consiste em um distúrbio de condução que ocorre devido a um atraso ou uma falta de estímulo elétrico, caracterizado pela incapacidade total dos estímulos atriais chegarem aos ventrículos. Esse bloqueio pode ser classificado em três tipos, sendo eles parciais (1° grau e 2° grau) ou totais (3° grau), resultando em uma taxa de frequência cardíaca mais lenta (NELSON; COUTO, 2015).

As causas de bloqueios atrioventriculares (AV) em animais são variadas. Os bloqueios AV de primeiro grau e de segundo grau Mobitz tipo I geralmente são de natureza funcional, sendo provocados por fatores como o aumento dos tônus vagais em animais saudáveis ou pelo efeito de medicamentos como digitálicos, antiarrítmicos ou sedativos que estimulam receptores alfa-2. Esses bloqueios costumam ser variações fisiológicas normais ou se resolvem quando o uso da medicação é suspenso. Em casos raros, esses tipos de bloqueio podem estar relacionados a cardiopatias com dilatação atrial e danos no nó AV (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

Já os bloqueios AV de segundo grau Mobitz tipo II e de terceiro grau podem, às vezes, ter causas funcionais, como níveis elevados de potássio, intoxicação por digitálicos ou o uso de agonistas alfa-2 (como a dexmedetomidina). No entanto, são mais frequentemente associados a lesões estruturais, sejam inflamatórias (como endocardite, miocardite de origem infecciosa ou miocardite traumática) ou degenerativas (como ruptura do nó AV causada por miocardiopatia, endocardiose ou fibrose) (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

Nos cães, o bloqueio AV de terceiro grau costuma ser considerado irreversível. No entanto, estudos mostraram que 7% dos casos se resolvem espontaneamente com o retorno ao ritmo sinusal normal (RSN) e 5% dos casos revertem para bloqueio AV funcional (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Fisiologia do Sistema Cardiovascular 

O sistema circulatório, composto pelo coração e pelos vasos sanguíneos (artérias, capilares e veias), forma uma rede contínua por onde o sangue circula pelo corpo, juntamente com os vasos linfáticos. A principal função do coração pode ser resumida em uma única palavra: “transporte”. Para entender a importância desse transporte cardiovascular, é essencial reconhecer que, se o coração parar de se contrair e a circulação cessar, a perda de consciência ocorrerá em aproximadamente um minuto, causando rapidamente danos ao cérebro e a tecidos sensíveis do corpo (KLEIN, 2021).

Fisiologicamente em homeostase o coração funciona como uma máquina perfeita, e a ejeção e sangue de uma câmara para outra acontece de forma sincronizada, as trocas gasosas e o transporte de nutrientes para os tecidos dependem diretamente do bom funcionamento do coração, sendo assim, cada potencial de ação que o coração recebe faz com que o ciclo cardíaco ocorra (KLEIN, 2021)

O ciclo cardíaco corresponde ao período de uma contração, iniciada pela ativação elétrica do nó sinoatrial, que estimula os átrios e ventrículos. Durante a contração ventricular (sístole), as válvulas semilunares permanecem fechadas, fazendo com que os ventrículos, cheios de sangue, se contraiam (contração isovolumétrica), o que aumenta a pressão intraventricular. Quando essa pressão supera a dos grandes vasos, as válvulas semilunares se abrem, permitindo que o sangue seja ejetado para a artéria pulmonar e a aorta.

O sangue enviado ao pulmão será oxigenado, enquanto o sangue oxigenado da aorta será distribuído para nutrir os tecidos do corpo (KÖNIG; LIEBICH, 2016). Com a ejeção de sangue, a pressão intraventricular diminui e se iguala à pressão dos vasos. Com os ventrículos menos cheios, as válvulas semilunares se fecham, iniciando a fase de diástole (relaxamento isovolumétrico), momento em que todas as válvulas estão fechadas. Durante a diástole atrial, o sangue retorna ao átrio direito pelas veias cavas cranial e caudal, e ao átrio esquerdo pelas veias pulmonares (CUNNINGHAM, 2021).

Quando o sangue chega aos átrios, a pressão atrial se torna maior que a ventricular, o que causa a abertura das válvulas atrioventriculares (mitral e tricúspide), permitindo que o sangue passe rapidamente para os ventrículos (fase de enchimento rápido). A contração dos átrios (sístole atrial) então desloca o restante do sangue para os ventrículos. Com o enchimento dos ventrículos, as válvulas atrioventriculares se fecham, iniciando um novo ciclo cardíaco (CUNNINGHAM, 2021).

2.2 Bloqueios Atrioventriculares 

Em um coração saudável, o nodo atrioventricular (AV) cumpre uma função importante ocasionando um atraso normal após cada batimento sinusal, possibilitando que os átrios finalizem a contração. O nodo AV também impede que estímulos atriais excessivos alcancem os ventrículos, nas taquicardias supraventriculares. Essa função de filtro elétrico normal e vital ajuda a manter uma frequência cardíaca mais próximo do normal, quando ocorrem taquicardias supraventriculares, e esse efeito pode ser facilitado, se necessário, com o uso de medicamentos dromotrópicos negativos (retardam a condução no nodo AV). Contudo, a função do nodo AV pode ser excessiva ou extrema, dificultando a passagem de estímulos sinusais normais. A falha na condução AV normal, a partir dos átrios para os ventrículos, denomina-se bloqueio AV (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

Os bloqueios atrioventriculares (BAVs) consistem em retardos ou interrupções da condução do impulso elétrico sinusal na região atrioventricular, ou seja, ocorre a criação do impulso elétrico, porém esses estímulos elétricos não são conduzidos de forma correta. Quanto à localização anatômica do distúrbio de condução, os BAVs podem surgir no nodo atrioventricular (NAV), no tronco do feixe de His ou em seus ramos. Os BAVs apresentam 3 graus podendo ser eles parciais (1° grau e 2° grau) ou ou totais (3°grau) (NELSON; COUTO, 2015).

Quanto à localização anatômica do distúrbio de condução, os BAV podem surgir no NAV, no tronco do feixe de His ou em seus ramos; infelizmente, o ECG convencional não permite tal diferenciação, que é possível apenas por meio do eletrograma do feixe de His, realizado durante o estudo eletrofisiológico (NELSON; COUTO, 2015).

2.2.1 Caracterização dos Bloqueios Atrioventriculares

2.2.1.1 Bloqueio Atrioventricular de 1º Grau

O bloqueio atrioventricular de primeiro grau é um retardo na condução quando o impulso elétrico avança através da junção atrioventricular. Aparece no eletrocardiograma como um prolongamento do intervalo PQ (SANTILLI et al., 2020).

Não há manifestação clínica; o bloqueio AV de primeiro grau é apenas um achado no ECG que não acarreta sinais clínicos evidentes, tampouco requer tratamento, devendo levar o clínico a ficar atento para causas possíveis de alto tônus vagal que, em geral, são fisiológicas e ocasionalmente podem ser tóxicas (p. ex., intoxicação causada por glicosídeos digitálicos) (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

O bloqueio atrioventricular de primeiro grau geralmente resulta de processos degenerativos ou inflamatórios, neoplasia do sistema de condução, fármacos(digitálicos, β-bloqueadores, bloqueadores do canal de cálcio), distúrbios eletrolíticos (hipercalcemia) ou hipervagotonia.(ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

O BAV de 1 o grau não implica alteração no ritmo sinusal, não sendo considerado uma arritmia.  Na maioria dos casos, o BAV de primeiro  grau é secundário ao tônus vagal exacerbado, sendo considerado normal, embora também possa ser secundário à toxicidade por fármacos (como digitálicos e outros antiarrítmicos) ou a desequilíbrio eletrolítico. O BAV de 1 o grau não progride para 2 ou de 3 o grau, exceto no caso de toxicidade farmacológica (SANTILLI Et al., 2020).

2.2.1.2 Bloqueio Atrioventricular de 2º Grau 

O bloqueio atrioventricular de segundo grau consiste na interrupção total (porém transitória) da condução AV. Portanto, há uma onda P para cada complexo QRS, mas não há um complexo QRS para cada onda P. Há dois subtipos importantes de bloqueio AV de segundo grau (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

Esse bloqueio ocorre quando há falha na condução AV precedida ou não por dificuldade crescente na transmissão do estímulo do NS para os ventrículos, de maneira que nem todos os estímulos atriais conseguem despolarizar os ventrículos (NELSON; COUTO, 2015). 

O bloqueio atrioventricular de segundo grau, pode ser fisiológico em cães jovens, de 8 a 11 semanas, ou em situações de tônus vagal elevado, (isto é, secundário a doenças respiratórias crônicas). Bloqueios fisiológicos sempre são do tipo I, embora em filhotes de cães normais possa haver uma onda P bloqueada repetidamente. Bloqueios patológicos, por sua vez, são causados por processos degenerativos, inflamatórios ou neoplásicos. Sobredose de digitálicos, opióides, β-bloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio podem causar bloqueio atrioventricular de segundo grau. (SANTILLI Et al., 2020).   

Classicamente, é subdividido em dois tipos: BAV de 2 o grau Mobitz tipo I (em que há dificuldade de condução progressiva – fenômeno de Wenckebach) e Mobitz tipo II (em que a dificuldade de condução é constante e intermitente) (NELSON; COUTO, 2015).

2.2.1.2.1 Bloqueio Atrioventricular de 1º Grau (Mobitz Tipo 1) 

O bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz tipo I é caracterizado por um retardo progressivo da condução ao longo do nó atrioventricular, resultando no prolongamento gradual do intervalo P-R até que um impulso seja bloqueado, sem gerar a despolarização ventricular (onda P sem complexo QRS). Essa condição é conhecida como fenômeno de Wenckebach (SANTILLI Et al., 2020).

Anatomicamente, o bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo I se origina na parte superior do nodo AV e tem bom prognóstico, pois está relacionado ao bloqueio AV de primeiro grau e quase nunca causa sinais clínicos (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

O Mobitz tipo I geralmente é provocado por aumento do tônus vagal (em cães braquicefálicos ou em doenças respiratórias, gastrintestinais ou neurológicas), por medicamentos antiarrítmicos (como digitálicos, quinidina, betabloqueadores, procainamida, verapamil), por sedativos (como xilazina e acepromazina), assim como por doenças que afetam o nó AV (NELSON; COUTO, 2015).

2.2.1.2.2 Bloqueio Atrioventricular de 2º Grau (Mobitz Tipo 2) 

O BAV de 2º grau Mobitz tipo II apresenta intervalo PR constante, com falha periódica na condução AV (inscrição da onda P sem o correspondente QRS). Esse bloqueio é mais grave que o tipo I, podendo progredir para bloqueio AV total, além de frequentemente desencadear manifestações clínicas como síncope, fraqueza e letargia. Suas causas incluem fibrose idiopática (em animais idosos), estenose hereditária do feixe de His, cardiomiopatia hipertrófica em cães e gatos, infiltração neoplásica metastática e desequilíbrios eletrolíticos, especialmente a hiperpotassemia (NELSON; COUTO, 2015).

O bloqueio Mobitz tipo II origina-se no feixe AV e tem um prognóstico mais reservado a ruim, lembrando um bloqueio AV de terceiro grau. Entretanto, não há evidência objetiva que sustente a extrapolação da gravidade dos bloqueios Mobitz tipos I e II observada em cardiologia humana para pacientes veterinários. No bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo II “simples”, há mais condução do que bloqueio das ondas P, enquanto no “avançado” ou “de alto grau”, ocorre o contrário. A presença ou ausência de sinais clínicos está relacionada à frequência ventricular. Especificamente, cães com bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo II têm uma expectativa de vida semelhante à de cães com bloqueio AV de terceiro grau, e a implantação de marca-passo melhora significativamente a sobrevida em ambos os grupos, independentemente da presença ou ausência de sinais clínicos associados à bradicardia (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

2.2.1.3 Bloqueio atrioventricular de 3 º grau ou bloqueio atrioventricular total 

Nessa bradiarritmia, os estímulos sinusais não conseguem despolarizar os ventrículos, pois o impulso cardíaco está completamente bloqueado na região da junção atrioventricular, no feixe de His ou em todos os seus ramos. Dessa forma, há total assincronismo entre as atividades atrial e ventricular. Geralmente, o ritmo dos átrios é sinusal (embora possa ser também fibrilação, flutter ou taquicardia atrial), enquanto o ritmo dos ventrículos é bem mais lento, sendo um ritmo idioventricular de escape. Eletrocardiograficamente, observa-se uma frequência ventricular muito baixa (inferior à frequência atrial, variando de 20 a 70 bpm em cães), dissociação AV (ondas P e complexos QRS sem correlação entre si), intervalos RR constantes e complexos QRS que podem estar alargados (quando o ritmo se origina abaixo da bifurcação do feixe de His) ou normais, com pouca ou nenhuma aberrância (quando o ritmo se origina acima da bifurcação do feixe de His) (NELSON; COUTO, 2015).

2.3 Sinais clínicos 

Os bloqueios AV de segundo grau Mobitz tipo I e tipo II simples raramente acarretam manifestações clínicas, como intolerância ao exercício. Enquanto o bloqueio Mobitz tipo II mais avançado, por bloquear mais estímulos no nodo AV e resultar em frequência ventricular mais baixa, comumente ocasiona sinais clínicos semelhantes aos do bloqueio AV de terceiro grau: fraqueza, letargia, síncope e convulsões hipóxico-anóxicas de Stoke-Adams (convulsões verdadeiras causadas por hipoperfusão cerebral crítica induzida por bradicardia), mesmo com exercício mínimo. A presença de tais sinais clínicos e a frequência ventricular são os determinantes principais de o paciente precisar ou não de tratamento (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

LARSSON (2020, p. 3474) destaca que: “No bloqueio de 3º grau, frequentemente os animais apresentam sintomas de baixo débito cardíaco (insuficiência cardíaca) e baixo fluxo cerebral (inicialmente com síncope e até convulsão, conhecido como síndrome de Stokes-Adams), sendo indicada a colocação de marca-passo artificial sempre que possível.”

2.4 Diagnóstico

De acordo com Santilli et al. (2020), no caso de bloqueio atrioventricular (BAV) de primeiro grau, observa-se uma frequência cardíaca dependente da frequência do disparo, variabilidade nos intervalos, morfologia presente em complexo QRS menor que 70 ms, possível presença de bloqueios intra-atriais e intranodais com bloqueio de ramo infra-hissiano, intervalo PQ prolongado, ausência de batimentos bloqueados, onda P presente em eixo sinusal, ausência de condução ventriculoatrial e condução atrioventricular retardada (SANTILLI Et al., 2020).

Já em relação ao BAV de segundo grau, destaca-se a semelhança na frequência cardíaca com o BAV grau I, intervalo R-R irregular, condução atrioventricular variável, assim como o intervalo PQ, com a presença de batimentos bloqueados (SANTILLI et al., 2020). Por fim, o BAV de terceiro grau é caracterizado por uma frequência cardíaca dependente da região do bloqueio, intervalo R-R geralmente regular (exceto na presença de batimentos prematuros ou ritmo de escape), onda P também presente em eixo sinusal, ausência de condução atrioventricular, intervalo PQ variável devido à dissociação atrioventricular, complexo QRS normal ou largo baseado no local do bloqueio e origem do ritmo de escape, ausência de condução ventriculoatrial e bloqueio de batimentos de escape (SANTILLI Et al., 2020).

2.5 Tratamento 

O tratamento de bloqueio AV deve sempre focar nas causas primárias, sempre que possível (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022). O tratamento do bloqueio do nodo AV deve ser considerado quando a frequência ventricular resultante for insuficiente para manter um fluxo sanguíneo adequado ao organismo. Nesse caso, a administração de um antagonista colinérgico muscarínico (como a atropina) pode reduzir o período refratário do nodo AV e a condução decrescente,assim revertendo o bloqueio. O mesmo efeito pode ser alcançado com um fármaco que ative receptores β-adrenérgicos (como o isoproterenol). (GALLAND Et al., 2021).

O tratamento medicamentoso visa bloquear os efeitos dos nervos parassimpáticos no nodo Atrioventricular, usando um fármaco antagonista colinérgico muscarínico, como a atropina, ou mimetizando os efeitos da ativação simpática com o uso cuidadoso de um agonista β-adrenérgico, como o isoproterenol ou a dopamina. A lógica para utilizar esse tratamento baseia-se na fisiologia: o bloqueio do nodo AV ocorre porque os potenciais de ação atriais “desaparecem” dentro do nodo AV (condução decrescente). 

A ativação parassimpática aumenta a tendência à condução decrescente, pois os nervos parassimpáticos agem sobre as células do nodo AV, aumentando o período refratário e diminuindo a velocidade na qual os potenciais de ação são propagados. Portanto, o bloqueio dos efeitos parassimpáticos pode ser eficaz na reversão do bloqueio do nodo AV. 

Em contrapartida, a ativação simpática reduz essa tendência, diminuindo o período refratário das células do nodo AV e aumentando sua velocidade de condução. Um fármaco simpatomimético (aquele que mimetiza os efeitos simpáticos por meio da ativação dos receptores β-adrenérgicos) pode, portanto, desbloquear o nodo AV. Mesmo se a administração de um fármaco simpatomimético não reverter o bloqueio, ela normalmente aumenta a frequência das células marca-passo auxiliares no nodo ou feixe AV, que iniciam as contrações ventriculares, melhorando assim o débito cardíaco.

No bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo II ou de terceiro grau, a resposta a fármacos parassimpaticolíticos ou simpaticomiméticos costumam a ser ineficaz, pois esses agentes não revertem o processo patológico do nodo AV, nem costumam impedir o bloqueio AV em um nível que tenha significado clínico. Nesse caso, a implantação de um marca-passo é o tratamento mais eficaz. Cães com bloqueio atrioventricular de alto nível (2 graus do tipo dois ou o bloqueio total), que fazem a implantação do marca-passo tem uma taxa de sobrevida de 80% a 85% após 1 anos se comparar com 50% a 55% de cães que não recebem o marca passo e a de 2 anos é de 70 a 75% versus 30 a 35%, respectivamente (ETTINGER; FELDMAN; CÔTÉ, 2022).

Na maioria dos casos de bloqueios atrioventriculares de terceiro grau o uso de fármacos é pouco eficaz, tornando necessário a implantação de um marca-passo artificial. O procedimento é simples; os eletrodos de marcapasso podem ser implantados no ventrículo direito através de uma veia sistêmica (como a jugular externa) utilizando apenas com sedação e anestesia local. Os fios dos eletrodos são anexados a uma unidade marca-passo movida a bateria, que é implantada sob a pele. É importante que os eletrodos do marca-passo sejam aplicados nos ventrículos, pois o estímulo dos átrios não seria benéfico devido à condução não confiável dos potenciais de ação atriais aos ventrículos.

 O marca-passo gera pulsos de corrente elétrica por meio dos eletrodos em uma frequência programada pelo clínico. Cada pulso de corrente despolariza o músculo ventricular direito, e o potencial de ação resultante é propagando-se de célula a célula assim resultando na contração de ambos ventrículos (GALLAND Et al., 2021).

3. OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho consistiu em realizar uma revisão de literatura acerca desta doença, visando a compreensão e o esclarecimento, de forma clara e abrangente, sobre o BAV, incluindo a sua fisiopatologia, etiologia, sinais clínicos, diagnóstico e opções de tratamento.

4. MATERIAIS E MÉTODOS

Para o desenvolvimento deste estudo foi realizada uma revisão bibliográfica nas seguintes bases de dados eletrônicos: Google Acadêmico, Periódicos Capes, PubMed, Scielo, PubVet, livros, artigos, teses publicadas em português. A pesquisa focou nos seguintes termos: “bloqueio atrioventricular”, “patologia cardíaca”, “nodo atrioventricular”, “câmaras cardíacas”, selecionando publicações dos últimos 10 anos conforme disponibilidade de produções intelectuais durante o processo de desenvolvimento do estudo.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A intervenção mais eficaz para o bloqueio atrioventricular (BAV) é a implantação de um marca-passo. No entanto, existem situações em que essa opção não é viável até que se descubra a causa do bloqueio e as condições clínicas do paciente. Se o paciente apresenta outra doença cardíaca avançada e uma expectativa de vida reduzida, a implantação do marca-passo pode não ser indicada, pois isso não resultaria em uma melhora significativa na qualidade de vida.

Em casos de infecções sistêmicas, como a sepse, ou infecções na área da cirurgia, a cirurgia para a colocação do marca-passo também não é recomendada. Nesses casos, é fundamental tratar a infecção antes de considerar a intervenção cirúrgica.

Além disso, a implantação de um marca-passo não é indicada quando o bloqueio é transitório. É importante investigar a causa do bloqueio. Por exemplo, se o BAV ocorre durante um procedimento anestésico, pode ser prudente aguardar a recuperação do efeito da anestesia, pois o bloqueio pode ser causado pela medicação utilizada. Em situações de desequilíbrio eletrolítico, é essencial tratar essa condição por meio de fluidoterapia e reposição de eletrólitos, como cálcio e potássio, antes de considerar a colocação do marca-passo (FOSSUM, 2021).

6. CONCLUSÃO

O prognóstico do bloqueio átrio ventricular em cães é influenciado por diversos aspectos, como a gravidade da enfermidade, o estado de saúde geral do animal, e a eficácia do tratamento. De maneira ampla, o bloqueio átrio ventricular representa uma condição cardíaca grave caracterizada pela interrupção na transmissão elétrica entre as cavidades superiores (átrios) e inferiores (ventrículos) do coração. 

Caso não seja tratada, o bloqueio atrioventricular pode resultar em sinais de cansaço, desmaios, dificuldade de se exercitar e até mesmo insuficiência cardíaca. O tratamento pode envolver o uso de remédios para controlar a frequência cardíaca ou, em situações mais sérias, intervenções como a colocação de um marca-passo. 

O prognóstico para cães com BAV é diverso, haja vista que depende da gravidade da condição e da eficácia do tratamento. Enquanto alguns cães conseguem levar uma vida relativamente normal com o tratamento adequado, outros podem apresentar uma redução na qualidade de vida devido à evolução da doença. Em síntese, a BAV em cães consiste em uma condição grave que necessita de observação e cuidados específicos, sendo que o prognóstico pode mudar conforme a reação individual de cada animal ao tratamento. 

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1Discentes do curso de Medicina Veterinária no Centro Universitário das Américas – FAM;
2Docente do curso de Medicina Veterinária no Centro Universitário das Américas – FAM