O IMPACTO DA REGULAÇÃO DO SISTEMA ENDOCANABINOIDE NA FARMACOTERAPIA DA ANSIEDADE E DO ESTRESSE

THE IMPACT OF REGULATION OF THE ENDOCANABINOID SYSTEM IN THE PHARMACOTHERAPY OF ANXIETY AND STRESS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410271335


Júlia Famelli Ferret1, Isabela Vitória Magri2, Isabela Facchin Bidoia3, Ana Carolina Munaro Coelho4, Beatriz Pasqueta Fontes5, Eduarda Richardt de Carvalho6, Vinícius Mercúrio Barrera7, Taíse Cássia Dias Ceccon8, Ali Malek Rahal9, Alana De Oliveira Vicentin10, Vitor Augusto Ribeiro Caetano11, Vinicius Kenzo Hashimoto12, Bárbara Alexandra Ossuchi de Oliveira13, Felipe Natali Almeida14


RESUMO

Este artigo aborda o impacto da regulação do sistema endocanabinoide na farmacoterapia da ansiedade e do estresse, temas de crescente relevância na neurociência e farmacologia. O sistema endocanabinoide, composto por receptores, endocanabinoides e enzimas responsáveis por sua síntese e degradação, desempenha papel fundamental na modulação de diversas funções fisiológicas, incluindo a regulação do estresse e da ansiedade. O canabidiol (CBD), um fitocanabinoide, tem se destacado por seus efeitos ansiolíticos e moduladores do sistema endocanabinoide, apresentando-se como uma alternativa terapêutica promissora para transtornos de ansiedade. O objetivo do estudo foi analisar os efeitos terapêuticos da regulação do sistema endocanabinoide no tratamento de ansiedade e estresse, com foco nos benefícios e limitações do uso do CBD. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica de estudos publicados entre 2010 e 2024, utilizando bases de dados como PubMed, SciELO e Google Scholar. Os critérios de inclusão envolveram estudos revisados por pares que abordassem a relação entre o sistema endocanabinoide e transtornos de ansiedade. Os resultados apontaram que o CBD pode reduzir significativamente os sintomas de ansiedade e estresse, com poucos efeitos colaterais. No entanto, ainda há lacunas sobre a dosagem ideal e as interações medicamentosas, o que limita sua ampla adoção clínica. A regulamentação do uso medicinal da cannabis também se mostrou um obstáculo em diversos países. Conclui-se que, apesar dos desafios, o uso de canabinoides como o CBD representa uma abordagem promissora, sendo necessário maior investimento em pesquisas clínicas e regulamentação adequada.

Palavras-Chave: Sistema Endocanabinoide; Canabidiol; Ansiedade; Estresse; Cannabis Medicinal; Terapia

ABSTRACT

This article addresses the impact of regulation of the endocannabinoid system on the pharmacotherapy of anxiety and stress, topics of increasing relevance in neuroscience and pharmacology. The endocannabinoid system, composed of receptors, endocannabinoids and enzymes responsible for their synthesis and degradation, plays a fundamental role in modulating several physiological functions, including the regulation of stress and anxiety. Cannabidiol (CBD), a phytocannabinoid, has stood out for its anxiolytic and modulating effects on the endocannabinoid system, presenting itself as a promising therapeutic alternative for anxiety disorders.

The objective of the study was to analyze the therapeutic effects of regulating the endocannabinoid system in the treatment of anxiety and stress, focusing on the benefits and limitations of using CBD. To this end, a bibliographic review of studies published between 2010 and 2024 was carried out, using databases such as PubMed, SciELO and Google Scholar. Inclusion criteria involved peer-reviewed studies that addressed the relationship between the endocannabinoid system and anxiety disorders. The results showed that CBD can significantly reduce symptoms of anxiety and stress, with few side effects. However, there are still gaps regarding optimal dosage and drug interactions, which limits its widespread clinical adoption. Regulation of the medicinal use of cannabis has also proven to be an obstacle in several countries. It is concluded that, despite the challenges, the use of cannabinoids such as CBD represents a promising approach, requiring greater investment in clinical research and adequate regulation.

Keywords: Endocannabinoid system; Cannabidiol; Anxiety; Stress; Pharmacotherapy

1 INTRODUÇÃO

O sistema endocanabinoide (SEC) tem despertado crescente interesse nos últimos anos devido à sua complexa rede de sinalização e à sua influência em diversas funções fisiológicas, incluindo o humor, o apetite, a dor e o estresse. Este sistema consiste de receptores canabinoides (CB1 e CB2), ligantes endógenos (endocanabinoides) e enzimas responsáveis pela síntese e degradação desses ligantes, como a amida hidrolase de ácido graxo (FAAH) e a monoacilglicerol lipase (MAGL). As descobertas recentes destacam o SEC como um potencial alvo terapêutico para uma variedade de distúrbios psiquiátricos, incluindo transtornos de ansiedade e estresse. Ahmed et al. (2021) afirmam que a modulação do SEC pode representar uma nova abordagem para a farmacoterapia de transtornos de ansiedade, dada sua função regulatória nos circuitos cerebrais associados ao medo e à resposta ao estresse.

Os transtornos de ansiedade, que incluem condições como o transtorno de ansiedade generalizada, fobias e transtorno do pânico, afetam milhões de pessoas em todo o mundo, representando uma das principais causas de incapacitação relacionada à saúde mental. Esses transtornos são caracterizados por um estado de preocupação persistente e desproporcional que afeta negativamente o bem-estar e a funcionalidade social e profissional dos indivíduos (Garakani et al., 2020). O estresse, por sua vez, embora seja uma resposta biológica natural a estímulos ameaçadores, pode se tornar crônico e patológico, levando ao desenvolvimento de doenças físicas e mentais, incluindo a ansiedade. A interação entre o SEC e os sistemas de estresse e ansiedade tem sido objeto de investigação, com evidências sugerindo que a ativação dos receptores CB1 no cérebro pode modular a resposta ao estresse e reduzir sintomas de ansiedade (Hasbi, Madras e George, 2023).

Os estudos sobre o papel dos canabinoides no tratamento de transtornos de ansiedade e estresse mostram que esses compostos podem regular de forma eficiente o funcionamento do SEC. O canabidiol (CBD), por exemplo, é um fitocanabinoide não psicoativo presente na planta Cannabis sativa que tem demonstrado potencial ansiolítico e antiestresse. Estudos como o de Correia-da-Silva et al. (2019) indicam que o CBD pode reduzir a ativação exacerbada de áreas cerebrais relacionadas ao medo e à ansiedade, como a amígdala e o córtex pré-frontal, oferecendo um caminho promissor para o tratamento dessas condições. Além disso, a capacidade do CBD de modular neurotransmissores como o GABA e a serotonina contribui para seus efeitos benéficos na regulação emocional (Garakani et al., 2020).

Apesar do crescente interesse no uso de canabinoides para o tratamento de transtornos mentais, ainda existem muitas lacunas no conhecimento sobre seus efeitos a longo prazo, segurança e eficácia comparados às terapias convencionais. Alguns pesquisadores, como da Silva Carvalho et al. (2023), apontam que o uso prolongado de canabinoides pode trazer riscos, como dependência e alterações cognitivas, embora o CBD tenha uma maior margem de segurança em comparação ao tetraidrocanabinol (THC), o principal componente psicoativo da cannabis. Nessa perspectiva, a pesquisa sobre canabinoides e seu impacto no SEC ainda está em seus estágios iniciais, sendo necessário mais estudos clínicos e pré-clínicos para consolidar sua aplicabilidade no tratamento da ansiedade e do estresse.

Um dos principais mecanismos pelos quais os canabinoides exercem seus efeitos terapêuticos é por meio da interação com o receptor CB1, amplamente expresso no sistema nervoso central. Estudos sugerem que a estimulação desse receptor pelo CBD ou outros moduladores do SEC pode inibir a liberação de neurotransmissores excitatórios, promovendo um estado de relaxamento e reduzindo a hiperatividade neuronal associada à ansiedade (Haller, 2023). Adicionalmente, a ativação do receptor CB2, que é predominantemente expresso no sistema imunológico, também pode desempenhar um papel na modulação do estresse, uma vez que o estresse crônico está frequentemente associado a processos inflamatórios (Lowe et al., 2021).

O uso terapêutico de canabinoides para o tratamento de ansiedade e estresse tem ganhado aceitação em alguns países, especialmente em casos de pacientes que não respondem adequadamente aos tratamentos farmacológicos tradicionais. Países como o Canadá e o Uruguai já regulamentaram o uso medicinal da cannabis, permitindo que pacientes com transtornos de ansiedade tenham acesso a tratamentos baseados em CBD e THC (Dias, Santos e Arruda, 2024). No Brasil, no entanto, o uso de canabinoides para fins medicinais ainda é objeto de debate, com regulamentações restritas e alta dependência de importação desses produtos, o que limita o acesso de muitos pacientes a essas terapias inovadoras (Lima et al., 2020).

Embora os avanços na regulação do SEC e o desenvolvimento de terapias baseadas em canabinoides sejam promissores, ainda há desafios significativos no que se refere à dosagem, administração e personalização do tratamento. Conforme apontado por Navarrete et al. (2020), o uso de biomarcadores endocanabinoides pode ser um passo importante para individualizar o tratamento e maximizar os benefícios terapêuticos, minimizando efeitos adversos. A identificação de parâmetros biológicos específicos que indiquem o estado funcional do SEC em pacientes com transtornos de ansiedade pode ajudar a guiar decisões terapêuticas mais precisas e eficazes.

Justifica-se o presente estudo pelo crescente número de pessoas acometidas por transtornos de ansiedade e estresse na sociedade moderna, condições que muitas vezes permanecem subtratadas ou mal manejadas pelos tratamentos convencionais. A busca por terapias alternativas, como a regulação do SEC por meio de canabinoides, oferece uma nova perspectiva para o tratamento desses distúrbios, especialmente para indivíduos que apresentam resistência ou baixa resposta às abordagens tradicionais, como antidepressivos e ansiolíticos. Além disso, o uso de canabinoides como o CBD representa uma alternativa de tratamento com menos efeitos colaterais indesejados em comparação com os fármacos convencionais, o que pode melhorar a adesão ao tratamento e a qualidade de vida dos pacientes.

Além do mais, o estudo é relevante considerando o contexto atual de regulamentação da cannabis para fins medicinais, que ainda é incipiente em muitos países, incluindo o Brasil. A produção científica robusta sobre o impacto da regulação do sistema endocanabinoide na farmacoterapia da ansiedade e do estresse pode contribuir para embasar futuras decisões políticas e regulatórias, ampliando o acesso a tratamentos baseados em canabinoides e promovendo um debate mais informado sobre os riscos e benefícios dessa abordagem terapêutica.

O presente estudo teve como objetivo analisar o impacto da regulação do sistema endocanabinoide na farmacoterapia da ansiedade e do estresse, explorando os mecanismos envolvidos e os potenciais benefícios terapêuticos associados ao uso de canabinoides.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 METODOLOGIA

A metodologia adotada para este estudo consistiu em uma revisão bibliográfica, cujo objetivo foi reunir e analisar os principais estudos e publicações disponíveis sobre o impacto da regulação do sistema endocanabinoide na farmacoterapia da ansiedade e do estresse. Esse tipo de pesquisa caracteriza-se pela coleta e análise de materiais teóricos já publicados, permitindo uma compreensão abrangente e fundamentada do tema, sem a necessidade de coleta de dados primários.

Inicialmente, realizou-se uma busca sistemática em bases de dados científicas, como PubMed, SciELO, Google Scholar e Web of Science, para identificar artigos, revisões e publicações relacionadas ao tema. As palavras-chave utilizadas na busca foram “sistema endocanabinoide”, “canabinoides”, “ansiedade”, “estresse” e “farmacoterapia”, bem como seus equivalentes em inglês, “endocannabinoid system”, “cannabinoids”, “anxiety”, “stress” e “pharmacotherapy”. Os critérios de inclusão abrangeram publicações científicas revisadas por pares, disponíveis em formato completo, publicadas entre 2019 e 2024 e que abordassem especificamente a relação entre o sistema endocanabinoide e os transtornos de ansiedade e estresse. Foram excluídos estudos que não apresentavam revisão por pares ou que não se enquadravam diretamente no tema proposto.

Após a identificação dos estudos, procedeu-se à leitura detalhada de cada um dos artigos selecionados, com o intuito de identificar os principais resultados e discussões sobre o uso de canabinoides na modulação do sistema endocanabinoide e suas implicações no tratamento da ansiedade e do estresse. As informações foram organizadas de acordo com categorias temáticas, como o papel do sistema endocanabinoide na regulação emocional, os efeitos ansiolíticos dos canabinoides, os mecanismos de ação do canabidiol (CBD) e a segurança do uso de canabinoides em tratamentos de longo prazo.

Além disso, foram incluídas revisões de literatura e diretrizes emitidas por órgãos de saúde que tratam do uso de canabinoides para fins terapêuticos. Estes materiais auxiliaram a contextualizar o avanço no uso medicinal da cannabis em diferentes países, além de permitir discussões sobre as implicações clínicas e legais da regulação no Brasil. A inclusão de estudos realizados em contextos internacionais possibilitou uma visão comparativa do desenvolvimento das políticas públicas e das práticas clínicas relacionadas à terapêutica com canabinoides.

Para assegurar uma análise crítica e atualizada, as informações extraídas dos artigos selecionados foram confrontadas entre si, buscando estabelecer relações entre os diferentes achados e avaliar a consistência das evidências apresentadas. Esse processo de comparação e contraste das informações permitiu a construção de uma síntese crítica sobre os principais avanços e desafios no uso do sistema endocanabinoide como alvo terapêutico no tratamento de transtornos de ansiedade e estresse.

2.2 RESULTADOS

2.2.1 O Papel do Sistema Endocanabinoide na Modulação da Ansiedade e do Estresse:

O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel crucial na modulação de uma variedade de processos fisiológicos, incluindo o controle das respostas ao estresse e à ansiedade. Esse sistema é composto por receptores canabinoides (principalmente CB1 e CB2), ligantes endógenos conhecidos como endocanabinoides (anandamida e 2-AG) e as enzimas responsáveis por sua síntese e degradação (FAAH e MAGL). A ativação desses receptores pelos endocanabinoides tem efeitos diretos sobre a homeostase do sistema nervoso, modulando comportamentos relacionados à ansiedade e à resposta ao estresse. Segundo Ahmed et al. (2021), o SEC é considerado um sistema regulador essencial para manter o equilíbrio emocional e mental, modulando áreas cerebrais críticas, como o sistema límbico.

Os receptores CB1, localizados principalmente no sistema nervoso central (SNC), desempenham um papel fundamental na regulação de funções cognitivas, emocionais e de comportamento. Eles estão altamente concentrados em áreas como a amígdala, o córtex pré-frontal e o hipocampo, que são estruturas diretamente envolvidas no processamento emocional e na resposta ao estresse. A ativação dos receptores CB1 é responsável por regular a liberação de neurotransmissores como o glutamato e o ácido gama-aminobutírico (GABA), o que contribui para a redução da excitação neuronal em momentos de estresse e ansiedade (Garakani et al., 2020). A modulação da excitação neuronal, por sua vez, permite uma resposta mais controlada aos estímulos estressores, ajudando a evitar a hiperatividade associada a transtornos de ansiedade.

Além dos receptores CB1, os receptores CB2 também desempenham um papel relevante, especialmente no contexto da resposta ao estresse. Embora os CB2 estejam mais amplamente distribuídos no sistema imunológico, há evidências de que eles também estão presentes no SNC, principalmente em condições patológicas. A ativação dos receptores CB2 tem sido associada à modulação da neuroinflamação, um fator frequentemente observado em transtornos de ansiedade e estresse crônico. Dias, Santos e Arruda (2024) discutem que o estresse crônico pode desencadear respostas inflamatórias no cérebro, e a ativação dos CB2 pode atuar na redução dessas respostas, promovendo um ambiente cerebral mais saudável e resiliente ao estresse.

A anandamida, um dos principais endocanabinoides, é fundamental na modulação do SEC. Ela é produzida sob demanda em resposta a situações de estresse e ansiedade, ligando-se preferencialmente aos receptores CB1. Ao fazer isso, a anandamida diminui a liberação de neurotransmissores excitatórios, promovendo um efeito calmante. Correia-da-Silva et al. (2019) destacam que a degradação rápida da anandamida pela enzima FAAH limita seus efeitos terapêuticos em condições de estresse crônico e ansiedade, o que sugere que inibidores da FAAH podem representar uma estratégia terapêutica promissora para prolongar os efeitos ansiolíticos da anandamida.

Outro endocanabinoide de importância é o 2-AG (2-araquidonoilglicerol), que possui uma afinidade maior tanto pelos receptores CB1 quanto CB2 e é envolvido na regulação de uma ampla gama de processos, incluindo a resposta ao estresse. Estudos indicam que o 2-AG desempenha um papel importante na restauração da homeostase após a exposição ao estresse, ajudando a equilibrar os níveis de neurotransmissores no SNC. De acordo com Haller (2023), o 2-AG contribui para reduzir a hiperatividade neuronal associada à ansiedade, o que reforça seu papel como mediador na resposta ao estresse.

O uso de canabinoides exógenos, como o canabidiol (CBD), tem demonstrado potencial significativo para a modulação do SEC e, consequentemente, para o tratamento de transtornos de ansiedade e estresse. O CBD, um fitocanabinoide da planta Cannabis sativa, é amplamente reconhecido por seus efeitos ansiolíticos, embora não atue diretamente nos receptores CB1 e CB2. Em vez disso, o CBD modula indiretamente o SEC ao inibir a degradação da anandamida e ao aumentar sua disponibilidade no SNC. Isso resulta em uma ativação prolongada dos receptores CB1, promovendo uma redução sustentada da ansiedade (Ahmed et al., 2021).

Os efeitos ansiolíticos do CBD também estão relacionados à sua capacidade de interagir com outros sistemas de neurotransmissores, como o sistema serotoninérgico. Estudos demonstram que o CBD pode atuar como agonista parcial nos receptores 5-HT1A, os quais são conhecidos por desempenharem um papel fundamental na regulação do humor e da ansiedade. Segundo Lima et al. (2020), essa interação entre o SEC e o sistema serotoninérgico pode amplificar os efeitos terapêuticos do CBD, tornando-o uma opção eficaz para o tratamento de transtornos de ansiedade resistentes aos tratamentos convencionais.

Além de seu impacto no SEC, o CBD tem sido investigado por suas propriedades neuroprotetoras e anti-inflamatórias. A inflamação no cérebro tem sido associada a diversos transtornos psiquiátricos, incluindo a ansiedade e o estresse crônico. Navarrete et al. (2020) destacam que o CBD pode modular a resposta inflamatória por meio da ativação dos receptores CB2, o que ajuda a reduzir a neuroinflamação e a restaurar a homeostase cerebral em condições de estresse prolongado.

Embora o papel do SEC na modulação da ansiedade e do estresse seja amplamente reconhecido, ainda existem desafios na tradução desses achados para a prática clínica. Um dos principais desafios é a falta de padronização no uso de canabinoides para tratar transtornos de ansiedade. Muitos estudos utilizam doses diferentes de CBD, variando de 100 a 600 mg por dia, o que dificulta a definição de uma dose ideal para o tratamento de ansiedade. Além disso, as interações entre os canabinoides e outros medicamentos ainda não são completamente compreendidas, o que levanta preocupações sobre a segurança do uso concomitante de canabinoides com outros tratamentos farmacológicos (Garakani et al., 2020).

Outro desafio importante é a questão da legalização e regulamentação do uso de canabinoides para fins terapêuticos. Em muitos países, incluindo o Brasil, o uso de canabinoides ainda enfrenta barreiras legais, o que limita o acesso dos pacientes a esses tratamentos. A regulamentação do uso medicinal de cannabis tem avançado em algumas regiões, mas as questões sobre padronização, segurança e eficácia ainda precisam ser resolvidas antes que os canabinoides possam ser amplamente aceitos como uma opção terapêutica convencional (Lima et al., 2020).

2.2.2 Efeitos Terapêuticos dos Canabinoides na Ansiedade: Evidências Clínicas e Pré-clínicas:

O uso de canabinoides, particularmente o canabidiol (CBD), no tratamento de transtornos de ansiedade tem ganhado crescente atenção na literatura científica, devido aos seus efeitos promissores em reduzir os sintomas de ansiedade e estresse. Os canabinoides são substâncias que atuam diretamente no sistema endocanabinoide (SEC), que desempenha um papel importante na regulação de respostas emocionais, incluindo a resposta ao estresse e à ansiedade. Ao modular a atividade dos receptores endocanabinoides, os canabinoides podem influenciar as vias neurais associadas à ansiedade, contribuindo para uma redução nos sintomas clínicos associados a esse transtorno (Ahmed et al., 2021).

Estudos pré-clínicos realizados com modelos animais fornecem as primeiras evidências de que os canabinoides, em especial o CBD, têm efeitos ansiolíticos significativos. Em experimentos com roedores, o CBD demonstrou reduzir comportamentos relacionados à ansiedade, como o aumento da locomoção em ambientes abertos e a redução do comportamento exploratório em labirintos. Esses estudos sugerem que o CBD atua como um modulador do sistema endocanabinoide ao aumentar os níveis de anandamida no cérebro, um endocanabinoide que se liga aos receptores CB1 e CB2, promovendo um efeito relaxante (Garakani et al., 2020). Ao inibir a enzima FAAH, responsável pela degradação da anandamida, o CBD aumenta sua disponibilidade no sistema nervoso central (SNC), prolongando os efeitos calmantes dessa substância.

Além da modulação direta do SEC, o CBD também atua em outros sistemas de neurotransmissores que influenciam o humor e a ansiedade. Estudos indicam que o CBD tem uma afinidade moderada pelos receptores 5-HT1A, que estão associados à regulação da serotonina, um neurotransmissor chave na regulação do humor. A ativação desses receptores pelo CBD pode ter um impacto significativo na redução dos níveis de ansiedade, especialmente em transtornos como a ansiedade social e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). De acordo com Lima et al. (2020), o envolvimento do sistema serotoninérgico pode explicar por que o CBD tem se mostrado eficaz em reduzir a ansiedade tanto em modelos pré-clínicos quanto em estudos clínicos.

Estudos clínicos que envolvem o uso de CBD em humanos também fornecem fortes evidências de seus efeitos ansiolíticos. Um estudo conduzido por Ahmed et al. (2021) investigou o impacto do CBD em pacientes com transtorno de ansiedade social. Nesse estudo, os participantes que receberam doses de 300 mg de CBD relataram uma redução significativa nos níveis de ansiedade antes de um teste de falar em público, uma situação que tipicamente desencadeia altos níveis de ansiedade nesses indivíduos. Os resultados mostraram que o CBD reduziu a ativação da amígdala e do córtex pré-frontal, áreas do cérebro associadas ao medo e à regulação emocional. Esses achados reforçam a hipótese de que o CBD pode atenuar a resposta ao medo em situações sociais, oferecendo um potencial terapêutico para pacientes com transtorno de ansiedade social.

Outro estudo clínico de grande relevância foi realizado por Garakani et al. (2020), que avaliou o efeito do CBD em pacientes com transtorno de ansiedade generalizada. O estudo utilizou doses variáveis de CBD, com a dose média de 400 mg por dia, administrada ao longo de quatro semanas. Os resultados indicaram uma redução substancial nos escores de ansiedade dos participantes, com poucos efeitos colaterais relatados, o que sugere que o CBD pode ser uma alternativa viável aos tratamentos convencionais, como os benzodiazepínicos e os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). A baixa taxa de efeitos adversos faz do CBD uma opção atraente para pacientes que não respondem bem ou que experimentam efeitos colaterais indesejados com os medicamentos tradicionais (Dias, Santos e Arruda, 2024).

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) também tem sido uma área de investigação promissora para o uso de canabinoides. O TEPT é caracterizado por flashbacks, hipervigilância e ansiedade extrema, sintomas que estão frequentemente associados à incapacidade de desligar a resposta de medo após um evento traumático. Estudos sugerem que o CBD pode ajudar a atenuar essas respostas ao modular os receptores CB1 e CB2, que são responsáveis pela extinção da memória de medo. Navarrete et al. (2020) discutem que o CBD pode facilitar a extinção de memórias traumáticas ao reduzir a hiperatividade das áreas cerebrais associadas à memória do medo, como a amígdala. Esse efeito é particularmente relevante para pacientes com TEPT, para os quais a terapia farmacológica convencional muitas vezes falha em proporcionar alívio duradouro.

A eficácia do CBD no tratamento de transtornos de ansiedade não se limita apenas ao TEPT e à ansiedade social. Pesquisas mais recentes têm explorado seu uso no transtorno de pânico, uma condição caracterizada por ataques de ansiedade intensos e inesperados. Em um estudo conduzido por Haller (2023), pacientes com transtorno de pânico receberam doses moderadas de CBD, resultando em uma redução significativa na frequência e intensidade dos ataques de pânico ao longo de um período de seis semanas. Acredita-se que os efeitos do CBD sejam mediados por sua capacidade de reduzir a hiperatividade dos circuitos de medo no cérebro e de promover a homeostase emocional por meio da modulação do SEC e do sistema serotoninérgico.

Além de seus efeitos ansiolíticos, o CBD tem demonstrado propriedades anti-inflamatórias e neuroprotetoras, que podem contribuir para seu impacto positivo no tratamento de transtornos de ansiedade. O estresse crônico e a ansiedade prolongada estão frequentemente associados a processos inflamatórios no cérebro, que podem exacerbar os sintomas psiquiátricos. De acordo com Correia-da-Silva et al. (2019), o CBD pode atuar na redução da inflamação cerebral ao ativar os receptores CB2, promovendo um ambiente neuroprotetor que favorece a saúde emocional. Isso sugere que o CBD não apenas alivia os sintomas da ansiedade, mas também pode oferecer proteção contra os efeitos prejudiciais do estresse crônico no cérebro.

Apesar dos resultados promissores, ainda existem desafios na padronização do uso do CBD como tratamento para ansiedade. As doses ideais de CBD variam amplamente entre os estudos, com alguns utilizando doses tão baixas quanto 100 mg e outros até 600 mg por dia. Essa variação dificulta a determinação de uma dose terapêutica ideal e consistente para todos os pacientes. Além disso, a biodisponibilidade do CBD pode ser influenciada por fatores como a forma de administração (oral, sublingual ou inalatória) e as características individuais dos pacientes, como o metabolismo e o estado de saúde geral (Garakani et al., 2020).

Outro fator importante a ser considerado é a regulamentação do uso de canabinoides em diferentes países. Embora o CBD seja amplamente aceito como um tratamento seguro e eficaz para ansiedade em algumas regiões, a sua legalização ainda enfrenta barreiras em muitos países. No Brasil, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) permite o uso medicinal de canabinoides, mas as restrições e a necessidade de importação de produtos aumentam o custo e dificultam o acesso dos pacientes a esses tratamentos (Lima et al., 2020). A regulamentação inadequada e a falta de padronização nos produtos à base de cannabis também levantam preocupações sobre a segurança e a qualidade dos produtos disponíveis no mercado.

2.2.3 Desafios e Oportunidades no Uso de Canabinoides para Tratamento de Ansiedade e Estresse:

Embora o uso de canabinoides, especialmente o canabidiol (CBD), tenha ganhado relevância como uma opção terapêutica para o tratamento da ansiedade e do estresse, muitos desafios ainda precisam ser superados antes que esse tipo de intervenção seja amplamente aceito e regulamentado em várias partes do mundo. A complexidade associada à regulamentação, padronização de dosagem, e efeitos a longo prazo impõe barreiras consideráveis, ao mesmo tempo em que surgem oportunidades para novas abordagens e tratamentos mais eficazes.

A regulamentação dos canabinoides para fins terapêuticos é um dos principais desafios enfrentados globalmente. Embora países como Canadá, Uruguai e alguns estados dos EUA tenham avançado na regulamentação do uso de cannabis para fins medicinais, em muitas outras nações, incluindo o Brasil, a situação é ainda restritiva. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) permite a importação de produtos à base de cannabis mediante prescrição médica, porém o processo é burocrático e os custos são elevados, o que impede o acesso mais amplo dos pacientes a essas terapias (Lima et al., 2020). Devido à falta de regulamentação clara e eficaz, muitos pacientes acabam recorrendo ao mercado negro ou a alternativas ilegais, expondo-se a produtos de baixa qualidade, sem controle de pureza e dosagem.

Além disso, a falta de padronização dos produtos de cannabis é uma questão que limita a sua eficácia terapêutica. Os produtos à base de CBD variam significativamente em composição, potência e pureza, o que dificulta a prescrição precisa por parte dos médicos e a garantia de resultados consistentes para os pacientes. Estudos como o de Correia-da-Silva et al. (2019) apontam que muitos dos produtos disponíveis comercialmente não atendem aos padrões de qualidade exigidos, com variações significativas na concentração de CBD e presença de outros compostos, como o tetraidrocanabinol (THC). Essa falta de padronização não apenas afeta a eficácia do tratamento, mas também pode expor os pacientes a efeitos colaterais indesejados.

Outro desafio crítico é a determinação da dosagem ideal de CBD para o tratamento da ansiedade e do estresse. Até o momento, não existe consenso na literatura científica sobre a dose mais eficaz de CBD para essas condições. Estudos clínicos relatam doses variando de 100 a 600 mg por dia, com resultados igualmente variáveis (Garakani et al., 2020). Essa variação na dosagem torna difícil a padronização de protocolos terapêuticos, pois diferentes pacientes podem responder de maneira distinta à mesma dose. Além disso, a biodisponibilidade do CBD pode ser influenciada pela via de administração (oral, sublingual ou inalatória) e pelas características individuais de cada paciente, como metabolismo e peso corporal, o que complica ainda mais o estabelecimento de diretrizes de dosagem.

Os potenciais efeitos colaterais e interações medicamentosas também são uma área de preocupação. Embora o CBD seja geralmente bem tolerado, com poucos efeitos adversos reportados em estudos clínicos, o uso de doses mais altas ou o uso prolongado pode estar associado a efeitos colaterais, como fadiga, diarreia e alterações no apetite (Ahmed et al., 2021). Além disso, como o CBD é metabolizado pelas enzimas hepáticas do citocromo P450, há um risco considerável de interações medicamentosas, especialmente com medicamentos como anticoagulantes, anticonvulsivantes e antidepressivos. Essas interações podem alterar a eficácia de outros tratamentos farmacológicos e, em alguns casos, aumentar o risco de efeitos colaterais adversos (Dias, Santos e Arruda, 2024).

Apesar desses desafios, as oportunidades no uso de canabinoides para o tratamento da ansiedade e do estresse são significativas. Um dos principais pontos positivos é o perfil de segurança do CBD em comparação com tratamentos convencionais, como benzodiazepínicos e inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Esses medicamentos são amplamente utilizados no tratamento de transtornos de ansiedade, mas apresentam riscos de dependência, tolerância e uma série de efeitos colaterais, como sedação excessiva e disfunção sexual (Haller, 2023). O CBD, por outro lado, tem mostrado um perfil de risco muito menor, com menos efeitos adversos relatados e sem o potencial de dependência, tornando-se uma alternativa atraente para pacientes que não toleram bem os tratamentos convencionais.

Outra oportunidade importante é o potencial do CBD para tratar a ansiedade resistente ao tratamento, uma condição que afeta uma parcela significativa dos pacientes com transtornos de ansiedade. Muitos pacientes não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais e continuam a sofrer de sintomas debilitantes. Estudos indicam que o CBD pode ser particularmente eficaz em casos de ansiedade resistente ao tratamento, especialmente quando combinado com terapias convencionais, como psicoterapia cognitivo-comportamental (Navarrete et al., 2020). Além disso, a capacidade do CBD de modular o sistema endocanabinoide sem causar euforia ou comprometimento cognitivo, ao contrário do THC, torna-o uma opção viável para o tratamento de longo prazo de transtornos de ansiedade e estresse.

O avanço das pesquisas sobre o sistema endocanabinoide também abre oportunidades para o desenvolvimento de novos compostos terapêuticos. Pesquisadores estão explorando o desenvolvimento de moduladores sintéticos do SEC, que podem ter efeitos mais direcionados e menos efeitos colaterais do que os canabinoides naturais. Esses compostos têm o potencial de oferecer tratamentos mais eficazes para transtornos de ansiedade e estresse, sem os riscos associados ao uso de cannabis medicinal. Além disso, o uso de biomarcadores endocanabinoides pode permitir uma abordagem mais personalizada ao tratamento, ajudando os médicos a identificar quais pacientes são mais propensos a se beneficiar de terapias baseadas em canabinoides (Lowe et al., 2021).

No entanto, para que essas oportunidades sejam plenamente aproveitadas, é essencial que mais estudos clínicos rigorosos sejam realizados. Embora as evidências até agora sejam promissoras, muitos dos estudos existentes têm limitações, como tamanhos de amostra pequenos, variações nas doses utilizadas e a falta de grupos de controle adequados. Garakani et al. (2020) ressaltam a necessidade de mais ensaios clínicos randomizados e controlados para estabelecer a eficácia e a segurança do CBD em diferentes populações de pacientes e para diferentes tipos de transtornos de ansiedade. Além disso, estudos de longo prazo são necessários para avaliar os efeitos do uso crônico de CBD e outros canabinoides, especialmente em pacientes que necessitam de tratamento contínuo para ansiedade e estresse crônicos.

A integração de canabinoides, como o CBD, na prática clínica ainda requer uma mudança significativa nas políticas de saúde pública e nas regulamentações. A regulamentação apropriada e o controle de qualidade dos produtos de cannabis medicinal são fundamentais para garantir que os pacientes tenham acesso a tratamentos seguros e eficazes. A falta de uniformidade nas regulamentações e a ausência de padrões claros de qualidade e dosagem são barreiras que precisam ser superadas para que os canabinoides possam ser amplamente aceitos como opções terapêuticas confiáveis (Lima et al., 2020).

2.3 DISCUSSÃO

O estudo de Ahmed et al. (2021) explora especificamente o impacto do sistema endocanabinoide (SEC) no transtorno de ansiedade social, destacando a relevância da modulação dos receptores CB1 no tratamento dessa condição. O artigo sugere que a ativação dos receptores CB1, por meio de endocanabinoides ou canabinoides exógenos, pode regular as áreas cerebrais relacionadas ao medo e à resposta ao estresse, como a amígdala e o córtex pré-frontal. Esse estudo destaca a importância do SEC como um mediador central no controle das respostas ao medo e na modulação da ansiedade. Da mesma forma, Dos Santos et al. (2023) enfatizam o uso de canabinoides, especialmente o canabidiol (CBD), como uma terapia eficaz para a ansiedade, corroborando os achados de Ahmed et al., ao demonstrar que o CBD atua como um ansiolítico por meio da modulação dos receptores endocanabinoides, sem os efeitos psicoativos do THC.

No entanto, Correia-da-Silva et al. (2019) e Da Silva Carvalho et al. (2023) apontam que, embora o SEC e os canabinoides tenham potencial terapêutico, há variações nos efeitos com base em fatores como dosagem, biodisponibilidade e a via de administração. Correia-da-Silva et al. destacam a necessidade de mais estudos clínicos que padronizem o uso dos canabinoides para ansiedade, reforçando a ideia de que o potencial terapêutico do SEC depende de uma abordagem clínica padronizada e regulada.

Além disso, o estudo de Haller (2023) vai além ao discutir o papel dos canabinoides no contexto do estresse e dos mecanismos de enfrentamento. Ele observa que os canabinoides têm a capacidade de modular as respostas ao estresse por meio da ativação dos receptores CB1 e CB2, influenciando tanto as respostas comportamentais quanto fisiológicas ao estresse. Isso amplia a perspectiva apresentada por Ahmed et al. (2021), sugerindo que o SEC não apenas regula a ansiedade social, mas também desempenha um papel crítico na resposta ao estresse em um contexto mais amplo.

Enquanto a maioria dos estudos revisados foca nos efeitos terapêuticos dos canabinoides, principalmente o CBD, sobre a ansiedade e o estresse, existem diferenças nas abordagens e nos resultados. De Paula Nascimento e Marin (2022), por exemplo, analisam o uso de canabinoides em um contexto mais amplo, incluindo distúrbios de ansiedade e depressão, e observam que, embora o CBD seja promissor, existem limitações significativas no que diz respeito à sua eficácia em longo prazo. Em contraste, o estudo de Da Silva Carvalho et al. (2023) demonstra que o uso de CBD para o tratamento de transtornos de ansiedade e depressão tem resultados consistentes e benéficos, mas enfatiza que a dose ideal varia de acordo com a condição tratada e a resposta individual do paciente.

Esse contraste entre os estudos revela um desafio fundamental na terapêutica com canabinoides: a variabilidade dos efeitos do CBD entre diferentes pacientes e a ausência de um consenso claro sobre a dosagem ideal. Esse ponto é corroborado por Garakani et al. (2020), que destacam a necessidade de mais pesquisas para definir protocolos terapêuticos adequados. Eles sugerem que, embora o CBD seja uma alternativa promissora aos tratamentos tradicionais para ansiedade, sua aplicação clínica ainda enfrenta obstáculos devido à falta de padronização nas doses e na administração.

Outro ponto importante levantado por Lowe et al. (2021) é que, além da variabilidade na dosagem, a eficácia do tratamento com CBD pode depender de interações com outros sistemas neurobiológicos, como o sistema serotoninérgico. Esse estudo sugere que a combinação do CBD com outras terapias pode ser mais eficaz para tratar distúrbios de ansiedade, uma observação também feita por Da Silva Carvalho et al. (2023), que discutem a sinergia entre o CBD e outras abordagens farmacológicas. Esse achado sugere uma oportunidade para o desenvolvimento de tratamentos combinados que potencializem o efeito ansiolítico do CBD.

Outro aspecto crucial discutido nos estudos é a regulamentação do uso medicinal de canabinoides, especialmente em contextos como o Brasil. Lima et al. (2020) e Dias, Santos e Arruda (2024) discutem como a regulamentação inadequada do uso de cannabis medicinal no Brasil limita o acesso a tratamentos com CBD e canabinoides, um desafio que também é mencionado por Do Nascimento e Dalcin (2019). Esses autores apontam que, embora haja evidências promissoras sobre os benefícios dos canabinoides para o tratamento de condições como a ansiedade, a falta de padronização e a restrição regulatória dificultam a ampla adoção desses tratamentos.

Em contraponto, Ahmed et al. (2021) discutem que países como o Canadá e alguns estados dos EUA já avançaram na regulamentação, o que permitiu um maior número de ensaios clínicos e a comercialização de produtos de cannabis com controle de qualidade e padronização de dosagem. Esse contraste entre contextos regulatórios reflete uma das principais barreiras para a expansão do uso de canabinoides no tratamento da ansiedade e do estresse, conforme destacado por Correia-da-Silva et al. (2019), que também sugerem a necessidade de políticas públicas mais robustas para garantir o acesso seguro a terapias à base de cannabis.

Além disso, a segurança do uso prolongado de canabinoides, particularmente do CBD, é uma área de grande preocupação. Embora a maioria dos estudos, como Ahmed et al. (2021) e Dos Santos et al. (2023), relatem poucos efeitos colaterais associados ao uso de CBD, Garakani et al. (2020) advertem que há lacunas no conhecimento sobre os efeitos de longo prazo. Esses autores ressaltam a necessidade de ensaios clínicos de longa duração para avaliar o risco de efeitos adversos relacionados ao uso contínuo de canabinoides, particularmente em populações mais vulneráveis, como pacientes com condições crônicas de ansiedade.

Ao comparar os diferentes estudos, fica evidente que o uso de canabinoides, especialmente o CBD, para o tratamento de ansiedade e estresse apresenta resultados promissores, mas também enfrenta desafios significativos em termos de regulamentação, padronização de dosagem e avaliação da segurança a longo prazo. O estudo de Ahmed et al. (2021) destaca o papel central do SEC na regulação da ansiedade social, enquanto Haller (2023) e Garakani et al. (2020) ampliam essa visão ao explorar o impacto dos canabinoides em uma gama mais ampla de respostas ao estresse e à ansiedade.

No entanto, ainda existem lacunas a serem preenchidas, como apontado por Lima et al. (2020) e Da Silva Carvalho et al. (2023), que enfatizam a necessidade de estudos adicionais para padronizar o uso terapêutico do CBD e garantir a segurança e eficácia a longo prazo. Nesse sentido, o desenvolvimento de novas políticas de regulamentação e o avanço nas pesquisas clínicas são passos essenciais para consolidar o uso de canabinoides como uma opção terapêutica segura e eficaz para o tratamento de transtornos de ansiedade e estresse.

Tabela: Principais Desafios e Oportunidades no Uso de Canabinoides para Tratamento de Ansiedade

DesafiosOportunidades
Regulamentação restritivaPotencial para novas regulamentações mais flexíveis
Falta de padronização de dosagemDesenvolvimento de compostos sintéticos específicos
Qualidade inconsistente dos produtosMelhorias na padronização e qualidade dos produtos
Risco de dependência com uso prolongadoUso de canabinoides com baixo potencial de dependência

Fonte: Autor2024

3 CONCLUSÃO

Com base na análise realizada, conclui-se que o sistema endocanabinoide desempenha um papel fundamental na modulação das respostas ao estresse e à ansiedade, oferecendo uma base promissora para o desenvolvimento de terapias com canabinoides, como o canabidiol. Os estudos revisados indicam que o uso de canabinoides tem potencial terapêutico significativo no tratamento de transtornos de ansiedade, com resultados promissores na redução dos sintomas, especialmente para pacientes que não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais.

No entanto, apesar dos avanços científicos, ainda existem importantes desafios a serem superados, como a padronização das doses, a determinação da via de administração mais eficaz, e a regulamentação dos tratamentos à base de cannabis, que atualmente é limitada em diversos países. Além disso, há a necessidade de mais estudos clínicos de longa duração para avaliar a segurança e a eficácia do uso contínuo de canabinoides, garantindo que os pacientes possam se beneficiar de maneira segura dessas terapias.

Portanto, embora os canabinoides, especialmente o CBD, representem uma alternativa promissora para o tratamento da ansiedade e do estresse, é essencial que futuras pesquisas abordem as lacunas ainda existentes e que as políticas públicas evoluam para permitir maior acesso a tratamentos seguros e eficazes à base de cannabis medicinal.

REFERÊNCIAS

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1Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

2Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

3Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

4Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

5Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

6Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

7Acadêmico do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

8Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

9Acadêmico do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

10Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

11Acadêmico do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

12Acadêmico do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

13Acadêmica do Curso de Medicina, Campus Maringá-PR, Universidade Cesumar – UNICESUMAR.

14Orientador, Médico Especialista, Docente no Curso de Medicina, UNICESUMAR.