REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410251006
Emmanuel Thallyson Sousa Magalhães¹; Jocélia Maria de Azevedo Bringel²; Paloma Sousa Nogueira³; Luan Nascimento da Silva⁴.
RESUMO
OBJETIVO: Analisar retrospectivamente o total de internação por fratura de fêmur em idosos de acordo com as regiões no Brasil e cor da pele, no período de 2012 a 2022. MÉTODOS: Estudo ecológico de série temporal e retrospectivo que avaliou os dados de fratura de fêmur em idosos, a partir de dados disponíveis nos sites do Ministério da Saúde. Foram avaliadas as seguintes variáveis: Total de internações de acordo com a cor da pele, faixa etária e tipo de serviço utilizado. RESULTADOS: A quantidade de pessoas brancas foi bem superior no serviço de saúde privado. Com relação à cor da pele parda, norte e sudeste tiveram mais pessoas internadas no setor público. Com relação à internação de acordo com a faixa etária, todas as categorias tiveram o mesmo comportamento, com o aumento do número de internações à medida que há um avanço na magnitude etária. Houve aumento no número de internações no decorrer dos anos, somente entre os anos de 2019 e 2020, teve uma leve diminuição, observada especialmente nas pessoas com pele parda. CONCLUSÃO: Há uma discrepância no número de internações por fratura de fêmur em idosos entre as regiões brasileiras. Este estudo mostra que a fratura de fêmur continua a ser um problema de saúde presente na população brasileira, independe da cor da pele e que o seu comportamento crescente no decorrer dos anos reflete o envelhecimento da população.
Palavras-chave: Idoso. Fraturas do fêmur. Hospitalização.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To retrospectively analyze the total number of hospitalizations for femoral fractures in the elderly according to regions in Brazil and skin color, from 2012 to 2022. METHODS: Ecological and retrospective time series study that evaluated data on femoral fractures in the elderly, based on data available on the Ministry of Health websites. The following variables were evaluated: Total hospitalizations according to skin color, age group and type of service used. RESULTS: The number of white people was much higher in the private health service. Regarding brown skin color, the north and southeast had more people hospitalized in the public sector. Regarding hospitalization according to age group, all categories had the same behavior, with an increase in the number of hospitalizations as there is an increase in age magnitude. There was an increase in the number of hospitalizations over the years, only between 2019 and 2020, there was a slight decrease, observed especially in people with brown skin. CONCLUSION: There is a discrepancy in the number of hospitalizations for femur fractures in the elderly between Brazilian regions. This study shows that femoral fractures continue to be a health problem present in the Brazilian population, regardless of skin color and that their increasing behavior over the years reflects the aging of the population.
Keywords: Aged. Femoral Fractures. Hospitalization.
INTRODUÇÃO
A população brasileira está em um processo de envelhecimento, a partir dessa realidade há a tendência que os agravos comuns ao processo de senilidade sejam mais frequentes e configurem problemas de saúde pública (IBGE, 2011). Nesse contexto, é esperado que a osteoporose se torne mais prevalente e que as quedas entre os idosos se tornem mais comuns e, consequentemente, um maior risco para a ocorrência de fratura de fêmur. Esse agravo emerge como uma das lesões traumáticas mais proeminentes e uma das principais causas de hospitalização da população geriátrica (NETO et al., 2017; SOARES et al., 2014; POTER et al., 1990).
A literatura científica tem abordado esse tema em diversos contextos, como internação, tempo de hospitalização, repercussões financeiras nos serviços de saúde, taxa de mortalidade, análise da ocorrência pelo território nacional, comportamento epidemiológico no decorrer dos anos, dentre outras análises (SILVA et al., 2020). Todavia, ainda há lacunas de conhecimento dentro desta temática, principalmente relacionado às questões sociais que afetam a questões de saúde. Nesta perspectiva, emerge a utilização da abordagem interseccional que visa ampliar o reconhecimento da natureza multidimensional das iniquidades em saúde (HANKIVSKY; CHRISTOFFERSEN, 2008; BAUER, 2014).
Tendo em vista as diferenças regionais observadas no Brasil, a hipótese do nosso estudo é de que há diferença no número de internação por fratura de fêmur em idosos entre as regiões brasileiras de acordo com a cor da pele e tipo de serviço de saúde. Diante disto, o objetivo do presente artigo foi analisar retrospectivamente o total de internação por fratura de fêmur em idosos de acordo com as regiões no Brasil e cor da pele, no período de 2012 a 2022.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo ecológico de série temporal e retrospectivo com dados dos casos de fratura de fêmur ocorridos em idosos no Brasil, no período de 2012 a 2022, e a coleta de dados ocorreu em novembro de 2023. A população do estudo foi constituída por todos os casos de fratura de fêmur ocorridos em idosos residentes no Brasil entre 2012 a 2022 e registrados no DATASUS, para obtenção dos dados seguiu-se os passos: DATASUS > ACESSO A INFORMAÇÃO >TABNET > SEÇÃO: EPIDEMIOLÓGICAS E DE MORBIDADE > Morbidade Hospitalar do SUS (SIH/SUS) > Geral, por local de internação, (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/miuf.def) e utilizando os filtros: cor/raça, serviço público, privado e faixa etária. Lista Morb. CID-10: Fratura do fêmur. Foram utilizados os dados secundários referentes ao código S72 da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Foram avaliadas as seguintes variáveis: total de casos de internações por fratura de fêmur comparando o quanto ocorrem de acordo com a raça e ou cor da pele entre o sexo e faixa etária em categorias, sendo considerado apenas a partir de 50 anos.
Por ser um estudo que incluiu dados de domínio público, não foi necessária a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos.
RESULTADOS
A tabela 1 mostra uma comparação entre o serviço público e privado, de acordo com a cor da pele, na quantidade de internações por fratura de fêmur. A quantidade de pessoas brancas foi bem superior no serviço de saúde privado, mesmo nas regiões que têm supremacia da população com esta cor da pele, como o Sudeste e Sul. A única região que teve maior número de pessoas brancas internadas no setor público que no privado foi a região Norte. Com relação à cor da pele parda, norte e sudeste tiveram mais pessoas pardas internadas no setor público.
Tabela 1– Número de Internações por fratura de fêmur no serviço público e privado
A tabela 2 traz informações sobre a internação de acordo com a faixa etária. Todas as categorias tiveram o mesmo comportamento, com o aumento do número de internações à medida que há um avanço na magnitude etária. Porém, na população branca, a partir dos 70 anos, esse aumento é mais relevante quando comparado a pessoas de outra cor da pele.
Tabela 2 – Número de internações por fratura de fêmur por cor/raça da pele de acordo com a faixa etária
Com relação à internação no período de 10 anos a partir de 2012, na maioria das categorias houve aumento no número de internações no decorrer dos anos, somente entre os anos de 2019 e 2020, teve uma leve diminuição, observada especialmente nas pessoas com pele parda. Isso é observado na Tabela 3. A internação das pessoas indígenas teve um padrão mais irregular com o avançar dos anos, apesar de ter havido maior número no último ano incluído na análise.
Tabela 3 – Número de internações por fratura de fêmur por raça/cor da pele e ano de atendimento
DISCUSSÃO
O presente estudo buscou analisar a prevalência de internação por fratura de fêmur de pacientes com idade acima de 50 anos, nas cinco regiões do Brasil, no período de 2012 a 2022 analisando as informações de acordo com a cor da pele. A relevância deste tema refere-se não só às repercussões advindas da fratura de fêmur ao idoso, mas às consequências diretas a nível econômico, social e de saúde pública. O impacto que o alto valor epidemiológico das fraturas de fêmur traz, já são bem debatidos na literatura, todavia o enfoque direcionado à cor da pele, traz a esse estudo uma adjeção, por introduzir a temática da interseccionalidade, pela realidade brasileira ser repleta de iniquidades entre as regiões.
Neste contexto, este estudo traz a comparação do número de internações entre o setor público e privado, pois materializa a observação interseccional representada pela categoria cor da pele e considerando que as regiões brasileiras têm desigualdades econômicas e sociais.
A cor da pele tem sido relacionada à realidade financeira da população, e isto está relacionado a todo o contexto histórico do Brasil que teve o processo de colonização e exploração aos indígenas e pessoas negras. Este aspecto nos remete à hipótese de que as pessoas brancas teriam mais poder aquisitivo para terem acesso ao setor privado. Isso foi observado, o valor absoluto de internação de brancos foi maior no serviço de saúde privado, mesmo nas regiões que têm supremacia da população com esta cor da pele, como o Sudeste e Sul.
As regiões Sul e Sudeste foram as que tiveram maiores números de internação por fratura de fêmur, tal cenário pode estar ligado ao fato de que essas regiões são bem desenvolvidas e com grande população (LUIZ, 2019). Além disso, pode estar ligado ao fato dessas regiões serem mais desenvolvidas e terem infraestrutura material e humana que permitam maior acesso aos serviços de saúde, bem como melhor assistência e sistematização de notificação mais coordenado que as outras regiões (ALBUQUERQUE, 2017). A região sudeste é a região mais populosa do país, fato que pode ter contribuído para o maior número de casos de fratura de fêmur em idosos, onde os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais detém o maior percentual de idosos do Brasil (PALA, 2019).
Em relação à cor, as pessoas que tiveram maior prevalência de internação por fratura de fêmur foram brancas, e em seguida as pardas e pretas. Esse resultado não retrata a realidade da proporção de cor da pele brasileira, considerando que a população preta e parda no país somam a maioria de 56,1%, segundo o resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE). Uma explicação possível para essa disparidade seria a realidade histórico-cultural brasileira, na qual a população preta tem menor poder socioeconômico, e, portanto, menor acesso à assistência em saúde (RODRIGUES et al., 2023). Neste sentido, uma população com mais vulnerabilidade econômica pode ter menor acessibilidade aos serviços de saúde, se considerarmos a cor da pele
Com relação à internação de acordo com a faixa etária, todas as categorias tiveram o mesmo comportamento, o aumento do número de internações à medida que há um avanço na magnitude etária. Porém, na população branca, a partir dos 70 anos, esse aumento é mais relevante quando comparado a pessoas de outra cor da pele. Estes valores também reforçam as repercussões do envelhecimento na saúde funcional do idoso e sobre ampliação dos riscos a ocorrência desse tipo de fratura (NETO et al., 2017).
A senilidade seria o processo envolvido nesse mecanismo etiológico, por conta do comprometimento fisiológico que geram alterações hormonais, perda de massa muscular, enfraquecimento ósseo e alteração no equilíbrio, que fazem com que indivíduos mais velhos tenham mais riscos de eventos que geram o evento queda e/ou ruptura óssea. Além disso, há o agravante relacionado com as complicações advindas do período de tratamento e recuperação do trauma, tais como a resposta endócrina metabólica inflamatória ao trauma, maior chance de hemorragias, perda funcional e incapacidade (NETO et al., 2017).
Com relação à internação no período de 10 anos a partir de 2012, na maioria das categorias houve aumento no número de internações no decorrer dos anos, somente entre os anos de 2019 e 2020, teve uma leve diminuição, observada especialmente nas pessoas com pele parda. A tendência de crescimento das internações por fratura de fêmur em idosos está relacionada ao envelhecimento da população no Brasil. Essa tendência epidemiológica explicaria o aumento da chance de internamentos por fratura de fêmur na população idosa e as informações encontradas neste estudo (SOARES,2018).
Apesar da plataforma DATASUS fornecer informações válidas sobre a saúde da população, este estudo possui limitações, pois essas informações advindas de todo território Nacional provêm de lugares com diferentes condições de infraestrutura material e humana. Há iniquidades relacionadas às tecnologias em hospitais, à deficiência no treinamento de funcionários, e às divergências de dados entre município, estado e federação, que pode contribuir para subestimar ou superestimar algumas informações (MADURO-ABREU et al, 2020).
CONCLUSÃO
Este estudo mostra que a fratura de fêmur continua a ser um problema de saúde presente na população brasileira, independe da cor da pele e que o seu comportamento crescente no decorrer dos anos reflete o envelhecimento da população. Nesse aspecto amplifica a necessidade de políticas públicas direcionadas a esse público, tanto pelas repercussões funcionais nas pessoas acometidas tanto pela demanda econômica que rege a assistência em saúde envolvidas na ocorrência de fratura de fêmur.
A maior densidade populacional em regiões, como Sudeste e Sul, contribui para as maiores taxas de internação por fêmur, haja vista que estes também são maioria nessas regiões em comparação às demais.
Apesar da análise implementada não fornecer embasamento robusto para estabelecer conceitos ou aspectos de causalidade, desperta a reflexão sobre a interseccionalidade e diferenças de acesso à saúde em pessoas de diferente cor da pele e fornece motivação preliminar para novas investigações incluindo fatores de renda, gênero e/ou escolaridade.
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¹Acadêmico de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
²Orientadora. Coordenadora do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
³Fisioterapeuta do Hospital Geral Doutor Waldemar de Alcantera.
⁴Fisioterapeuta do Hospital Geral de Fortaleza.