REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102410242131
Abraão Giuseppe Beluzi1
Introdução
A sustentabilidade forte exige uma mudança profunda nas práticas organizacionais, uma vez que propõe a preservação dos recursos naturais e o respeito aos limites ecológicos, sem comprometer o desenvolvimento humano e econômico. No entanto, a transição para um modelo de gestão sustentável enfrenta diversos desafios, que vão desde a resistência cultural e institucional até a dependência de modelos econômicos e epistemológicos consolidados. Este ensaio explora os desafios para a adoção da sustentabilidade forte nas organizações, refletindo sobre as propostas emergentes, como o pensamento decolonial, a economia circular e as indagações que surgem a partir da análise crítica desses conceitos.
O paradigma econômico hegemônico e a sustentabilidade fraca
A sustentabilidade fraca, amplamente defendida pelo paradigma econômico atual, se baseia na ideia de que o capital natural pode ser substituído por capital artificial. Ou seja, a tecnologia e a inovação poderiam compensar a degradação ambiental ao longo do tempo, promovendo um desenvolvimento sustentável focado no crescimento econômico contínuo. No entanto, essa visão é criticada por autores que alertam para os perigos da colonialidade do saber e da hegemonia do pensamento eurocêntrico no campo da administração. Autores como Gümüsay e Reinecke (2022) apontam que ao permitir práticas mínimas de preservação ambiental, muitas organizações continuam a explorar os recursos de forma insustentável, demonstrando sua dependência de um modelo econômico linear e extrativista.
A sustentabilidade fraca, ao permitir que empresas adotem práticas mínimas de preservação ambiental enquanto continuam a explorar os recursos naturais de maneira
1 Abraão Giuseppe Beluzi – Graduado em Ciências Contábeis, Pós-graduado em Finanças e Controladoria, Pós-graduado em Auditoria e Perícia Contábil, Pós-graduado em Gestão de Pessoas, Mestrando em Controladoria e Finanças – FIPECAFI.
insustentável, revela a dependência das organizações a um modelo econômico linear e extrativista. Este modelo, centrado na lógica de crescimento ilimitado, negligencia a complexidade dos sistemas ecológicos e sociais, contribuindo para o agravamento das crises ambientais e das desigualdades sociais.
Pensamento decolonial e a proposta de desnortear a gestão
A perspectiva decolonial surge como uma resposta à hegemonia epistemológica do Norte Global e ao paradigma econômico dominante. Louredo e Oliveira (2022) argumentam que “desnortear” a administração implica uma rejeição da ideia de que o conhecimento válido sobre gestão deve necessariamente seguir as práticas e teorias desenvolvidas em contextos europeus ou norte-americanos. Essa crítica também está alinhada com a noção de que a gestão deve ser adaptada às realidades locais e regionais, reconhecendo as particularidades culturais e ambientais do Sul Global.
Para que a sustentabilidade forte seja adotada de maneira eficaz, as organizações precisam se desvincular das teorias gerenciais tradicionais, que privilegiam a eficiência econômica em detrimento dos direitos sociais e ambientais. A sustentabilidade forte exige uma abordagem sistêmica, que integre ecologia, justiça social e desenvolvimento econômico de maneira equilibrada. Salienta-se a necessidade de criar soluções que atendam às demandas específicas de cada contexto local, em vez de importar modelos de fora.
Economia circular e modelos de negócio sustentáveis
Outro tema emergente é o conceito de economia circular, um modelo alternativo para a promoção da sustentabilidade forte. A economia circular propõe a substituição do modelo linear de produção-consumo-descarte por um sistema cíclico, onde os recursos são reutilizados, reciclados e regenerados, minimizando o desperdício e os impactos ambientais, Pegorin et al. (2022). Este conceito tem sido explorado em diversas áreas, como exemplificado pelos casos da Fairphone (2021) e da Renault (2023), que utilizam materiais recicláveis e promovem o prolongamento do ciclo de vida de seus produtos.
A economia circular, ao propor a regeneração de recursos e a minimização de resíduos, se alinha com os princípios da sustentabilidade forte. No entanto, sua implementação nas organizações enfrenta desafios significativos, principalmente relacionados à mudança de mentalidade dos gestores e à falta de incentivos econômicos para a adoção de práticas circulares. Um dos maiores obstáculos é a resistência à mudança de paradigma, uma vez que muitas empresas ainda veem a sustentabilidade como um custo, e não como uma oportunidade estratégica.
Bauli (2020) demonstra que economia circular pode gerar inúmeros benefícios, como agregar valor às commodities, aumentar a oferta de empregos, incentivar práticas de manutenção, impulsionar atividades econômicas ligadas a ciclos reversos (como reciclagem e remanufatura), fortalecer cadeias produtivas e fomentar negócios inovadores que ampliam a competitividade nacional.
O papel das empresas no Antropoceno e a necessidade de transformação
O conceito de Antropoceno é central para a compreensão dos desafios contemporâneos da sustentabilidade forte. A era do Antropoceno é marcada pela influência dominante da atividade humana sobre os sistemas naturais, causando desequilíbrios ecológicos, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a acidificação dos oceanos. Nesse contexto, Nascimento (2020) explica que a responsabilidade das organizações em mitigar esses impactos é evidente.
As empresas precisam ir além das práticas de sustentabilidade fraca e adotar uma postura mais proativa e transformadora. Isso inclui a integração de princípios éticos e ecológicos em todas as suas operações, desde a cadeia de suprimentos até o descarte final de produtos. Modelos de negócio como os propostos pela economia circular oferecem alternativas viáveis, mas é necessário um compromisso maior para que essas práticas sejam amplamente adotadas.
Conclusão
Os desafios para a adoção da sustentabilidade forte nas organizações são complexos, envolvendo questões culturais, econômicas e epistemológicas. A hegemonia do paradigma econômico atual, que privilegia o crescimento ilimitado, ainda impede que a sustentabilidade forte se torne uma prática comum nas organizações. No entanto, as propostas emergentes, como a abordagem decolonial e a economia circular, oferecem caminhos promissores para a superação desses desafios.
A adoção da sustentabilidade forte requer um esforço coletivo por parte das organizações, governos e sociedade civil, além de uma revisão crítica dos paradigmas gerenciais que dominam o campo da administração. A combinação dessas propostas pode ajudar as organizações a superar as barreiras existentes e a adotar um modelo de gestão verdadeiramente sustentável, atendendo às demandas do Antropoceno e das crises socioambientais.
Bibliografia
Bauli, M. R. (2020). Economia circular: uma análise das estruturas de governança. Dissertação de Mestrado, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo. doi:10.11606/D.3.2020.tde-12042021-155758. Recuperado em 2024-10-18, de www.teses.usp.br.
Fairphone. (2021, November 24). Product circularity at Fairphone: Why do things need to change? Fairphone. https://www.fairphone.com/en/2021/11/24/product-circularity- fairphone/.
Gümüsay, A., e Reinecke, J. (2022). Researching for desirable futures: From real utopias to imagining alternatives. Journal of Management Studies, 59(1), 236-242. https://doi.org/10.1111/joms.12709.
Louredo, F., e Oliveira, T. (2022). Administração desnorteada? Uma revisão sistemática sobre a perspectiva decolonial e os estudos em organizações. Research, Society and Development, 11(2), 1-15. https://doi.org/10.33448/rsd-v11i2.25378.
Nascimento, A. (2020). Reflexões sobre o Antropoceno, o paradigma da espécie humana e seu domínio ilusório sobre a Terra. Anthropocenica: Revista de Estudos do Antropoceno e Ecocrítica, 1, 55-69. Disponível em: https://doi.org/10.21670/Anthropocenica.
Pegorin, M., Caldeira-Pires, A., & Faria, E. (2022). Caminhos e interações da economia circular: Estudo baseado em revisão integrativa de literatura e análise bibliométrica. EnANPAD. Disponível em: https://www.anpad.com.br.
Renault Group. (2023, March 24). Decarbonized mobility: Focus on Renault Group’s trajectory. Renault Group. https://www.renaultgroup.com/en/news-on- air/news/decarbonized-mobility-focus-on-renault-groups-trajectory/.
1 Abraão Giuseppe Beluzi – Graduado em Ciências Contábeis, Pós-graduado em Finanças e Controladoria, Pós-graduado em Auditoria e Perícia Contábil, Pós-graduado em Gestão de Pessoas, Mestrando em Controladoria e Finanças – FIPECAFI.