TREATMENT OF ODONTOGENIC INFECTIONS: FROM OUTPATIENT APPROACH TO HOSPITAL MANAGEMENT – A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410222208
Rafael Jorge Valente
Nicholas Pascuotte Filippetti
Hélio de Jesus Kiyochi Júnior
Kelly Cristine Tarquinio Marinho
Levy Anderson Cesar Alves
Débora Dias da Silva Harmitt
RESUMO
Introdução: As infecções odontogênicas representam um desafio clínico significativo na prática odontológica, com potencial para evoluir de quadros localizados a complicações sistêmicas graves, como a Angina de Ludwig e mediastinite. Esta revisão visa abordar as evidências recentes sobre o manejo dessas infecções, explorando o manejo ambulatorial e hospitalar. Métodos: A revisão de literatura foi realizada utilizando as bases de dados Google Acadêmico, PubMed e periódicos indexados no Journal Of Infection e Science Direct. Os termos de busca incluíram “infecções odontogênicas”, “complicações”, “antibioticoterapia” e “manejo”. Foram incluídos 19 artigos em inglês e português publicados nos últimos cinco anos, além de três livros de referência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Objetivo: O objetivo desta revisão é analisar criticamente as abordagens terapêuticas atuais para o tratamento de infecções odontogênicas, com foco em manejos para minimizar complicações graves e melhorar o desfecho clínico dos pacientes, tanto de maneira ambulatorial, quanto hospitalar. Discussão: A revisão revelou divergências entre os autores sobre as abordagens mais eficazes para o manejo das infecções odontogênicas, particularmente em relação ao uso de antibioticoterapia e intervenções cirúrgicas. Enquanto alguns autores defendem uma abordagem cirúrgica agressiva para evitar complicações graves, outros ressaltam a importância de adaptar a antibioticoterapia com base em culturas microbiológicas para prevenir resistência bacteriana. Também há variações na recomendação sobre o uso de antibióticos, refletindo a complexidade do manejo dessas infecções e a necessidade de uma abordagem personalizada. Conclusão: As infecções odontogênicas continuam a representar um desafio significativo na odontologia, exigindo uma abordagem diagnóstica e terapêutica abrangente. O reconhecimento precoce e o tratamento adequado são fundamentais para prevenir complicações e promover a recuperação da saúde. A revisão enfatiza a necessidade de uma abordagem integrada e atualizada no manejo dessas infecções
Palavras-chave: infecções bacterianas, Angina de Ludwig, antibióticos, cirurgia.
ABSTRACT
Introduction: Odontogenic infections represent a significant clinical challenge in dental practice, with the potential to progress from localized issues to severe systemic complications, such as Ludwig’s angina and mediastinitis. This review aims to approach recent evidence on the management of these infections, exploring both outpatient and hospital-based management. Methods: A literature review was conducted using the databases Google Scholar, National Library of Medicine, PubMed, and indexed journals. The search terms included “odontogenic infections,” “complications,” “antibiotic therapy,” and “management.” Nineteen articles in English and Portuguese published in the last five years were included, along with three reference books on Oral and Maxillofacial Surgery. Objective: The objective of this review is to critically analyze current therapeutic approaches for the treatment of odontogenic infections, focusing on strategies to minimize severe complications and improve patient outcomes in both outpatient and hospital settings. Discussion: The review revealed divergences among authors regarding the most effective approaches for managing odontogenic infections, particularly concerning the use of antibiotic therapy and surgical interventions. While some authors, such as Miloro et al. (2016), advocate for an aggressive surgical approach to prevent severe complications, others, like Jevon, Abdelrahman, and Pigadas (2020), emphasize the importance of tailoring antibiotic therapy based on microbiological cultures to prevent bacterial resistance. There are also variations in antibiotic recommendations, reflecting the complexity of managing these infections and the need for a personalized approach. Conclusion: Odontogenic infections continue to pose a significant challenge in dentistry, requiring a comprehensive diagnostic and therapeutic approach. Early recognition and appropriate treatm ent are crucial for preventing complications and promoting recovery. This review highlights the need for an integrated and updated approach in the management of these infections.
Keywords: bacterial infections, Ludwig´s Angina, antibiotics, surgery.
INTRODUÇÃO
Infecções odontogênicas são doenças prevalentes que geralmente se originam nos tecidos do próprio órgão dentário. São causadas pela evolução, maturação e desenvolvimento do biofilme dental (LÓPEZ-PÍRIZ; AGUILAR; GIMÉNEZ, 2007). Considerada um dos problemas mais difíceis de tratar, podem variar desde infecções de baixo grau e bem localizadas que requerem somente tratamento mínimo, até infecções graves que se disseminam por espaços fasciais profundos, causando risco de vida. Embora, em sua maioria, sejam tratadas facilmente com técnicas cirúrgicas simples e terapia médica de suporte como a administração antibiótica, o clínico deve ter sempre em mente que ocasionalmente essas infecções podem tornar-se graves e pôr a vida em risco em um intervalo curto de tempo (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
A Angina de Ludwig, a Sepse e a Trombose Séptica do Seio Cavernoso são complicações não muito incomuns, que podem surgir na prática clínica do cirurgião bucomaxilofacial. O manejo dessas condições complexas exige conhecimento técnico aprofundado e uma abordagem específica e criteriosa. É fundamental que o profissional seja capaz de reconhecer os sinais clínicos e sintomas indicativos dessas complicações, compreendendo a emergência e gravidade de cada caso. A Angina de Ludwig é uma séria infecção, potencialmente fatal e de rápida evolução, caracterizada por uma celulite que afeta os espaços submandibular e sublingual bilateralmente e submental (FOGAÇA et al., 2006). A Sepse pode ser definida como uma condição potencialmente fatal causada pela resposta do sistema imunológico do corpo de forma anormal (JEVON; ABDELRAHMAN; PIGADAS, 2020). A Trombose Séptica do Seio Cavernoso é uma condição rara que pode ocorrer quando organismos infecciosos alcançam o seio cavernoso, que é uma cavidade localizada na base do crânio (BALI et al., 2015).
Embora existam acometimentos sistêmicos, como mencionado anteriormente, infecções dentárias surgem de forma local, e posteriormente evoluem. Sabe-se que infecções agudas originadas nos dentes inferiores são mais graves do que as infecções de origem maxilar, e que aquelas que se espalham para espaços teciduais mais profundos surgem mais comumente na região molar (UITTAMO et al., 2020). Existem 3 estágios de infecção, sendo eles a inoculação, a celulite e o abscesso. A fase de inoculação (0 a 3 dias) é a de menor gravidade, onde o paciente apresenta dor leve a moderada, sem perda de função, com lesão difusa e pequena, e predominância de bactérias aeróbicas. O estágio de celulite (3 a 7 dias) é de alta gravidade, podendo causar muita dor (generalizada) e perda de função, como disfagia e dispneia. Clinicamente, a lesão se apresenta grande, difusa e dura à palpação, gerando mal-estar intenso ao paciente. O conteúdo apresenta-se com vestígios de pus e serossanguinolento, com microbiota mista. O abscesso (>5 dias) é uma fase de infecção que apresenta gravidade moderada ou alta, gerando dor moderada a grave, localizada. Pode ocorrer perda de função moderada ou grave e clinicamente a lesão apresenta-se circunscrita, macia, com ponto de flutuação é composta por secreção purulenta derivada de microbiota predominantemente anaeróbica (MILORO et al., 2016).
Infecções odontogênicas são dotadas de natureza tipicamente polimicrobiana devido ao fato de a cavidade oral ser repleta de uma enorme variedade de microrganismos. No entanto, a presença de anaeróbias ainda é de três a quatro vezes maior. Embora as bactérias desempenhem um papel importante em infecções odontogênicas, antimicrobianos nem sempre garantem um sucesso de tratamento. A penicilina tem sido considerada o fármaco de primeira linha para tratamento das infecções odontogênicas, sendo a amoxicilina (droga semi sintética), a principal escolha no tratamento das infecções dentárias e o antibiótico mais comumente usado pelos dentistas. Se um paciente com infecção em estágio inicial não responder à terapia com amoxicilina, há grandes chances de haver bactérias resistentes nessa microbiota, e isso se deve, geralmente, à produção de bectalamases pelos microrganismos, fazendo com que haja inativação enzimática do fármaco. Em casos resistentes a penicilinas os antibióticos que podem ser prescritos são clindamicina ou amoxicilina com ácido clavulânico (PEEDIKAYIL, 2016).
A literatura demonstra os perigos da evolução das infecções dentárias. Em termos epidemiológicos, N´GUESSAN et al. (2020) realizaram um estudo onde 179 pacientes foram coletados, obtendo prevalência de atendimento hospitalar de 20,79%. O sexo masculino foi ligeiramente mais acometido (proporção de 1.18). A lesão decorrente de infecção odontogênica foi associada à cárie dentária (96,09%) e extração dentária sem associação de antibioticoterapia (3,91%). Houveram 7 casos de celulite crônica, em comparação aos 172 casos de celulite aguda. Incisão e drenagem foram realizadas em 145 pacientes (81%) e a taxa de mortalidade dos pacientes do estudo foi de 13,96%.
O momento oportuno para intervir é um aspecto crítico, bem como a decisão sobre quando e como proceder dentro da linha de tratamento, que deve considerar a extensão da infecção, resposta do paciente ao tratamento inicial e a presença de sinais sistêmicos de complicações. A escolha entre intervenção em ambiente hospitalar ou ambulatorial deve ser orientada pelas características clínicas. Segundo MILORO et al (2016), são indicações de admissão hospitalar: Temperatura maior que 38,3ºC, desidratação, ameaça às vias respiratórias ou a estruturas vitais, infecções com gravidade moderada à alta nos espaços anatômicos, necessidade de anestesia geral ou necessidade de internação para controle de doença sistêmica.
O tratamento das infecções odontogênicas abrange mais de um nível de atenção à saúde, desde intervenções ambulatoriais simples, como drenagem de abcessos e administração de antibióticos, até procedimentos mais complexos realizados em ambiente hospitalar, incluindo cirurgias de emergência e cuidados em unidades de terapia intensiva. A escolha do tratamento depende de vários fatores. Uma infecção odontogênica que envolva o espaço mastigatório, os espaços perimandibulares ou espaços profundos do pescoço é indicação de admissão hospitalar (MILORO et al., 2016).
Dentro da literatura existe enorme concordância acerca das melhorias no manejo de pacientes acometidos por infecções odontogênicas nos últimos anos. Nas últimas décadas houve avanços significativos no entendimento da etiologia, diagnóstico, tratamento e manejo das infecções odontogênicas. A redução da mortalidade por Angina de Ludwig de 54% para 10% em apenas 3 anos, proporcionada por Williams e Guralnick (1943), foi alcançada pela mudança da norma cirúrgica de estabilização imediata da preservação das vias respiratórias por intubação ou por traqueostomia, seguida, assim que possível, de intervenção cirúrgica agressiva (MILORO et al., 2016). JEVON, ABDELRAHMAN e PIGADAS (2020) também mencionam que houve queda significativa na taxa de morbidade decorrente de infecções odontogênicas nos últimos 70 anos. O estudo dos autores retrata que essa queda está sem dúvidas ligada à descoberta dos antibióticos, melhorias dos padrões de saúde da população mundial e à uma melhor compreensão dos cuidados médicos apropriados e manejo cirúrgico desses casos, no entanto, ressaltam que ainda são necessárias mais melhorias e educação contínua da equipe odontológica sobre o assunto.
MATERIAIS E MÉTODOS
A presente revisão de literatura foi conduzida através de uma busca ativa e criteriosa de informações nas plataformas Google Acadêmico e PubMed e periódicos indexados no Journal Of Infection e Science Direct. Para a seleção dos estudos, foram utilizados termos específicos como “infecções odontogênicas,” “complicações,” “antibioticoterapia,” e “manejo,” aplicando filtros para restringir os resultados a publicações dos últimos cinco anos. No entanto, foram incluídos também artigos e literaturas de relevância reconhecida, independentemente da data de publicação, desde que contribuíssem significativamente para os resultados desta revisão.
A bibliografia em língua inglesa foi priorizada, dada a sua predominância na literatura científica global, contudo, estudos em português foram incluídos com o intuito de compreender as abordagens específicas adotadas no contexto brasileiro, considerando as variações no manejo clínico, que podem ser influenciadas por fatores como a disponibilidade de fármacos e recursos estruturais.
No total, foram selecionados 19 artigos científicos, publicados em inglês e português, abordando diferentes aspectos das infecções odontogênicas, garantindo assim uma revisão abrangente e integrada do tema. Adicionalmente, foram consultados três livros de referência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, que oferecem embasamento acerca de tratamento para infecções odontogênicas.
Revisão da literatura
Patogênese e etiologia
As infecções odontogênicas da região maxilofacial geralmente resultam de uma alteração na microbiota normal ou da migração de microrganismos para locais onde normalmente não estão presentes. Essas infecções podem variar desde abscessos periapicais até infecções profundas no pescoço (BAHL et al., 2014). A etiologia dessas infecções é variável, mas as principais causas que contribuem para uma evolução desfavorável incluem cárie dentária, extrações dentárias, cuidados bucais inadequados, pericoronarite e doença periodontal (EBOUNGABEKA et al., 2020)
A necrose da polpa dental como resultado da cárie profunda é relatada como sendo a maior causa de abscessos e infecções odontogênicas (EBOUNGABEKA et al., 2020). Assim, cria uma via para bactérias penetrarem nos tecidos periapicais. Uma vez que o tecido se torna inoculado pela bactéria e uma infecção ativa é estabelecida; a partir de então, esta infecção se dissemina igualmente em todas as direções, mas preferencialmente ao longo de linhas de menor resistência, atingindo o osso esponjoso até encontrar uma lâmina cortical. Se a lâmina for fina, a infecção perfurará o osso e penetrará nos tecidos moles circunjacentes (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
Quando a infecção perfura a lâmina cortical do processo alveolar, ela se dissemina por localizações anatômicas previsíveis. A localização da infecção oriunda de um dente específico é determinada por dois fatores principais: (1) a espessura do osso que cobre o ápice do dente e (2) a relação do local da perfuração do osso com as inserções musculares na maxila e mandíbula (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
Epidemiologia
Infecções odontogênicas tem sido um dos agravos mais comuns na região oral e maxilofacial, associada a um percentual de mortalidade entre 10-40% (BALI et al., 2015).
EBOUNGABEKA et al. (2020) realizaram um estudo onde 431 casos de celulite cervicofacial foram analisados. A média de idade dos pacientes foi de 32,8 anos, sendo os extremos de 3 e 93 anos. A faixa etária mais afetada é dos 16 aos 30 anos, e houve ligeira predominância pelo sexo masculino, em 55,9% dos casos. A proporção entre os sexos foi de 1:3. A cárie dental foi determinada como a principal causa de infecções odontogênicas (92,43% – 398 casos), seguida de extrações dentárias (3,48% – 15 casos), maus cuidados dentários (1,86% – 8 casos), pericoronarite (1,39% – 6 casos) e doença periodontal (0,93% – 4 casos). Dentre as comorbidades e variações sistêmicas associadas, a diabetes melittus contou com 49 casos (11,4%), sendo maior que HIV (4% – 18 casos) e menor que a gravidez (13% – 56 casos). Dentro do estudo, o envolvimento dental para o início e evolução da doença foi encontrado em 100% dos casos, sendo a região mandibular mais acometida (77,72%).
Sabe-se ainda, que tais infecções podem evoluir de maneira negativa. JEVON, ABDELRAHMAN e PIGADAS (2020) realizaram um estudo sobre a incidência da sepse. Foi estimado que 234.000 pacientes desenvolvem sepse apenas no Reino Unido, todos os anos. Com 70% dos casos de sepse se originando no setor de atenção primária, anualmente existem 44.000 mortes por sepse no reino unido, e cerca de seis milhões ao redor de todo o mundo, embora, a porcentagem dessa complicação ser relativamente baixa nas infecções odontogênicas.
Em se tratar da Angina de Ludwig, alguns autores relatavam a taxa de mortalidade como sendo de 54%, porém, com o estabelecimento da segurança das vias respiratórias, drenagem cirúrgica precoce e agressiva dos espaços anatômicos, antibioticoterapia e cuidado médico avançado, a taxa foi reduzida para 4% (MILORO et al., 2016). Frequentemente, pode haver evolução para o quadro de mediastinite, que atualmente apresenta taxa de mortalidade de 40%, acometendo normalmente pacientes jovens, predominantemente do sexo masculino, associado ao etilismo crônico (CONCEIÇÃO et al., 2019).
Aspectos clínicos e microbiológicos
A microbiologia das infecções odontogênicas é amplamente discutida na literatura. As bactérias que causam tais infecções são parte da flora oral normal: aquelas que integram a placa bacteriana, aquelas encontradas nas superfícies mucosas e aquelas encontradas no sulco gengival. Essas bactérias são principalmente cocos aeróbios gram-positivos, cocos anaeróbios gram-positivos e bastonetes anaeróbios gram-negativos. Essas bactérias causam uma variedade de doenças comuns, como cáries dentárias, gengivite e periodontite. Quando ganham acesso aos tecidos profundos subjacentes através da polpa dentária necrosada ou de uma bolsa periodontal profunda, elas causam infecções odontogênicas. Conforme a infecção progride mais profundamente, diferentes microrganismos membros da flora infectante podem encontrar melhores condições de crescimento e começam a exceder em número as espécies previamente dominantes (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
Se a infecção permanece localizada no ápice radicular, uma infecção periapical crônica pode se desenvolver. Uma vez que a infecção tenha se estendido além do ápice radicular, ela pode prosseguir para os espaços ósseos medulares e desenvolver uma osteomielite. Mais comumente estes processos formam trajetos fistulosos através do osso, extravasando-se para o tecido mole circundante. Uma vez além dos limites do osso alveolar, a infecção pode se localizar como um abscesso ou se difundir através do tecido mole, como celulite ou ambos. Frequentemente esses termos são confundidos ou usados de maneira semelhante, embora, o abscesso seja uma cavidade de parede espessa contendo pus, e a celulite, uma infecção difusa, eritematosa, submucosa ou subcutânea (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020). Os estafilococos frequentemente estão associados com a formação de abscesso, e os estreptococos associados com a celulite, produzindo enzimas que destroem a fibrina e a substância fundamental de tecido conjuntivo, facilitando a rápida difusão dos invasores bacterianos. Estes microrganismos não estão restritos a um ou outro tipo de reação, uma vez que as infecções orais são frequentemente compostas de uma microbiota mista.
Os abscessos de parede espessa, com pouco ou nenhum suprimento sanguíneo, respondem pobremente à antibioticoterapia. Entretanto a celulite responde bem, muitas vezes sem ser necessária a drenagem cirúrgica (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020). MILORO et al. (2016) apresenta uma tabela com os estágios da infecção odontogênica, apresentando características, período de inoculação, celulite e abscesso (Fig. 1).
Figura 1- Estágios das infecções odontogênicas.
Adaptada de Miloro, M: Ghali, G. E.; Larsen, Peter E. ; et al. Princípios de Cirurgia Bucomaxilofacial de Peterson – 3ª Ed. 2016.
Espaços fasciais
As fáscias se desenvolvem em planos de tecido conjuntivo sujeitos a movimento e contração musculares. O conceito de “espaços fasciais” é baseado no conhecimento dos anatomistas de que todos os “espaços” existem apenas potencialmente, até que as fáscias sejam separadas por pus, sangue, drenos ou intervenção do cirurgião (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
Quando a infecção dentária se difunde para os tecidos moles ao invés de extravasar pela superfície através das vias oral ou cutânea, os espaços fasciais podem ser afetados (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020). Se não tratados podem se espalhar para os espaços adjacentes: massetérico, submandibular, temporal, bucal, canino e parafaríngeo (BAHL et al., 2014). Seguindo a via de menor resistência através do tecido conjuntivo e ao longo dos planos fasciais, a infecção pode se difundir a uma boa distância de sua origem dentária, causando morbidade e, ocasionalmente, óbito (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP (2020) mencionam os espaços fasciais de significância clínica, dividindo em “face, supra-hioide, infra-hiode, cervicais”. Os espaços da face compreendem: bucal, canino, mastigador (massetérico, pterigoideo e zigomaticotemporal). Os espaços supra-hioides compreendem: sublingual, submandibular (submaxilar [submandibular] e submentual), laterofaríngeo e peritonsilar. O espaço infra-hiode compreende o espaço pré-traqueal. Os espaços cervicais compreendem o espaço retrofaríngeo, espaço perigoso e espaço da bainha carótida.
O espaço canino não está frequentemente envolvido na infecção odontogênica e está envolvido ainda com menos frequência na infecção nasal. Geralmente as infecções dos caninos superiores surgem como edema no sulco vestibular, e menos comumente como edema palatino. O músculo elevador do lábio superior sobrepõe-se ao ápice da raiz do canino, portanto, uma vez que a infecção perfura a cortical lateral do osso maxilar até a origem do músculo, o potencial espaço canino é afetado. A literatura discute e este representa um verdadeiro espaço facial ou simplesmente um compartimento muscular, embora, indiscutivelmente um abscesso nessa região requira intervenção cirúrgica (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
O espaço bucal é frequentemente acometido por infecções de pré-molares e molares. A relação dos ápices radiculares com as origens do músculo bucinador determina se a infecção drena intra-oralmente por vestibular ou se estende em direção ao espaço bucinador, contornando a sua inserção muscular. O espaço bucal contém o coxim de gordura da bochecha, o ducto de Stensen (parótida) e a artéria facial (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
Quanto aos espaços mastigadores, são bem diferenciados, mas se comunicam entre si com os espaços bucal, submandibular e perifaríngeo. A infecção pode ficar confinada nesses compartimentos ou pode se difundir a qualquer ou todos os outros. Dos músculos da mastigação, apenas a superfície externa do masseter e a interna do pterigoideo medial são revestidas por fáscia verdadeira. A infecção de um espaço mastigador ocorre mais frequentemente de um molar, e as infecções dos terceiros molares são envolvidas mais comumente como a causa. Pericoronarite, abscessos induzidos por cáries, injeções anestésicas contaminadas, trauma direto, abordagem cirúrgica e complicações da suspensão zigomática por trauma do terço médio da face também são descritas como possíveis causadores de infecção dos espaços mastigatórios. Clinicamente, a “marca” da infecção desses espaços é o trismo. Se o trismo não estiver presente, estes espaços não estão envolvidos com o processo infeccioso (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
Os espaços submandibular e sublingual embora distantes anatomicamente, devem ser considerados como uma unidade cirúrgica por causa de sua proximidade e do frequente envolvimento duplo na infecção odontogênica. O músculo milo-hióideo, que forma o assoalho da cavidade oral, é a chave para o diagnóstico e tratamento cirúrgico das infecções destes espaços. Os ápices dos pré-molares e primeiros molares geralmente são superiores à inserção deste músculo. Como resultado, as perfurações linguais das infecções destes dentes penetram no compartimento mais superior (sublingual). Anteriormente, o espaço sublingual se comunica com o espaço submentual. Nessa área, pode ser invadido por infecções nos incisivos. Posteriormente, o espaço sublingual se comunica com o espaço laterofaríngeo A infecção do espaço sublingual aparece como um aumento de volume endurecido, eritematoso e dolorido. A drenagem deve ser realizada intra-oralmente, por uma incisão através da mucosa paralela ao ducto de Wharton, bilateralmente. Se o espaço submandibular estiver acometido, ambos os espaços podem ser alcançados através do acesso submandibular (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
Existe um espaço fascial no mento, e às vezes se torna infectado, seja diretamente por um incisivo inferior ou indiretamente pelo espaço submandibular. O espaço submentual está localizado abaixo do mento e limitado acima pela pele e pelo músculo mentual, lateralmente pelos ventres anteriores dos músculos digástricos, posteriormente pelo músculo milo-hióideo e superiormente pelo músculo platisma, fascia cervical profunda, fascia superficial e pela pele. A infecção submentual pode se difundir para cada um ou ambos os espaços submandibulares. A drenagem cirúrgica percutânea é o acesso mais efetivo (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
Complicações Graves de Infecções Odontogênicas
As infecções odontogênicas podem se disseminar e causar complicações graves como comprometimento de vias aéreas, necrose tecidual, endocardite, mediastinite e infecções cervicais profundas. Essas infecções graves podem ser potencialmente fatais. Existem vários fatores predisponentes que podem agravar infecções, como imunodeficiência, diabetes mellitus de longa duração, obesidade, alcoolismo crônico, hepatite, cirrose hepática, imunossupressão após transplante de órgãos, quimioterapia, radioterapia e lúpus eritematoso sistêmico (WEISE et al., 2019).
– Trombose Séptica do Seio Cavernoso
A Trombose Séptica do Seio Cavernoso (TSSC) é uma condição rara, de difícil diagnóstico e o seu tratamento deve ser assertivo. A etiologia da trombose frequentemente está associada à extensão de processos infecciosos no terço médio da face, como sinusites dos seios paranasais. A TSSC de origem odontogênica é bastante rara, que pode progredir para a morte do paciente se não tratada a tempo. Alguns sinais dessa complicação não são específicos, como: cefaleia, toxemia, prostração, náusea e/ou febre. Por outro lado, outros sinais são muito característicos: proptose, quemose e edema palpebral (provocados pela obstrução da veia oftálmica). Estes, são conhecidos como “tríade clássica da trombose” (PRATA-JÚNIOR et al., 2022).
PRATA-JÚNIOR et al. (2022) relataram um caso, onde além da tríade clássica da trombose, o paciente apresentava anisocoria e oftalmoplegia. Para alguns autores, a TSSC tem como sinal patognomônico a bilateralidade. Contudo, o caso relatado apresentou-se de forma unilateral.
Uma vez estabelecido o diagnóstico de TSSC, dá-se início ao tratamento com altas doses de antibióticos de amplo espectro, por via endovenosa, que alcance microrganismos gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios. Frente ao agravo do processo infeccioso deve-se proceder com a drenagem sob anestesia geral, visto que é realizada num meio asséptico e com maior controle da dor do paciente, permitindo uma exploração mais agressiva e assertiva (PRATA-JÚNIOR et al., 2022).
– Angina de Ludwig
A Angina de Ludwig é uma infecção, potencialmente fatal e de rápida evolução, caracterizada por uma celulite que afeta os espaços submandibular e sublingual, bilateralmente, e o espaço submentual. Atualmente sua mortalidade têm diminuído, mas é necessário que se faça um diagnóstico correto e rápido. A etiologia mais comum é a odontogênica, relacionada principalmente com os molares inferiores, porém há outras causas, como por exemplo, lacerações da mucosa oral, amigdalites e fraturas mandibulares infectadas. O diagnóstico é principalmente clínico e o paciente apresenta febre, trismo, dispneia e aumento de volume endurecido à palpação do soalho bucal e da região supra-hióidea, bilateralmente, com elevação da língua que pode levar à severa obstrução das vias aéreas. A asfixia é a causa mais comum de óbito. Devido a gravidade do quadro, o tratamento deve ser imediato, abrangendo a manutenção das vias aéreas, antibioticoterapia intravenosa em altas doses, drenagem cirúrgica e remoção do agente etiológico. De maneira adjuvante deve ser realizado o controle metabólico e reposição de fluidos (FOGAÇA et al., 2006).
Como consequência da Angina de Ludwig, pode ocorrer mediastinite descendente necrosante (MDN), que representa uma forma grave e incomum de infecção mediastinal, a qual também exige diagnóstico precoce e tratamento cirúrgico para reduzir a alta taxa de mortalidade associada a esta doença (CONCEIÇÃO et al., 2019).
Manejo do paciente com Infecções Odontogênicas
A odontologia tem obtido grande progresso na prevenção e intervenção precoce das infecções odontogênicas. Os cirurgiões bucomaxilofaciais fizeram grandes avanços no tratamento e na prevenção da mortalidade das graves infecções odontogênicas. Foi o Dr. Larry Peterson quem viabilizou e articulou os princípios do tratamento das infecções odontogênicas nos espaços fasciais profundos. Estes princípios são oito passos que, se seguidos meticulosamente garantirão um cuidado de alto nível para tais infecções (MILORO et al., 2016):
1. Determinar a gravidade da infecção.
2. Avaliar as defesas do hospedeiro.
3. Decidir os cuidados.
4. Tratar cirurgicamente.
5. Oferecer suporte clínico
6. Escolher e prescrever terapia antibiótica
7. Administrar corretamente o antibiótico
8. Avaliar frequentemente o paciente
Antibioticoterapia
A decisão de tratar o paciente com antibióticos deveria ser fácil: dar antibióticos para curar uma infecção existente. No entanto, este fácil passo se torna difícil na crítica avaliação da proporção e risco/benefício da administração da droga (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020). Embora as bactérias desempenhem um papel importante nas infecções odontogênicas, os antimicrobianos não são sempre necessários. Por exemplo, uma fístula contendo uma infecção crônica geralmente requer apenas a extração do dente ofensivo. No entanto, a antibioticoterapia iniciada logo após o diagnóstico e antes da cirurgia pode encurtar o período de infecção e minimizar os riscos associados, como a bacteremia (SANDOR et al., 1998).
Quando se pondera sobre qual fármaco usar, pode haver diversas opções. A seleção deve ser minuciosa. Primeiramente, o antibiótico com menor espectro deve ser escolhido, para evitar o desenvolvimento de microrganismos resistentes. Outros princípios na escolha do antibiótico são: a seleção da droga menos tóxica entre aquelas efetivas, uso de drogas bactericidas em vez de bacteriostáticas (menor dependência da resistência do hospedeiro, eliminação das bactérias pelo próprio antibiótico, resultado mais rápido, maior flexibilidade nos intervalos entre as doses), uso de antibiótico com histórico comprovado (também abrangendo a farmacologia empírica), custo do antibiótico e colaboração do paciente (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
Uma vez estabelecido que para a resolução do quadro infeccioso é necessária antibioticoterapia, e também estabelecido o tipo de antibiótico, ele deve ser administrado segundo a dose apropriada, intervalo apropriado, via de administração apropriada, e se necessário, antibioticoterapia combinada (TOPAZIAN; GOLDBERG; HUPP; 2020).
Penicilinas, clindamicina, azitromicina e moxifloxacino são antibióticos efetivos contra os estreptococos aeróbios facultativos e anaeróbios orais. O metronidazol é eficaz somente contra as bactérias anaeróbias estritas. A substância de escolha empírica geralmente é a penicilina. Substâncias alternativas para o uso em pacientes alérgicos são a clindamicina e a azitromicina. O metronidazol é útil somente contra bactérias anaeróbias e deve ser reservado para casos onde somente esse tipo de bactéria é identificado, em combinação com um antibiótico que tenha atividade antiaeróbica (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
Para infecções odontogênicas simples podem ser utilizados antibióticos de pequeno espectro: penicilina, amoxicilina, clindamicina e metronidazol. Para infecções odontogênicas complexas podem ser utilizados antibióticos de amplo espectro: amoxicilina + ácido clavulânico (para infecções sinusais), azitromicina, tetraciclina e moxifloxacino (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
Manejo Ambulatorial e Hospitalar
A maioria das infecções odontogênicas observadas pelos cirurgiões-dentistas pode ser tratada com resolução rápida. Quando abordadas com pequenas cirurgias e antibióticos, se indicados, respondem quase sempre rapidamente. Contudo, algumas infecções odontogênicas põem os pacientes em um potencial risco de vida, requerendo tratamento médico e cirúrgico agressivo para a melhor resolução. Tais indivíduos devem ser encaminhados a um cirurgião oral e maxilofacial para tratamento definitivo. Para alguns pacientes, a hospitalização é necessária, enquanto outros podem ser tratados ambulatorialmente. A terapia cirúrgica e antibiótica possui indicações em ambos os ambientes, devendo-se avaliar sinais como: dificuldade de respirar e deglutir, desidratação e imuno comprometimento, para que seja tomada a correta decisão entre o ambulatório ou o hospital (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
A extração fornece a remoção da causa da infecção e drenagem da secreção purulenta periapical e dos resíduos. Além do procedimento endodôntico e da extração do dente, a incisão e drenagem (I&D) podem ser necessárias para a infecção que se disseminou além do espaço periapical. A I&D de uma celulite serve para abortar a disseminação da infecção dentro dos espaços anatômicos profundos. Esse procedimento inclui a inserção de dreno para prevenir o fechamento prematuro da incisão na mucosa, o que pode permitir que a cavidade de um abscesso se reforme, por exemplo. Se a abertura endodôntica do dente não fornecer a drenagem adequada do abscesso, é essencial executar a I&D (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
É preferível que seja obtida amostra para cultura e teste de sensibilidade dos microrganismos. Caso seja tomada essa decisão, ela é executada antes da drenagem cirúrgica. Uma vez obtida a amostra, uma incisão é feita com lâmina de bisturi, usualmente não ultrapassando 1 cm de comprimento. Concluída a incisão, uma pinça hemostática fechada curva é inserida através da incisão dentro da cavidade do abscesso. É então aberta em diversas direções para romper prováveis locações que não foram abertas pela incisão inicial. Assim que a cavidade for drenada, é instalado um dreno, comumente o dreno de Penrose estéril de 6,35 mm. Caso não haja disponibilidade desse material, pode ser utilizada uma pequena tira esterilizada de dique de borracha ou luva cirúrgica. O dreno é então suturado na margem da incisão com um fio não reabsorvível. Ele deve permanecer no local até que a drenagem seja interrompida, normalmente por 2 a 5 dias (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
Para os pacientes ambulatoriais, os antibióticos de escolha são: Amoxacilina, Clindamicina, Azitromicina e Moxifloxacino (MILORO et al., 2016).
Quando um paciente com infecção odontogênica busca por tratamento, o cirurgião-dentista deve ter uma série de critérios por meio dos quais possa analisar a seriedade dessa infecção. Uma vez que a infecção atinge patamares críticos, o cirurgião bucomaxilofacial deve ser requisitado para o tratamento definitivo. Quando todos os critérios (ou alguns deles) forem identificados, o encaminhamento deve ser realizado de forma imediata:
1. Dificuldade de respirar
2. Dificuldade de deglutir
3. Desidratação
4. Trismo moderado a grave (abertura interincisal < 20mm)
5. Temperatura elevada (> 38,3ºC)
6. Mal-estar grave e aparência tóxica
7. Defesas comprometidas do hospedeiro
8. Necessidade de anestesia geral
9. Insucesso no tratamento prévio
A ameaça iminente às vias aéreas é a maior preocupação, portanto, três critérios principais indicam o encaminhamento imediato ao hospital. O primeiro é a progressão muito rápida da infecção, quando a infecção começou a poucos dias antes da consulta e já apresenta grande aumento de volume, dor e sintomas associados. O segundo critério é a dispneia. Pacientes com tumefação grave do tecido mole das vias aéreas superiores como resultado de infecção podem ter dificuldade em manter uma via aérea permeável. Esse paciente deve ser encaminhado diretamente para uma sala de emergência, pois a intervenção cirúrgica imediata pode ser necessária para manter a via aérea intacta. O terceiro critério é a disfagia. Pacientes com infecções dos espaços fasciais profundos também podem ter dificuldade em engolir a própria saliva. Babar é um sinal crítico, pois indica estreitamento da orofaringe e potencial obstrução aguda das vias aéreas (HUPP; ELLIS; TUCKER, 2021).
Em geral, a cirurgia para o tratamento das infecções mais graves não é difícil. Deve ser considerado o completo conhecimento da anatomia dos espaços fasciais profundos de cabeça e pescoço, pois assim, por meio de pontos de referências anatômicos apropriados o cirurgião será capaz de usar incisões pequenas e dissecação romba sem a exposição direta e visualização do espaço anatômico infectado. Existe a necessidade de dissecar um percurso para o dreno que inclua os locais onde a coleção purulenta tem maior probabilidade de ser encontrada. Isso pode ser guiado pelo exame de TC e pelo conhecimento dos trajetos mais prováveis da infecção odontogênica (MILORO et al., 2016).
As vantagens de uma drenagem de ponta a ponta são a criação de dois trajetos para a saída do pus, e a realização de incisões em tecido saudável e área esteticamente aceitável e a capacidade para irrigar a ferida infectada com escoamento unidirecional de um ponto ao outro. Essa irrigação é facilitada pelo uso do dreno Jackson-Pratt, que não é dobrável e perfurado. Os drenos devem ser retirados quando cessar a drenagem. Deve-se considerar que os drenos de Penrose podem ser anti-higiênicos e, após alguns dias, causar exsudação apenas em virtude da reação por corpo estranho (MILORO et al., 2016).
Dentro do ambiente hospitalar a escolha da terapia antibiótica empírica deve variar entre: Ampicilina + Sulbactam, Clindamicina, Ampicilina + Metronidazol, Moxifloxacino, Ceftriaxona e Vancomicina + Metronidazol + Moxifloxacino (MILORO et al., 2016).
Discussão
A literatura revisada revela uma visão geral semelhante quanto a gravidade das infecções odontogênicas e a necessidade de um manejo adequado para evitar complicações graves. No entanto, existem divergências entre os autores sobre as abordagens mais eficazes para o tratamento dessas infecções, especialmente em relação ao uso de antibioticoterapia e o manejo cirúrgico.
Miloro et al. (2016) defendem uma abordagem agressiva para o manejo das infecções odontogênicas, enfatizando a importância da intervenção cirúrgica precoce e a estabilização imediata das vias aéreas em casos graves, como a Angina de Ludwig. Essa abordagem é compartilhada por Topazian, Goldberg e Hupp (2020), que sugerem que a drenagem cirúrgica e a remoção da causa infecciosa são cruciais para prevenir a disseminação da infecção e reduzir a mortalidade. No entanto, Jevon, Abdelrahman e Pigadas (2020) argumentam que, embora a intervenção cirúrgica seja fundamental, a antibioticoterapia deve ser adaptada com base na resposta do paciente e nos resultados de culturas microbiológicas, ressaltando a importância de evitar o uso indiscriminado dos antibióticos para prevenir a resistência microbiana.
Também há extensão de divergências em relação aos antibióticos. Enquanto Peedikayil (2016) aponta a penicilina como o fármaco de primeira linha, devido à sua eficácia comprovada contra os estreptococos aeróbios e anaeróbios, outros autores como Hupp, Ellis e Tucker (2021) sugerem a clindamicina, e a amoxicilina associada ao ácido clavulânico como alternativas eficazes, especialmente em casos de bactérias resistentes, ou pacientes alérgicos às penicilinas (no caso da indicação de clindamicina). Essa variação nas recomendações reflete a complexidade do manejo das infecções odontogênicas, onde a escolha do tratamento farmacológico varia na visão de cada autor, considerando a gravidade da infecção, histórico de saúde do paciente e resposta ao tratamento inicial.
Essas divergências na literatura destacam a importância de uma abordagem personalizada para o manejo das infecções odontogênicas, levando em consideração tanto as características específicas de cada caso quanto às melhores práticas baseadas nas evidências apresentadas. Embora haja consenso sobre a necessidade de tratamento rápido e eficaz, a escolha das intervenções deve ser cuidadosamente considerada, e futuros estudos e pesquisas são necessários para estabelecer diretrizes mais claras e padronizadas, conforme o possível.
Conclusão
A revisão da literatura sobre infecções odontogênicas revela a grande complexidade e a importância do entendimento, diagnóstico e tratamento na prática odontológica. As infecções odontogênicas apresentam variedades de apresentações clínicas e gravidade, que exigem abordagem terapêutica e diagnóstica abrangente. O reconhecimento precoce das infecções, aliado ao tratamento adequado, é essencial para evitar maiores complicações, preservar a vida dos pacientes e promover uma recuperação eficaz. Este artigo retrata a necessidade de uma abordagem integrada e atualizada para o tratamento ambulatorial e hospitalar das infecções odontogênicas, sublinhando a importância do compromisso contínuo para com o conhecimento na prática odontológica da cirurgia bucomaxilofacial.
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