A IMPORTÂNCIA DA LEITURA DE MUNDO NA VISÃO DE PAULO FREIRE NO COTIDIANO DOS ALUNOS DA 1ª SÉRIE DO NOVO ENSINO MÉDIO NA ESCOLA ESTADUAL RAIMUNDO PAZ/AM

THE IMPORTANCE OF READING THE WORLD FROM PAULO FREIRE’S VIEW IN THE EVERYDAY LIFE OF STUDENTS IN THE 1st YEAR OF HIGH SCHOOL ESCOLA ESTADUAL RAIMUNDO PAZ/AM.

LA IMPORTANCIA DE LEER EL MUNDO EN LA VISIÓN DE PAULO FREIRE EN EL COTIDIANO DE LOS ESTUDIANTES DE 1º GRADO DE LA NUEVA ESCUELA SECUNDARIA DE LA ESCOLA ESTADUAL RAIMUNDO PAZ/AM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202410222118


Evilin da Silveira Adorno1


RESUMO

Na sociedade brasileira, o hábito da leitura é incipiente. Transformar essa realidade e ampliar o gosto pela leitura é essencial para melhorar a qualidade da educação, o acesso ao conhecimento e o desenvolvimento humano. É um desafio que deve ser assumido por toda a sociedade. A prática da leitura contribui para o desenvolvimento das habilidades cognitivas dos alunos, necessárias à ampliação de sua competência comunicativa oral e escrita, tornando-os mais proficientes em sua língua materna e habilitando-os a exercerem consciente e criticamente a cidadania. Em virtude dessa premissa, foi realizada na Escola Estadual Raimundo Paz, no Amazonas, com alunos do 1º ano do ensino médio, um trabalho de estímulo à leitura, através de interpretações e dramatizações com base no texto “Uma viagem a Bonde”. Participaram da pesquisa 25 alunos com idade entre 15 e 16 anos. A metodologia utilizada nesta dissertação foi a pesquisa-ação. Em relação à estratégia de pesquisa adotada (a pesquisa-ação), pode-se afirmar com certeza que ela foi a mais adequada para este tipo de estudo, contribuindo para a construção e o aprimoramento do modelo experimental, bem como para o aprendizado conjunto entre a pesquisadora e os participantes. 

Palavras-chave: Leitura. Interpretação. Dramatização.

ABSTRACT 

In Brazilian society, the habit of reading is incipient. Transforming this reality and expanding the taste for reading is essential to improving the quality of education, access to knowledge and human development. It is a challenge that must be taken on by the entire society. The practice of reading contributes to the development of students’ cognitive skills, necessary to expand their oral and written communicative competence, making them more proficient in their mother tongue and enabling them to consciously and critically exercise citizenship. Due to this premise, a work to encourage reading was carried out at the Raimundo Paz State School, in Amazonas, with 1st year high school students, through interpretations and dramatizations based on the text “Uma voyage a Bonde”. 25 students aged between 15 and 16 participated in the research. The methodology used in this dissertation was action research. Regarding the research strategy adopted (action research), it can be said with certainty that it was the most appropriate for this type of study, contributing to the construction and improvement of the experimental model, as well as to joint learning between the researcher and the participants.

Keywords: Reading. Interpretation. Dramatization

RESUMEN 

En la sociedad brasileña, el hábito de la lectura es incipiente. Transformar esta realidad y ampliar el gusto por la lectura es fundamental para mejorar la calidad de la educación, el acceso al conocimiento y el desarrollo humano. Es un desafío que debe ser asumido por toda la sociedad. La práctica de la lectura contribuye al desarrollo de las habilidades cognitivas de los estudiantes, necesarias para ampliar su competencia comunicativa oral y escrita, haciéndolos más competentes en su lengua materna y permitiéndoles ejercer consciente y críticamente la ciudadanía. Debido a esta premisa, se realizó un trabajo de fomento a la lectura en el Colegio Estadual Raimundo Paz, de Amazonas, con estudiantes de 1° año de secundaria, a través de interpretaciones y dramatizaciones a partir del texto “Uma voyage a Bonde”. En la investigación participaron 25 estudiantes de entre 15 y 16 años. La metodología utilizada en esta tesis fue la investigación-acción. En cuanto a la estrategia de investigación adoptada (investigación acción), se puede decir con certeza que fue la más adecuada para este tipo de estudio, contribuyendo a la construcción y mejoramiento del modelo experimental, así como al aprendizaje conjunto entre el investigador y el equipo participantes.

Palabras clave: Lectura. Interpretación. Dramatización.

INTRODUÇÃO

A leitura como prática

Na sociedade brasileira, o hábito da leitura é rudimentar. Luckesi (2016) aponta que no Período Colonial a leitura era considerada um instrumento de exclusão social, separando os senhores e os escravos. Segundo o autor:

A história da leitura entre nós, por conseguinte, se inicia com uma violenta discriminação: aos senhores era assegurado esse direito; aos outros, que nas suas culturas de origem certamente já o exerciam, era usurpado este mesmo direito, em nome da superioridade da raça dos que aqui aportaram como “descobridores e benfeitores”. (LUCKESI, 2016, p.127).

Observava-se que os conteúdos destinados a população em geral deveria passar por uma espécie de critério de seleção pelos grupos dominantes, que selecionavam as informações e o conhecimento, justamente para evitar o questionamento da ordem e dos interesses. Segundo Júnior e Higuchi (2017), tornava-se inviável a leitura da realidade a partir da visão dos dominados, pois, a confrontação das informações com as experiências encontrava-se prejudicada pela leitura seletiva a eles (dominados) apresentada.

Portanto, a maior finalidade da leitura é configurar um significado concreto na vida do sujeito. A decodificação pela decodificação não faz sentido, não alimenta o cognitivo, nem a alma. Paulo Freire propõe trazer para dentro da escola o mundo, para ser possível refletir sobre a realidade e tentar recriá-la (JÚNIOR e HIGUCHI, 2017).

Percebe-se que Freire não vê a realidade social e econômica apresentada pelo mercado através do capitalismo como o único modelo. Ao contrário, vislumbra outras vias e alternativas que o ser humano é convocado a pensar e construir, diferentemente do que já se vive. Dessa forma, a leitura da realidade social e suas circunstâncias, como um elemento do processo educativo, refletem outras vias e propostas em que o ser humano emerge como protagonista e autor de seus rumos. Por isto o ato de ler é inicialmente um ato de conhecimento, um ato criador, no qual o leitor é um sujeito com criatividade na construção de seu saber e responsável diante da realidade social da qual ele faz parte (JÚNIOR e HIGUCHI, 2017).

A função social da leitura é fazer com que o aluno (cidadão) interaja com a sociedade em que vive, tendo oportunidade de viajar e entrar em contato com outros seres humanos, nos diferentes horizontes da cultura através de variadas fórmulas de pensamentos, conhecimentos científicos, tecnológicos (CERDEIRA, 2022).

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – (1997) (BRASIL, 2017), o trabalho com a leitura tem a finalidade de formar leitores competentes, capazes de compreender o que leem e que identifiquem os elementos implícitos, estabelecendo, assim, relações entre o texto que leem e outros que já foram lidos e que estejam atentos à diversidade de sentidos que podem ser atribuídos ao texto (ANTUNES, 2017).

Percebe-se a partir da citação dos PCNs que no conceito mais abrangente de leitura, que não se separa da sua compreensão, aprender a ler significa aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós próprios.

Ao ler palavras, a escola se torna um lugar especial que nos ensina a ler apenas as palavras da escola e não as palavras da realidade. O outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo da vida, o mundo no qual os eventos estão muito vivos, o mundo das lutas, o mundo da discriminação e da crise econômica (todas essas coisas estão aí), não tem contato algum com os alunos na escola através das palavras que a escola exige que eles leiam: podemos pensar nessa dicotomia como uma espécie de cultura do silêncio” imposta aos estudantes. A leitura da escola mantém silêncio a respeito do mundo da experiência, e o mundo da experiência é silenciado sem seus textos críticos próprios. (FREIRE, 2001, p.164).

Ler significa decifrar uma notação seja ela qual for. No entanto, tal capacidade não deve ser reduzida a apenas esta função. A ação de ler não se reduz a uma atividade de memorização mecânica de trechos de uma unidade textual. A leitura expande sua definição à medida que ela se torna uma ferramenta imprescindível para a posição do ser diante da realidade social que o cerca. Para tanto, entende-se a leitura como sendo o primeiro passo para a consciência individual do sujeito em decodificar as ideologias que perpassam as estruturas das instituições que predispõem o agir humano. O ato de ler significa, dessa forma, uma aprendizagem imprescindível a ser desenvolvida pelo ser humano. É imprescindível a leitura da realidade em que estamos inseridos. Entender os aspectos que circundam o sistema social, bem como a condição humana que hoje se propaga, torna-se uma etapa fundamental para a construção crítica do ser humano (JUNIOR e HIGUCHI, 2017).

Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização para adultos que se expandiu em todos os âmbitos da educação, tendo como objetivo a conscientização, onde essa frase se tornou célebre: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra.” (JUNIOR e HIGUCHI, 2017). De acordo com deveria haver uma etapa preparatória, na qual o alfabetizador realizaria uma pesquisa sobre a realidade do grupo que iria atuar. E, em conjunto, se faria um levantamento do universo vocabular como incentivo à leitura utilizada por aquele grupo.

Neste sentido, o professor deverá favorecer também o acesso dos alunos aos livros, jornais, revistas, cartazes, vídeos, textos etc.; pois, por fazerem parte de grupos sociais com situação econômica menos favorecida, pouco é o acesso a estas fontes de informação e conhecimentos fora do contexto escolar.

Ele também deverá atentar ao fato de que o processo de aprendizagem não se dá somente dentro da escola ou no momento da aula. Fora da escola, o indivíduo pode desenvolver-se social e culturalmente, e, para isto, deve-se promover atividades de lazer e cultura para que o educando e a comunidade na qual está inserido se sintam motivados a frequentar a escola.

Ao trabalhar-se a leitura, principalmente no ensino médio, o professor necessita ter clareza do significativo o ato de ler, explorando cada parágrafo, questionando e dando vez ao aluno para falar, perguntar e responder, fazer suas próprias interpretações.

Certamente, os sentidos atribuídos diferirão da perspectiva de cada um deles na classe o poderá revelar uma sensibilidade e uma percepção para além do esperado em cada resposta deem a importância da técnica do caderno viajante, que de mão em mão esse diálogo com as palavras, com os tempos, com os escritos vão se construindo de forma prazerosa.

E ao fazer novas práticas o aluno vivencia de forma crítica e construtiva, a leitura parêntese do imaginário. Por isso é preciso que a leitura se constitui parte fundamental na vida dos indivíduos como um hábito constante.

No entanto, a mediação do professor na escolha dos livros é importante porque há aqueles que são muito ricos e fundamentais para a leitura, mas quando indicá-los, são necessários que o professor proponha atividades que despertem o interesse do aluno, respeitando a trajetória de leitor de seus alunos, suas experiências de leitura. Dentro dessa premissa, o professor deve analisar o acervo da biblioteca de sua escola e selecionar os livros que vão ao encontro da aprendizagem e das condições de leitura desses adolescentes para saber quais os que poderá indicar a seus alunos.

Para tanto, o professor necessita propor práticas de leitura diversificadas, aguçando a curiosidade e o imaginário através de um planejamento intencional, em que se veja a leitura como uma aventura significativa a ser vivida.

Leitura da palavra e leitura do mundo

Para Paulo Freire (2001), a escrita e a leitura não atuam de forma separada. Ambas são integradas, inseparáveis no processo do saber. Portanto, o discente lê e escreve ou escreve e lê de forma única no processo de obtenção do conhecimento.

A alfabetização é um trabalho de alargamento enorme dos horizontes de leitura da vida e do mundo através do acesso não apenas a um novo código de significações através das palavras, mas também das formas e estilos de pensamento que tal acesso possibilita. E que tal acesso desafia de uma maneira inevitável. Aprender a ler-e-escrever é aprender a acender um fogo novo.

A leitura é o espaço privilegiado do sonho, da reflexão, do simbólico e da constituição do sujeito. O professor poderá utilizar com seus alunos esses espaços. Isso é uma questão de opção para   aquele profissional que esteja, efetivamente, comprometido com a infância (LAJOLO, 2012, p.98).

Fazer-se alfabetizado consciente é um cidadão participante. Mas um cidadão conscientemente participante é um co credor das próprias condições sociais de sua participação. Dito de outra maneira, é um desacostumado a rotinas impostas. Ele não participa de trabalhos sociais dentro de pautas e princípios dados de antemão a ele.

Visto assim, aprender a ler e escrever é um ato revolucionário, porque transforma o modo de pensar o mundo e de nele agir. É revolucionário, porque em um processo individual e coletivo, ao ler e escrever, o homem encontra a si mesmo, reconhecendo-se no ser e pensar do outro e, nesse movimento de ir e vir, vai se transformando, vai sendo transformado e vai transformar.

A leitura como habilidade fundante do ser humano (a leitura enquanto habilidade inerente à constituição do ser humano); a leitura como prática social (atividade inevitável a quem está inserido num meio interlocutivo); a leitura como ato de coprodução do texto. Sobre a leitura coprodutiva*, a autora considera que o texto é enunciação projetada pelo autor, continuada ad infinitum e perpetuada pelo leitor, um exercendo influência sobre o outro. Através do processo de interação sujeito/linguagem gerado pela leitura, o leitor será co-produtor do texto, completando-o com sua bagagem histórico-cultural. (LAJOLO, 2012, p.73).

Os escritos pedagógicos de Freire, desde os seus primeiros passos, indicam a direção da construção e desenvolvimento de um discurso alternativo no sentido de a educação proporcionar ao cidadão as condições de ser um sujeito social.

Essa teoria emancipadora proporciona uma leitura crítica de como a ideologia, a cultura e o poder atuam no interior das sociedades capitalistas, limitando, marginalizando e desorganizando experiências cotidianas críticas, bem como as percepções do senso comum dos indivíduos. Isto representa um desafio aos educadores de todos os níveis da sociedade, que é necessário atribuir ao tema da alfabetização política e cultural a mais elevada prioridade.

Para isto é necessário que o pedagógico se torne mais político e o político mais pedagógico. Teremos, pois, práticas pedagógicas de encontros entre educadores, alunos, pais, comunidade, promovendo debates em torno de visões da comunidade e sujeitos emancipadores.

Silva (2016, p.70, escreve):

A leitura enquanto atividade humana é uma prática social que possibilita o exercício da contestação e da criatividade, essas ideias, por sua vez, visam alimentar a reflexão do grupo e gerar questionamento e tomadas de posição, frente à problemática da leitura no Brasil.

Paulo Freire (2003), tem se preocupado constantemente com o tema da alfabetização como sujeito político emancipador, e desenvolveu o conteúdo emancipador das suas ideias dentro de uma pedagogia concreta e prática.

Refiro-me à que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente (FREIRE, 2003, p.22).

Destaca-se a necessidade da relação dialética, discussões ou debates de diferentes ideias a fim de se encontrar uma verdade, de um lado, dos seres humanos com o mundo, e de outro, com a linguagem e a escrita que atuam de forma a gerar uma ação transformadora. É nesta perspectiva que a alfabetização é tratada não como mera habilidade técnica a ser adquirida, mas como um fundamento necessário à ação cultural para a liberdade, aspecto essencial daquilo que significa ser um agente individual e socialmente constituído (COSTA, 2022).

Parecendo ser uma dicotomia, Paulo Freire expressa seu sentimento mais profundo em questionar para uma chamada de atenção sobre a arte da leitura, portanto, da construção social do conhecimento. Freire (2003) afirma: 

O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro. (…). Não há diálogo no espontaneísmo como no todo-poderosíssimo do professor ou da professora. A relação dialógica não anula, como às vezes se pensa, a possibilidade do ato de ensinar. Pelo contrário, ela funda este ato, que se completa e se sela no outro, o de aprender, e ambos só se tornam verdadeiramente possíveis quando o pensamento crítico, inquieto, do educador não freia a capacidade de criticamente também pensar ou começar a pensar do educando (…) O diálogo não pode ser responsabilizado pelo uso distorcido que dele se faça. Por sua pura imitação ou por sua caricatura. O diálogo não pode se converter num “bate-papo” desobrigado que marche ao gosto do acaso entre professor ou professora e educandos (FREIRE 2003, p.118).

A impressão dita por Freire é que a escola está aumentando o abismo entre as sentenças lidas e o mundo vivido. Aqui, o mundo da leitura é só o mundo do processo da escolarização, um mundo afastado, apartado do mundo onde muitas experiências vividas não são lidas. Ao ensinar apenas a ler as palavras, a escola perde a oportunidade de se tornar especial, rara, excepcional e se torna um lugar banal, corriqueiro, deixando de nos ensinar a ler as palavras da realidade. Neste aspecto, vale lembrar Freire (2005, p.76):

Educador e educandos (liderança e massas), co-intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento. Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes. Deste modo, a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que pseudoparticipação, é o que deve ser: engajamento.

O mundo da vida, no qual os eventos estão muito vivos, pois a escola exige que eles leiam faz parte do processo de aprendizagem. Referindo-se ao tema, Freire (2001, p.89) diz:

Nunca pude reduzir, para continuar falando em alfabetização, a riqueza e a importância da sua prática ao puro exercício de repetição ritmada e mecânica dos la-le-li-lo-lu nem a leitura de frases, de palavras, de textos à pura prolação, também mecânica, de vocábulos. Ler é algo mais criador do que simplesmente ou ingenuamente “passear” sobre as palavras. Leio tanto mais e melhor quanto, inteirando-me da substantividade do que leio, me tornando capaz de reescrever o lido, à minha maneira, e de escrever o por mim ainda não escrito. Não é possível dicotomizar ler e escrever.

É assim que o Freire compreende as relações entre subjetividade e objetividade, não mecânicas, visto que a consciência e mundo perpassa pela prática e teoria como dialética através da leitura e escrita, no ato mesmo de sua produção, pois é aprendendo a razão de ser do objeto que o conhecimento se produz em nós.

Para Freire (2005, p.31) não é possível avançar trabalhando ou compreendendo a alfabetização, separando a leitura da palavra da leitura do mundo. “Ler a palavra e aprender como escrever a palavra, de modo que alguém possa lê-la depois, são precedidos do aprender como escrever o mundo, isto é, ter a experiência de mudar o mundo e de estar em contato com o mundo”.

Conceito de gênero textual

Usa-se a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para se referir os textos materializados que se encontram em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.

Segundo Bakhtin (2010, p.279):

O gênero textual se constitui de tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados nas diferentes esferas sociais de utilização da língua – partindo da verificação de que todas as esferas da atividade humana estão relacionadas com a utilização da língua. Esta utilização se dá em forma de enunciados.

Sendo assim, eles refletem as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas tanto por seu conteúdo quanto por seu estilo verbal como por sua construção composicional. Bakhtin (2010), chama a atenção para a sua diversidade dos gêneros discursivos, dizendo que eles são utilizados em todas as esferas da atividade humana.

Para ele, mais importante é considerar a diferença fundamental entre gêneros primários, ou simples, e secundários, ou complexos do que só privilegiar o estudo de apenas alguns gêneros literários, retóricos, do discurso cotidiano.

Porque ignorar a natureza dos enunciados e as particularidades do gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida. A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua. (BAKHTIN, 2010, p.283).

Dessa forma, pode-se perceber que, para Bakhtin a unidade de comunicação utilizada pelos sujeitos não é o texto, mas sim o enunciado, mesmo que, sua noção de enunciado equivalha, à noção mais comum de texto.

Swales (2016, p.58) diz que gênero é uma classe de eventos comunicativos. Segundo o autor:]

Um gênero engloba uma classe de eventos comunicativos, cujos membros compartilham algum conjunto de objetivos comunicativos. Esses objetivos são reconhecidos pelos membros peritos da comunidade discursiva de origem, e dessa forma constituem a razão para o gênero. Essa razão formata a estrutura esquemática do discurso e influência e delimita a escolha de conteúdo e estilo.

No entanto, na década de 80 a noção de gênero torna-se o foco da atenção de grandes estudos linguísticos, surgindo, dessa forma, a necessidade de uma classificação, ou uma tipologização; uma vez que agora é o texto “o gênero materializado como um todo, tomado como objeto de investigação: seus princípios organizadores, seus aspectos interacionais, o contexto em que se atualizam as condições sob as quais opera”. (SWALES, 2016, p.89).

Porém, ressalta-se a relevância de se fazer uma distinção entre duas noções: tipo textual e gênero textual. Ao definir a expressão de tipo textual e gênero textual, Marcuschi (2015), faz a distinção entre eles dizendo que:

Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição descrição, injunção.

Nesse viés, a língua no olhar bakhtiniano parte da enunciação, ponto fundamental para a relação enunciador-enunciatário, concretamente, pois não existe prevalência de posições, uma vez que não existe enunciatário neutro ou passivo, somente ativo no processo interativo.

Nesse ponto de discussão, Marcuschi (2015) apresenta as mesmas posições de Bakhtin quanto à importância de se comunicar por gênero. Para ele, não se pode não se comunicar por algum gênero, bem como não pode haver comunicação verbal se não por algum texto. Com isso, Marcuschi (2015, p.5) deixa claro que:

Assim, considerando os gêneros como eventos comunicativos, a ênfase da análise não recairá nos traços formais nem nas propriedades linguísticas, mas na sua funcionalidade sociocomunicativa. É importante ressaltar que, além disso, e ao que este autor chama de enunciação, o papel do outro é fundamental nesse processo interacional, pois enquanto na Linguística Geral o outro tem papel secundário, é dotado de uma compreensão passiva, em seus pressupostos enunciativos.

Bakhtin (2010, p.290) o enfatiza como peça primordial na interação, assumindo papel ativo e representativo, pois “de fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda, completa, adapta, apronta-se para executar”.

Em suas análises, Bakhtin (2010) discute a problemática dos gêneros primários e secundários e sua importância para a natureza do enunciado. E explica a função de cada um chamando o gênero primário, de gêneros simples, visto que eles se incluem na réplica do diálogo cotidiano. Ele enfatiza que os gêneros primários se inserem nos secundários, que vão perdendo a sua característica particular. Por outro lado, os gêneros secundários, também chamados de complexos, o romance, o teatro, o discurso científico, inserem-se numa comunicação cultural mais ampla, mais complexa e mais evoluída.

Nesse caso há o processo de imbricamento dos gêneros primários aos secundários não se reduz apenas a discussões de natureza teórica, mas essa inter-relação tem importância fundamental em todos os campos do conhecimento humano:

A inter-relação entre os gêneros primários e secundários de um lado, o processo histórico de formação dos gêneros secundários do outro, eis que esclarece a natureza do enunciado (e, acima de tudo, o difícil problema da correlação entre língua, ideologias e visões de mundo (BAKHTIN, 2010, p.282).

Esquematicamente, pontua-se aqui o universo dos gêneros discursivos discutido aqui por Bakhtin (2010) sem querer, no entanto, esgotar tais pressupostos. Na verdade, o autor propunha em linhas gerais que:

a. A língua faz parte de todas as atividades humanas. Daí o seu caráter plural;

b. Os gêneros constituem tipos relativamente estáveis de enunciados; 

c. Há dois tipos fundamentais de gêneros, primários e secundários. Os primeiros estão relacionados a enunciados simples, o segundo, a enunciados mais complexos;

d. Locutor e interlocutor têm papeis semelhantes no processo interativo. Não existe sujeito passivo na interação; 

e. As tonalidades dialógicas preenchem um enunciado e devemos levá-las em conta se quisermos compreender até o fim do enunciado (BAKHTIN, 2010, p.287).

Gênero Textual em Sala de Aula: A Construção

Geraldi (2015, p.98) lembra que “um texto é o produto de uma atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém”. Em seu conceito de texto escrito, o autor afirma que:

(…) um texto é uma sequência verbal escrita coerente formando um todo acabado, definitivo e publicado: onde publicado não quer dizer lançado por uma editora, mas simplesmente dado a público, isto é, cumprindo sua finalidade de ser lido, o que demanda o outro (GERALDI, 2015, p.50).

Assim sendo, o texto é um tecido verbal estruturado de tal forma que as ideias formam um todo coeso, uno, coerente. A imagem de tecido contribui para esclarecer que não se trata de feixe de fios (frases soltas), mas de fios entrelaçados (frases que se inter-relacionam). O texto é uma unidade complexa de significação e pode ter qualquer extensão: pode ser desde uma simples palavra até um conjunto de frases. O que o define não é sua extensão, mas o fato de que ele é uma unidade de significação em relação à situação (GERALDI, 2015).

Nesse sentido, todas as partes de um texto devem estar interligadas e manifestar um direcionamento único. Portanto, um fragmento que trata de diversos assuntos não pode ser considerado texto (GERALDI, 2015).

Da mesma forma, se lhe falta coerência, se as ideias são contraditórias, também não constituirá um texto. Se os elementos da frase que possibilitam a transição de uma ideia para outra não estabelecerem coesão entre as partes expostas, o fragmento não se configura um texto (GERALDI, 2015).

A construção de um texto se dá por operações discursivas, com as quais o locutor faz uma “proposta de compreensão” a seu interlocutor, numa relação interativa. (GERALDI, 2015, p.194).

Desta forma, para se produzir um texto:

É preciso: a) ter o que dizer b) ter uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) ter a quem dizer o que se tem a dizer; d) constituir-se enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz; e) escolher as estratégias adequadas para realizar (a), (b), (c) e (d). (GERALDI, 2015, p.137).

Para a produção dos textos não se pressupõe que os alunos devam ter um dom, uma vocação específica para escrever. Eles são orientados para adquirirem uma capacidade comunicativa, tanto no que se refere ao domínio dos mecanismos básicos da linguagem, quanto à postura crítica da realidade.

Para Orlandi (2002), um trabalho com textos na escola considerará as seguintes razões. As razões para ler, a produzir textos; as razões sociais (cidadania, participação social); as finalidades e objetivos da escola (formação do sujeito autônomo, crítico, democrático); as razões do professor de Língua Portuguesa e de outras disciplinas (o conteúdo e a forma); as razões da criança (suas aprendizagens, interesses, necessidades, desenvolvimento); as razões dos autores dos textos (conteúdo realizações formais); as razões da prática pedagógica (as especificidades da língua como instrumento de interlocução a de estudo).

A Importância da Oralidade

Estudos sobre a importância da oralidade para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno são uma constante no meio acadêmico.

No entanto, o que se percebe na prática é que essa relevância muitas vezes tem ficado restrita aos papeis que norteiam as atividades linguísticas no âmbito escolar, ou seja, o professor tem acesso a essas propostas, entende que elas podem contribuir para a melhoria do ensino da língua, mas não consegue, em muitas situações, desenvolver atividades que contemplem e que contribuam de maneira significativa para o desenvolvimento dos seus alunos. (ORLANDI, 2002).

Os PCNs (1997, p. 49) afirmam que “eleger a língua oral como conteúdo escolar exige planejamento da ação pedagógica para garantir, na escola, na sala de aula, atividades sistemáticas de fala, escrita e reflexão sobre a língua”.

Para Pinto (2015, p.101):

A oralidade e escrita são práticas e usos da língua e ambas nos permitem a produção de textos coerentes e coesos levando em consideração as suas características específicas. Essas práticas são usadas paralelamente e se diferenciam nos contextos sociais que são utilizadas, inclusive pelos nossos educandos, como no trabalho, na escola e na família.

Nesse sentido, a oralidade se constitui como uma prática social interativa, seja ela formal ou informal, apresentando variadas formas em diferentes contextos. No entanto, a escrita é um modo de produção textual que se configura pela sua forma gráfica. Ambas são usadas para fins comunicativos.

A pessoa letrada, por sua vez, participa de forma significativa das atividades sociais como utilizar o dinheiro, tomar o ônibus, usar o caixa eletrônico, se apresentar para uma entrevista profissional, dar conta das pequenas rotinas cotidianas. Diz da forma como as pessoas concebem o lugar, o motivo e a função em que usam a leitura, a escrita e a oralidade (PINTO-, 2015, p.76).

Isso significa que não basta apenas acreditar que a fala do aluno é importante somente no âmbito escolar, é preciso ir além. Faz-se necessário criar condições para o aluno poder participar de atividades diversificadas que envolvam a oralidade de forma contextualizada com vista ao desenvolvimento de sua competência comunicativa.

Pinto (2015) pontua que grande parte dos recursos comunicativos é adquirida pelo falante de uma língua em seu convívio social. No entanto, para que esse falante possa desenvolver esses recursos comunicativos, ele precisa do apoio da instituição educacional.

Importante detalhar que a pessoa não escreve exatamente como fala, mas a fala influencia sim na hora de escrever e essas diferenças são bem perceptíveis, pois o que ocorre é que como o aluno não tem o hábito de ler com frequência ele não tem tanta facilidade em conseguir distinguir as falhas na escrita e com isso a maneira de falar interfere na escrita pelo fato de o Brasil ter uma grande variedade linguística e dificuldades que muitas pessoas têm em falar a língua padrão.

O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constroi visões de mundo, produz conhecimento. (BRASIL, 1997, p.15).

Na escola, o aluno começa a ter intimidade com a leitura quando começa a ler e dar atenção mais aprofundada nas palavras e regras do que se lê, analisando os recursos usados, e até mesmo os efeitos na passagem de cada informação.

[…] cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas: realização de entrevistas, debates, seminários, apresentações teatrais, etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomado como mais apropriado para todas as situações. (PCNS, 1997, p.25).

Por isso a importância da leitura em sala de aula exige que o professor vá além do conhecimento do conteúdo da disciplina e estabeleça o diálogo com seus pares, visando à socialização das dificuldades enfrentadas e a busca de referências que o ajude na superação dos obstáculos, mudanças exigem tempo, nos fazendo deparar, assim, com mais um paradoxo: a urgência da sala de aula e o tempo prolongado necessário à mudança (GALIANO, 1979). 

E assim começa a se formar um bom escritor, juntando esses dois ingredientes fundamentais, a leitura e a escrita, se percebe que uma leitura mais atenciosa favorece uma boa escrita, mas para isso acontecer não basta somente ler, mas também obter o hábito de escrever diariamente, aí o indivíduo terá facilidade em escrever e, ao mesmo tempo, a leitura ajudará a organizar suas ideias perfeitamente.

Os PCNs ressaltam a necessidade de se trabalhar a modalidade oral, uma vez que o aluno será avaliado no seu desempenho como falante, tendo que responder às diferentes exigências das situações de fala, adequando-as aos gêneros orais e, especialmente, às situações interacionais das quais participa.

Logo, tal como explicita o referido documento, “ensinar língua oral […] significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo” (LAJOLO, 2012). 

O leitor se torna mais crítico mediante a um texto, assim ele consegue identificar o problema no texto lido e se a leitura é de boa qualidade.

A escrita, a leitura e a oralidade caminham juntas em alguns contextos como a escola, o dia a dia, o trabalho, a família, enfim, sempre haverá variação e relação entre ambas as formas.

Assim destaca-se que a aquisição da linguagem oral e escrita é de suma importância na vida do ser humano e na construção do mundo e essas linguagens estão ligadas em muitas análises e estudos na atualidade, já que saber ler e escrever é de grande valia em sua inserção na sociedade.

Aborda-se o papel da leitura como fundamental para a integração do indivíduo no seu contexto socioeconômico cultural, pois permeia novas perspectivas ao sujeito, permitindo-lhe posicionar-se criticamente diante da realidade, influenciando-o na forma de enfrentar a vida (VIANA, 2017). Para esta pesquisa foi objetivado:

– Apontar a importância da leitura de mundo na visão de Paulo Freire no cotidiano dos alunos do 1º ano do ensino médio Escola Estadual Raimundo Paz/AM.

– Identificar as dificuldades dos alunos do 1º ano do ensino médio na aquisição da leitura.

METODOLOGIA

A leitura do texto: Uma Viagem a Bonde – Graciliano Ramos

“Na grande cidade, plana, montanhosa, rica, miserável, cheia de hiatos, horrores e belezas, o viajante da província, chegado há pouco num vaporzinho ronceiro, coleciona surpresas e contradições. O morro pitoresco visto de longe, verde e pedregoso, coberto de tábua e lata, parece baixar-se de repente, alargar-se na planície. É uma elevação quase imperceptível, sem verdura nem pedra, mas lá fervilha uma sociedade como a das grandes alturas, das ladeiras íngremes e ziguezagueantes. A favela desceu; torcem-se becos na areia, labirinto complicadíssimo. As árvores do Jardim Botânico erguem-se na vizinhança. As casas próximas cresceram e tornaram-se palacetes, o arranha-céu abaixa a cabeça e espia, constrangido, a vermina que lhe formiga os pés. Rolam ônibus e meia dúzia de passos. E ali, na tábua dura e na lata enferrujada, Aurora se contempla num pedaço de espelho, seu Oscar arranca tristezas do pinho, os meninos de seu Oscar pegam vasilhas e vão mendigar água nos corredores. O viajante estira o pescoço, desvia-se do jornal, larga Churchill e Hitler, faz reflexões ponderosas, receita mentalmente remédios enérgicos e paliativos, logo esquecidos. Saiu do hotel pela manhã e, atordoado por estranhos rumores, gritos de choferes e buzinar de automóveis, incorporou-se na multidão e foi estudar topografia. Como na terra dele se diz que todo o caminho dá na venda, achou desnecessário munir-se de carta: entrou num veículo e rodou para o sul. Apeou-se em Copacabana, onde viu numerosas criaturas de roupas escassas banhando-se ou lagarteando, estateladas. Afastou-se, repeliu severamente aquela nudez e aquela mistura, foi descansar nos bancos da praça, ver as palmeiras, o coreto. Voltou a examinar os banhistas, dobrou esquinas, circulou na praia e nas vias interiores, admirou a altura dos prédios, o tamanho dos elevadores e os cartazes dos cinemas. Desnorteado, meteu-se num bonde e distraiu-se algum tempo olhando as placas das ruas compridas. Saltou no fim de Ipanema, tomou outro bonde e, atraído por uma espantosa manchete, pôs os óculos e começou a ler disfarçadamente, com o rabo do olho, o jornal de um companheiro de banco. Entreteve-se atentando na favela. Agora repousa a vista numa longa fileira de bangalôs tranquilos, decentes, meio ocultos em vegetais educados nos limites impostos pela tesoura do jardineiro, plantas desambiciosas, chinfrins e burocráticas. Algumas crianças patinam moderadamente na calçada; com certeza mamãe, lá dentro, manipula os vestidos das pequenas; papai chateia-se na repartição. Ordem. Parece que as coisas vão direito. Não há motivo para desgosto. O nosso passageiro esfrega as mãos. Por que esse barulho todo na Europa, essa fúria, essa doidice? De fato, há pessoas exigentes, milhões de pessoas exigentes e mal-intencionadas. Rua Voluntários da Pátria, bonito nome. Não morava aqui o Oswaldo Cruz? É, morava. Que bagunça, pai do céu! Tempo esquisito! Berros no Congresso, artigos medonhos, fuzuê, gente morrendo por causa da vacina. Hoje não há disso, graças a Deus. A imprensa é razoável, somos todos razoáveis, e os discursos, no rádio, perderam a eficácia. Parada no Pavilhão Mourisco, cinco minutos junto à fonte vazia e suja. Nova mudança de veículo. Bem. Isto por aqui deve ser Botafogo, não? Leituras antigas auxiliam o provinciano. Antigas e recentes. Botafogo, sem dúvida. Que é da placa? Vive ali uma das personagens do Sr. Gilberto Amado. Onde ficarão as palmeiras? O homem conhece a boa literatura. Instituto Juruena. Naquele jardim o sujeito do paraquedas se esborrachou. Caíram na vizinhança pedaços do aeroplano onde viajava o ministro de Cuba. Escangalharam-se dois aviões e uns dez indivíduos entregaram a alma a Deus, mas só nos lembramos do Dr. Catá. O resto sumiu-se, como os paraquedistas metralhados e os marinheiros que afundam. Marquês de Abrantes. Quem terá sido o Marquês de Abrantes? O passageiro ignora muitos patronos das vias públicas, o que não o inibe de respeitá-los. Numa praça miúda, com folhas de papel na mão, José de Alencar está sentado em posição ridícula. Muito grande, José de Alencar. Necessário melhorar-lhe a estátua. O Guarani, que poucos leram e todos admiram, há de tornar-se um livro fundamental, maior que Os Sertões. Falta uma estátua de Euclides da Cunha: cidadão deste século, ainda não amadureceu convenientemente. Rua Machado de Assis. Ah! Esse era enorme e continua a crescer. Superior, infinitamente superior a Eça de Queirós. Precisamos afirmar isto. Sem comparação não há grandeza. Só Deus é Deus e Maomé é o seu profeta. Lá está o Catete. Sim, senhor é ali. Nos arredores, a casa de móveis do judeu, literatos padecendo no fundo de pensões ordinárias, bodegas de frutas, as meninas de Rubem Braga, em chinelos, transitando na calçada. Muito democrático. Pouco adiante, o relógio da Glória e o combate nos tempos pré-históricos, divulgados nas estampas que enfeitam peças de fazenda barata, no interior. Estamos chegando. O Passeio Público encolheu-se e pedirá demissão qualquer dia. O Monroe. Para quê? Chi! Quanto cinema! A Biblioteca Nacional e, defronte, o monumento de Floriano com diversos atavios, Y-Juca-Pyrama, O Caramuru e outras habilidades. O viajante desce do carro e mergulha no apertão da Avenida, morrinhento, encharcado de suor. Depois dará uma volta por Engenho de Dentro ou pelo Méier. Mas isto é província. Por enquanto precisa recolher-se, deitar-se”.(Ramos, 2015).

O Procedimento da Pesquisa-Ação

O texto foi lido pelos alunos e comentado pela professora. Foi elaborado também uma leitura sequenciada pelo aluno, cujo intuito foi desenvolver práticas de produção menos artificiais, discutindo pontos relevantes como personagens e o lugar onde se desenrola a história.

Nesse texto, procurou-se enfocar aspectos de natureza léxico-gramaticais e sócio discursivos, para compreender enquanto tipo e enquanto gênero textual, respectivamente.

As categorias agrupadas tipologicamente pelos alunos foram as seguintes:

1. Descritivo:

a. No mundo textual, o centro de controle é dominado pelos conceitos de situação; b. Na superfície textual, reflete uma densidade de modificadores; c. Nos padrões de conhecimento, dominam os frames (GERALDI, 2015).

2. Narrativo:

a. No mundo textual, o controle é dominado pelos conceitos de evento e ação; b. Na superfície textual, refletem relações subordinativas; c. O padrão de conhecimento global é o esquema (GERALDI, 2015).

3. Argumentativo:

a. No mundo textual, o centro de controle é dominado por proposições que apresentam um valor de verdade; b. Na superfície textual, contém uma densidade de avaliações; c. No padrão de conhecimento, predomina o plano (GERALDI, 2015).

Com isso, às sequências textuais, foi trabalhada pelos alunos na oficina, utilizando o texto: “Uma viagem a bonde”

1. Sequência Narrativa: está fundamentada numa organização de eixo que tem como processo a intriga. É um processo que consiste em selecionar e organizar os acontecimentos de modo a formar um todo, uma história ou ação completa, com início, meio e fim. Um todo racional dinâmico: a partir de um estado equilibrado, cria-se uma tensão, que desencadeia uma ou várias transformações (GERALDI, 2015).

2. Sequência Descritiva: Apresenta fases que não se organizam em ordem hierárquica ou vertical.

3. Sequência Argumentativa: a sequência argumentativa enfatiza a existência do tema.

4. Sequência Explicativa: origina-se na constatação de um fenômeno incontestável. Quer se trate de um acontecimento natural ou ação humana, no caso do texto, o viajante tem sua visão sobre o Rio de Janeiro.

5. A sequência Dialogal: realiza-se particularmente nos discursos interativos dialogados; esses segmentos são realizados em turnos de fala, como os discursos interativos primários, da interação verbal (GERALDI, 2015).

A dinâmica foi definida em horas-aula, intercaladas por um período de uma semana, totalizando um mês, período supostamente necessário para a construção de cenários e formulação estratégica (objetivos específicos).

Em cada hora-aula eram estabelecidas tarefas para o próximo encontro e apresentadas as do encontro anterior.

Foram formadas equipes de trabalho em uma fase anterior ao início das atividades, e a estas são direcionados grandes temas de impacto no estudo em questão (Figura 01).

Foram trabalhadas indagações, cujo intuito foram:

a) Despertar o gosto pela leitura e escrita;

b) Aguçar o pensar, o fazer e o agir a partir do entendimento da dialogicidade entre as pessoas: – cultural, política e econômica;

Figura 01: Encontro das equipes de trabalho para leitura e interpretação do texto.
Fonte: elaborado pelo autor, 2023.

Cenário da pesquisa e participantes 

O local da pesquisa foi a Escola Estadual Raimundo Paz, localizada na Rua Governador Gregório Azevedo, 11- Centro, Rio Preto da Eva – Amazonas. Possui 614 alunos matriculados, 38 professores e 3 pedagogas.

A Escola Raimundo Paz oferta o ensino fundamental (anos finais) e ensino médio. Oferece uma estrutura indispensável para o desenvolvimento intelectual dos seus alunos, como: Internet, Refeitório, Biblioteca, Quadra Esportiva Coberta, Pátio Coberto, Sala do Professor e Alimentação.

Rio Preto da Eva está localizado no estado do Amazonas, na Mesorregião do Centro Amazonense, que engloba 62 municípios do estado distribuídos em seis microrregiões, sendo que a microrregião à qual o município pertence é a microrregião de mesmo nome que reúne dois municípios: Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva. Rio Preto da Eva está distante 79 km ao norte da capital do Amazonas. Seus municípios limítrofes são: Presidente Figueiredo ao norte, Manaus ao sul e oeste são Itacoatiara e Itapiranga ao leste e nordeste.

Participaram do projeto conforme mencionado 25 alunos da 1ª série do Novo Ensino Médio do turno vespertino, com idade variando entre 15 a 16 anos, sendo 17 meninas e 08 meninos.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Após as leituras e interpretações, alguns alunos conseguiram dramatizar e escrever de forma argumentativa suas impressões do texto trabalhado, conforme exemplificado na resposta da argumentação abaixo:

Qual parte do texto segundo seu ponto de vista condiz com o momento vivido? Os alunos afirmaram que:

Discutimos e percebemos no grupo que alguma coisa está parecida com o momento vivido. Dramatizamos na oficina principalmente quando aparece o homem com suado. A gente nota que nos ônibus e não bonde, pois não existem mais várias pessoas cansadas estão suadas. O cansaço não deixa as pessoas observarem a paisagem das outras pessoas. Mas também os prédios são muitos hoje e a cada canto estão surgindo favelas. As pessoas estão desempregadas. Também como no texto hoje alguns ônibus estão caindo aos pedaços, principalmente os do bairro mais longe. Para o viajante toda a paisagem parecia indiferente. Foi o que entendemos.

Nas palavras dos alunos que compuseram a E3, percebeu-se que eles leram e discutiram o texto observando cada pormenor e foram argumentando a partir da descrição do que foi observado, ficou claro que o método de problematização através da dialogicidade foi exitoso.

Pode-se afirmar que foi exitoso pelo fato de que a relação entre os homens e entre o homem e o mundo é sempre dialética, e o diálogo esteve presente segundo relato dos alunos.

Nesta perspectiva, Freire (2002) ressalta que o ser humano não só está no mundo, pois não é um ser passivo totalmente adequado a ele, mas um ser que faz escolhas, que toma decisões, e que, por isto mesmo, tornou-se uma presença no mundo que tem um modo especial de ser, e isto se dará através da cultura letrada.

Deste modo, o sujeito crescer, desenvolva-se de maneira culta e possa comunicar-se com mais eficiência neste mundo em permanente transformação, poderá valer-se da leitura. Ela possibilitará aproximar-se dos conhecimentos acerca do mundo, constituindo-se enquanto sujeito que pensa, raciocina, inventa, constroi sistemas interpretativos, buscando compreender esse objeto social particularmente complexo que é a leitura.

De acordo com Geraldi (2015):

A leitura será sempre um ponto de partida e também um ponto de chegada de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. E isto não apenas por inspiração ideológica de devolução do direito à palavra às classes desprivilegiadas, para delas ouvirmos a história, contida e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos escolares. Sobretudo, é porque é no texto que a língua – objeto de estudos – se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões. (GERALDI, 2015, p.135).

Para traçar uma argumentação é necessário o engajamento de fatores (percepção, atenção, memória) é essencial se deseja fazer sentido do texto, pois o processo de ler e escrever é algo complexo.

A leitura é uma atividade intelectual, um processo psicológico em que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas no seu conhecimento linguístico, sociocultural, enciclopédico, para escrever torna-se imprescindível desenvolver tarefas cognitivas.

Na argumentação os alunos utilizaram estratégias com base em seu conhecimento de mundo, o que facilitou a ele caminhos para construção e reconstrução do texto, uma Viagem de Bonde.

O ensino de estratégias de leitura não consiste em exemplificar um ou mais procedimentos, mas em tentar reproduzir as condições dadas ao leitor. A leitura sem compreensão e sem análise dos referenciais indicados pelo texto, sem o embate e confronto do contexto do escritor com o leitor, leitura sem objetivos, constitui-se em tarefa bancária ou mecânica e que muitas vezes frustra quem o lê.

Em compensação, quando se abrem espaços para a expressão e a partilha de ideias, com certeza abre-se as portas para o conhecimento, pois o modo como cada sujeito constroi o conhecimento é muito diverso e envolve diferentes caminhos: percepção, memória, ação, imitação, significação, que precisam ser trabalhados de modo a valorizar esses caminhos que são próprios de cada sujeito.

Buscar outras formas de mostrar a importância e o grande valor que a leitura possui, que há diversas fontes para a pesquisa e que basta sair da rotina, da maneira técnica instrumental que desestimula a vontade de aprender. Mostrar que o ato de ler se constroi em processos compartilhados e que a construção de conceitos é realizado a partir daquilo que se sabe (pré-conceito), do vivido, do realizado sozinho ou em grupo, pois quando se lê, sem entender o sentido real do texto, não acontece a leitura. Isso acontece, sim, quando o aluno aproveita a informação e interage com a sociedade. Por isso, é preciso saber.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No apontar a importância da leitura de mundo na visão de Paulo Freire no cotidiano dos alunos 1º ano do ensino médio Escola Estadual Raimundo Paz/AM, a visão de Freire que a leitura é um território de um sujeito ativo e interativo, de um sujeito que age e interage, porque através do ato de ler e capaz de atribuir significados, e ao atribuir significados torna-se leitor, pois passa a entender que se aprende ler com o exercício e hábito da leitura.

Quem lê apropria-se de conhecimentos acerca do mundo, conhece, constitui-se enquanto sujeito, quanto mais o aluno ler, maiores capacidades terá para compreender e interpretar as entrelinhas do texto, de relacionar com a realidade os argumentos do autor e com isso desenvolver seu senso crítico, suas próprias opiniões.

Acredita-se que para ocorrer uma educação libertadora e transformadora, o desenvolvimento da leitura é imprescindível, pois através dela a criança cria o hábito de ler, enriquece seu vocabulário e, consequentemente, as suas manifestações orais e escritas servirão de fonte de socialização.

Ao identificar as dificuldades dos alunos do 1º ano do ensino médio na aquisição da leitura, percebeu-se que os alunos participantes gostam de ler e quando motivados leem, a dificuldade deles está na escrita e na produção textual.

É necessário na concepção de escrita com foco na língua o conhecimento das regras gramaticais e no domínio de um bom vocabulário, para que isso ocorra, o educando tem que fazer o uso da leitura.

Ler, como qualquer aprendizagem, requer dedicação, pensar assim a produção de leitura em sala de aula desafia o professor a reconfigurar atitudes que até hoje tem sido básicas. Normalmente as aulas de leitura têm como base um único texto, escolhido pelo professor, impedindo assim a possibilidade de o leitor-aluno usar suas características e subjetividade na escolha do que ler um cumprimento ao estabelecido. Sendo a leitura, um território de um sujeito ativo e interativo, de um sujeito que age e interage, porque através do ato de ler consegue atribuir significados, e ao atribuir significados torna-se leitor, pois passa a entender que se aprende a ler com o exercício e hábito da leitura.

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1Ma Ciências da Educação Universidad de la Integración de las Américas. Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do Ensino/AM – e-mail: letrasprofessora@hotmail.com;
0009-0003-5521-978X