DESAFIOS E ESTRATÉGIAS NA INTEGRAÇÃO DAS EQUIPES MULTIPROFISSIONAIS (eMULTI/NASF) NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

CHALLENGES AND STRATEGIES IN THE INTEGRATION OF MULTIPROFESSIONAL TEAMS (eMULTI/NASF) IN PRIMARY HEALTH CARE: AN INTEGRATIVE REVIEW OF THE LITERATURE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410181316


Beatriz Marinho Dias1
Ingrid Mégli dos Santos Silva2
Ivonete Santos Oliveira3
Paula Rocha de Oliveira4
Orientador: Msc Rodrigo Santos Damascena5


Resumo

A Atenção Primária à Saúde (APS) possibilita, por meio da articulação de olhares e saberes dos diferentes profissionais da equipe multiprofissional, o desenvolvimento de ações que ultrapassam a racionalidade da assistência curativa, centradas na resolução imediata de problemas de saúde individuais. Entretanto, alguns desafios precisam ser encarados para que o trabalho em equipe seja aperfeiçoado. Nesse contexto, este estudo teve como objetivo analisar os desafios e estratégias na integração das equipes multidisciplinares (eMulti/NASF) na APS, através de uma revisão integrativa da literatura.  Utilizando as bases de dados Scielo, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scopus e Pubmed a pesquisa examinou uma variedade de estudos, totalizando seis artigos, para obter maior compreensão sobre a temática escolhida. Os resultados encontrados mostraram que os desafios enfrentados pelas eMulti são: falta de planejamento das ações coletivas, falta de infraestrutura e apoio de gestão, fragilidades de diferentes ordens e de compartilhamento, inadequação e insuficiência de recursos necessários para a realização do trabalho cotidiano, que causam custos humanos, desde os físicos e os cognitivos até os afetivos. Conclui-se que existem muitos desafios que precisam ser transpostos para otimizar o trabalho da equipe multiprofissional que atua na APS. Entretanto, percebe-se as potencialidades de sua atuação como planejamento de ações de modo integrado e contextualizado com as demandas da população adscrita, intervenção tanto de forma individual quanto na coletividade, otimização do funcionamento, entre outros. 

Palavras chave: Atenção Primária à Saúde. Política de Saúde. Saúde. Equipe Multiprofissional.

Abstract

Primary Health Care (PHC) enables, through the articulation of views and knowledge of different professionals in the multidisciplinary team, the development of actions that go beyond the rationality of curative care, focused on the immediate resolution of individual health problems. However, some challenges need to be faced so that teamwork can be improved. In this context, this study aims to analyze the challenges and strategies in the integration of multidisciplinary teams (eMulti/NASF) in PHC, through an integrative literature review.  Using the Scielo, Virtual Health Library (BVS), Scopus and Pubmed databases, the research examines a variety of studies, totaling six articles, to obtain greater understanding of the chosen topic. The results found showed that the challenges faced by eMulti are: lack of planning of collective actions, lack of infrastructure and management support, weaknesses of different orders and sharing, inadequacy and insufficient resources necessary to carry out daily work, which cause human costs, from physical and cognitive to affective. It is concluded that there are many challenges that need to be overcome to optimize the work of the multidisciplinary team that works in PHC. However, the potential of its action is perceived as planning actions in an integrated manner and contextualized with the demands of the enrolled population, intervention both individually and collectively, optimization of operation, among others. 

Keywords: Primary Health Care. Health Policy. Health. Multidisciplinary Team.

Introdução

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado como um sistema público, universal, integral e gratuito de saúde, cujo objetivo era garantir o acesso igualitário a serviços de saúde de qualidade para toda a população brasileira. Esse sistema foi uma conquista histórica que representou um avanço significativo na saúde pública do Brasil. Ele trouxe uma mudança de paradigma, promovendo a integralidade do cuidado, a descentralização das ações de saúde e a participação social na gestão do sistema. 

Dentro do contexto do SUS, a Atenção Primária à Saúde (APS) desempenha um papel central na promoção da saúde e na prevenção de doenças, atuando como porta de entrada preferencial para o sistema de saúde (CAMPOS, 2016). A APS é caracterizada por ser acessível, coordenada, contínua e integral, oferecendo uma gama ampla de serviços de saúde, incluindo promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação (STARFIELD; SHI; MACINKO, 2015). Além disso, prioriza a abordagem centrada no usuário, considerando não apenas as necessidades clínicas, mas também os aspectos sociais, emocionais e culturais que influenciam a saúde e o bem-estar dos indivíduos e comunidades (NORMAN; TESSER, 2015).

Os atributos essenciais da APS incluem o acesso de primeiro contato, a longitudinalidade, a integralidade, a coordenação do cuidado e a orientação familiar e comunitária (STARFIELD, 2016). Esses atributos fundamentais garantem que a APS seja capaz de oferecer um atendimento abrangente e eficaz, promovendo a saúde, prevenindo doenças, tratando condições agudas e crônicas, e coordenando o cuidado ao longo do tempo. Desta forma, ao fortalecer e investir na APS, é possível melhorar significativamente os resultados em saúde, reduzir as desigualdades e garantir uma atenção integral e centrada no usuário (STARFIELD; SHI; MACINKO, 2015).

A APS é o único nível de atenção presente em todo o território nacional e, por meio dela, das pactuações intermunicipais e dos sistemas regionais, as pessoas poderão acessar os demais níveis de cuidado, constituídos pelos níveis secundário e terciário. Assim, todo o projeto territorial do SUS depende da constituição de uma base que deve atuar como porta de entrada e centro de comando do sistema (FARIA, 2020).

A APS é composta por: equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF) que desde 1994 consolidam a porta de entrada do SUS, quanto o Núcleo de Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) que desde 2008 atuam primordialmente com bases dos princípios da integralidade, interdisciplinaridade, resolubilidade, seguindo as diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) (BRASIL, 2009; 2014; 2017).

A APS difere da atenção médica tradicional ao lidar com problemas de saúde comuns e menos específicos, geralmente em locais como consultórios, centros de saúde, escolas e residências. Os pacientes têm acesso direto a uma variedade de serviços de saúde que são continuados ao longo do tempo e incluem medidas preventivas. Essa abordagem visa garantir que as necessidades de saúde sejam atendidas de forma eficaz e abrangente (STARFIELD, 2016).

No entanto, uma mudança importante ocorreu com a substituição do NASF pelas equipes multidisciplinares (eMulti), que trouxe mudanças para a integração das equipes na APS. Anteriormente, o NASF era responsável por oferecer suporte às equipes de saúde da família, promovendo a integração entre os diferentes níveis de atenção à saúde e ampliando a resolutividade da APS. Com a transição para as equipes multidisciplinares, houve uma reorganização das práticas e uma maior ênfase na integração das equipes, com a inclusão de novos profissionais e a ampliação das atividades desenvolvidas (BISPO JÚNIOR; ALMEIDA, 2023). 

As eMulti são definidas como equipes de profissionais de saúde de diferentes áreas de conhecimento que atuam de maneira complementar e integrada à APS, com atuação corresponsável pela população e pelo território, em articulação intersetorial e com a Rede de Atenção à Saúde (BRASIL, 2023). Foram instituídas três modalidades de equipes, compostas por um conjunto fixo e variável de profissionais: 1) eMulti Ampliada vincula-se de 10 a 12 equipes de APS e é composta com carga horária mínima de 300 horas; 2) eMulti Complementar deve atender de cinco a nove equipes e ser composta por mínimo de 200 horas de atuação; e 3) eMulti Estratégica, composta por uma carga horária mínima de 100 horas, deve prestar atendimento de uma a quatro equipes de APS (BRASIL, 2023). 

Outra característica que favorece a abrangência das eMulti é a possibilidade de vinculação a todas as modalidades de equipes de APS. Cada equipe multidisciplinar pode estar integrada a uma ou mais: equipe de saúde da família; equipe de saúde da família ribeirinha; equipe de consultório na rua; equipe de atenção primária; e equipe de unidade básica de saúde (UBS) fluvial. Destaca-se, assim, a oportunidade de universalização e integralização da eMulti para todos os municípios do país, inclusive com a perspectiva do modelo intermunicipal (BISPO JÚNIOR; ALMEIDA, 2023).

A integração de eMulti, compostas por profissionais de diversas áreas da saúde, é essencial para oferecer um atendimento de qualidade e abrangente às pessoas e comunidades. Isso é visto como uma estratégia fundamental para obter a atenção e o cuidado integral, com a finalidade de promover a qualidade da atenção à saúde comunitária, individual e coletiva, em consonância com os princípios e diretrizes estabelecidos pelo SUS (ROSA et al, 2023).

Contudo, a relação entre os serviços de saúde e as eMulti será mais eficaz quando houver um entendimento claro do papel de cada parte envolvida e, principalmente, da importância de uma relação de apoio mútuo, buscando estratégias para vencer os desafios. Dessa forma, todos os atores podem ser considerados como potenciais impulsionadores para o desenvolvimento de ações conjuntas (MELLO et al, 2019).

Diante desse cenário, é crucial analisar os impasses enfrentados pelos profissionais de saúde, bem como as estratégias adotadas para superá-los. Assim, este estudo justifica-se no intuito de colaborar com a melhoria das políticas e práticas de saúde, oferecendo dados e informações relevantes para orientar a tomada de decisões e a elaboração de planos de ação destinados a integrar as equipes multidisciplinares na APS de forma eficiente.

Apesar das mudanças, os desafios na integração das eMulti persistem, exigindo a adoção de estratégias efetivas para superá-los. Nesse sentido, com este estudo busca-se responder à seguinte pergunta: O que a literatura tem produzido sobre os desafios e estratégias na integração das equipes multiprofissionais na atenção primária à saúde?

Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar os desafios e estratégias na integração das equipes multidisciplinares (eMulti) na APS, através de uma revisão integrativa da literatura.

Método 

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, a qual configura-se enquanto um método de pesquisa que possibilita a síntese e análise do que existe de produção sobre determinado fenômeno. Nesse sentido, foram seguidos os seguintes passos: identificação da questão de pesquisa; busca na literatura científica; categorização dos resultados encontrados; avaliação dos artigos selecionados; e análise, interpretação e discussão dos resultados.

Para tanto, foi formulada a seguinte questão de pesquisa: O que a literatura tem produzido sobre os desafios e estratégias na integração das equipes multiprofissionais na atenção primária à saúde?

A busca foi realizada nas seguintes bases de dados: Scielo, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scopus, Capes, Pubmed e Google Acadêmico no período de março a julho de 2024. A escolha pelas bases de dados teve como objetivo acessar o máximo do conteúdo escolhido. 

Os descritores foram selecionados a partir dos Descritores em Ciências da Saúde (DECS) em português e inglês para a BVS. Os descritores identificados no

DECS foram: “atenção primária à saúde”; “política de saúde”; “saúde”; “equipe multiprofissional”. Foi utilizado também o caractere booleano “AND”, pois combinou os termos da pesquisa para que cada resultado da pesquisa contivesse todos os termos.

Os seguintes critérios de inclusão foram adotados para a seleção das produções: artigos em português e inglês, que explicitassem em título, resumo e palavras chaves qualquer tipo de estratégia ou desafio na integração das equipes multiprofissionais na atenção primária à saúde.

Por outro lado, artigos que não estivessem disponibilizados integralmente online, revisões de literatura, levantamentos epidemiológicos, correspondências, editoriais, monografias, dissertações e teses foram produções excluídas da presente revisão. Além disso, cabe apontar que foi adotado o recorte temporal de dez anos (2015 a 2024) para a busca. 

Para análise dos artigos selecionados, após a leitura criteriosa na íntegra dos mesmos, foi realizada uma análise descritiva dos materiais, considerando as variáveis: ano e país da produção, referencial teórico utilizado, objetivo do trabalho publicado, métodos e principais resultados encontrados. 

Resultados 

A realização desta Revisão Integrativa de Literatura permitiu analisar os desafios e estratégias na integração das equipes multiprofissionais (eMulti/NASF) na atenção primária à saúde. Apesar da escassez de artigos publicados, a busca nas bases de dados alcançou seis publicações conforme fluxograma (Figura 1), sendo: uma publicação em 2015; uma publicação em 2016; uma publicação em 2019; duas publicações em 2021; e uma publicação em 2024. Os tipos de estudo das publicações utilizadas foram: revisão integrativa da literatura; pesquisa qualitatiuva do tipo estudo de caso; pesquisa bibliográfica e documental; pesquisa descritivo-correlacional de base epistemológica qualitativa; estudo qualitativo, observacional e analítico; estudo multicêntrico de natureza qualitativa; e estudo teórico-reflexivo, de natureza exploratória e abordagem qualitativa. Assim, o Quadro 1 apresenta os artigos analisados, comparando-os quanto aos autores, ano de publicação, título, tipo de estudo, objetivo e principais resultados.

Figura 1 – Artigos identificados a partir da busca no banco de dados BVS, Scopus, Pubmed e Scielo

Fonte: Acervo das autoras (2024)

Quadro 1 – Distribuição da produção científica buscada nas principais bases de dados nacionais

Autor/anoTítulo Tipo de estudoObjetivo Principais resultados
Pereira,Rivera eArtmann(2015)O trabalho multiprofissional naestratégia saúde dafamília: estudo sobre modalidades de equipes.Pesquisa qualitativa dotipo estudo de casoAnalisar o trabalho em equipe multiprofissional de saúde na ESF do município do Rio de Janeiro na perspectiva da tipologia agrupamento/interação de Peduzzi (2001).A equipe de saúde investigada possui características mais próximas da equipe, interação em que há articulações das ações. Revela-se aí a necessidade de se explorar, cada vez mais, a observação da dimensão do trabalho enquanto interação social, e das conversações como possibilidade de se compreenderem melhor os processos interativos intrínsecos ao trabalho em equipe. 
Miareli (2016)Trabalho multiprofissional na ESF: dificuldades ou desafios? Pesquisa ObservacionalDescrever os principais desafios da equipe na ESF e conhecer os principais problemas do trabalho multiprofissionalAs equipes de saúde da família transitam num ideário que busca inovação no modo de se produzir saúde, ao mesmo tempo em que se deparam com contradições provenientes das condições de trabalho e da relação com a coordenação municipal. Somando-se a isso, existe um tensionamento no qual os vários projetos dos atores sociais divergem e convergem, demostrando qual é a possibilidade coletiva de trabalho.
Loch-Neckel et al, (2019)Desafios para a ação interdisciplinar na atenção básica: implicações relativas à composição das equipes multiprofissionais da saúde da famíliaPesquisa descritivo-correlacional de base epistemológica qualitativaRefletir sobre a relação entre integralidade na atenção básica e a composição das equipes de saúde da família, na perspectiva dos integrantes da equipe mínima do PSF, caracterizando as possibilidades de atuação e contribuições de outros profissionais de saúde no PSF.As reflexões sobre o trabalho em equipe no PSF evidenciaram a falta de clareza, por parte dos profissionais de saúde, em discernir núcleo e campo de competência, e as fronteiras entre seu núcleo e o dos demais, principalmente no que concerne à realização de grupos.
Macedo de Sá et al, (2021)Desafios e potencialidade da atuação da equipe
multiprofissional na atenção primária em saúde
Estudo qualitativo, observacional, analíticoDescrever a percepção da equipe multiprofissional do Núcleo de Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-
AB) sobre sua atuação.
Foram identificadas 3 classes: “dificuldades e barreiras” como a precariedade de recursos, falta de segurança, pouca capacitação; “potencialidades”, primordialmente o trabalho multiprofissional; e, “atuação da equipe” na prevenção e promoção à saúde.
Machado et al, (2021)Trabalho em equipes multiprofissionais na atenção primária no Ceará: porosidade entre avanços e desafiosEstudo Multicêntrico de natureza qualitativaAnalisar a atuação das equipes multiprofissionais conformadas nos Núcleos
Ampliados de Apoio à Família e Atenção Básica, frente às dimensões clínico-assistencial e técnico-pedagógica no contexto da Atenção Primária à Saúde no Brasil
Os resultados evidenciaram avanços na atuação das equipes multiprofissionais na produção do cuidado integral dos indivíduos e coletivos, a partir de ações de planejamento e tomada de decisões partilhadas com vistas à melhoria da qualidade de vida destes. Outrossim, identifica-se uma ênfase na dimensão clínico-
-assistencial do cuidado, o que torna a dimensão técnico-pedagógica um desafio.
Oliveira et al, (2024)Reflexões acerca dos desafios enfrentados pela equipe multidisciplinar quanto à integralidade do cuidado na Atenção Primária à SaúdeEstudo teórico-reflexivo, de natureza exploratória e abordagem
Qualitativa.
Refletir sobre os desafios enfrentados pela equipe
multidisciplinar em relação à integralidade do cuidado na Atenção Primária à Saúde.
integralidade pela equipe multidisciplinar na APS é fundamental para oferecer uma assistência abrangente e integrada aos usuários.
Um dos principais desafios identificados foi a fragmentação dos serviços de saúde e a falta de comunicação eficaz entre os profissionais de diferentes áreas.

Fonte: Acervo das autoras (2024)

Discussão 

A análise do conteúdo dessa revisão evidenciou uma tendência à reprodução da perspectiva assistencial hegemônica no âmbito da APS, o que reforça a permanência e a reprodução de um modelo de atenção à saúde centrado na prática clínica e no cuidado de doentes, em detrimento de um processo de mudança que enfatize a promoção da saúde e a prevenção de riscos e agravos (OLIVEIRA et al, 2024). 

Já o estudo desenvolvido por Loch-Neckel et al, (2019) mostra que as atribuições APS são bastante amplas e têm como principais objetivos proporcionar uma atenção integral às famílias, identificar os problemas de saúde, incentivar ações comunitárias, bem como estimular e desenvolver a participação da população local na solução de seus problemas e no exercício do controle social sobre os serviços que recebe. Além dessas atribuições, a APS exige novos conhecimentos de suas equipes e uma perspectiva integrada na análise dos problemas e no encaminhamento das soluções. O trabalho em equipe multiprofissional propõe também a organização de relações horizontais no interior das equipes, com o reconhecimento da competência de cada membro e a busca através do diálogo, a definição de uma ação conjunta e não apenas justaposta de todos os integrantes (LOCH-NECKEL et al, 2019).

A equipe multidisciplinar, mais do que ser um aspecto organizacional, deve obter uma função de arranjo estruturado para o processo do trabalho em equipe, sendo este o principal suporte para a assistência integral e igualitária em saúde, facilitando a abordagem à população através da soma dos distintos olhares e conhecimentos envolvidos, favorecendo a qualidade na assistência. Ademais, ressente-se que o agir das equipes multiprofissionais ampliadas centra suas ações na dimensão clínico-assistencial do cuidado, com espaço limitado para o agir concernente à dimensão técnico-pedagógica (MACHADO et al, 2021).

Desse modo, as equipes multiprofissionais (eMulti) não só tornam o atendimento mais completo, como oportunizam outros profissionais de saúde a atuarem na atenção básica de saúde. Nessa perspectiva, os estudos apontam vantagens no trabalho em equipe, como a troca de experiências, o respeito ao trabalho e à opinião de outros profissionais, além de transitar num ideário que busca inovação no modo de se produzir saúde, ao mesmo tempo em que se deparam com contradições provenientes das condições de trabalho (MIARELI, 2016; PEREIRA; RIVERA; ARTMANN, 2015).

Nessa perspectiva, o trabalho em eMulti’s tornou-se um dos principais instrumentos de intervenção, pois as ações e práticas se estruturam a partir da equipe, ao mesmo tempo em que ocorre neste tipo de trabalho em saúde a ampliação do objeto de intervenção para além do âmbito individual e clínico. Tal peculiaridade requer mudanças na forma de atuação e na organização do trabalho, bem como demanda alta complexidade de saberes (MIARELI, 2016). Assim, o trabalho em equipe na ESF veio para proporcionar o crescimento de seus membros, incentivados a buscar conhecimentos e habilidades que outrora não possuíam.

Para Machado et al, (2021), é reconhecido que a atenção à saúde orientada para a integralidade dos sujeitos e da comunidade requer que a multidisciplinaridade reflita um modelo de atenção acolhedor, que compreenda as diversidades do sujeito, do usuário do sistema e do território de saúde no qual ele está inserido. Para tanto, rompem-se as barreiras das abordagens uniprofissionais, limitadas diante do processo saúde-adoecimento, e lançam-se ao exercício da busca da interprofissionalidade, na perspectiva do desenvolvimento de práticas colaborativas.

Contudo, há desafios para a operacionalização do trabalho de forma plena e conjugada às ações das eMulti. Os impasses são relacionados à lógica do modelo medicalocêntrico e ao curativismo, bem como à resistência das equipes apoiadas na compressão do modelo de apoio matricial (MACHADO et al, 2021).

Outro desafio com expressividade pode ser observada no estudo de Macedo de Sá et al, (2021) no qual os desafios vistos nessa dimensão estiveram relacionados ao desenvolvimento de práticas integrativas complementares, e também o risco de reproduzir a racionalidade biomédica no processo de trabalho, outra dificuldade detectada a ser enfrentada pela ESF no processo de cuidado.

Grande problema que também pode ser observado no estudo de Macedo de Sá et al, (2021) se baseia na centralização da coordenação da equipe em apenas algumas categorias multiprofissionais, em contrapartida ao poder hierárquico em outras. As fragilidades de diferentes ordens, infraestrutura, recursos necessários para a realização do trabalho cotidiano em equipe, entre outras, causam custos humanos e repercutem claramente na motivação dos profissionais e, certamente, limitam o alcance dos objetivos pretendidos pela eMulti. É preciso, então, novas formas de mobilização do coletivo que superem o isolamento das práticas dos distintos profissionais e concorram para sua integração (OLIVEIRA et al, 2024).

Acredita-se que a retomada das equipes multiprofissionais seja estratégica para promover o cuidado integral da população, contribuindo para ampliar o escopo de práticas e a resolubilidade da APS. Entretanto, não basta apenas retomar o financiamento. É preciso incorporar a interprofissionalidade como diretriz do SUS e da APS, reconhecendo-a como tal na Lei Orgânica da Saúde e em todo o arcabouço legal vigente, inclusive com a reformulação da PNAB (MIARELI, 2016). 

Cabe ressaltar que os desafios discutidos apresentados não poderiam ser abarcados em sua totalidade no âmbito da Portaria nº 635/2023, que tem o objetivo específico de instituir o financiamento das eMulti. Por sua vez, caso tais desafios não sejam enfrentados adequadamente, eles poderão obstaculizar ou mesmo inviabilizar o bom desempenho das equipes. É necessário avançar na organização do trabalho, no adequado dimensionamento das equipes, nas condições de trabalho na APS e em processos robustos de formação e qualificação profissional (MIARELI, 2016). 

Ao longo das reflexões, ficou claro que a promoção da integralidade do cuidado não é apenas um objetivo a ser alcançado, mas um processo contínuo que exige esforços colaborativos e adaptações constantes. Um dos principais desafios identificados foi a fragmentação dos serviços de saúde e a falta de comunicação eficaz entre os profissionais de diferentes áreas. Esse cenário muitas vezes resulta em uma abordagem assistencialista e segmentada, que não contempla a totalidade das necessidades do usuário (OLIVEIRA et al, 2024).

Conclusão 

 A presente revisão integrativa teve como objetivo revisar as produções acadêmicas publicadas nos últimos dez anos, sobre os desafios e estratégias na integração das equipes multidisciplinares (eMulti) na APS. Nesse sentido, os resultados encontrados mostraram que a importância que o trabalho em equipe desempenha para a reorientação do modelo assistencial de saúde a partir da atenção básica, contribuindo para uma maior reinserção de práticas de cuidado à saúde dos indivíduos, consequentemente, melhorando o prognóstico dos usuários.

Em relação aos desafios enfrentados pelas eMulti, os mais relevantes foram:

falta de planejamento das ações coletivas, falta de infraestrutura e apoio de gestão, fragilidades de diferentes ordens e de compartilhamento, inadequação e insuficiência de recursos necessários para a realização do trabalho cotidiano, que causam custos humanos, desde os físicos e os cognitivos até os afetivos. 

Considera-se que o trabalho em equipe é um desafio devido à formação acadêmica dos profissionais de saúde ser mais voltada para a individualidade. Cada um deve fazer a sua parte com dedicação. Este modelo de saúde reflete na dificuldade em trabalhar em equipe e no atendimento humanizado dos pacientes. Por isso, é essencial promover condições dignas de trabalho, acesso a suporte diagnóstico, educação permanente, suporte gerencial e matricial.

Para a atuação efetiva das equipes multiprofissionais, acredita-se que seja necessária uma harmonia entre elas, a partir da realização de um planejamento conjunto, com definição de objetivos e metodologias para as ações a serem desenvolvidas nos serviços de saúde, priorizando a assistência multidisciplinar e integral, objetivo primeiro da ampliação da equipe da APS. Ademais, o sentido de pertencimento é aflorado quando todos os integrantes se sentem parte de uma só equipe, embora sejam assegurados seus objetivos específicos.

Conclui-se que existem muitos desafios que precisam ser transpostos para otimizar o trabalho da equipe multiprofissional que atua na APS. Entretanto, percebe-se as potencialidades de sua atuação como planejamento de ações de modo integrado e contextualizado com as demandas da população adscrita, intervenção tanto de forma individual quanto na coletividade, otimização do funcionamento, entre outros. 

Por fim, para reduzir as barreiras e otimizar as potencialidades, é necessário que estudos como este busquem investigar a percepção de outros atores, como a gestão para garantia do trabalho multiprofissional no âmbito da APS, para que uma visão amplificada possa garantir a efetivação da integralidade em saúde.

Referências 

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1Discente do curso de Enfermagem do Centro Universitário de Excelência (UNEX/2024), e-mail: marinho.dias@aluno.unex.edu.br.
2Discente do curso de Psicologia do Centro Universitário de Excelência (UNEX/2024), e-mail: megli.silva@aluno.unex.edu.br.
3Discente do curso de Psicologia do Centro Universitário de Excelência UNEX/2024), e-mail: ivonete.oliveira1@aluno.unex.edu.br.
4Discente do curso de Enfermagem do Centro Universitário de Excelência (UNEX/2024), e-mail: Paula.oliveira2@aluno.unex.edu.br.
5Professor(a) Orientador(a) do Centro Universitário de Excelência (UNEX/2024), Mestre em Saúde Pública – Fiocruz, e-mail: rodrigo.damascena@ftc.edu.br.