CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE A ESPOROTRICOSE EM FELINOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202410161548


Alline Belmiro Pontes1; Ana Paula de Souza Salvatore2; Beatriz de Oliveira Ribeiro3; Bianca Rodrigues de Porto Meira4; Laura Kusiaki de Souza Verardi5; Marcella Rigazzo Maiolino6; Roberta Castro Restier7


RESUMO

A esporotricose, uma zoonose causada pelo fungo Sporothrix schenckii e passou a ter proporções epidêmicas no Brasil a partir do final dos anos 1990. É uma doença emergente e que requer ações de saúde pública para seu controle (Da Gama Silva, 2023). Uma pesquisa foi conduzida objetivando ampliar e atualizar o conhecimento da população trazendo informações como: o que é, como se dá a contaminação, como minimizar o contágio, aspectos clínicos, métodos de diagnóstico e possíveis tratamentos. Os resultados revelam lacunas alarmantes no conhecimento sobre a doença e suas medidas preventivas, destacando a necessidade urgente de educação específica sobre a esporotricose felina, e uma clara necessidade de aumentar a conscientização sobre outras estratégias de prevenção. Este estudo destaca a importância fundamental da educação pública, do diagnóstico precoce e do manejo responsável de animais para enfrentar de maneira eficiente a esporotricose.

Palavras-chave: Doenças infecciosas; Epidemiologia; Lesões de pele; Saúde pública; Sporothrix ssp.; Zoonose.

INTRODUÇÃO

A esporotricose é uma doença infecciosa de caráter zoonótico causada pelo fungo Sporothrix schenckii, descoberta por Benjamin Schenck nos Estados Unidos em 1898 (ALVAREZ et al. 2022). Ela afeta diversas espécies, incluindo equinos, cães, felinos, bovinos, suínos, camelos, primatas e humanos, sendo a micose subcutânea mais comum na América Latina (BARROS et al. 2010).

Geralmente, a infecção ocorre pela inoculação do fungo na pele, resultando em lesões restritas à derme, tecido celular subcutâneo e vasos linfáticos próximos. Em casos raros, a doença pode se disseminar para outros órgãos ou ser sistêmica devido à inalação de esporos (ALVAREZ et al. 2022)

Segundo Pereira 2014, no Brasil, os primeiros casos de esporotricose foram em humanos e ratos, relatados pelos pesquisadores Adolpho Lutz e Alfonso Splendore em 1907. A doença era frequente em jardineiros, agricultores e pessoas em contato com plantas e solo em ambientes naturais onde o fungo poderia estar presente em materiais orgânicos. Até 1998, a fonte de infecção era ambiental e o número de casos registrados era inferior a dez por ano. A partir do final dos anos 1990, no estado do Rio de Janeiro, devido ao clima quente e úmido, a esporotricose em animais, especialmente em gatos e sua transmissão para humanos, passaram a ter proporções epidêmicas. Desde então, mais de 4 mil gatos e 200 cães foram diagnosticados com esporotricose no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), além de mais de 2.200 casos em humanos.

Os gatos são altamente suscetíveis à infecção por Sporothrix spp., com evolução de forma mais grave do que nas outras espécies (SCHUBACH et al.,2015), sendo assim, considerados grandes disseminadores da doença devido à alta carga do fungo em suas lesões, unhas e cavidade oral (MEINERZ et al., 2010). Os machos não castrados e semi domiciliados estão mais predispostos devido aos seus hábitos comportamentais.

De acordo com o IBGE, existem mais de 132 milhões de pets no Brasil, e a tendência é que esse número continue crescendo, o que pode impactar em um aumento no risco de transmissão da esporotricose, especialmente em indivíduos imunocomprometidos (BRUM et al., 2007). É uma doença considerada emergente que exige ações de saúde pública urgentes para seu controle, especialmente em áreas endêmicas (SILVA et al., 2012).

Considerando a importância epidemiológica da Esporotricose e o aumento significativo de casos no país, este estudo vem com a proposta de aprofundar o entendimento sobre o conhecimento das pessoas em relação aos sinais clínicos e às formas de prevenção da doença, a fim de mapear quais ações de educação pública devem ser implementadas para reduzir o número de casos.

OBJETIVOS

O presente trabalho tem como objetivo levantar informações sobre a esporotricose bem como entender o nível de conhecimento da população acerca de uma zoonose emergente e importante no âmbito brasileiro a fim de elaborar uma campanha de conscientização focada em métodos de prevenção, formas de transmissão e manifestações clínicas.

MÉTODOS

Foi desenvolvido um questionário com o objetivo de avaliar o nível de conhecimento da população sobre zoonose e em específico sobre a esporotricose.
Com o objetivo de maximizar a quantidade de respostas obtidas, o questionário (Anexo 1) foi concebido de maneira concisa e direta, composto por nove perguntas. A maioria das questões apresentou opções de resposta de múltipla escolha com alternativas “sim” ou “não”, e, em algumas situações, permitiu aos participantes escrever uma resposta breve. Para coletar as respostas de forma imparcial e representativa, o questionário foi disponibilizado em uma plataforma virtual, garantindo que a pesquisa não tivesse viés em direção a públicos específicos.

A análise dos dados teve como principal objetivo esclarecer o quanto essa doença é conhecida, para que, eventualmente, possamos lançar uma campanha de conscientização destinada ao conhecimento de forma geral da doença e seus impactos zoonóticos, bem como a conscientização das formas de prevenção do Sporothrix ssp.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo os dados levantados com 103 participantes, cerca de 52,4% das pessoas que responderam ao questionário não têm conhecimento sobre a esporotricose, indicando uma falta significativa de informação sobre a doença. Além disso, 69,9% dos entrevistados estão cientes do que são doenças de zoonoses (Figura 1), sendo relevante considerar que a esporotricose se enquadra nessa categoria.

Figura 1 – Conhecimento sobre o que são zoonoses

No contexto brasileiro, a esporotricose evoluiu para um fenômeno zoonótico endêmico/epidêmico urbano, com transmissão ocorrendo dos gatos infectados para os humanos (GUTIERREZ-GALHARDO et al., 2015). Contudo, de acordo com as respostas (Figura 2), apenas 42,7% reconhecem a esporotricose como uma zoonose, revelando uma falta de compreensão sobre a natureza infecciosa da doença e sua capacidade de ser transmitida de animais para humanos.

Figura 2 – Conhecimento sobre a esporotricose como zoonose

Conforme os dados obtidos (Figura 3), quase um terço dos participantes (29,1%) admitiram ter tido contato com gatos portadores de esporotricose, sugerindo uma exposição direta à doença ou a gatos infectados. Por outro lado, é notável que uma porção significativa (27,2%) tenha declarado não ter tido tal contato, o que pode indicar uma falta de exposição direta à esporotricose ou um desconhecimento sobre a condição dos gatos com os quais interagiram. Também é relevante observar que uma proporção considerável dos entrevistados (43,7%) respondeu “não sei” à pergunta sobre contato com gatos com esporotricose, evidenciando uma possível falta de conhecimento sobre a doença em si ou sobre a condição dos gatos previamente encontrados.

Figura 3 – Contato com gatos com esporotricose

No que se refere aos sintomas da esporotricose, muitos participantes demonstraram falta de conhecimento sobre as formas de contrair a doença. No entanto, algumas respostas mencionam feridas na pele, lesões ulceradas e machucados, sintomas que estão alinhados com a descrição da doença, sendo que a transmissão da esporotricose felina, conforme descrita por Marques et al. (1993) ocorre principalmente por meio de arranhadura ou mordeduras, além de poder ocorrer via contaminação de feridas pré-existentes na pele. Outros sintomas citados incluem nariz inchado, secreção nasal e feridas no nariz, que são compatíveis com a descrição de lesões na região rostral em gatos infectados. Também mencionam coceira, irritações na pele e vermelhidão no local de contato, sintomas iniciais da esporotricose, especialmente nos gatos. Sintomas respiratórios, como espirros frequentes e comprometimento da parte respiratória, que também foram citados, sugerem as formas disseminadas da doença, na qual o pulmão do humano é afetado, indicando uma compreensão parcial dos sintomas mais graves da esporotricose.

Quanto à possibilidade de contrair a esporotricose, observa-se uma variedade de respostas, com destaque para evitar tocar em animais com feridas sem luvas (70,9%) e o isolamento de animais suspeitos da doença (71,8%) como medidas preventivas reconhecidas. A limpeza frequente do ambiente (70,9%) e a consulta periódica ao veterinário (78,6%) também foram consideradas importantes na prevenção da doença. No entanto, medidas como a vacinação anual (49,5%) e a castração (30,1%) foram menos citadas, embora possam contribuir para reduzir a disseminação do fungo, considerando que, segundo Araújo et al. (2021), o tratamento em massa de gatos infectados combinado com a castração ou outras intervenções para redução do contato pode conter significativamente a prevalência da esporotricose no Brasil, melhorando a saúde humana.

É surpreendente notar que nenhum dos participantes optou pela eutanásia de animais contaminados como medida preventiva, refletindo uma visão positiva. Isso é especialmente relevante considerando o contexto no Brasil, onde, segundo Alvarez et al. (2023), a esporotricose tem sido negligenciada por mais de 50 anos. Em vez disso, medidas como o diagnóstico preciso, o tratamento precoce, iniciativas educacionais básicas enfatizando a posse responsável de animais e programas de controle reprodutivo para felinos podem desempenhar um compromisso importante no controle dessa zoonose.

CONCLUSÃO

Este estudo revela lacunas alarmantes no conhecimento da população sobre a doença e suas medidas preventivas, destacando a importância fundamental da educação pública, do diagnóstico precoce e do manejo responsável de animais para enfrentar eficazmente a esporotricose. A colaboração entre profissionais de saúde, veterinários, autoridades governamentais e a comunidade é essencial para reduzir o impacto dessa doença emergente tanto em humanos quanto em animais.

Embora algumas medidas preventivas como, consultas veterinárias regulares e isolamento de animais suspeitos, sejam reconhecidas como importantes, este estudo ressalta a necessidade de campanhas de conscientização mais eficientes a fim de elencar outras formas de prevenção em relação à disseminação da esporotricose. A comunicação por meio de posts informativos (Anexo 2) divulgados em redes sociais visa um alcance maior para perpetuar as informações apresentadas nesta pesquisa, promovendo uma maior conscientização sobre a doença e suas medidas preventivas.


ANEXO 2

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alvarez, C., Oliveira, M., & Pires, R. Esporotricose: uma revisão de uma doença negligenciada nos últimos 50 anos no Brasil. Microrganismos. 2022.

Araújo AA, Codeço C, F. S. Freitas D, M. de Macedo P, A. Pereira S, D. F. Gremião I, et al. Mathematical model of the dynamics of transmission and control of sporotrichosis in domestic cats. PLoS ONE. 2023.

Barros, Monica Bastos de Lima et al. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Revista Panamericana de Saúde Pública, v. 27, n. 6, p. 455-460, 2010.

Brum, L.C. Conceição, L.G. Ribeiro, V.M.; Haddad. Principais dermatoses zoonóticas de cães e gatos. Revista Clínica Veterinária, ano XII n. 69, p. 29-46, 2007.

Da Gama Silva, Thamires; Machado, Thiago Costa; Junior, Aguinaldo Francisco Mendes. Impacto do potencial zoonótico da esporotricose felina na medicina veterinária e na sociedade: Revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 12, n. 7, p. e9612742545-e9612742545, 2023.

Gutierrez-Galhardo, M., Freitas, D., Valle, A., Almeida-Paes, R., Oliveira, M., & Zancopé-Oliveira, R. Aspectos epidemiológicos da epidemia de esporotricose no Brasil. Relatórios Atuais de Infecção Fúngica, 2015.

Marques, S. A., Franco, S. R. V. Camargo, R. M. P. Dias, L. D. F., Haddad Júnior, V.,  Fabris, V. E. Esporotricose do gato doméstico (Felis catus): transmissão humana. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 1993.

Meinerz, A.R.M.; Ávila Antunes, T.; Souza, L.L.Silva Nascente, P.De Faria, R.O. Cleff, M.B.; Gomes, F.R. Oliveira Nobre, M.; Reischak, D.Schuch, L.F.D. Frequência do vírus da leucemia felina (VLFe) em felinos domésticos (Felis catus) semi domiciliados nos municípios de Pelotas e Rio Grande. Ciência Animal Brasileira. v.11, p.90- 93, 2010.

Pereira, Sandro. Esporotricose. Agência Fiocruz de Notícias: Saúde e ciência para todos, 2014. Disponível em:
https://agencia.fiocruz.br/esporotricose-0#:~:text=No%20Brasil%2C%20os%20primeiros%20 casos,do%20animal%20para%20o%20 homem

Silva, M. B. T.Costa, M. M. M. Torres, C. C. S.; et al. Esporotricose urbana: epidemia negligenciada no Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 28, n. 10, p. 1867-1880, 2012.

Schubach, T. M.; Menezes, R. C. Wanke, B. Esporotricose. In: Greene, C. , E. Doenças Infecciosas em cães e gatos. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Cap. 61, p. 678-684.