REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410142202
Vinícius Bortolli Marin
Laura Bertoncini Covre
Maria Paula Maiolino de Mendonça Tristão
Bruna Assunção Bechtold Belão
Orientadora: Aline Francielle da Silva Dos Santos
RESUMO
A Doença de Crohn é uma condição inflamatória crônica do trato gastrointestinal que afeta principalmente o intestino delgado e grosso, causando sintomas como dor abdominal, diarreia crônica e perda de peso. A hipocalemia, caracterizada por níveis baixos de potássio no sangue, é frequentemente observada em pacientes com essa doença, geralmente devido a diarreia, vômitos e uso de diuréticos. A interação entre a Doença de Crohn e a hipocalemia é significativa, pois a inflamação intestinal pode agravar os desequilíbrios eletrolíticos, exacerbando os sintomas e aumentando o risco de complicações. Este trabalho propõe a análise de um caso clínico de um paciente com Doença de Crohn e hipocalemia, com o objetivo de compreender os mecanismos patofisiológicos envolvidos, os desafios no diagnóstico e tratamento, e propor estratégias de manejo integradas e personalizadas. Os resultados mostram a importância de uma abordagem multidisciplinar para tratar a inflamação intestinal e a hipocalemia, destacando a necessidade de monitoramento regular dos níveis de eletrólitos e a educação do paciente sobre a adesão ao tratamento.
Palavras-chave: Doença de Crohn, hipocalemia, inflamação intestinal, diarreia crônica, manejo multidisciplinar, monitoramento eletrolítico.
ABSTRACT
Crohn’s Disease is a chronic inflammatory condition of the gastrointestinal tract that primarily affects the small and large intestines, causing symptoms such as abdominal pain, chronic diarrhea, and weight loss. Hypokalemia, characterized by low potassium levels in the blood, is commonly observed in patients with this disease, often due to diarrhea, vomiting, and the use of diuretics. The interaction between Crohn’s Disease and hypokalemia is significant, as intestinal inflammation can worsen electrolyte imbalances, exacerbating symptoms and increasing the risk of complications. This work proposes the analysis of a clinical case of a patient with Crohn’s Disease and hypokalemia, aiming to understand the underlying pathophysiological mechanisms, the challenges in diagnosis and treatment, and to propose integrated and personalized management strategies. The results highlight the importance of a multidisciplinary approach to address intestinal inflammation and hypokalemia, emphasizing the need for regular monitoring of electrolyte levels and patient education on treatment adherence.
Keywords: Crohn’s Disease, hypokalemia, intestinal inflammation, chronic diarrhea, multidisciplinary management, electrolyte monitoring.
1 INTRODUÇÃO
A Doença de Crohn é uma condição inflamatória crônica que afeta o trato gastrointestinal e representa um dos principais tipos de doenças inflamatórias intestinais (DII). Sua etiologia é multifatorial, envolvendo fatores genéticos, imunológicos e ambientais, resultando em um processo inflamatório transmural, que pode afetar qualquer parte do trato digestivo, desde a boca até o ânus, com predileção pelo intestino delgado e grosso. Esta doença crônica pode causar inflamação segmentar, úlceras e estenoses, além de apresentar complicações como abscessos, fístulas e obstruções intestinais. Os sintomas mais comuns incluem dor abdominal, diarreia crônica, perda de peso, febre e fadiga, sendo frequentemente debilitantes e impactando severamente a qualidade de vida dos pacientes (TORO et al., 2023). A prevalência da Doença de Crohn tem aumentado mundialmente, especialmente em países ocidentais, com incidência mais elevada entre jovens adultos, na segunda e terceira décadas de vida, e com uma ligeira predominância em mulheres (BENEVIDES et al., 2022; KAMIYA et al. , 2023).
Paralelamente, a hipocalemia, uma condição específica pela baixa concentração sérica de potássio (K+), desempenha um papel crucial na homeostase eletrolítica do corpo. O potássio é um eletrólito essencial para a função muscular, incluindo o músculo cardíaco, e para a regulação do ritmo cardíaco, bem como para a manutenção do equilíbrio ácido-base e o transporte de nutrientes através das membranas celulares. A hipocalemia pode surgir devido a perdas gastrointestinais, como diarreia prolongada ou vômitos, ambos comuns em pacientes com Doença de Crohn. Além disso, o uso crônico de corticosteroides, frequentemente empregado no manejo da inflamação crônica, pode potencialmente levar a desequilíbrios eletrolíticos (SILVA et al., 2023; MOTA et al., 2021). Entre as manifestações clínicas de hipocalemia estão fraqueza muscular, arritmias cardíacas, cãibras, hipotensão e, em casos mais graves, paralisia respiratória e insuficiência cardíaca (GARCIA et al.).
A relação entre a Doença de Crohn e a hipocalemia é de grande relevância clínica. O processo inflamatório da Doença de Crohn pode resultar em comprometimento da absorção de nutrientes e eletrólitos, especialmente em casos de inflamação extensa ou ressecções intestinais, ou que agravam o risco de desequilíbrios eletrolíticos. Episódios recorrentes de diarreia grave, associados à perda significativa de eletrólitos, são frequentes nesses pacientes, aumentando a predisposição à hipocalemia (et al., 2023). A hipocalemia, por sua vez, pode exacerbar os sintomas de Crohn, como a fraqueza muscular e o cansaço, além de agravar o risco de complicações cardiovasculares, como arritmias, o que pode comprometer o prognóstico desses pacientes (RIBEIRO et al., 2024).
Dada a interconexão entre esses distúrbios, a análise da hipocalemia em pacientes com Doença de Crohn oferece uma oportunidade valiosa para aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos patofisiológicos compartilhados e os desafios terapêuticos envolvidos. A hipocalemia não é apenas resultado da perda de potássio através do trato gastrointestinal, mas também pode estar associada à resposta imunológica exacerbada e ao uso prolongado de medicamentos, como os corticóides e diuréticos (TANG et al., 2022). Compreender essas interações é crucial para um manejo mais eficaz da Doença de Crohn e para a prevenção de complicações associadas à hipocalemia, melhorando assim a defecação.
Este estudo buscou abordar a crescente demanda por informações sobre o manejo clínico de pacientes com Doença de Crohn, condição frequentemente associada às complicações decorrentes da hipocalemia. A compreensão dos mecanismos patofisiológicos que interligam a inflamação intestinal e os distúrbios eletrolíticos, como a hipocalemia, é fundamental para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes. Ao investigar essa relação em um contexto clínico, este trabalho busca fornecer subsídios que possam aprimorar tanto a prática médica quanto a abordagem integrada no tratamento de pacientes com Doença de Crohn. Além disso, a pesquisa pretende contribuir para a ampliação do conhecimento acadêmico na intersecção entre gastroenterologia e distúrbios eletrolíticos, oferecendo novas perspectivas para futuras investigações.
2. OBJETIVO
2.1 Objetivo Geral
Analisar e compreender a relação entre a hipocalemia e a Doença de Crohn por meio do estudo de um caso clínico específico, com o intuito de identificar os mecanismos patofisiológicos envolvidos, avaliar as implicações clínicas e propor estratégias de manejo integradas para otimizar o tratamento e acompanhamento de pacientes que enfrentam essas condições simultaneamente.
2.2 Objetivos Específicos
Examinar os mecanismos patofisiológicos: Investigar como a Doença de Crohn contribui para o desenvolvimento de hipocalemia, analisando fatores como a perda de potássio decorrente da diarreia crônica, má absorção e efeitos de medicamentos.
Avaliar as estratégias no manejo clínico: Estudar como a hipocalemia se manifesta em pacientes com Doença de Crohn e quais sintomas e sinais estão associados a essa condição, bem como os principais desafios enfrentados no diagnóstico e tratamento.
3. METODOLOGIA
3. 1. Tipo de Estudo
Este trabalho foi conduzido como um estudo de caso clínico descritivo. O objetivo é investigar a relação entre hipocalemia e doença de Crohn em um paciente específico, analisando os aspectos clínicos, laboratoriais e terapêuticos associados.
3. 2. Seleção do Caso
Caso Clínico:
O paciente é um homem de 22 anos, brasileiro, encaminhado à emergência com queixas de fraqueza e câimbras musculares. Dois anos antes, foi internado em um hospital particular devido a sintomas semelhantes, associados a náuseas, vômitos, hemorragia e diarreia, além de alterações eletrocardiográficas. Após esse primeiro episódio, necessitou de internação em mais duas ocasiões devido à persistência dos sintomas.
A análise laboratorial revelou hipocalemia, com níveis entre 1,4 e 2,2 mEq/L, e uma elevação da Proteína C Reativa, que apresentou valor de 96, indicando inflamação ativa. Exames de imagem por Entero-RM mostraram espessamento parietal semi circunferencial na porção terminal do íleo, com extensão de aproximadamente 3,4 cm até a transição íleo-cecal, sem realce significativo pelo contraste, podendo estar associado a alterações inflamatórias leves ou a uma área de contração espástica da alça. A dosagem fecal de calprotectina apresentou resultado positivo, com valor de 384.
O histórico médico do paciente inclui perda de peso não quantificada, amenorreia e baixos níveis pressóricos. Há relato de história familiar de doenças intestinais e doenças autoimunes. O paciente negou uso de diuréticos ou laxantes em excesso. O ultrassom dos rins e vias urinárias apresentou resultados normais, enquanto a colonoscopia revelou nodularidade difusa no reto distal. O exame físico indicou altura de 1,75m e peso de 48 kg, resultando em um índice de massa corporal (IMC) de 18,5 kg/m². O paciente apresentava também alterações oculares, frequência cardíaca de 58 batimentos por minuto, além de alterações no ritmo cardíaco, com ausculta pulmonar sem anormalidades. O restante do exame físico não revelou peculiaridades adicionais.
Após discussão médica das equipes, chegou-se à conclusão de que o paciente seria tratado com Corticosteróides e antibiótico para reduzir a inflamação. Imunossupressores e Imunobiológicos para manter a remissão. Dieta específica rica em nutrientes e baixa em fibras insolúveis. Reposição de cloreto de potássio endovenoso, por bomba BIC, suplementação oral de potássio.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Doença de Crohn é uma condição inflamatória crônica do trato gastrointestinal que pode afetar qualquer segmento do sistema digestivo, desde a cavidade bucal até o ânus. Sua etiologia é multifatorial, englobando interações complexas entre fatores genéticos, imunológicos e ambientais. O manejo clínico da Doença de Crohn é complexo e orientado para o controle da inflamação, interrupção dos sintomas e prevenção de complicações associadas (BENEVIDES et al., 2022).
Neste estudo de caso, apresentamos o relato de um paciente de 22 anos relatado com Doença de Crohn há 2 anos, que foi internado devido à exacerbação dos sintomas e hipocalemia. A hipocalemia, caracterizada por uma concentração sérica de potássio inferior a 3,5 mEq/L, é uma complicação frequente em pacientes com Doença de Crohn, frequentemente decorrente de diarreia crônica, maior absorção de nutrientes e efeitos adversos do uso de medicamentos.
Os resultados deste estudo revelaram uma associação significativa entre a Doença de Crohn e a hipocalemia, corroborando evidências previamente documentadas na literatura. A hipocalemia, causada pela elevação dos níveis de potássio sérico, é frequentemente observada em pacientes com Doença de Crohn, principalmente em diarreia crônica e em maior ingestão de nutrientes. Estudos demonstram que episódios frequentes de diarreia, nessa condição comum, podem resultar em perda acentuada de eletrólitos, incluindo o potássio (BENEVIDES et al., 2022; LUIS et al., 2021). Além disso, o uso de medicamentos como corticosteroides, frequentemente prescritos para controlar a inflamação intestinal, também pode contribuir para a desregulação dos níveis eletrolíticos, exacerbando o quadro de hipocalemia (MOTA et al., 2021).
Além disso, o tratamento integrado que aborda tanto a inflamação intestinal quanto a correção dos desequilíbrios eletrolíticos é essencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Estratégias terapêuticas que incluem a reidratação oral, a dosagem de potássio e o ajuste das medicações anti-inflamatórias podem ajudar a mitigar os efeitos adversos da hipocalemia (TAVARES et al., 2022; GOMES et al., 2020). A personalização do tratamento, levando em consideração as necessidades específicas de cada paciente, é fundamental para melhorar o manejo clínico e prevenir complicações adicionais. Assim, uma abordagem multidisciplinar, envolvendo gastroenterologistas, nutricionistas e outros profissionais de saúde, é recomendada.
O manejo da Doença de Crohn em pacientes envolve a utilização de corticosteroides e antibióticos, promove a redução da inflamação, além de terapias com imunobiológicos e imunossupressores para manutenção da remissão (BENEVIDES et al., 2022; MOTA et al., 2021). No caso apresentado, a hipocalemia foi tratada por meio de suplementação oral de potássio, administração endovenosa de cloreto de potássio e ajustes dietéticos, que incluíram a incorporação de alimentos ricos em potássio à dieta (TUASAÚDE, 2024). A resposta ao tratamento foi positiva, com apresentação de controle da doença.
Este caso destaca a importância de um manejo multidisciplinar na Doença de Crohn, abordando tanto a importância intestinal quanto às complicações eletrolíticas. A hipocalemia, quando não tratada, pode levar a complicações graves, como arritmias cardíacas, o que torna essencial a monitorização.
Além disso, o caso reforça a necessidade de uma abordagem personalizada no tratamento da Doença de Crohn, considerando as características individuais de cada paciente e as complicações associadas. A educação do paciente sobre a importância da adesão ao tratamento e a alteração dietética é igualmente fundamental para o sucesso a longo prazo (MOTA et al., 2021). O fortalecimento da adesão ao tratamento e a conscientização sobre a dieta podem contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
5. CONCLUSÃO
A relação entre a Doença de Crohn e a hipocalemia é uma questão de relevância clínica que requer uma abordagem cuidadosa e integrada no manejo dos pacientes. Os resultados deste estudo evidenciam que a hipocalemia é uma complicação comum em indivíduos com Doença de Crohn, frequentemente resultante de diarreia crônica, má absorção e efeitos adversos de medicamentos como os corticosteróides (MOTA et al., 2021; BENEVIDES et al., 2022). A identificação precoce dos sinais e sintomas associados à hipocalemia, assim como o monitoramento regular dos níveis de potássio, são essenciais para evitar complicações graves que podem impactar a saúde e a qualidade de vida dos pacientes
A abordagem terapêutica deve ser multidisciplinar, envolvendo não apenas o tratamento da inflamação intestinal, mas também a correção dos desequilíbrios eletrolíticos. Estratégias personalizadas e eficazes podem melhorar significativamente o controle dos sintomas e reduzir o risco de complicações associadas. A promoção de um manejo integrado é fundamental para melhorar os resultados clínicos e garantir um suporte adequado aos pacientes, reforçando a importância de pesquisas contínuas
6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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