REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202410141231
Damião Fidélis de Oliveira¹;
Joana de Carvalho¹;
Léles Cristiane Catuna¹;
Marlene Luz Miranda¹;
Roberta Fraguglia Mussolino¹;
Pedro Enrique Navas-Suárez²
RESUMO
O hipercortisolismo, também conhecido como síndrome de Cushing, é uma doença endócrina comum em cães de meia-idade e idosos, caracterizada pela produção excessiva de cortisol pelas glândulas adrenais. O hipercortisolismo é frequentemente causado por um tumor (adenoma ou carcinoma) na hipófise ou nas glândulas adrenais. A maioria dos casos de hipercortisolismo em cães são de origem hipofisária. Os principais sinais clínicos incluem aumento do apetite, poliúria, polidipsia, abdômen pendular e alopecia. Em casos mais avançados, os cães podem apresentar infecções secundárias e diabetes mellitus. Entre os exames mais utilizados estão o teste de supressão com dexametasona, a dosagem de cortisol urinário e o teste de estimulação com ACTH (hormônio adrenocorticotrófico). A ultrassonografia abdominal e a tomografia computadorizada são importantes no diagnóstico de tumores adrenais. O tratamento farmacológico mais comum envolve o uso de Trilostano, que inibe a síntese de cortisol. A adrenalectomia é a cirurgia mais comumente indicada para tumores adrenais. O prognóstico varia de acordo com a origem da doença (hipofisária ou adrenal), com o estágio no momento do diagnóstico e com a resposta ao tratamento. O presente trabalho é uma revisão de literatura entre os anos 2014 e 2024 do tipo sistemática, através do buscador PUBMED e tem como objetivo fornecer uma base de conhecimento atualizado sobre hipercortisolismo em cães.
Palavras-chave: Endocrinopatia. Hipercortisolismo. Hipercortisolismo em cães. Síndrome de Cushing.
INTRODUÇÃO
As endocrinopatias refletem as disfunções ou doenças de glândulas que resultam em anormalidade hormonal que afetam variavelmente o bem-estar, a qualidade e expectativa de vida dos pacientes. As endocrinopatias são relativamente comuns na rotina veterinária, e no Brasil, atualmente elas abrangem cerca de 7% dos atendimentos em hospitais-escola veterinário, incluindo o Hipercortisolismo em cães, conhecida também como Síndrome de Cushing e anteriormente denominada hiperadrenocorticismo, sendo essa doença e a diabetes mellitus as endocrinopatias de maior casuística diagnosticadas em cães (JERICÓ et al., 2023). Em 1932 Dr.Harvey Cushing descreveu oito humanos com um distúrbio que ele sugeriu ser “resultado do basofilismo pituitário”. Seis dos oito humanos tinham pequenos adenomas hipofisários basofílicos e características clínicas de excesso de secreção de cortisol adrenocortical (FELDMAN et al., 2015).
Os tumores provavelmente produziam hormônio corticotrófico em excesso, causando estimulação crônica e excessiva da adrenocortical, hiperplasia bilateral secundária da glândula adrenal e uma concentração crônica excessiva do cortisol sérico, uma “marca” do hipercortisolismo (ETTINGER et al., 2022). Esta condição é uma das endocrinopatias mais comuns diagnosticadas em cães, e rara em gatos, com uma prevalência estimada em um para cada 400 cães (SANDERS et al., 2019), afetando principalmente cães de meia idade e idosos (GARCIA SAN JOSÉ et al., 2019). A doença apresenta sinais clínicos variáveis, como poliúria e polidipsia, polifagia, alopecia bilateral, atrofia muscular com fraqueza generalizada, hepatomegalia, hipertensão sistêmica, letargia (SCHOFIELD et al., 2019), pele fina, ofegação excessiva e abdômen abaulado (GOLINELLI et al., 2022). O diagnóstico pode ser alcançado através de testes de supressão à baixa dose de dexametasona, estimulação com ACTH, alterações laboratoriais em hemogramas e bioquímicos, exames de imagens como ultrassonografias e radiografias, além de manifestações clínicas (BUGBEE et al., 2023). Sendo esta condição comum e de importância clínica, há necessidade de estudar as fontes mais recentes de diagnóstico, as manifestações clínicas e laboratoriais, comorbidades relacionadas, consequências clínicas, doenças secundárias, e assim, permitir o entendimento amplo para diagnosticar e tratar precocemente esta enfermidade, obtendo maior eficácia e competência no resultado do tratamento, possibilitando proporcionar bem-estar, qualidade e expectativa de vida para os pacientes.
OBJETIVO
Realizar uma revisão bibliográfica entre os anos 2014-2024, sobre hipercortisolismo em Cães, a fim de fornecer uma base de conhecimento atualizado para o entendimento desta condição, bem como, atualizar os conhecimentos sobre diagnóstico e tratamento.
METODOLOGIA
Esta revisão de literatura é do tipo revisão sistemática (DONATO e DONATO, 2019). Visando responder à questão: existem avanços diagnósticos e de tratamento da síndrome de Cushing em cães?
Para esta revisão sistemática, foi selecionado o buscador PUBMED, que possui um banco de dados gratuito, incluindo o banco de dados MEDLINE, o principal de resumos sobre ciências da vida e medicina. Para a pesquisa foram usadas as palavras-chave DOG e CUSHING (em língua inglesa), nesta primeira busca foi identificada uma tendência de crescimento da quantidade de pesquisa publicada sobre este assunto, sendo que o primeiro artigo publicado foi em 1908 e até a data de hoje (29/04/2024) foram encontrados 453 artigos publicados. Foram utilizados como critérios de inclusão, em dois momentos diferentes: a) primeiro momento: tempo (artigos publicados entre 2014 e 2024), realizando esta triagem passou-se de 453 artigos para 149. B) segundo momento: espécie (apenas documentos citando cães domésticos (Canis familiaris)), informações metodológicas (apenas documentos que descrevam tratamentos e diagnósticos para esta doença), nesta segunda triagem foram selecionados 35 artigos. A presente revisão sistemática abordará os avanços no tratamento e diagnóstico da síndrome de Cushing em cães, listados nos 35 artigos selecionados. Além dos artigos, foram selecionados livros, a fim de completar a pesquisa.
FISIOPATOGENIA DA DOENÇA
O hipercortisolismo é uma doença relativamente comum em cães, caracterizada pela concentração elevada e persistente de cortisol na corrente sanguínea (JERICÓ et al., 2023) e ocorre como resultado de um tumor funcional da hipófise ou um tumor na adrenal, embora outras causas tenham sido raramente relatadas (BENNAIM et al., 2019), incluindo a síndrome do ACTH ectópico e hipercortisolismo dependente de alimentação (SANDERS et al., 2018). Em cães com hipercortisolismo, os sinais observados refletem os efeitos do excesso de glicocorticóide, como gliconeogênese, lipólise, catabolismo proteico, além de efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores (BENNAIM et al., 2019). O termo “Síndrome de Cushing” é aplicado nos casos em que o hipercortisolismo ocorre de maneira secundária à secreção excessiva de hormônios corticotróficos pela hipófise, como por exemplo, no hipercortisolismo hipófise dependente (PDH) (FELDMAN et al., 2015). Em cães, a glândula hipófise é dividida em 3 unidades funcionais: a hipófise anterior (pars distalis), a pars intermédia e a hipófise posterior (neurohipófise, pars nervosa). A pars distalis e a pars intermedia formam a adenohipófise (SANDERS et al., 2021). Em cães normais, o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) produzido pelo hipotálamo, exerce controle sobre a secreção pulsátil de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela pars distalis. O ACTH também é produzido pelas células B da pars intermedia, onde sua secreção é regulada por inibição tônica dopaminérgica. Esse hormônio é responsável pela estimulação da produção e secreção de glicocorticóides pelas glândulas adrenais e o cortisol liberado na circulação inibe a secreção de CRH e ACTH (FELDMAN et al., 2015).
O hipercortisolismo é classificado como hipófise dependente, adrenocortical dependente ou iatrogênico. A causa mais comum de hipercortisolismo espontâneo em cães é do tipo hipófise dependente (PDH), ocorrendo em 85% dos cães e tumores secretores de ACTH são encontrados durante a necrópsia na maioria dos cães com PDH (NELSON e COUTO, 2023). A classificação desses tumores hipofisários divide-se em adenomas e carcinomas, sendo que este último é um termo utilizado para quando há evidências de metástase do tumor, o que é raro em cães (SANDERS et al., 2021).
O adenoma da Pars Distalis é o achado mais comum na histologia e o carcinoma funcional da hipófise encontrado em poucos cães. Esses tumores variam de 3mm a 10mm (micro tumores) e podem exceder os 10mm (macro tumores), sendo estes últimos capazes também de invadir ou comprimir estruturas adjacentes, causando sinais neurológicos. A secreção excessiva de ACTH causa hiperplasia bilateral das glândulas adrenais e estimula uma secreção excessiva do hormônio cortisol pela zona fasciculada do córtex da adrenal. O feedback negativo da secreção de ACTH pelo cortisol não ocorre, e a hipófise continua a secretar excessivamente ACTH, apesar da concentração aumentada de cortisol. O hipercortisolismo adrenocortical dependente (ADH), encontrado em 15% dos cães, é causado por adenomas e carcinomas e a diferenciação entre adenomas funcionais e carcinomas, clinicamente ou bioquimicamente, são inconsistentes, apesar de que massas adrenocorticais maiores do que 4 cm, são mais prováveis de serem carcinomas. Além disso, carcinomas adrenocorticais podem invadir estruturas subjacentes ou causar metástase em fígado e pulmões – achados que não são consistentes com adenomas adrenocorticais. Tumores adrenocorticais bilaterais não são comuns, geralmente a causa de massas bilaterais são tumores não funcionais adrenocorticais ou ADH com um feocromocitoma na glândula contralateral. Tumores adrenocorticais também podem secretar um precursor dos hormônios envolvidos na síntese de hormônios esteroidais, como por exemplo, a progesterona e 17-OH-progesterona. Tumores adrenais causando ADH são funcionais e autônomos, secretam cortisol de maneira aleatória e excessiva, independente do controle da hipófise. O cortisol produzido por esses tumores suprime a concentração plasmática de ACTH, causando uma atrofia do córtex da adrenal não envolvida e uma atrofia de todas as células normais da adrenal envolvida. Esta alteração causa assimetria no tamanho das glândulas adrenais, e podem ser visualizadas no exame ultrassonográfico abdominal. A maioria desses tumores parecem reter receptores de ACTH e responder à administração de ACTH exógeno. Tumores adrenocorticais causando ADH são tipicamente irresponsivos a manipulação do eixo hipotálamo-hipófise com glicocorticóides, como a dexametasona. O hipercortisolismo iatrogênico resulta tipicamente de uma administração excessiva de glicocorticóides para controle de alergias ou doenças imunomediadas. Pode ocorrer também pela administração prolongada de medicações para tratamento ocular, otológico ou dermatológico contendo glicocorticóides, especialmente em cães de pequeno porte. Nesse caso, o eixo hipotálamo-hipófise é normal, e o uso excessivo e prolongado de glicocorticóides suprimem a concentração plasmática de ACTH, causando atrofia bilateral das adrenocorticais. Nesses cães, os resultados dos testes de estimulação por ACTH são consistentes com o hipoadrenocorticismo espontâneo, apesar dos sinais de hipercortisolismo (NELSON e COUTO, 2023).
SINAIS CLÍNICOS
O excesso de cortisol afeta órgãos e sistemas, resultando em diversas manifestações clínicas. A observação desses sinais é crucial para o diagnóstico e manejo da síndrome de Cushing, que geralmente acomete cães de meia idade e idosos (SANDERS, et al., 2018). Poliúria e Polidipsia são os sinais mais comuns e iniciais desta doença. Aumento significativo do apetite (polifagia), unicamente em cães, não ocorrendo em humanos ou gatos. Distensão abdominal, frequentemente descrita como “abdômen pendular”, é causada pela redistribuição da gordura corporal, hepatomegalia (aumento do fígado é comum devido à deposição de glicogênio, uma consequência do excesso de cortisol), e fraqueza dos músculos abdominais. Os cães podem apresentar fraqueza generalizada devido à atrofia muscular, que é mais evidente nos músculos proximais (dos membros pélvicos e torácicos). Cães com hipercortisolismo podem ser menos ativos, parecendo mais cansados ou letárgicos. Podem apresentar depósitos de cálcio na pele (calcinose cutânea), que podem ser palpáveis ou visíveis, são um sinal menos comum, mas distintivo do hipercortisolismo. Pode haver alteração no ciclo reprodutivo, no caso das fêmeas. Alopecia bilateral simétrica, ocorre principalmente nos flancos, abdômen, e ao longo da linha dorsal. A pele pode parecer fina, pode haver hiperpigmentação, e em alguns cães, os vasos sanguíneos são facilmente visualizados (telangiectasia). A pele fina e o sistema imunológico comprometido devido ao excesso de cortisol, predispõem os cães a infecções cutâneas recorrentes, bacterianas ou fúngicas. Piodermites pruriginosas e demodiciose podem ocorrer. A respiração ofegante pode ser mais um sinal clínico, devido à fraqueza dos músculos respiratórios e ao aumento do volume abdominal, que dificulta a respiração (FELDMAN et al., 2015). Sanders et al.,(2018) descrevem os sinais clínicos mais comuns de hipercortisolismo em cães, que corroboram com Feldman et al., (2015). Sanders et al.,(2018) também descrevem a presença de sinais clínicos de hipertensão sistêmica e diabetes mellitus resistente à insulina. Nozawa, et al.,(2014) explica que os glicocorticóides são indutores da resistência à insulina, que é definida como sensibilidade prejudicada aos efeitos da insulina no metabolismo dos carboidratos, portanto o hipercortisolismo é um fator de risco significativo de diabetes mellitus.
FORMAS DE DIAGNÓSTICOS
O diagnóstico do hipercortisolismo em cães é um processo complexo que envolve várias abordagens para confirmar a presença da doença e determinar sua origem. Diferentes estudos e revisões oferecem perspectivas sobre os métodos diagnósticos mais eficazes. O primeiro passo no diagnóstico do hipercortisolismo envolve a avaliação do histórico clínico e a realização de um exame físico detalhado, além de hemograma completo e bioquímica sérica. (QUANTZ et al., 2021). Sanders et al. (2018) descrevem que quando há suspeita clínica de hipercortisolismo, os resultados de hemograma completo, painel bioquímico sérico, exame de urina e medição da pressão arterial podem apoiar, ainda mais, o diagnóstico e que as anormalidades que podem ser encontradas nesses testes incluem a presença de um leucograma de estresse, aumento da atividade da fosfatase alcalina (ALP) e baixa densidade específica da urina. Nenhum desses achados é patognomônico, mas podem apoiar o hipercortisolismo. Segundo Sanders et al., (2021), o teste de supressão com Dexametasona de baixa dose (TSBDD) é amplamente utilizado como um teste de triagem inicial devido à sua alta sensibilidade em identificar casos de hipercortisolismo. O teste de supressão com baixa dose de dexametasona é o teste ouro para o diagnóstico da doença (BUGBEE, et al., 2023).
Teste de Estimulação com ACTH: este teste é indicado para avaliar a resposta das glândulas adrenais ao ACTH exógeno, ajudando a distinguir entre formas normais e patológicas da produção de cortisol (QUANTZ et al., 2021). Sanders et al., (2021) descrevem o teste de supressão com dexametasona de alta dose como essencial para distinguir entre a forma hipofisária e a forma adrenal do hipercortisolismo, um passo crucial para orientar o tratamento adequado. A ultrassonografia abdominal e a tomografia computadorizada são destacadas como métodos para visualizar alterações nas glândulas adrenais e na hipófise, como tumores ou hiperplasia. Técnicas de imagem como ressonância magnética ou tomografia computadorizada para localizar e caracterizar o tumor, e às vezes exame histopatológico após biópsia ou cirurgia; a imuno-histoquímica usada para identificar a expressão de hormônios ou outros marcadores dentro do tecido tumoral, ajuda a classificar o tipo de tumor.
Como testes complementares, Dupont et al., (2020), correlacionam a medição de cortisol na urina com infecções do trato urinário, que são comuns em cães com hipercortisolismo. Sanders et al.,(2019), descrevem a identificação e a utilidade de marcadores moleculares para prever o prognóstico em cães com tumores adrenocorticais produtores de cortisol, uma condição que pode levar ao hiperadrenocorticismo.
Todos os testes para o hipercortisolismo têm limitações e podem voltar como falso positivo se o paciente tem doenças concomitantes ou se está estressado. Veterinários devem testar apenas os pacientes que apresentam uma alta suspeita clínica (como por exemplo, a presença de duas ou mais anormalidades clínicas ou bioquímicas que sugerem hipercortisolismo). Adicionalmente, deve-se tentar a estabilização ou solução de qualquer outra comorbidade (ex: diabetes mellitus) antes de submeter o paciente ao teste de hipercortisolismo, quando possível (BUGBEE et al., 2023).
TIPOS DE TRATAMENTOS
Os objetivos do tratamento do hipercortisolismo canino são a eliminação da fonte secretora excessiva de ACTH ou cortisol, a fim de atingir a concentração sérica normal de cortisol, eliminar os sinais clínicos, reduzir as complicações a longo termo da doença e sua mortalidade, além de melhorar a qualidade de vida do paciente. Atualmente, as intervenções cirúrgicas e radioterapia são as únicas formas com potencial de eliminar os tumores secretores de ACTH ou cortisol autônomo excessivo, entretanto, essas opções não excluem riscos, nem sempre estão disponíveis e não são indicadas para todo tipo de paciente. A terapia farmacológica é um tratamento comum que visa eliminar os sinais clínicos da doença, e a combinação desta com radioterapia também é possível (SANDERS et al., 2018).
Cirurgias: A hipofisectomia em cães é realizada através de uma aproximação transfenoidal, onde toda a glândula hipófise é retirada. Após a hipofisectomia o paciente fará uso de glicocorticóides e tiroxina pelo restante de sua vida, e de desmopressina (análogo sintético da vasopressina) temporária. As principais complicações da hipofisectomia são óbito transcirúrgico, hipernatremia transitória pós-operatória, redução ou eliminação da produção de lágrimas transitória, diabetes insipidus prolongada ou permanente e recorrência do hipercortisolismo (SANDERS et al., 2018). A adrenalectomia é a terapia preferencial para ADH, mas os tutores podem declinar por conta do custo, complicações potenciais e comorbidades (BUGBEE et al., 2023). As maiores complicações durante a cirurgia são hemorragias, hipotensão, taquicardia e óbito, mas se essas complicações não ocorrerem, o tempo de vida a longo termo pós-operatório costuma ser bom. As maiores complicações que podem ocorrer após a cirurgia são pancreatite e tromboembolismo (SANDERS et al., 2018).
Radioterapia: Pode ser utilizada para diminuir o tamanho do tumor hipofisário e reduzir os sinais neurológicos causados por este. Geralmente são realizadas doze sessões, mas cada paciente responde de uma maneira, e a redução dos sinais clínicos de hipercortisolismo podem variar. Estudos sobre radioterapia da adrenal são limitados em cães, necessitando de mais pesquisas para determinar a eficácia desse tratamento.
Farmacoterapia – Adrenal: O trilostano é o fármaco de eleição para o controle dos sinais clínicos do hipercortisolismo em cães com PDH, e em casos de ADH podem ser utilizados tanto o Trilostano como o Mitotano (SANDERS et al., 2018).
O Trilostano inibe, competitivamente, a enzima esteroidogênica 3-beta-hidroxiesteroide desidrogenase, suprimindo a produção de progesterona, cortisol e aldosterona (JERICÓ, et al., 2023). A supressão do cortisol na maioria dos cães costuma ser de menos de doze horas, e a administração duas vezes ao dia do fármaco pode melhorar a resposta ao tratamento, sendo possível utilizar uma dose menor, reduzindo os efeitos colaterais (SANDERS et al., 2018). Entre os efeitos colaterais, podemos citar o vômito, a diarréia e a prostração. A melhor maneira de monitorar a terapia é acompanhar a melhora dos sinais clínicos, com redução, principalmente, da poliúria, polifagia e polidipsia. Além disso, é preciso realizar o teste de estimulação com ACTH, que deve ser realizado de quatro a seis horas após a administração do Trilostano, com 20 a 30 dias após o início do tratamento (JERICÓ et al., 2023).
O Mitotano é um agente adrenocorticolítico que causa necrose seletiva e atrofia das zonas fasciculada e reticulada da glândula adrenal, as quais secretam cortisol e hormônios sexuais (JERICÓ et al., 2023). Recentemente foi descoberto que um dos mecanismos de ação do fármaco é a inibição da enzima sterol-O-acyl-transferase 1 (SOAT1), enzima que catalisa a conversão de colesterol livre em ésteres de colesterol. Essa inibição aumenta a quantidade de colesterol livre na célula, o que pode levar ao estresse do retículo endoplasmático e subsequente apoptose celular. O uso do Mitotano para o tratamento do PDH foi substituído pelo uso do Trilostano, pois este se mostrou efetivo, seguro e apresentou menos efeitos colaterais. Entretanto, o uso de Mitotano para os casos de ADH ainda é uma boa opção, pois tem a vantagem de destruir as células neoplásicas da glândula adrenal. Os efeitos colaterais incluem anorexia, letargia, fraqueza e diarréia (SANDERS et al., 2018). O fármaco é lipossolúvel e deve ser administrado junto à alimentação, com alimentos gordurosos. A manipulação do fármaco deve ser feita com luvas, pois tem potencial carcinogênico e mutagênico. O teste de estimulação com ACTH, perfil bioquímico e dosagem de potássio e sódio devem ser realizados a cada 2-3 meses, retornos para avaliação clínica e física devem ser mensais, até um bom controle da doença ser alcançado (JERICÓ et al., 2023).
O Cetoconazol é uma substância antifúngica que diminui a produção de cortisol, e foi utilizado para o tratamento do hipercortisolismo em cães, mas a resposta ao tratamento não foi satisfatória, além de causar mais efeitos colaterais quando comparado ao Trilostano (SANDERS et al., 2018).
PROGNÓSTICO
O prognóstico de hipercortisolismo ou “doença de Cushing” refere-se à previsão do curso da doença e aos possíveis resultados após o diagnóstico e início do tratamento. De acordo com Fracassi et al., (2015) cães que apresentam sinais clínicos mais graves da doença, ou que têm concentrações muito elevadas de cortisol, geralmente têm um prognóstico pior. Estes fatores iniciais influenciam diretamente a resposta ao tratamento e a sobrevivência.
Roberts et al., (2016), enfatizam que a maioria dos cães com Síndrome de Cushing pode ser estabilizada com sucesso, embora o tempo para alcançar essa estabilização possa variar. A estabilização envolve restaurar os níveis hormonais.
Fracassi et al. (2015) ainda discutem a importância de identificar fatores prognósticos, como a resposta ao tratamento com Trilostano, para prever a sobrevivência em cães com hipercortisolismo hipofisário-dependente. Um dos desafios no tratamento é encontrar a dose ideal de Trilostano. O estudo destaca a importância de ajustes regulares de dose com base em monitoramentos clínicos e laboratoriais. Neste mesmo estudo, os cães tratados com Trilostano, tiveram um tempo médio de sobrevivência de 852 dias.
Segundo o estudo de Sanders et al., (2018), o prognóstico da adrenalectomia em cães depende de fatores como a idade, o tipo de tumor adrenal, a localização e a presença de complicações perioperatórias. Tumores benignos, como adenomas, geralmente apresentam um prognóstico favorável, com baixa taxa de complicações pós-cirúrgicas. Já os tumores malignos, como o adenocarcinoma, podem complicar o quadro clínico e diminuir a taxa de sobrevivência. O tempo médio de sobrevivência relatados para cães submetidos à adrenalectomia foi de 778 dias e para hipofisectomia, o tempo médio de sobrevivência foi de 781 dias. A sobrevivência com tratamento utilizando Mitotano variou entre 102 e 476 dias. Não há estudos suficientes para descrever um bom prognóstico da radioterapia em cães com hipercortisolismo.
PESQUISAS RECENTES
Vários outros fármacos podem provar ter superior seletividade, efetividade e/ou tolerabilidade quando comparados aos atuais tratamentos para as glândulas adrenais.
O receptor de melanocortina 2 (MC2R) é o receptor de ACTH e é expresso somente no córtex da adrenal. Um antagonista seletivo de MC2R poderia ter um grande potencial para o tratamento de PDH, já que bloquearia o excesso da estimulação de ACTH sem outros efeitos intra-adrenais. Um estudo recente mostrou que dois análogos do ACTH (GPS1573 e GPS1574) são potentes antagonistas do MC2R in vitro. Entretanto, esses peptídeos também possuem efeitos agonistas e/ou antagonistas em outros receptores de melanocortina, e estudos subsequentes em ratos mostraram resultados desapontadores in vivo (SANDERS et al., 2018).
O Levocetoconazol é uma forma enantiomérica do Cetoconazol e estudos mostram que possui uma melhor eficácia e segurança quando comparado ao Cetoconazol, além de causar menor hepatotoxicidade. Está atualmente em fase III de ensaios clínicos em humanos (FUERTES et al., 2018).
O Acetato de Abiraterona é um inibidor da enzima CYP17, que em cães, é necessária para a síntese do cortisol, mas não para a síntese de aldosterona. Atualmente os testes in vitro obtiveram resultados promissores sobre a inibição do cortisol em cães (SANDERS et al., 2018).
O Fator esteroidogênico 1 (SF-1) é um fator de transcrição que regula o desenvolvimento, crescimento e esteroidogênese das glândulas adrenais. Recentemente, em estudos com células adrenocorticais canina in vitro, descobriu-se que um composto agonista inverso (composto #31), é um inibidor efetivo da síntese de cortisol e da expressão gênica alvo do SF-1. Portanto, a inibição da atividade do SF-1 pode ser uma futura possibilidade de tratamento para cães com PDH e ADH (SANDERS et al., 2018).
A inibição da enzima sterol-O-acyl-transferase 1 (SOAT1), como visto anteriormente no mecanismo de ação do Mitotano, aumenta a quantidade de colesterol livre intracelular, que é tóxico para a célula. Fármacos inibidores seletivos de SOAT1, que tenham o mesmo efeito adrenocorticolítico, mas sem os efeitos colaterais do Mitotano, podem ser boas opções para cães com ADH não operável ou com presença de metástases. No início dos anos noventa, pesquisadores descreveram que o uso do inibidor ATR-101 induziu seletivamente a ação adrenocorticolítica em cães saudáveis da raça Beagle. Recentemente o inibidor da SOAT1, ATR-1 ganhou interesse como um possível tratamento para humanos com a Síndrome de Cushing (SANDERS et al., 2018).
Nos casos de PDH, o foco principal é a inibição da hipófise, onde a Dopamina (DA) e a Somatostatina (SST) são os principais agentes inibidores. Os receptores alvo de pesquisas são três: receptor DA subtipo 2 (DRD2), e SST receptores subtipo 2 (SSTR2) e subtipo 5 (SSTR5). Nos adenomas corticotróficos caninos, o receptor mais expresso é o SSTR2. Importante lembrar que em humanos, os receptores mais expressos nesta doença são o SSTR5 e o DRD2. Atualmente não há registros de fármacos com ação hipofisária registrados para cães com PDH (SANDERS et al., 2018).
A Cabergolina é uma agonista dopaminérgico que se liga à DRD2. Pela baixa expressão desses receptores nos cães, os testes in vitro mostraram baixa resposta ao fármaco, entretanto, testes in vivo mostraram que 43% dos cães com PDH responderam bem ao tratamento, diminuindo os sinais clínicos e reduzindo o tamanho dos adenomas hipofisários (SANDERS et al., 2018).
O Pasireotide é um análogo da Somatostatina que se liga aos receptores SST 1, 2, 3 e 5. Estudos realizados mostraram que houve uma diminuição plasmática de ACTH e melhora nos sinais clínicos da doença, sem efeitos colaterais severos. Em dez cães em tratamento com Trilostano ou Mitotano, quando houve administração de Pasireotide, o tumor hipofisário diminuiu em seis deles e aumentou em três, sem sinais de alterações neurológicas ou efeitos colaterais. Levando em consideração que a expressão de SSTR2 é maior em cães, um análogo da somatostatina com maior afinidade por este receptor seria mais eficiente (SANDERS et al., 2018).
O Octreotide também é um análogo da Somatostatina, mas têm maior afinidade pelo SSTR2, e in vitro mostrou melhores resultados na diminuição da secreção de ACTH, quando comparado ao Pasireotide e Cabergolina. Em humanos, sua administração pode causar efeitos colaterais gastrointestinais, mas em cães esses efeitos não estão bem documentados. Entretanto, sua curta duração após aplicação subcutânea limita seu uso. Recentemente, novas tecnologias têm sido desenvolvidas para a utilização de uso oral, eliminando os efeitos colaterais da aplicação injetável. Pela maior expressão de SSTR2 em cães, a apresentação oral seria um tratamento interessante para cães com PDH (SANDERS et al., 2018).
O Ácido Retinóico (RA) é um agente que regula múltiplos processos celulares, incluindo a diminuição da ligação dos fatores de transcrição AP-1 e Nur77 aos genes que participam da secreção de ACTH. Em um estudo com vinte e dois cães em tratamento com ácido retinóico, houve diminuição na concentração plasmática de ACTH, diminuição da relação cortisol/creatinina urinária, controle das manifestações clínicas e redução no tamanho da hipófise (SANDERS et al., 2018). Não houve efeitos colaterais ou hepatotoxicidade em cães (FUERTES et al., 2018). Estudos recentes mostraram que o 9-cis RA, um isômero ativo do ácido retinóico, ativa o receptor DRD2, sensibilizando os adenomas hipofisários para o tratamento dopaminérgico. Adicionalmente, um análogo sintético do RA chamado Bexaroteno foi reportado como induzindo a redução hipofisária, e a fase de teste clínico I e II foi iniciada em humanos (SANDERS et al., 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O manejo do hipercortisolismo em cães requer um diagnóstico precoce, monitoramento constante e uma abordagem terapêutica individualizada. As pesquisas sobre hipercortisolismo em cães dentro dos últimos dez anos estão evoluindo, principalmente na questão de tratamentos mais eficazes, visando melhorar a qualidade de vida dos animais afetados, mas ainda há necessidade de mais estudos nesta área. A abordagem cirúrgica aumentou nos últimos anos, principalmente porque os veterinários aparentemente estão mais confiantes em solicitar essa intervenção, já que o transoperatório e o pós-operatório mostram melhores resultados do que há mais de dez anos. No Brasil, nos últimos anos, com a chegada de planos de saúde para os animais, a intervenção cirúrgica se tornou mais acessível financeiramente para os tutores, mas seria necessário um estudo direcionado para a confirmação dessa relação entre aumento dos procedimentos cirúrgicos e a chegada de planos de saúde no Brasil. A combinação de tratamentos farmacológicos e cirúrgicos, ainda representa a abordagem mais eficaz, especialmente em casos de tumores adrenais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1Discentes do Curso de Graduação em Medicina Veterinária do Centro Universitário FAM;
2Docente Orientador do TCC de Graduação em Medicina Veterinária do Centro Universitário FAM