RENAL HEMANGIOSSARCOMA IN A DOG: CASE REPORT, DIAGNOSIS AND TREATMENT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410132147
Gabrielle de Araújo Barbosa Bezerra1;
Lucas Rosestolato2
Resumo
O hemangiossarcoma é um tumor maligno altamente metastático, de origem em células endoteliais dos vasos sanguíneos, sendo capaz de ser primário em qualquer tecido. Cães machos de meia idade a idosos são mais predispostos ao desenvolvimento do hemangiossarcoma. A doença se manifesta de forma inespecífica e varia conforme a localização do sítio primário ou metástases. Um cão sem raça definida, onze anos e vinte e quatro quilos foi atendido na clínica veterinária Regno Animale com histórico de incontinência urinária e hiporexia. No exame ultrassonográfico, constatou-se presença de massa em abdômen, apresentando intima relação com rim esquerdo. Após a realização de tomografia computadorizada foi confirmado uma formação expansiva no abdômen sendo necessário laparotomia exploratória e realização de nefrectomia. O material foi encaminhado para histopatologia, tendo como diagnóstico definitivo, hemangiossarcoma. Esse trabalho expressa a importância do diagnóstico precoce e conduta clínica correta, assim como, exames de imagem e histopatológico que levam a um tratamento eficaz e melhora clínica do paciente.
Palavras-chave: Cirurgia, Neoplasia, Oncologia, Rins.
1 INTRODUÇÃO
O hemangiossarcoma é uma neoplasia maligna que se desenvolve a partir do tecido mesenquimal, afetando o endotélio dos vasos sanguíneos. É conhecido por seu crescimento agressivo e elevada capacidade de invasão local e formação de metástases. Nos animais domésticos, é mais frequentemente encontrado no baço, átrio direito do coração e fígado, devido à intensa vascularização desses órgãos, o que facilita a disseminação das células tumorais. Em locais como ossos, subcutâneo e rins, sua ocorrência é rara (Hammer et al., 2004; Fossum, 2001).
As neoplasias renais em cães e gatos são incomuns, correspondendo a apenas 0,6 a 1,7% das neoplasias descritas (Fossum, 2014). Esse tipo de neoplasia geralmente é maligno, o que dificulta o diagnóstico precoce, já que não é uma das principais suspeitas clínicas na rotina veterinária. Os sinais clínicos incluem anorexia, perda de peso e aumento do volume abdominal, que pode ser confundido com outras condições, como hidronefrose.
Dentre os tipos de neoplasias renais, destacam-se o fibroma e o fibrossarcoma, seguidos pelos hemangiomas e hemangiossarcomas (Serakides, 2000). O diagnóstico precisa de exames de imagem, como ultrassonografia e tomografia, e de biópsia para confirmação histopatológica. A ultrassonografia é útil para detectar massas renais, enquanto a tomografia ajuda a avaliar a extensão e presença de metástases.
O tratamento do hemangiossarcoma renal envolve a remoção cirúrgica do rim afetado (nefrectomia), frequentemente associada à quimioterapia para eliminar células remanescentes e prevenir metástases. Embora o prognóstico seja reservado devido à agressividade do tumor, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem melhorar a sobrevida e qualidade de vida do paciente. Este relato de caso visa contribuir para a compreensão dessa neoplasia rara, oferecendo subsídios para um melhor manejo clínico e terapêutico na prática veterinária.
2 RELATO DE CASO
Foi atendido na clínica veterinária Regno Animale, um cão, macho, sem raça definida, peso de vinte e quatro quilos, onze anos, com queixa principal de estar há dois dias com incontinência urinária, sem aumento no volume urinário, seletivo para comer, atividade física normal.
No exame clínico geral o animal apresentava normotermia (trinta e oito graus celsius), normocardio (noventa batimento por minuto), desidratação leve (seis por cento) e discreta algia a palpação abdominal. A partir da avaliação clínica do paciente, ele foi encaminhado para exame de ultrassonografia abdominal.
Nas imagens de ultrassom foram visualizados cistite moderada, nefropatia bilateral moderada, presença de neoformação em abdômen médio e esquerdo apresentando intima relação com o RE, dimensões de aproximadamente trinta centímetros de comprimento x quinze centímetros de altura, sugerindo realização de tomografia computadorizada para auxílio do diagnóstico quanto a origem na neoformação.
Figura 1 e 2: massa expansiva de intima relação com o rim esquerdo, com formato arredondado e contornos irregulares, ecogenicidade mista e ecotextura heterogênea com diversas áreas anecóicas (císticas).
No exame de tomografia computadorizada analisou formação expansiva de grandes dimensões em abdômen médio e caudal, envolvendo área subcapsular de rim esquerdo, sugerindo neoplasia (vascular/hemangiossarcoma), promovendo acentuado deslocamento ventral de rim esquerdo, medindo em torno de 21,1 x 10,6 x 17,0 centímetros (CxAxL). A formação tem envolvimento da artéria renal esquerda, sem plano de clivagem com ureter e adrenal deste lado.
Figura 3 e 4: formação expansiva de grandes dimensões envolvendo rim esquerdo, com envolvimento artéria renal esquerda.
Figura 5 e 6: formação expansiva de grandes dimensões envolvendo rim esquerdo evidenciando que não há comprometimento de ureter esquerdo e adrenal esquerda.
Foram realizados exames laboratoriais, no hemograma evidenciando diminuição nos valores de hematócrito (25% – Referência: 37 a 55%), hemoglobina (8,6g/dL. Referência: 12,0 – 18%), hemácias (4,1 – Referência: 5,5 – 8,5%). Os valores dos exames de bioquímica sérica evidenciaram aumento da ureia (105mg/dl – Referência: 15 a 40mg/dl) e creatinina 2,0mg/dl (Referência: 0,5 – 1,5mg/dl), demais resultados dentro da normalidade para a espécie.
Na evidência de tais achados e a pós o resultado dos exames hematológicos, o paciente foi encaminhado para o bloco cirúrgico sendo submetido a laparotomia exploratória. O protocolo anestésico teve como medicação pré-anestésica, morfina via intramuscular. A indução anestésica foi feita com propofol e a manutenção deu-se com isoflurano em associação à infusão contínua de fentanil, lidocaína e cetamina usando bomba de infusão.
Para o procedimento cirúrgico, foi realizado ampla tricotomia da região de abdômen cranial e cauda. Após indução, entubação e estabilização do paciente, foi posicionado em decúbito lateral direito, onde a antissepsia foi realizada com clorexidine alcoólico. Após antissepsia, foi dado início ao procedimento.
Para celiotomia exploratória fez-se uma incisão abdominal na linha média a partir da região abdominal cranial até a região abdominal caudal utilizando uma lâmina de bisturi número vinte e quatro, seguido para a divulsão do tecido subcutâneo e identificação da linha média, realizando uma incisão e ampliando o acesso com tesoura de Mayo, para auxilio da ampliação da área de visibilidade cirúrgica foi necessário o auxílio de um afastador Farabeuf onde foi possível a visualização e palpação de grande estrutura (Figura 7) aderida ao rim esquerdo que ocupava toda a visualização da cavidade abdominal.
Figura 7: abertura de cavidade abdominal e visualização de grande estrutura.
A formação estava fortemente aderida a capsula renal, coberta por vasos calibrosos, o que dificultava sua exposição. Iniciou a abertura da capsula renal com divulsão manual e auxílio de bisturi ultrassônico (VETSONIX) (Figura 8), desinserindo todo o volume da formação para fora do abdômen. Os vasos maiores foram ligados com fio monofilamentar absorvível, e os menores, cauterizados com bisturi ultrassônico (VETSONIX).
Figura 8: auxílio de bisturi ultrassônico (VETSONIX).
Não havia aderências em órgãos localizados abaixo da estrutura, sendo possível a sua remoção por completo. Não houve sangramento ativo. Sem intercorrências no trans operatório. As ligaduras do ureter esquerdo foram estabelecidas próximo ao hilo renal. Na avaliação macroscópica do rim esquerdo, observou-se que seu tamanho era compatível com o porte do animal, não havia líquido livre abdominal ou sinal de inflamação peritoneal e/ou retroperitoneal. O fechamento da cavidade abdominal ocorreu de forma rotineira conforme Fossum (2014), a síntese da musculatura foi realizada com fio absorvível monofilamentar 3-0 em padrão simples contínuo. Sutura do subcutâneo com o mesmo fio e a dermorrafia realizada em padrão simples separado com fio inabsorvível 3-0. Após o término do procedimento cirúrgico o rim direito foi pesado e o resultado desta avaliação indicou o peso de dois quilos e trezentos gramas (Figura 9), sendo encaminhado para exame histopatológico, com diagnóstico de hemangiossarcoma moderadamente diferenciado.
Figura 9: massa aderida ao rim esquerdo.
Paciente no pós-imediato apresentou hipotensão, necessário uso de vasopressor (noradrenalina), após estabilizar fez o desmame e voltou para fluido de manutenção e teve um novo pico de hipotensão, reajustado novamente mantendo pressão arterial sistólica em cento e vinte/cento e trinta milímetros de mercúrio. O protocolo de analgesia com tramadol e dipirona. O protocolo terapêutico com cerenia, buscopam composto, ceftriaxona e ondansetrona. O paciente recebeu alimentação exclusivamente liquida durante a internação, onde aceitava com facilidade e boa deglutição. Após o período de três dias na internação o paciente teve alta médica. Foram recomendados para casa os cuidados necessários do pós-operatório, como manter o animal em repouso absoluto durante este período, oferecer agua e comida em poucas quantidades, mas várias vezes ao dia, utilizar roupa cirúrgica ou colar elisabetano e limpeza diária dos pontos com clorexidina spray a cada doze horas, retirada dos pontos com quinze dias, vir a clínica durante sete dias para aplicação de ceftriaxona injetável subcutâneo a cada vinte e quatro horas, retornar imediatamente no caso do paciente apresentar qualquer alteração. As medicações prescritas para casa incluíam cerenia, domperidona, dipirona, tramadol gotas, prednisolona, flagyl, probiótico. Após o período de quinze dias, o paciente retornou para reavaliação e retirada dos pontos, onde foi visualizado boa recuperação no pós-operatório (Figura 10).
Figura 10: paciente com quinze dias de pós-operatório e retirada dos pontos.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Hemangiossarcomas são neoplasias malignas e correspondem a cerca de cinco por cento dos tumores em cães (FLORES et al., 2012; SMITH, 2003; SOARES et al., 2017). A idade média de cães portadores desta neoplasia é de oito a treze anos (SMITH, 2003), o paciente deste caso apresentava idade aproximada de onze anos.
O cão apresentava incontinência urinária, não teve azotemia, provavelmente devido ao fato de o comprometimento renal ser unilateral (BRYAN et al., 2006; MACPHAIL, 2014). Um hemangiossarcoma renal pode causar hematúria (WANG & SU, 2001), mas não foi relatado esta alteração urinária. As neoplasias renais são raras e causam sinais inespecíficos, locais ou sistêmicos.
A nefrectomia é recomendada por Slatter (2007) quando rim contralateral não apresente neoplasia e mantenha sua função adequada. De acordo com o quadro clínico do paciente e exames complementares mostrando uma morfologia e função normal, o tratamento cirúrgico de nefrectomia foi realizado de forma unilateral do lado esquerdo, não sendo observado outras alterações de tumores em órgãos abdominais no momento da cirurgia exploratória.
Cães que apresentam hemangiossarcoma renal tem um maior tempo de sobrevida comparado com aqueles de forma esplênicas, cardíacas e retroperitoniais (LOCKE & BARBER, 2006; MEUTEN, 2016).
A quimioterapia foi indicada para este paciente, embora seu papel no tratamento de hemangiossarcoma nos rins esteja indefinido (BRYAN et al., 2006; SMITH, 2003). Este relato de caso permite concluir que o exame ultrassonográfico foi imprescindível para a detecção da alteração renal, associado ao exame de tomografia computadorizada e o histológico que trouxeram clareza e assertividade para o tratamento cirúrgico e aos cuidados no pós-cirúrgico, assim como o diagnóstico de hemangiossarcoma renal.
4 CONCLUSÃO
Os hemangiossarcomas são neoplasias malignas raras em cães, demandando uma abordagem clínica minuciosa para diagnóstico e tratamento. A avaliação clínica, aliada a um exame físico detalhado, exames laboratoriais e de imagem, orienta a conduta terapêutica. O diagnóstico precoce, seguido de um tratamento cirúrgico eficaz e sem complicações, é fundamental para o sucesso do paciente. A confirmação do hemangiossarcoma renal por meio de análise histopatológica permitiu recomendar a quimioterapia, que se mostrou eficaz no controle da doença. Essa abordagem integrada foi essencial para um desfecho positivo, garantindo a recuperação e qualidade de vida do paciente.
REFERÊNCIAS
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1Discente do Curso de Pós-Graduação de Cirurgia de tecidos moles em Cães e Gatos na Associação Anclivepa SP e-mail: gabriellearaujovet@gmail.com
2Médico Veterinário Mestre em Anatomia dos animais domésticos e silvestres. e-mail: lucas.cirurgia@anclivepa-sp.com.br