O ROMANTISMO DE JOSÉ DE ALENCAR NA OBRA SENHORA: A DESCONSTRUÇÃO ESTÉTICA E A REPRESENTAÇÃO DA ASCENSÃO DA MULHER 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410131537


José Henrique Pedrosa dos Santos [1]


Resumo

Este trabalho tem o objetivo analisar a representação feminina na obra Senhora a fim de compreender como a mulher estava inserida na sociedade. Cabe destacar que o olhar se volta a uma personagem pertencente à burguesia, dessa forma, não há intersecção com a representação de mulheres em condições inferiores, visto que o lugar ocupado por cada possui suas particularidades de classe econômica. Com isso, investiga-se de forma geral a feminilidade na visão dos ultrarromânticos, então, o estudo busca também compreender o movimento literário que o livro está inserido e apresentar a relevância de José de Alencar vanguardista. Para isso, a pesquisa se baseou no método bibliográfico qualitativo, trazendo uma abordagem de autores como Eagleton (2021), Cândido (2023), Bosi (2022) e outros. Ao final da leitura, será possível perceber como a obra apresenta uma obliquidade em relação aos sentimentos e posições sociais.

Palavras chave: Representação feminina; Romantismo; literatura e sociedade.

Abstract

This work aims to analyze the female representation in the work Senhora in order to understand how women were inserted in society. It is worth noting that the focus is on a character belonging to the bourgeoisie, thus, there is no intersection with the representation of women in inferior conditions, since the place occupied by each has its particularities of economic class. With this, femininity is generally investigated in the view of ultra-romantics, so the study also seeks to understand the literary movement in which the book is inserted and to present the relevance of avant-garde José de Alencar. To this end, the research was based on the qualitative bibliographic method, bringing na approach from authors such as Eagleton (2021), Cândido (2023), Bosi (2022) and others. At the end of the reading, it will be possible to perceive how the work presents na obliqueness in relation to feelings and social positions.

Keywords: Female representation;  Romanticism;  literature and society.

Introdução

O ponto de partida para a produção deste artigo é saber qual personagem feminina está sendo estudada, visto que trazer uma análise da representação que ela encena sem destacar qual lugar social ela está pode ser um erro, visto que enquanto Aurélia se preocupava em comprar um marido, outras mulheres se afligiam em como ter o sustento da casa. Isso mostra uma realidade degradante que não é explorada na obra em relação ao árduo trabalho desvalorizado, muitas vezes não reconhecidos, que algumas mulheres das classes menos favorecidas, ou até mesmo não favorecidas, realizavam por necessidade.

Ao propor essa temática, tem-se uma personagem burguesa, e como tal, ela não pode representar mulheres que dependiam do trabalho para sobreviver. Embora que nos dois exemplos citados as condições em questão sejam de mulheres, mas em realidades economicamente diferentes, mas que para a sociedade ambas eram vistas de forma inferior, sobretudo a pertencente ao proletariado. Isso gera o questionamento que deve ser levado em consideração: por que, sob uma visão secular, as mulheres estiveram em uma posição inferior a do homem?

A partir dessa reflexão,  a perspectiva se encaminha para o pensamento de Simone de Beauvoir ao trazer a mulher como sendo “o segundo sexo”. De acordo com Ribeiro (p. 33): “em sua obra, Beauvoir esboça a teoria de que a mulher é concepção construída a partir do homem, pela perspectiva masculina, sendo o outro”, tal ideia remente as representações inferiores que muitas vezes as personagens estão colocadas na obra literária, como é o caso de Aurélia que precisa de um marido para constituir-se como uma mulher da sociedade.

A partir dessa questão, o presente trabalho tem como objetivo geral buscar compreender a relação entre literatura, sociedade e as representações de gênero, especificamente a construção da protagonista, voltando-se para a representação feminina, de modo a mostrar a forma em que essa intersecção é transmitia na produção de José de Alencar.

Para cumprir esse objetivo, será realizada uma análise da obra Senhora, cujo autor já fora mencionado, levando em consideração que a protagonista se adequa em uma personagem que durante muito tempo foi vista pela visão/construção do “outro” e que ao ascender socialmente ganha status para que seja vista não só como “outra”, mas como uma mulher em equivalência econômica ao do homem.

Assim, o tema se justifica na indagação das razões pelas quais as mulheres muitas vezes serem inferiorizadas ou vistas como mero elemento secundário da narrativa, como se estivessem na obra apenas para cumprir um papel que foge ao enredo principal, porém que sem ela ficaria faltando algo para dar sentido completo, o que não seria de se surpreender, já que a literatura é a mímese da realidade, o que seria, então, um retrato dos papéis subalternos que as mulheres desempenhavam.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica qualitativa, na qual houve a leitura da obra a ser analisada a fim de buscar interpretações que justifiquem os papéis dos personagens relacionando ao contexto social do Brasil. Além disso, foi realizada leituras de teóricos da literatura para que pudessem corroborar as ideias que aqui serão apresentadas, de início, pode-se mencionar Eagleton (2021), Cândido (2023), Bosi (2022) e outros que servirão de complemento ao estudo e que serão citados ao longo do trabalho.

O movimento romântico e o autor José de Alencar

O Romantismo foi a escola literária que chegou ao Brasil na época pós-revoltas em prol da liberdade do país. O marco brasileiro é a obra Suspiros Poéticos, de Gonçalves de Magalhães. Esse movimento vindo da Europa destacou-se na filosofia e na literatura, aqui foi responsável por dá vida a grandes escritores. De acordo com Carpeaux (2012, p.19):

O Romantismo é um movimento literário que, servindo-se de elementos historicistas, místicos, sentimentais e revolucionários do Pré-Romantismo, reagiu contra a Revolução e o Classicismo revivificado por ela; defendeu-se contra o objetivismo racionalista da burguesia, pregando como única fonte de inspiração o subjetivismo emocional (Carpeaux, 2012, p.19).

Dessa forma, a partir da compreensão do contexto histórico, entende-se o porquê das temáticas urbanas presentes em muitas obras, bem como a desconstrução artística que o movimento traz. Visto que há uma valorização linguística em relação às escolas clássicas anteriores. Além disso, o Romantismo foi: “[…] voltado como nenhum outro para as realidades empíricas da paisagem e do contexto familiar e social de onde o romancista extrai não imagens isoladas, como faz o poeta, mas ambientações, personagens, enredos” (Bosi, 2022, p. 133-134). Em razão disso, o movimento é dividido em três fases, as quais abordam questões tais como: a figura do indígena (primeira fase); o sentimentalismo exacerbado e idealização da mulher perfeita (segunda fase) e um viés social que trazia denúncias da escravidão e ansiava o seu fim, o condoreirismo (terceira fase).

José de Alencar foi, de fato, um grande escritor do Romantismo brasileiro, estando ele inserido na primeira geração romântica e também na segunda. Para alguns, “o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estruturas: a nobreza que já caiu e a pequena burguesia que ainda não subiu” (Bosi, 2022, p.95. Destaques do autor). 

José Martiniano de Alencar, nasceu em 1829, ocupou funções profissionais como advogado, atuando na política como Deputado Estadual do Ceará, chefe da Secretaria do Ministério da Justiça e jornalista, cargo no qual ganhou bastante destaque como redator-chefe no “Diário do Rio de Janeiro” jornal no qual publicou, em 1856, com o seu primeiro romance (Cinco Minutos).

Alencar foi um proeminente escritor, embora tenha falecido novo, aos 48 anos de idade, deixando um enorme legado para a literatura brasileira. De acordo com Carpeuax (2012, p. 104): “Alencar é, incontestavelmente, o primeiro grande prosador do Brasil; seu papel histórico foi o de criar no Brasil uma personalidade literária bem definida”. A esse papel dito por Carpeaux, Alencar o cumpriu com maestria, pois ele escreveu romances urbanos, trazendo como tema central a burguesia do século XIX, classe social que estava em crescimento, e exaltou a imagem feminina, como nas obras “Senhora, Diva e Lucíola”. Além disso, abordou histórias regionais, pode-se encontrar esse regionalismo na obra “O Gaúcho”.

Alencar foi um autor de relevante contribuição literária, esteve presente na fase romântica, destacando-se com as obras mencionadas acima, e também na fase indianista do Romantismo, período em que escreveu “O Guarani” e “Iracema”. O autor de mais de 20 obras, é considerado o pai do Romantismo brasileiro, foi indicado, por Machado de Assis, a ocupar a cadeira nº 23 da Academia Brasileira de Letras.

Senhora e a crítica aos hábitos da burguesia carioca do século XIX

Em Senhora, pode-se identificar a idealização das relações amorosas existentes a partir da forma que o casamento é procurado. O sentimento de amar não era o foco, mas sim as posses econômicas e o futuro garantido que os cônjuges poderiam ter. Em geral, o sentimento deixado de lado dava lugar a necessidade de estabelecer relações com grandes status a fim de ocupar lugares de prestígio na sociedade. Essa visão possibilita perceber a concretização da mentalidade capitalista que estava emergindo no Brasil.

A obra em questão traz na sua estrutura um narrador observador localizado na cidade do Rio de Janeiro do século XIX, sendo o tempo transcorrido por meio da apresentação da sucessão dos dias e meses. De forma geral, além disso, é tida como um romance urbano, logo, o ambiente de predominância das cenas retratadas são no espaço da cidade, sobretudo nas casas dos personagens.

Os protagonistas são Aurélia e Fernando, que se casam por meio da compra de um casamento, situação que o autor denuncia claramente por meio da crítica aos costumes desse arranjo. Nas palavras de Cândido (2023, p.18): “Ao inventar a situação crua do esposo que se vende em contrato, mediante pagamento estipulado, o romancista desnuda as raízes da relação, isto é, faz uma análise socialmente radical, reduzindo o ato ao seu aspecto essencial de compra e venda”. Novamente, isso retrata a ascensão do capitalismo e a sua influência até mesmo nas relações amorosas. Um exemplo disso ocorre na seguinte passagem do livro: “Costumava ela indicar o merecimento de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário. Em linguagem financeira, Aurélia cotava os seus adoradores pelo preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial” (Alencar, p. 13). A situação descrita por Alencar, encaminha-o a uma característica de vanguardista, pois na obra o amor não é idealizado como belo, sem máculas, típico nas obras românticas, mas sim como uma negociação que pode ser vendida e comprada, basta ter a condição monetária para isso.

De acordo com Eagleton (2011, p.19): “entender a literatura significa, então, entender todo o processo social do qual ela faz parte. […] As obras literárias são formas de percepção, formas específicas de se ver o mundo; e como tais, elas devem ter uma relação com a maneira dominante de ver o mundo […]”. Assim, é notório que ao ter um enredo no qual o amor é um meio de negócio, o autor traz uma denúncia social aos costumes da época, apresentando um hábito que aos olhos da sociedade era comum.

Embora a denúncia seja surpreendente, a tensão maior surge pelo fato de ter sido uma mulher quem fez a compra do marido, isso significava uma grande inversão dos papéis de gênero, visto que na época as mulheres dependiam de seus maridos ou pais para que tivessem o dinheiro necessário para os pequenos luxos burgueses, como também para o dote matrimônio.

Existe dentro dessa contextualização a ascensão da mulher em uma sociedade patriarcal. Ainda de acordo com Eagleton (2021, p. 179): “quanto mais a obra consegue romper com a tradição e a convenção, inaugurando algo genuinamente novo, mais provável que seja tida em alta consideração”, isso é dito em virtude de o romance em questão ser tão estimado pelos leitores e pela crítica literária brasileira. O autor, assim como a sociedade, não fecha os olhos para a luxúria desumana que capitaliza o amor, mas sim escancara tal mercado socialmente velado e aceitado. Um exemplo disso, ocorre na seguinte cena: “E o que é a vida, no fim das contas, senão uma contínua transação do homem com o mundo? Exclamou Lemos” (Alencar, p. 51).

A personagem Aurélia é a representação do que o dinheiro pode fazer quando um homem se vende ao seu luxo. Ele pode comprar um amor, sentimento que na maior parte das literaturas é apresentado como terno, que brota da pureza e encanto. Em contramão, Alencar traz não um amor, mas sim relação que é desperta das ofertas financeiras.

Embora exista todo esse aspecto do conteúdo narrativo, o que leve a obra a ser opor a característica da idealização amorosa, já que no livro há uma comercialização, nota-se no romance que o personagem Fernando nutria no passado sentimentos amorosos por Aurélia, todavia, deixa-os de lado para que consiga um dote, tal decisão foi tomada a partir do pensamento de que se ficasse com a mulher amada, não teria dinheiro, status ou condições de ascensão social, apenas ter que trabalhar para ser o provedor do lar. Atitude que ele nunca teve, já que era bancado pela irmã e pela mãe. Pode-se ver isso na seguinte passagem: “No geral conceito, esse único filho varão devia ser o amparo da família,  órfã de seu chefe natural. Não o entendiam assim aquelas três criaturas, que se desviviam pelo ente querido.  Seu destino resumia-se em fazê-lo feliz[…]” (Alencar, p. 42).

Ao apresentar essa situação, o romancista traz um costume dos burgueses em se darem ao luxo, mesmo aqueles que não eram necessariamente pertencentes à elite, portanto, sem condições de bancarem esses luxos. O autor evidencia não somente a fragilidade e banalidade do que o dinheiro é capaz de fazer, mas também apresenta em que se estrutura uma sociedade que preza o capital em vez do amor.

Ainda de acordo com Eagleton (2011, p. 108): “a arte pode ser, como Engels observa, o produto social mais altamente “mediado” em sua relação com a base econômica, mas em outro sentido ela também faz parte da base econômica”. Vê-se que, ao desconstruir a visão romântica de um amor ideal, cheio de sentimentos mútuos e trazer um comércio amoroso, o autor da narrativa quebra a expectativa do leitor ao apresentar o dinheiro como responsável por despertar a paixão, que após o casamento deixa de existir e passa a ser somente um contrato social, que respeita às regras da sociedade a mando da contratante, Aurélia, que possuía o poder sobre o contratado, Fernando.

A mudança da representação da mulher na narrativa em contexto capitalista

Anteriormente foi dito de forma sutil que Aurélia exerce uma influência significativa sobre seu marido, tanto pelo fato de ela ser respeitada socialmente quanto por ter sido a contratante de um casamento, consequentemente, subentende-se que ela determina os critérios para cumprimento desse negócio. Diante disso, é possível perceber o exercício de uma relação de poder, a qual é exercida por uma mulher sobre um homem. Uma grande alteração na configuração social da época, visto que homens ditavam as regras, não mulheres.

O poder  acontece por meio do exercício de uma relação de desiguais, pode-se dizer, de acordo com Ferreirinha e Raitz (2010), sob a perspectiva de Michel Foucault, que “é pela disciplina que as relações de poder se tornam mais facilmente observáveis, pois é por meio da disciplina que estabelecem as relações: opressor-oprimido, mandante-mandatário, persuasivo-persuadido, e tantas quantas forem as relações que exprimam comando e comandados”. No caso em questão, Aurélia manda e Fernando obedece.

Já nos primeiros capítulos do livro, é possível inferir  que o dinheiro pertence a esposa, a qual é também responsável por fazer seus negócios, os quais apenas são mediados por um homem, que além de seu tutor é também seu tio. De forma geral, isso pode simbolizar a ascensão feminina, não de todas as mulheres, mas daquelas que possuíam condições econômicas estáveis.

Como mencionado no início, Alencar tem um traço vanguardista na obra em questão, pois o livro ser intitulado de Senhora é uma referência ao fato de Aurélia se tornar a dona de suas vontades e uma mulher de independente, embora que limitada pelas convenções sociais que instituíam o matrimônio como forma de “liberdade” para as mulheres. A protagonista poderia continuar a ser apenas uma senhorita, mas não é o caso, visto que ela tem sua independência, diferente de muitas personagens apresentadas, sejam da burguesia ou proletariado.

Ao ser chamada de senhora, ela é dona de si e do seu destino, isso se confirma com o fato de ela comprar seu casamento e ditar as regras que farão parte desse negócio. Os papéis de gênero outrora atribuídos somente ao homem agora passam a ser atribuídos a uma figura feminina, a mulher não está submissa ao homem, mas sim acima dele, isso simboliza indiretamente e discretamente um processo de ascensão da mulher, visto que há tempos elas lutavam isso, no caso daquelas que estavam engajadas diretamente ou indiretamente nessa perspectiva de superar as relações de subordinação costureiras.

 Sob uma análise crítica de gênero, pode-se compreender que ao longo da história,

“A espinha dorsal desta relação de opressão é atribuída pelo pensamento feminista ao que chamamos de ordem patriarcal[…]. É evidente que em tal tipo de ordem cultural, a entrada da mulher e a construção de sua identidade dão-se de maneira não apenas distinta da do homem, mas hierárquica, desigual. Dentro de uma ordem social estruturada sobre a norma masculina, a mulher deverá ocupar uma posição marginal, inferior, submissa[…]” (Vicentini, 1989, p. 49-50).

Assim, a partir dessa visão, é possível estabelecer uma relação entre a obra e seu contexto histórico, além da representação feminina que ascende gradualmente. É necessário destacar que toda mudança na literatura, ou quase todas, são apresentadas ao longo da narrativa de forma sutil para que o leitor e crítico perceba e se debruce sobre o significado daquela situação.

Nas palavras de Bosi, “o romance romântico brasileiro dirigia-se a um público mais restrito do que o atual: eram moços e moças provindos das classes altas, e, excepcionalmente, médias; eram os profissionais liberais da corte ou dispersos pelas províncias[…] (Bosi, 2022, p. 135). Dessa forma, isso apresenta uma razão para a sutileza e necessidade de apresentação de uma realidade diferente daquela rotineira, o leitor estava acostumado com um padrão literário que refletia a realidade, caso contrário, talvez a obra não alcançasse tanto sucesso e, portanto, não cumprisse o seu papel crítico e reflexivo.

Conclusão

Diante da contextualização da análise da obra, bem como das relações existes entre a literatura e outros aspectos que estão ligados a ela, pode-se perceber a parcialidade com que Alencar traz uma visão desconstruída do Romantismo. Não sendo extremo, mas sim um vanguardista que aponta para o futuro das escolas literárias no sentido de trazer abordagens que serão temas do Realismo, por exemplo.

A sua narrativa enriquece a produção artística nacional e impulsiona o leitor e crítico a uma análise minuciosa não somente das entrelinhas das obras, mas também da sociedade na qual está inserido para que não corra o risco de alienar-se em sua realidade, tal qual fizeram os burgueses acomodados descritos anteriormente por Bosi.

Além disso, é necessário pensar na importância da obra não somente sobre o aspecto literário que analisa a narrativa em si, mas também sob o viés feminista que traz uma nova imagem da mulher. Alencar desconstrói não somente a tradição da literatura, talvez ele também se desconstrua para trazer o enredo que o leitor tem acesso.

Embora fosse um hábito na sociedade da época que o homem fizesse a compra de casamentos, ao ser apresentado pelo narrador uma mulher como independente e negociante, o leitor tem um estranhamento, pelos motivos de ler sobre aquilo que a sociedade faz em uma época que a literatura buscava trazer uma visão sentimental, e não realista daquilo que estava ao seu redor, como também em virtude de perceberem que a sociedade estava em mudança, não só do regime econômico, mas também dos papéis de gênero que estavam estabelecidos há tempos. É importante destacar que mesmo que hoje essas questões tenha sido quase superadas, não se pode dizer na totalidade pois ainda há países que possuem esse costume, os quais precisam passar por um processo de evolução ideológica.

Assim, a obra que foi analisada traz uma  exibição das práticas sociais corriqueiras, às quais muitas vezes as pessoas que compunham a alta sociedade não se davam conta, do mesmo modo em que na contemporaneidade vários preconceitos de origem secular são perpetuados. Os motivos para tais continuidades poderiam, tanto no passado, como no presente, ser o fato de estarem estagnados nos seus modelos de vida que se embasavam em manter um status, muitas vezes irreal, translucidando uma felicidade inexistente ou até mesmo estabelecendo uma relação de poder que torna o outro apenas mais um ente numa relação de subordinação.

Referências

ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: editora Lafonte, 2019.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 54° edição. São Paulo: editora Cultrix, 2022.

CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 9° edição. Rio de Janeiro: editora Ouro sobre Azul 2006.

CARPEUAX, Otto Maria. O Romantismo por Carpeaux.Rio de Janeiro: Leya, 2012. – História da literatura ocidental; v. 6.

EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

_______________. Como ler literatura. Porto Alegre: L&PM, 2021.

FERREIRINHA, Isabella Maria Nunes. RAITZ, Tânia Regina. As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas. Rio de Janeiro: revista RAP, 2010. P. 371.

VICENTINI, 1989. Mudar a referência para pensar a diferença, p. 49-50.


[1] *Estudante bolsista do Programa Pernambuco na Universidade matriculado no 6° período do curso de Licenciatura em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa, da Faculdade do Sertão do Pajeú.
josehenriquetabira@gmail.com