ABORDAGEM CLÍNICO-CIRÚRGICA DE LEIOMIOSSARCOMA INTESTINAL EM CÃO: RELATO DE CASO

CLINICAL AND SURGICAL APPROACH TO INTESTINAL LEIOMYOSARCOMA IN A DOG: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410092228


Alexandra Woods Leite Soares;
Rodiney Pinheiro Denevitz.


Resumo

O trabalho apresenta o caso de uma cadela diagnosticada pela ultrassonografia abdominal total com uma massa em abdômen, sendo submetida a uma cirurgia de laparotomia exploratória, detectado massa em jejuno, paciente foi encaminhada para laparotomia exploratória com completa ressecção cirúrgica do tumor, tendo boa evolução pós operatória. O diagnóstico definitivo foi obtido por meio de exame histopatológico e imunohistoquímico de leiomiossarcoma intestinal.

Palavras-chave: leiomiossarcoma intestinal, cão, laparotomia exploratória, massa abdominal, histopatologia, imuno-histoquímica.

Abstract

The work presents the case of a female dog diagnosed with an abdominal mass through total abdominal ultrasonography. The patient underwent exploratory laparotomy, where a mass in the jejunum was detected. The patient was referred for exploratory laparotomy with complete surgical resection of the tumor, showing good postoperative progress. The definitive diagnosis was obtained through histopathological and immunohistochemical examination, identifying an intestinal leiomyosarcoma.

Keywords: intestinal leiomyosarcoma, dog, exploratory laparotomy, abdominal mass, histopathology, immunohistochemistry.

Introdução

As neoplasias primárias do intestino em cães não são comuns, com exceção das neoplasias linfoproliferativas, correspondem a menos de 10% dos casos e os fatores de risco permanecem inconclusivos. Suspeita-se que algumas substâncias possam ter ação carcinogênica por ex: plantas tóxicas como tanino (ex: encontrado na samambaia), radiação, herbicidas, micotoxinas (ex: encontrado em alimentos contaminados), compostos hidrogenados, aminas aromáticas, hidrocarbonetos policíclicos, entre outros (DALEK, DE NARNI 2016).

Os cães machos de meia idade a idosos são os mais frequentemente acometidos pelas neoplasias intestinais, com a média de idade de 10 anos. As raças puras são mais predispostas, com relatos das raças Boxer, Collie, Poodle e Pastor alemão (Frgelevoca, Skoric, Fictum, Husnik, 2013). 

Dentre as neoplasias intestinais não linfoides os carcinomas representaram 45,5%, os sarcomas, incluindo os Tumor Estromal Gastrointestinal (GIST) e leiomiossarcomas 29,5% e os plasmocitomas, mastocitomas e outros sarcomas corresponderam a 25% dos casos. (Slavieiro, Argenta, Ehlers, De Lorenzo, Pavarini, Driemeier, Sonne, 2020).

Os sinais clínicos são comuns a diversas doenças do trato gastrointestinal, sendo um dos motivos pelo qual o diagnóstico em geral é realizado de forma tardia. Esses sinais incluem êmese crônica, diarreia crônica com possibilidade de melena, hiporexia ou anorexia e emagrecimento progressivo. (Saito, Nibe, Chambers, Uneyama, Nakashima, Ohno, Tsujimoto, Uchida, Nakayama, 2020).

A ultrassonografia e outros exames de imagem, como a tomografia computadorizada, desempenham um papel essencial na identificação de massas abdominais (Simeoni, Signore, Terragni, Tamburro, Aste, Vignoli, 2020), mas a confirmação diagnóstica depende da avaliação histopatológica e da imunohistoquímica, que diferencia o leiomiossarcoma de outras neoplasias, como os tumores estromais gastrointestinais (Russell, Mehler, Skoruspski, Baez, Shofer, Goldschmidt, 2007).

A abordagem terapêutica predominante é a cirurgia, que envolve a remoção do tumor e de parte do tecido saudável ao redor (Cohen, Post, Wright, 2003).O prognóstico tende a ser desfavorável quando há metástases para outros órgãos, podendo chegar a poucos meses de sobrevida. Embora a cirurgia possa aumentar as chances de sobrevivência em alguns casos, é crucial que o tumor seja completamente removido. Após a cirurgia, é necessário realizar acompanhamentos periódicos, incluindo radiografias e ultrassonografias abdominais (Withrow, Vail, Page, 2020). 

Relato de caso

Foi atendido no hospital veterinário uma cadela de 15 anos, SRD, com histórico de gastroenterite hemorrágica, com êmese. Foi encaminhado para o exame de ultrassonografia e observado um tumor medindo 3,69 x 2,37 cm em região de segmento jejunal, não sendo possível definir pelo exame ultrassonográfico comunicação direta com o intestino.  O tratamento sintomático com analgésicos, antiemético, probiótico, antibiótico e corticoíde, o tratamento instituído levou a uma melhora no quadro clínico da paciente.

Foram realizados hemograma, perfil bioquímico com ALT, AST, fosfatase alcalina, GGT, proteína total e fraçoes, creatinina e ureia, ultrassonografia abdominal, eletrocardiograma e ecocardiograma. Sugeriu-se uma tomografia computadorizada para melhor visualização do quadro e planejamento cirúrgico, porém proprietária não quis realizar o exame e o paciente foi encaminhado paciente para laparotomia exploratória. 

Os resultados do hemograma completo (figura 1) apresentou policitemia, com linfopenia e monocitopenia absolutas. Na bioquímica (figura 2) apresenta quadro de azotemia e aumento de proteínas totais, porém o soro encontrava-se lipêmico e hemolisado, o qual pode aumentar falsamente os resultados das proteínas totais. Na avaliação cardiológica (figuras 3 e 4) representam o ecocardiograma, com disfunção diastólica senil, sem contra indicações para o procedimento cirúrgico. 

No exame de ultrassonografia abdominal (figura 5), observou-se um tumor de ecogenicidade mista e ecotextura heterogênea medindo cerca de 3,69×2,37cm (figura 6) sem presença de outros nódulos sugestivos de neoplasia metastática ou linfonodomegalia.

Figura 1: Exame de hemograma.

Figura 2: Perfil bioquímico. 

Figura 3: Laudo de avaliação cardiológica – ecocardiograma e eletrocardiograma.

Figura 4: Laudo de avaliação cardiológica – ecocardiograma e eletrocardiograma.

Figura 5: Laudo ultrassonográfico abdominal.

Figura 6: Imagem ultrassonográfica de massa abdominal, região de intestino. 

Fonte: Dra. Michelle Henriques Rocha (2024)

O animal foi encaminhado para cirurgia de laparotomia exploratória. Realizado uma incisão pré retro umbilical com lâmina 22 e cabo de bisturi nº4, em seguida suspensão da musculatura com auxílio da pinça allis para uma pequena abertura na aponeurose do músculo reto abdominal com uma lâmina 11 e bisturi nº3, com posterior ampliação da celiotomia cranial e caudalmente com tesoura mayo. 

Com o campo visual exposto, avaliou-se todo segmento intestinal, onde notou em região de jejuno uma massa aderida a musculatura do órgão, com tamanho compatível ao descrito na ultrassonografia (figura 7). O auxiliar realizou a exposição do segmento intestinal para que o cirurgião realizasse uma dissecção delicada da massa, sendo divulsionada da parede intestinal. A massa foi removida por completo, sem prejuízo a parede intestinal (figura 8). 

Antes de proceder ao fechamento, avaliou-se a cavidade abdominal à procura de lesões ou outros nódulos/massas e possíveis sangramentos. A celiorrafia da cavidade abdominal foi realizado em padrão de sutura sultan com fio poligrecaprone 2-0, seguido do fechamento do tecido subcutâneo padrão colchoeiro modificado com poligrecaprone 2-0 e posterior sutura de pele com pontos simples separados com fio nylon 3-0. 

O material foi enviado para o exame de histopatologia (figura 9), com o diagnóstico de sarcoma fusocelular, morfologicamente sugestivo de GIST (tumor gastrointestinal estromal) ou leiomiossarcoma (figura 10). Com isso, foi indicado a realização da imunohistoquímica, o qual concluiu diagnóstico de leiomiossarcoma (figura 11). 

Figura 7: Exposição de massa abdominal, evidenciando aderência no intestino. 

Fonte: Dra. Alexandra Woods

Figura 8: Área de ressecção cirúrgica do tumor, evidenciando a não exposição do lúmen intestinal. 

Fonte: Dra. Alexandra Woods

Figura 9: Aspecto do tumor e suas medidas após ressecção cirúrgica, medindo 3,2 X 5,5 cm. 

Fonte: Dra. Alexandra Woods

Após o procedimento cirúrgico a paciente foi encaminhada a internação para recuperação anestésica e cuidados de enfermagem, tendo um pós operatório satisfatório e compatível com celiotomia exploratória e de uma abordagem cirúrgica intestinal, durante a internação teve protocolado uso de analgésico (metadona 0,3 mg/kg a cada 6 horas, dipirona 25 mg a cada 12 horas e dexametasona 0,15 mg/kg a cada 24 horas), após 12 horas de internação e com boa analgesia, foi substituído por cloridrato de tramadol na dose de 2 mg/kg a cada 8 horas, como antibioticoterapia foi instituído ceftriaxona 30 mg/kg a cada 12 horas e metronidazol 7,5 mg/kg a cada 12 horas e alimentação gastrointestinal pastosa e água ad libitum. O paciente ficou internado por 48 horas, sendo liberado com receita de analgesia com cloridrato de tramadol 3 mg/kg a cada 12 horas, dipirona, antibioticoterapia de metronidazol 15 mg/kg a cada 12 horas e suporte para enjoo com ondansetrona 0,5 mg/kg a cada 12 horas. 

Paciente teve boa evolução clínica, sendo retirado os pontos com 15 dias do dia da cirurgia.  

Figura 10: Laudo histológico, com descrição macroscópica e microscópica com possível diagnóstico. 

Figura 11: Painel imunoistoquímico, confirmando leiomiossarcoma.

DISCUSSÃO

O leiomiossarcoma é uma neoplasia maligna de origem nas células musculares lisas e, apesar de ser raro no trato gastrointestinal de cães, apresenta características agressivas, com alta taxa de invasividade local e potencial metastático (WITHROW et al., 2020). No presente relato de caso, uma cadela de 15 anos, SRD, apresentou um leiomiossarcoma no jejuno, o que reforça a importância de diagnóstico precoce e abordagem cirúrgica rápida.

A literatura mostra que os sinais clínicos associados a neoplasias intestinais são frequentemente inespecíficos, incluindo anorexia, êmese, letargia, diarreia crônica e perda de peso (Cohen, 2003), como observado na anamnese da paciente.

O diagnóstico inicial foi feito por ultrassonografia abdominal, uma técnica amplamente utilizada para identificar massas no abdômen e que apresenta alta sensibilidade na detecção de tumores gastrointestinais (Simeoni et al., 2020). Nesse caso, a ultrassonografia revelou uma massa de ecotextura heterogênea no jejuno, sem sinais de linfonodomegalia ou metástase. Pode ser utilizada a tomografia computadorizada para avaliar a extensão da massa e o envolvimento de estruturas adjacentes, bem como para planejamento cirúrgico, porém mesmo sem a realização de uma tomografia, a laparotomia exploratória revelou ser uma ferramenta crucial e efetiva para a avaliação da extensão e ressecção da massa. A literatura destaca que a ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha para leiomiossarcomas, sendo a remoção completa com margens de segurança essencial para prevenir recidivas (WITHROW et al., 2020; Cohen, 2003). No caso apresentado, a paciente passou por uma laparotomia exploratória com sucesso, removendo a massa sem comprometer a viabilidade da parede intestinal.

A diferenciação histopatológica entre tumores estromais gastrointestinais (GIST) e leiomiossarcomas é complexa, mas essencial para a conduta terapêutica e o prognóstico (RUSSEL et al., 2007; YALE, 2022). No presente caso, o exame histopatológico inicial sugeriu um sarcoma fusocelular, e a imunohistoquímica foi necessária para confirmar o diagnóstico de leiomiossarcoma (Slaviero et al., 2020). O uso da imunohistoquímica, nesse caso, garantiu a precisão do diagnóstico, dando ferramentas para avaliação e prognóstico para a paciente. 

CONCLUSÃO

Este estudo abordou a ocorrência de neoplasias intestinais em cães, com foco específico no leiomiossarcoma, uma neoplasia de apresentação pouco comum. A partir da revisão de literatura e do relato de caso, ficou evidente a dificuldade no diagnóstico precoce dessas neoplasias, visto que os sinais clínicos são inespecíficos e se sobrepõem a outras doenças gastrointestinais. A importância de exames de imagem, como a ultrassonografia e a tomografia computadorizada, bem como exames complementares como a histopatologia e a imunohistoquímica, foi destacada como essencial para a identificação correta do tipo de tumor.

No relato de caso, a paciente, uma cadela idosa com histórico de gastroenterite hemorrágica, apresentou uma massa no intestino identificada por meio da ultrassonografia, sendo posteriormente submetida à laparotomia exploratória para ressecção do tumor. O exame histopatológico indicou um sarcoma fusocelular, com a imunohistoquímica confirmando o diagnóstico de leiomiossarcoma.

A intervenção cirúrgica foi eficaz na remoção da neoplasia, e, embora a paciente tenha apresentado um quadro clínico inicial gastrointestinal, a ressecção completa do tumor, sem prejuízo da viabilidade intestinal, demonstrou ser uma opção terapêutica viável. O prognóstico desses pacientes é reservado, especialmente em casos com metástases, e o acompanhamento pós-cirúrgico é essencial para monitorar possíveis recidivas.

Este estudo contribuiu para o entendimento da abordagem clínica e cirúrgica no manejo do leiomiossarcoma intestinal em cães, destacando a importância de um diagnóstico preciso e da intervenção cirúrgica como parte fundamental do tratamento, mesmo em pacientes de idade avançada.

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