CONTROLE DE ABUSIVIDADES NO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

CONTROL OF ABUSIVITIES IN PROCEDURAL LEGAL BUSINESS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410091022


Felipe Houch Sarra1


Resumo: O presente artigo tem por objetivo a análise do instituto denominado negócio jurídico processual, destacando seus requisitos e limites, de modo a aprofundar-se no estudo sobre o controle de abusividades. O Código de Processo Civil (“CPC”), em seu artigo 190, permite às partes que convencionem flexibilizações de procedimento e negociem sobre seus respectivos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Porém, tal liberdade encontra limitações, sob pena do juiz recusar aplicação, conforme parágrafo único do artigo 190 do CPC. Para tanto, incialmente, temos a apresentação dos conceitos de fato, ato e negócio jurídico, bem como classificações do negócio jurídico e a escada pontena. Então, apresenta-se o instituto do negócio jurídico processual, seus requisitos e limites. Por fim, colaciona-se posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJ-SP”).

Palavras-chaves: Negócio jurídico processual. Requisitos. Limites. Controle de abusividades.

Abstract: This article aims to analyze the institute called procedural legal business, highlighting its requirements and limits, to delve deeper into the study of abusive control. The Civil Procedure Code (“CPC”), in its article 190, allows the parties to agree on procedural and negotiation flexibility regarding their respective burdens, powers, faculties and procedural duties. However, this freedom has limitations, under penalty of the judge refusing application, according to the sole paragraph of article 190 of the CPC. To this end, we initially present the concepts of fact, act and legal business, as well as classifications of legal business and the bridge ladder. Then, the institute of procedural legal business, its requirements and limits are presented. Finally, positions from the Superior Court of Justice (“STJ”) and the Court of Justice of the State of São Paulo (“TJ-SP”) are collated.

Keywords: Procedural legal business. Requirements. Limits. Abuse control.

1. Introdução

O instituto denominado “negócio jurídico processual” permite que as partes entabulem flexibilizações de procedimento e convencionem sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo, ajustando o processo às especificidades do caso concreto, com a finalidade de se obter a tutela jurisdicional adequada, conforme requisitos e limites estabelecidos no caput do artigo 190 e seu parágrafo único, do Código de Processo Civil (“CPC”).

O professor Daniel Amorim Assumpção Neves (2023, p. 280) explica que o Código de Processo Civil de 2015, seguindo tendências do direito inglês (case management) e francês (contrat de procédure), criou uma cláusula geral de negociação processual, podendo ter como objeto situações processuais das partes e do procedimento.

No ponto, o professor Antonio do Passo Cabral (2020, p. 280) relembra que o CPC, em seu artigo 3º, parágrafo segundo, dispõe que cabe ao Estado promover a solução consensual de conflitos, citando, como exemplo de tal mecanismo, as convenções processuais.

Heitor Vitor Mendonça Sica (2017), em obra coordenada pelo Professor Cássio Scarpinella Bueno, salienta que, antes do artigo 190 do CPC, a doutrina se esforçava em identificar situações em que as partes poderiam convencionar sobre normas processuais.  Contudo, após o advento do citado artigo, coube à doutrina identificar situações em que não se admite o negócio jurídico processual.

Acrescente-se o ensinamento do professor Flávio Tartuce (2015, p. 91), o qual preleciona que “Cuida-se de projeção da teoria geral dos atos e negócios jurídicos, para o âmbito do processo civil brasileiro”.

Registre-se que Fredie Didier (2024, p. 28) pondera que “O princípio da liberdade também atua no processo, produzindo um subprincípio: o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo”.

Reconhece-se, assim, que o negócio jurídico processual possui limitações de todo o ordenamento jurídico, como se verifica em todo negócio jurídico, devendo atender também aos planos do negócio jurídico, entre outras limitações (Nogueira apud Tartuce, 2015, p. 92-99).

Nesse sentido, o professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2020, p. 338) cita que “Para que não haja abusos, o juiz, […], controlará as convenções processuais, recusando aplicação em caso de nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou […] situação de vulnerabilidade”.

Antonio do Passo Cabral (2020, p. 281) salienta que: “Caberá ao juiz velar pelos interesses públicos, evitando que os acordos avancem em uma seara inadmissível à autonomia das partes”.

Dessa forma, o presente trabalho abordará o instituto do negócio jurídico processual, bem como seus requisitos e limites, de modo a oferecer maiores subsídios para controlar abusividades na entabulação de negócios jurídicos processuais, com apoio doutrinário e jurisprudencial.

2. Fato jurídico, ato jurídico e negócio jurídico

            O professor Heitor Vitor Mendonça Sica (2017), em obra coordenada pelo Professor Cássio Scarpinella Bueno, ao comentar o artigo 190 do Código de Processo Civil, explica: “Qualquer exame do presente dispositivo depende da compreensão dos conceitos de fato, ato e negócio jurídico, que historicamente foram examinados pelos estudiosos do direito civil […] considerados conceitos da teoria geral […]”.

Nesse sentido, o professor Flávio Tartuce (2024, p. 220), em lição sobre a teoria geral do negócio jurídico, explica que fato jurídico é “Uma ocorrência que interessa ao Direito, ou seja, que tenha relevância jurídica”.

            Acrescenta-se que, ao explicarem sobre fato jurídico, os professores Nelson Rosenvald, Felipe Braga Netto e Cristiano Chaves Farias (2023, p. 382-383) salientam que existe o denominado suporte fático, que é o fato ou conjunto de fatos previstos pela norma jurídica, trazendo como exemplo a usucapião do artigo 1.239 do CC, a qual tem como suporte fático a posse com ânimo de dono por cinco anos ininterruptos; área rural não superior a 50 hectares; sem oposição do proprietário; não ser o possuidor proprietário de imóvel rural ou urbano; residir nela o possuidor, tornando-a produtiva pelo seu trabalho ou de sua família. Assim, uma vez preenchidos cumulativamente todos os requisitos previstos pelo suporte fático, teremos a incidência da norma, fazendo surgir o fato jurídico – no caso, a usucapião e seus efeitos.

            Nesse sentido, Christiano Cassettari (2022, p. 147) define “Fato jurídico é todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir direitos e deveres.”.

E os professores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2024) complementam: “Fora da noção de fato jurídico, pouca coisa existe ou importa para o direito”.

            Quanto ao ato jurídico, o Professor Flávio Tartuce (2024, p. 220) define ato jurídico da seguinte forma: “Trata-se de um fato jurídico com elemento volitivo e conteúdo lícito.”. E acrescenta que se filia à corrente doutrinária que defende que o ato ilícito não é jurídico. Já a corrente que defende que ato ilícito é ato jurídico é encabeçada por Pontes de Miranda e José Carlos Moreira Alves – autor da parte geral do Código Civil de 2022. A questão não é pacífica.

            No ponto, o Professor Rubens Limongi França (1994, p. 131), em sua obra Instituições de Direito Civil, explica que “Ato ilícito é toda ação ou omissão voluntária, ou que implique negligência ou imprudência, cujo resultado acarrete violação de direito ou ocasione prejuízo a outrem.”.

O Professor Cassettari (2022, p. 148) explica que ato jurídico é baseado na vontade humana, com efeitos previstos em lei, como, por exemplo: a escolha do domicílio.

            Já negócio jurídico é conceituado pelo Professor Flávio Tartuce (2024, p. 221) como “Ato jurídico em que há uma composição de interesses das partes com uma finalidade específica.”; e por Cassettari (2022, p. 148) como “[…] aquele cujas consequências são estabelecidas pelas próprias partes, por exemplo, o contrato”.

Há o ato jurídico stricto sensu, o qual, conforme ensina Flávio Tartuce (2024, p. 221) “Configura-se quando houver objetivo de mera realização da vontade do titular de um determinado direito, não havendo a criação e instituto jurídico próprio para regular direitos e deveres, muito menos composição de vontade das partes envolvidas.”. Isto é, Tartuce (2024, p. 223) explica que a lei define previamente os efeitos da manifestação de vontade; por exemplo, reconhecimento de um filho ou descoberta de tesouro.

No ponto, o professor Maurício Bunazar (2023, p. 25) leciona que tanto o ato jurídico em sentido estrito quanto o negócio jurídico têm de aproximação -e também de distinção dos demais- a manifestação de vontade por elemento do núcleo do suporte fático.

Temos ainda o que parte da doutrina conceitua como ato-fato jurídico ou ato real (Miranda apud Tartuce, 2024, p. 223), sendo aqueles atos humanos em que a vontade não é elemento do suporte fático, de modo que o suporte fático seria suficiente, mesmo que sem a vontade. Por exemplo: tomada da posse ou a composição de obra artística. No caso, Tartuce (2024, p. 224) explica que não haveria necessidade de criar tal categoria, dada a existência das demais.

Cassettari (2022, p. 148) explica que o ato-fato jurídico “Trata-se de um fato jurídico qualificado pela atuação humana sem a existência de vontade do agente. Como exemplo, citamos o caso da compra de um doce por uma criança […]”.

3. Classificações do negócio jurídico

A seguir, passa-se a analisar as classificações da doutrina quanto ao negócio jurídico, com destaque de que o artigo 185 do Código Civil prevê que as classificações abaixo valem para os negócios jurídicos e para os atos jurídicos em sentido estrito, conforme ensina o Professor Flávio Tartuce (2024, p. 224).

No ponto, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2022, p. 528) salientam que “O CC 185 permite, nos limites da natureza jurídica dos atos lícitos, que se apliquem a eles regramentos dos negócios jurídicos.”

Pois, bem. Temos o negócio jurídico unilateral, o bilateral e o plurilateral. O professor Cassettari (2022, p. 149) explica que negócio jurídico unilateral é aquele negócio jurídico em que há vontade de uma única pessoa. Por exemplo: testamento; aceitação; e renúncia. Também são exemplos de negócio jurídico unilateral, conforme lição do Professor Flávio Tartuce (2024, p. 225): testamento; renúncia a um crédito; e promessa de recompensa.

No ponto, negócio jurídico receptício depende de chegar ao conhecimento de uma pessoa para produzir efeitos, enquanto o negócio jurídico não receptício não tem necessidade de chegar ao conhecimento de ninguém para produção de efeitos (Cassettari, 2022, p. 149).

O professor Flávio Tartuce (2024, p. 225) traz como exemplo de negócio jurídico receptício a promessa de recompensa, e como exemplo de negócio jurídico não receptício o testamento – caso em que o conhecimento pelo destinatário é irrelevante.

Já o negócio jurídico bilateral “trata-se de negócio jurídico em que há vontade de duas pessoas, ou seja, um sujeito ativo e outro sujeito passivo. Como exemplo, citamos o contrato” (Cassettari, 2022, p. 149). Tartuce (2024, p. 225) também traz como exemplo o casamento.

Temos, ainda, os negócios jurídicos plurilaterais, os quais são definidos por Tartuce (2024, p. 225) como aqueles que envolvem mais de duas partes, com interesses coincidentes no plano jurídico, como contrato de consórcio e contrato de sociedade entre várias pessoas.

Destaca-se o ensinamento do Professor Cassettari (2022, p. 149), que explica que o contrato exige alteridade contratual, sendo a necessidade de ter, no mínimo, duas pessoas na relação contratual, de modo que o “contrato consigo mesmo” (ou “autocontrato”) previsto no artigo 117 do Código Civil é anulável, em regra. Um exemplo de “autocontrato” ou “contrato consigo mesmo” é o mandato para compra de venda de imóvel, no qual o mandante outorga a outra parte mandato para que o mandatário venda o bem para si mesmo (mandato em causa própria – 685[1] do Código Civil).

Em obra denominada Código Civil Comentado, de autoria dos professores Anderson Schreiber, Flávio Tartuce, José Fernando Simão, Marco Aurélio Bezerra de Melo e Mário Luiz Delgado (2019, p. 78), temos o seguinte ensinamento quanto ao “autocontrato” ou “contrato consigo mesmo”: “O representante figura aí em ambos os polos do contrato: em um deles necessariamente como representante e, no outro, como ele próprio ou como representante de um de um terceiro”.

Ainda, os Professores Nelson Rosenvald, Felipe Braga Netto e Chistiano Chaves Farias (2023, p. 398) explicam que não se deve confundir “parte” com “pessoa”, de modo que uma parte pode ser formada por uma ou várias pessoas. Isto é, caso marido e mulher resolvam anunciar promessa de recompensa para quem achar seu cachorro, continua sendo um negócio jurídico unilateral, ainda que a promessa tenha partido de duas pessoas, asseveram os professores.

Também há o negócio jurídico neutro e o negócio jurídico bifronte.  O negócio jurídico neutro, conforme preleciona o Professor Cassettari (2022, p. 149), não possui atribuição patrimonial específica, não sendo gratuito ou oneroso – como o bem de família convencional.

Já o negócio jurídico bifronte é aquele que pode ser oneroso ou gratuito, o que depende da vontade das partes. Como exemplos, o depósito e o mandato, os quais podem assumir ambas as formas, conforme explica Tartuce (2024, p. 225).

Os Professores Nelson Rosenvald, Felipe Braga Netto e Chistiano Chaves Farias (2023, p. 400) trazem os negócios jurídicos onerosos, nos quais temos para ambas as partes prestações e contraprestações. Por exemplo, conforme citam os professores, permuta, empreitada, locação e compra e venda. Já os negócios jurídicos gratuitos/benéficos, asseveram os professores, são aqueles em que se criam obrigações apenas para uma parte, gerando vantagem para a outra, por exemplo, doação incondicionada.

Em obra de Orlando Gomes, atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito (2022, p. 75), temos ainda a lição de que os negócios jurídicos podem ser classificados em comutativos e aleatórios, sendo que, enquanto nos contratos comutativos temos certeza quanto às prestações, nos contratos aleatórios “[…] há incerteza para as duas partes sobre se a vantagem esperada será proporcional ao sacrifício.”. Isto é, nos aleatórios verifica-se a álea (sorte), a qual depende de evento futuro e incerto.

Em seguida, temos os conceitos e exemplos de negócios jurídicos intervivos e mortis causa. O Professor Flávio Tartuce explica que o negócio jurídico intervivos é destinado a produzir efeitos durante a vida dos negociantes e interessados, como os contratos em geral. Já os negócios jurídicos mortis causa são aqueles em que os efeitos ocorrem após a morte de determinada pessoa, como o testamento e o legado (Tartuce, 2024, p. 225).

Os negócios jurídicos também podem ser formais/solenes ou informais/não solenes. Quanto aos negócios formais/solenes, o Professor Flávio Tartuce explica que são aqueles que seguem uma forma ou solenidade prevista em lei para sua validade e aperfeiçoamento, como por exemplos, o casamento e o testamento. Já os informais/não solenes admitem forma livre, que é a regra geral, conforme prevê o artigo 107 do CC, por exemplos, locação e prestação de serviços (Tartuce, 2024, p. 225).

O Professor Flávio Tartuce (2024, p. 225) também traz os negócios jurídicos principais/independentes, que são aqueles que não dependem de qualquer outro negócio jurídico para existência e validade, por exemplo, a locação. E temos os negócios jurídicos acessórios/dependentes, nos quais a existência está subordinada a outro negócio jurídico- denominado principal. Como exemplo, temos a fiança com relação à locação, assevera o Professor Flávio Tartuce.

Os professores Nelson Rosenvald, Felipe Braga Netto e Chistiano Chaves Farias (2023, p. 339) salientam também que há os negócios jurídicos típicos (estão previstos em lei) e os negócios jurídicos atípicos (não estão previstos explicitamente na lei), destacando-se que todos os negócios jurídicos unilaterais são típicos.

Os negócios jurídicos também podem ser impessoais, que são aqueles que não dependem de qualquer condição especial dos envolvidos, de modo que a prestação pode ser cumprida pela parte ou terceiro, por exemplo, a compra e venda,  explica o Professor Flávio Tartuce. E temos os negócios jurídicos personalíssimos ou intuitu personae, que são aqueles dependentes de uma condição especial de uma das partes, caracterizando-se como obrigação infungível. Por exemplo, contratação de um pintor para realização de obra de arte (Tartuce, 2024, p. 226).

O professor Flávio Tartuce (2024, p. 225) cita também os negócios jurídicos causais/materiais, nos quais o motivo consta expressamente do seu conteúdo, por exemplo, termo de divórcio. De outro lado, prossegue o Professor Flávio Tartuce, temos os negócios jurídicos abstratos/formais, sendo aqueles em que a razão não se encontra inserida no conteúdo, como exemplo, transmissão da propriedade.

Há, ainda, os negócios jurídicos consensuais, que geram efeitos a partir do momento do acordo de vontades, por exemplo, a compra e venda pura, como ensina o Professor Flávio Tartuce. Já os reais são aqueles que geram efeitos a partir da entrega do objeto, por exemplos, comodato e mútuo (Tartuce, 2024, p. 225).

Observe-se que não se pode confundir aperfeiçoamento do contrato (plano da validade) com o seu cumprimento (plano da eficácia), citando, por exemplo, que a compra e venda gera efeitos a partir do momento em que as partes convencionam a coisa e seu preço, assevera o Professor Flávio Tartuce. No caso, o registro de imóveis está no plano da eficácia. Quanto à tradição, diz-se que – em regra – está no plano da eficácia, visto que em caso de contratos reais a entrega da coisa está no plano da validade (Tartuce, 2024, p. 557).

Por fim, destacam-se mais lições do Professor Tartuce (2024, p. 560), que preleciona que no contrato de adesão existe uma parte que impõe o conteúdo negocial (estipulante) à outra (aderente), cabendo ao aderente aceitar ou não. Já o contrato paritário/negociado, Tartuce define é aquele em que o conteúdo é plenamente discutido entre ambas as partes – sendo mais raro no atual momento contratual.

  4. A Escada Ponteana

O professor Flávio Tartuce (2024, p. 226) salienta a importância dos estudos sobre os elementos estruturais do negócio jurídico (essenciais, naturais e acidentais) a partir da teoria do jurista Pontes de Miranda.

No ponto, Pontes de Miranda (1970, p. 08), em sua obra Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo III, na página 08, define que “Todo negócio jurídico cria relação jurídica, constituindo, ou modificando, ou constituindo negativamente (extintividade) direitos, pretensões, ações, ou exceções”.

Nesse sentido, o Professor Cesar Peghini (2022, p. 47) explica que elementos essenciais são aqueles sem os quais não existem o ato/negócio; já naturais são as consequências automáticas do ato/negócio jurídico, como que o vendedor entregue a coisa vendida e o comprador pague o preço; e, por fim, os acidentais são aqueles que modificam as consequências naturais, como condição, termo e encargo, conclui o Professor Cesar Peghini.

Registre-se que coube à Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, professora titular da Universidade de São Paulo, a construção do desenho da escada, como relembra o professor Flávio Tartuce (2015, p. 100).

Em regra, para que haja os elementos de validade é preciso que o negócio exista, e para que o negócio seja eficaz também deve ser existente e válido (Tartuce, 2024, p. 227).

Porém, há exceções, como exemplifica Flávio Tartuce (2024, p. 227): (i) é possível o negócio existente, inválido e eficaz, por exemplo, o casamento anulável celebrado de boa-fé- o qual gera efeitos como casamento putativo; (ii) também temos o contrato acometido por vício da lesão – caso não seja ajuizada a ação anulatória, no prazo previsto em lei, o negócio será convalidado – passando a ser válido; e (iii) temos o negócio jurídico existente, válido e ineficaz, quando o contrato é revestido de condição suspensiva, ainda não gerando efeitos.

O Professor Cassettari (2022, p. 151) explica que o plano da existência é um plano doutrinário reconhecido pela jurisprudência, sendo que o Código Civil não o menciona. Os elementos de existência são: declaração de vontade; agente; objeto; e forma, conclui Cassettari.

Flávio Tartuce (2024, p. 228) salienta que no plano da existência estão os pressupostos para um negócio jurídico – chamados também de elementos essenciais, onde temos somente os substantivos, sem qualquer qualificação, quais sejam: partes (ou agentes), vontade, objeto e forma, sob pena do negócio ser inexistente.

Caso não sejam observados os elementos de existência, o negócio jurídico será inexistente, cabendo ação declaratória de inexistência, a qual é imprescritível e pode ser proposta por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público, conforme a lei (Cassettari, 2022, p. 151).

Registre-se que celebrado o negócio jurídico e havendo reserva mental, porém, não exteriorizada, será válido- já que não exteriorizada. Porém, se ela for conhecida pela outra parte, o negócio será inexistente (Cassettari, 2022, p. 152). A reserva mental, para o Professor Cassettari (2022, p. 151), “[…] é o fato de a pessoa celebrar o negócio jurídico com a intenção de não cumpri-lo, motivo pelo qual se fala em inadimplemento premeditado (exemplo: comprar com a intenção de não pagar ou vender com a intenção de não entregar)”.

Já no plano da validade os substantivos recebem adjetivos, conforme preconiza o artigo 104 do Código Civil e explica o professor Flávio Tartuce, resumindo que, para o negócio jurídico seja válido, é preciso: I – partes ou agentes capazes; II – vontade livre, sem vícios; III – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e IV – forma prescrita ou não defesa em lei (Tartuce, 2024, p. 229).

Nesse plano existem os requisitos de validade, os quais devem ser observados para o negócio ser válido; caso contrário, será invalido, sendo cabíveis dois tipos de sanções aos negócios jurídicos inválidos: nulidade e anulabilidade (Cassettari, 2022, p. 152).

O Professor Flávio Tartuce (2024, p. 229) salienta que as hipóteses gerais de nulidade do negócio jurídico estão delineadas nos artigos 166 e 167 do Código Civil, e as hipóteses de anulabilidade estão previstas no artigo 171 do Código Civil.

No ponto, Marcos Bernardes de Mello (2022, p. 46) assevera que o Código de Defesa do Consumidor “[…] incluiu entre as causas de nulidade das condições gerais dos contratos nas relações de consumo a incompatibilidade de suas cláusulas com a boa-fé e a equidade.”

Tartuce (2024, p. 239) explica que no plano da eficácia estão os elementos relacionados com a suspensão e resolução de direitos e deveres dos envolvidos, quais sejam: I – Condição (evento futuro e incerto); II – Termo (evento futuro e certo); III – Encargo ou modo (ônus introduzido em ato de liberalidade); IV – Regras relativas ao inadimplemento do negócio jurídico (resolução); juros, cláusula penal e perdas e danos; V – direito à extinção do negócio jurídico casamento;e VI – Registro imobiliário.

No ponto, o professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2020, p. 351) salienta que “O sistema de invalidades do processo não se confunde com o do direito material”. Isto é, o processo é um instrumento de efetivação do direito material, de modo que, ainda que haja desrespeito a certas formalidades legais, é preciso verificar se o ato terá aptidão para alcançar as finalidades pretendidas (Gonçalves, 2020, p. 351).

Marcus Vinicius (2020, p. 351) categoriza os vícios que podem atingir o ato processual da seguinte forma: I – meras irregularidades; II – nulidade relativa; III – nulidade absoluta; e IV – ineficácia.

As meras irregularidades são aquelas que deixam de observar uma formalidade que não é relevante para sua validade, como, por exemplo, a existência de uma rasura que não trava dúvida da autenticidade do ato, explica o Professor Marcus Vinicius; A ineficácia não será sanada pelo simples transcurso do tempo, define o Professor Marcus Vinicius (2020, p. 351).

Quanto às nulidades processuais, assevera o Professor Marcus Vinicius, podem ocorrer quando o ato é praticado deixando de se observar um requisito de validade. Quanto à nulidade ser absoluta ou relativa, em ambas há inobservância da lei, sendo que na nulidade absoluta existem questões relacionadas ao interesse público, enquanto na relativa abarca os interesses das partes. Marcus Vinicius (2020, p. 353) salienta: “Será preciso verificar se a forma prevista em lei e não respeitada decorria de norma cogente, estatuída em prol de interesse público, ou de norma não cogente, estabelecida em vista do interesse das partes”.

Ainda, vale anotar que por força do princípio da instrumentalidade das formas, previsto no artigo 277 do CPC, o Professor Marcus Vinicius (2020, p. 353) pondera que “Do princípio da instrumentalidade das formas resulta que não se declarará a nulidade- seja absoluta ou relativa- se não houver prejuízo”.

5 Negócio jurídico processual

O professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2020, p. 335) explica que “O Processo consiste em uma sucessão de atos que se encadeiam logicamente e que visam alcançar o provimento jurisdicional”.

E prossegue o Professor Marcus Vinicius: Os atos humanos praticados no processo são atos processuais, os quais não se confundem com os fatos processuais. Os fatos processuais são aqueles acontecimentos naturais que podem ter grande impacto no processo, mas que não dependem de conduta humana, como morte de uma das partes, catástrofe natural que provoque o desaparecimento dos autos e greve ou guerra que prejudique o funcionamento forense (Gonçalves, 2020, p. 335).

Marcus Vinicius (2020, p. 335) salienta que “Os atos processuais devem ser praticados em conformidade com o que determina a lei.[…] No entanto, o CPC flexibiliza essa regra, em especial no artigo 190 […]”.

No ponto, Fredie Didier (2024, p. 35) preleciona que negócio processual é fato jurídico voluntário, o qual confere ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites do ordenamento, situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento.

Os professores Rodrigo da Cunha Lima Freire e Maurício Ferreira Cunha (2021, p. 538) ensinam que o artigo 190 do CPC disciplina a cláusula geral do negócio jurídico processual, a qual decorre do princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo, sendo este consectário do estado democrático de direito e da liberdade.

Fredie Didier (2024, p. 30) explica que o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo “[…] visa , enfim, à obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de autorregular-se possa ser exercido pelas partes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas […] um espaço propício para o exercício da liberdade”.

Destaca-se que o professor Heitor Vitor Mendonça Sica, em obra coordenada pelo Professor Cássio Scarpinella Bueno (2017), leciona que:

Antes, o sistema processual civil brasileiro era governado pela ideia de tipicidade estrita, da qual decorria a indisponibilidade das normas processuais por convenção dos sujeitos do processo, salvo raras exceções. Tratava-se, em suma, de uma visão do fenômeno processual sob uma ótica extremamente publicista e pautada numa acepção tradicional da legalidade, segundo a qual as partes só poderiam fazer em juízo, o que o ordenamento lhes autorizava. Agora, pode-se dizer que o artigo 190 “inverteu o sinal” da legalidade, ao investir as partes do amplo e atípico poder de “estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa” e “convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”, salvo disposição em contrário no ordenamento.

Fredie Didier (2024, p. 39) salienta que o caput do artigo 190 do CPC se trata de cláusula geral, revelando o subprincípio da atipicidade da negociação processual, o qual concretiza o princípio ao autorregramento da vontade no processo.

Daniel Neves (2023, p. 279) assevera que a previsão contida no artigo 190 do CPC não consagra a vontade livre das partes, de modo que é preciso a existência de justificativa fundamentada em peculiaridades do caso concreto para alteração do procedimento; e acrescenta que o negócio jurídico processual inserto no artigo 190 do Código de Processo Civil é o negócio jurídico bilateral.

Há ainda negócios jurídicos processuais unilaterais, sendo apenas relevante a vontade de uma das partes, como renúncia de prazo (artigo 225 do CPC), desistência da execução ou medida executiva (artigo 775 do CPC), desistência do recurso (artigo 998 do CPC) e renúncia ao direito recursal (artigo 999 do CPC), explica o professor Daniel Neves (2023, p. 279). E os negócios jurídicos processuais plurilaterais, conforme salienta o professor Daniel Neves (2023, p. 279), pelos quais a eficácia depende de acordo de vontade das partes e do juiz, como calendarização do procedimento (artigo 191 do CPC) e saneamento compartilhado (artigo 357, §3º do CPC).

Vale dizer que já existiam os negócios jurídicos processuais previstos no CPC de 1973 – os negócios jurídicos processuais denominados típicos – explica Daniel Neves (2023, p. 279). O Professor Marcus Vinicius (2020, p. 338) traz os seguintes exemplos de negócios jurídicos processuais existentes expressamente no CPC de 73: convenção sobre o ônus da prova; suspensão temporária do processo; e adiamento de audiência. No ponto, o professor Heitor Vitor Mendonça Sica (2017) explica que “O CPC de 2015 não apenas manteve essas convenções processuais típicas […], como ainda criou diversas outras […]”.

Igualmente, Rodrigo da Cunha Lima Freire e Maurício Ferreira Cunha (2021, p. 539) explicam que o CPC prevê os negócios jurídicos processuais típicos (por exemplos, eleição de foro, calendário processual ou procedimental, suspensão convencional do processo, modificação do réu, adiamento convencional da audiência, escolha consensual do perito, convenção sobre o ônus da prova e acordo para redução de prazos peremptórios) e os negócios jurídicos processuais atípicos, tendo o artigo 190 como cláusula geral.

6. Requisitos e limites do negócio jurídico processual

Os professores Rodrigo da Cunha Lima Freire e Maurício Ferreira Cunha (2021, p. 541) explicam que as convenções processuais, típicas ou atípicas, dispensam a homologação judicial para que produzam efeitos imediatos, exceto para casos em que a própria lei prevê a homologação como condição de eficácia, como a desistência da ação – conforme artigo 200, parágrafo único, do CPC.

Nesse sentido é o enunciado 260 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (“FPPC”), qual seja: “A homologação, pelo juiz, da convenção processual, quando prevista em lei, corresponde a uma condição de eficácia do negócio”.

Importante registrar que o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 190, admite a entabulação de negócio jurídico processual para casos de direitos em que se admite a autocomposição.

Daniel Neves (2023, p. 284) explica que andou bem o legislador ao prever a admissão do negócio jurídico processual para casos de direitos que admitam a autocomposição, de modo que a autocomposição diz respeito às formas de exercício do direito material, admitindo-se para direitos indisponíveis, inclusive.

Destacam-se os ensinamentos do professor Heitor Vitor Mendonça Sica (2017), em obra coordenada pelo professor Cássio Scarpinella Bueno, que preleciona que a fórmula empregada no artigo 190 é muito mais ampla que a utilizada pela lei de arbitragem (Lei nº 9.307/1996), em seu artigo primeiro, de modo que a lei de arbitragem tem por objeto “direitos patrimoniais disponíveis”, enquanto o negócio jurídico processual tem por objeto “direitos que admitam a autocomposição”.

No ponto, vale o destaque do enunciado 135 do FPPC, qual seja: “A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”.

Nesse sentido, Cesar Calo Peghini e Andressa Morais Capassi Santos (2022) asseveram a possibilidade de se transacionar direitos indisponíveis, citando, como exemplo, que a mediação admite como objeto o conflito que verse sobre direitos disponíveis e indisponíveis que admitam a transação, conforme previsto no artigo 3º da Lei n. 13.140/2015.

Pois, bem. O Professor Daniel Neves (2023, p. 284) salienta que negócio jurídico processual é espécie de negócio jurídico. Dessa forma, a validade do negócio jurídico processual também se submete aos requisitos previstos no artigo 104 do CC, quais sejam: agente capaz; objeto lícito, possível e determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.

Registre-se que há divergência quanto à questão da capacidade das partes para celebração do negócio jurídico processual, como destacado pelo Professor Daniel Neves (2023, p. 284). Uma corrente diz que se trata de capacidade material, cabendo somente aos absolutamente capazes celebrarem convenção pré-processual atípica, conforme enunciado 38 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (“ENFAM”) (2015): “Somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica”.

Já o professor Daniel Neves (2023) se filia a outra corrente doutrinária, assim como Didier Jr, a qual sustenta se tratar de capacidade processual, admitindo-se que incapazes, desde que devidamente representados, entabulem negócios jurídicos processuais.

Destaque-se ainda, por oportuno, os enunciados do Conselho da Justiça Federal (“CJF”) em que temos: admissão da convenção processual em pacto antenupcial ou em contrato de convivência; intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica não inviabiliza a celebração de negócios processuais; O disposto nos artigos 190 e 191 do CPC podem ser aplicados à recuperação judicial; e os entes despersonalizados podem celebrar negócios jurídicos processuais – respectivamente enunciados 18, 112, 113 e 114 do CJF.

Antonio do Passo Cabral (2020, p. 367) salienta que “Nos acordos processuais, ao contrário da arbitragem, a autonomia das partes não é tão ampla, encontrando limites na estatalidade do processo, no caráter público da relação processual”.

No ponto, o Professor Flávio Tartuce (2015, p. 120) salienta que “ […] parece que as partes podem transpor muitas das máximas arbitrais para um processo judicial […] Haveria, assim, uma miniarbitragem judicial”.

Registre-se que o parágrafo único do artigo 190 traz três hipóteses em que o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, recusará aplicação do negócio jurídico processual, quais sejam: I – nulidade; II – inserção abusiva em contrato de adesão; ou III – em que alguma parte se encontre em situação de manifesta vulnerabilidade.

Reitere-se que o negócio jurídico processual deve observar os requisitos do artigo 104 do Código Civil e artigo 190 do Código de Processo Civil, bem como não conter nenhum vício de consentimento, social ou simulação (Neves, 2023, p. 285).

Nesse sentido, também há posição de que não haveria invalidade do negócio jurídico processual se não houver prejuízo, conforme enunciado 16 do FPPC, qual seja: “O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo”.

Igualmente, o professor Heitor Vitor Mendonça Sica, em obra coordenada pelo Professor Cássio Scarpinella Bueno (2017), explica que a nulidade da convenção processual depende da comprovação de prejuízo e do não atingimento de sua finalidade, já que se sujeita ao princípio da instrumentalidade das formas.

Importante citar o Enunciado 18 do FPPC, o qual aborda que: “Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”.

E não só. A doutrina do Professor Daniel Neves (2023, p. 282) destaca mais casos de anulação pelo juiz: I – ausência de especificidade da causa que justifique a alteração do procedimento, sob pena de anulação; II – poderes e deveres do juiz não podem ser objeto de acordo entre as partes; III – não podem ser objeto normas fundamentais do processo, garantias mínimas e garantias constitucionais do processo; IV- violação de normas cogentes.

É preciso justificativa plausível no caso concreto para alteração do procedimento, sob pena de anulação pelo juiz, assevera o Professor Daniel Neves (2023, p. 282) e exemplifica: “Não é admitida em uma causa simples de despejo por falta de pagamento que as partes convencionem o prazo em quádruplo. O que seria diferente em uma causa mais complexa”.

Porém, se o negócio jurídico processual não tratar do procedimento, mas sim da posição das partes, não há exigência legal de que a vontade seja fundamentada em especificidade do caso concreto (Neves, 2023, p. 283).

Nesse sentido é o enunciado 258 do FPPC. Confira-se: “As partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, ainda que essa convenção não importe ajustes às especificidades da causa”.

O negócio jurídico processual diz respeito às partes, nos termos do caput do artigo 190 do CPC, de modo que não podem as partes negociarem poderes e deveres do juiz. Nesse sentido é o Enunciado 36 do ENFAM (2015):

A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei.

Daniel Neves (2023, p. 283) salienta: “Não se pode desconsiderar que o processo é instituto de direito público e que a qualidade da prestação jurisdicional é de ordem pública, interessando a toda a coletividade e não exclusivamente as partes […]”.

Nessa linha de entendimento, não se pode, através de negócio jurídico processual, afastar normas fundamentais do processo, tais como princípios da boa-fé, lealdade processual, cooperação e publicidade, não cabendo, por exemplo, criar hipóteses de segredo de justiça não previstas em lei (Neves, 2023, p. 287).

Nesse sentido é o enunciado 37 do ENFAM (2015):

São nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação.

O negócio jurídico processual também não pode violar normas cogentes, que são aquelas impostas pela lei aos sujeitos processuais, explica o professor Daniel Neves (2023, p. 288) e exemplifica: não podem as partes afastar os casos legais de participação do Ministério Público; admitir a prova ilícita; fixar prioridade de julgamento; criar e ampliar recursos; modificação de regra de competência absoluta; criar hipóteses de cabimento de ação rescisória; desconstituir coisa julgada; dispensar litisconsorte necessário; condições da ação; pressupostos processuais etc.

Quanto aos pressupostos processuais, em sentido contrário ao do professor Daniel Neves, Fredie Didier (2024, p. 41) sustenta ser possível acordo sobre pressupostos processuais, de modo a depender do exame do direito positivo e exemplifica: acordo sobre competência relativa e acordo sobre foro de eleição internacional; consentimento do cônjuge para propositura de ação real imobiliária pelo outro cônjuge; e partes ignorarem coisa julgada anterior;

Nesse sentido, colacionamos o Enunciado n. 20 do FPPC que trata de limites na entabulação de negócios jurídicos processuais:

Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância, acordo para afastar motivos de impedimento do juiz, acordo para criação de novas espécies recursais, acordo para ampliação das hipóteses de cabimento de recursos.

            Abaixo, lição do Professor Daniel Neves (2023, p. 290):

A imposição de atividade processual desnecessária ou incapaz de gerar resultados contraria de forma clara o princípio da duração razoável do processo, prevista no artigo quarto do CPC, da eficiência da atividade jurisdicional, consagrada no artigo oitavo do CPC e da economia processual. São violações que justificam a criação de limitação aos poderes das partes na celebração do negócio jurídico processual.

Os professores Rodrigo da Cunha Lima Freire e Maurício Ferreira Cunha (2021, p. 538) trazem os seguintes exemplos de negócios jurídicos processuais atípicos, quais sejam: pacto de impenhorabilidade; pacto para não se executar provisoriamente; pacto de exclusão da caução em execução provisória; pacto da mediação obrigatória; legitimação extraordinária negocial; litisconsórcio necessário negocial etc.

Fredie Didier (2024, p. 41) também traz mais exemplos de negócios processuais atípicos, com fundamento no artigo 190 do CPC, quais sejam:

Acordo de impenhorabilidade; acordo de instância única; acordo de ampliação ou redução de prazos; acordo para superação da preclusão; acordo de substituição do bem penhorado; acordo para rateio de despesas processuais; dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação; acordo para não promover execução provisória; acordo para dispensa de caução em execução provisória; acordo para limitar número de testemunhas; acordo para autorizar a intervenção de terceiros fora das hipóteses legais; acordo para a decisão por equidade ou baseada em direito estrangeiro ou consuetudinário; acordo para tonar ilícita uma prova etc.

Ademais, os professores Rodrigo da Cunha Lima Freire e Maurício Ferreira Cunha (2021, p. 538) também destacam o enunciado 19 do FPPC, confira-se:

São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal.

Ainda, os enunciados do FPPC admitem o negócio jurídico processual para: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais, dispensar caução no cumprimento provisório de sentença, pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva, pacto de alteração de ordem de penhora, pré-indicação de bem penhorável preferencial, prefixação de indenização por dano processual, prevista nos artigos 81§3º, 520, I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual), negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do pedido ou da causa de pedir até o saneamento, contagem dos prazos processuais dos negociantes em dias corridos, alegação de existência de convenção de arbitragem por simples petição com interrupção ou suspensão do prazo para contestação – enunciados 21, 262, 490, 579, 580 do FPPC.

Registre-se que o Ministério Público pode celebrar negócio jurídico processual quando atua como parte e sua intervenção como fiscal da lei também não impede a celebração de negócio jurídico processual, a teor do que dispõe os enunciados 253 do FPPC e 112 da Jornada de Direito Civil do CJF. Assim como a Fazenda Pública também pode entabular negócio jurídico processual, conforme enunciado 256 do FPPC – também se admite o negócio jurídico processual na recuperação judicial e na falência (Freire, 2021, p. 542).

7. Abusividades constatadas pelo STJ e pelo TJ-SP

Por ocasião de julgamento do Recurso Especial n. 1.810.444 – SP (Informativo 686 do STJ), o Superior Tribunal de Justiça, conforme relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, debruçou-se sobre negócio jurídico processual inserto em contrato de venda e compra de equipamentos e maquinários, no qual se estabelecia conforme a seguir destacado:

6.2 Independentemente de se tratar de tutela provisória com fundamento na urgência ou na evidência do direito, e seja a tutela provisória antecedente ou incidental, em qualquer fase do processo, o pedido que vier a ser requerido pela […] será concedido em caráter inaudita altera parte e sem a necessidade de se prestar garantia, especialmente se se tratar de proteção marcária, pedido de obrigação de fazer em relação às obrigações constantes deste “instrumento”, pedido de constituição de garantia, ou de reforço de garantia, obtenção de bloqueio de ativos financeiros para fins de arresto ou penhora, sem prejuízo do estabelecimento de multa processual diária ou qualquer outra apta a fazer valer os direitos e obrigações previstos em lei e nesse “instrumento”.

No caso, a recorrente pretendia obter medidas constritivas de arresto e penhora, sem a necessidade de citação da parte contrária, argumentando que as partes entabularam cláusula contratual nesse sentido, o que seria admitido, segundo a recorrente, pelo artigo 190 do Código de Processo Civil.

Registre-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo, na mesma linha da decisão do juiz de primeiro grau, negou provimento ao pedido de cumprimento dos termos previstos em negócio jurídico processual.

O Ministro Luis Felipe Salomão em seu voto declarou que “[…] a liberdade negocial […] estará sempre condicionada ao respeito à dignidade humana e sujeita às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito” (Brasil, 2021).

Luis Felipe Salomão também relembra que “é possível detectar a aceitação das convenções das partes em matéria procedimental já no Decreto n. 737/1850, o qual tratava de procedimento e do “Jjuízo noprocesso commercial” (Brasil, 2021).

Ainda, o Ministro Luis Felipe Salomão não admite o clausulado acima e salienta que “se nem mesmo o Estado-Juiz está apto a dispor de tais situações, incongruente seria adotar posicionamento, segundo o qual, pudessem as partes intencionar fazê-lo, vinculando o julgador à forma pactuada para realização de função de sua titularidade” (Brasil, 2021).

Isto é, o STJ decidiu que o negócio jurídico processual acima entabulado e destacado merece ser reprimido e invalidado, por ter negociado atos de titularidade judicial e violado o contraditório, de tal ponto a se caracterizar a desigualdade de armas no processo.

O Ministro Luis Felipe Salomão pondera ainda que “[…] vislumbrando o juiz, na análise do instrumento, que a transação acerca do contraditório não torna uma das partes vulnerável, dada as peculiaridades do caso, é possível reconhecer-lhe validade” (Brasil, 2021).

Assim, a Quarta Turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao mencionado recurso especial, conforme voto do Ministro Relator Luis Felipe Salomão, conforme publicado em 28.04.2021.

Vale dizer que referido Recurso Especial, via Informativo 686 do STJ, ensejou o seguinte destaque em se tratando de negócio jurídico processual: “O negócio jurídico processual que transige sobre o contraditório e atos de titularidade judicial se aperfeiçoa validamente se a ele aquiescer o juiz”.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em acórdão recente, n. 2022314-66.2024.8.26.0000, publicado em 05.03.2024, de relatoria de Rebello Pinho, da 20ª Câmara de Direito Privado, reconheceu a nulidade de cláusulas entabuladas em negócio jurídico processual que estabelecia o arresto liminar independentemente da presença de requisitos legais. Segue a referida ementa:

  EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Decisão que indeferiu pedido de arresto de bens de titularidade da parte agravada – Na espécie: (a) incabível o arresto executivo, por prematuro, porquanto nada revela que a parte devedora está em local desconhecido, ainda mais quando não foram esgotadas as diligências para fins de localização da parte devedora; (b) inadmissível o deferimento do arresto cautelar, pois, embora com as limitações de início de conhecimento, não se vislumbra, nem a parte credora agravante indicou e demonstrou a prática pelos devedores configuradora de destruição, ocultação ou desvio de bens ou de artifício tendente a fraudar a execução e (c) como o negócio jurídico processual, previsto art. 190 do CPC 2015, (c.1) tem por objeto apenas e tão somente posição jurídica das partes, (c.2) sem alcançar posições processuais, nem as questões de poderes-deveres do Juiz, o que compreende matérias as normas fundamentais relativas às garantias asseguradas às partes para o devido processo legal, com observâncias dos princípios do contraditório e direito de defesa (CF, art. 5º; CPC/2015, art. 9º e 10º), (c.3) de rigor, o reconhecimento da nulidade das cláusulas do negócio jurídico processual ajustado entre as partes, que estabelecem o processamento da execução com automático arresto liminar das contas dos executados, independentemente da presença dos requisitos legais para a concessão do arresto incidental ou executivo, inclusive designado de “pré-penhora” (CPC /2015, art. 830), ou arresto cautelar (CPC /2015, arts. 301, c.c 799, VIII), (d) impondo-se, em consequência, a manutenção da r. decisão agravada, que indeferiu o pedido de arresto formulado pela parte agravante. Recurso desprovido

            Ora, como demonstrado no presente estudo, o negócio jurídico processual deve seguir os mesmos requisitos previstos no artigo 104 do Código Civil, sendo que no caso acima, enfrentado pelo TJ-SP, houve pactuação de clausulado que violou a lei, afigurando-se de rigor o reconhecimento da nulidade.

            De mesmo modo, destaca-se mais um recente acordão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de n. 2055465-23.2024.8.26.0000, de relatoria de Anna Paula Dias da Costa, julgado em 07.03.2024, o qual decidiu que eventual negócio jurídico processual tratando de citação não pode atingir os poderes do juiz e violar normas de ordem pública, ensejando o reconhecimento de nulidade de ato citatório em inobservância de formalidades legais, determinando repetição do ato, conforme ementa a seguir:

  Ementa: EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Invalidade da citação reconhecida na origem. Cabimento. Certidão do Oficial de Justiça atestando que não encontrou a executada. Correta determinação para repetição do ato. Título executivo que contém cláusula expressa dispondo sobre a validade da citação ocorrida no endereço indicado pela executada. Invalidade. Flexibilização procedimental (art. 190 do CPC) que não pode alcançar as funções exercidas pelo juiz nem os atos regidos por normas de ordem pública e de aplicação cogente, como é a citação. Inobservância das formalidades legais para sua realização que implica em nulidade absoluta. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO.

Igualmente, recusou-se aplicação de negócio jurídico processual em que se estabeleceu o arresto liminar, ao argumento de sua inserção ter se verificado no âmbito de contrato de adesão, indicando abusividade e vulnerabilidade, conforme ementa que a seguir se transcreve, no âmbito de agravo de instrumento, Nº 2301965-03.2023.8.26.0000, do TJ-SP, de relatoria Fernando Sastre Redondo, julgado em 14.11.2023. Confira-se ementa:

EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Pedido de arresto liminar fundado em cláusula contratual que o autoriza. Disposição inserida em contrato de adesão. Presença de elementos que, em cognição sumária, indicam a vulnerabilidade da devedora e a provável abusividade do negócio jurídico processual. Hipótese na qual, ademais, não restou demonstrada a insolvência da devedora. Indeferimento da medida acautelatória. Manutenção. RECURSO NÃO PROVIDO.

Ainda, no âmbito de agravo de instrumento n. 2323086-87.2023.8.26.0000, julgado em 29.04.2024 pelo TJ-SP, de relatoria de Rosangela Telles, reconheceu-se abusividade de cláusula de eleição de foro, conforme ementa a seguir destacada:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. GESTÃO DE NEGÓCIOS ALHEIOS. Agravante que ajuizou a presente demanda perante o Foro Central Cível de São Paulo visando a cobrar da agravada o importe de R$ 1.363.207,26, a título de taxas de administração e o reembolso de despesas vencidas no exercício da atividade de administradora fiduciária e gestora de recursos do Fundo de Investimento em Participações Cais Mauá do Brasil Infraestrutura. D. Magistrado de primeiro grau que, de ofício, declarou a nulidade da eleição do foro e remeteu os autos à Comarca de Caucaia, no Ceará. Inconformismo. FORO DE ELEIÇÃO E COMPETÊNCIA TERRITORIAL. De acordo com a pacífica jurisprudência do E. STJ, a cláusula de eleição de foro prevista em contrato de adesão pode ser afastada, quando comprovada a hipossuficiência da parte e a dificuldade de acesso à Justiça, como forma de manter o equilíbrio contratual. No caso, o negócio jurídico processual constou de regulamento do fundo de investimento, que não pode ser recusado pela recorrida. Referida disposição impõe lhe o gravoso ônus de se defender em ação de grande expressividade financeira a mais de 3.000 km de distância de sua sede. À toda evidência, o preceito se afigura, na casuística, leonino e infenso ao interesse público da Municipalidade de Caucaia. Inaplicabilidade do art. 51, parágrafo único e do art. 52, parágrafo único, ambos do CPC/15, uma vez que a agravada é autarquia municipal. Necessária obediência às regras gerais do art. 46 c/c art. 53, III, a do CPC/15. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.

Por fim, em julgamento no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado em 31.08.2023, nos autos de agravo de instrumento n. 2217455-57.2023.8.26.0000, de relatoria de Sergio Gomes, no qual se decidiu que a penhora de veículo para fins de garantia do cumprimento do acordo é admitida, nos termos do artigo 190 do CPC, conforme ementa a seguir:

Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Celebração de acordo extrajudicial que restou descumprido pela devedora. Decisão que rejeita impugnação. Pretensão de reconhecimento de nulidade da avença por ausência de advogado. Inadmissibilidade. Requisitos para a validade do negócio jurídico previstos no art. 104 do Código Civil que se encontravam presentes (agente capaz, objeto lícito, manifestação de vontade e forma prescrita em lei). Precedentes do e.STJ e desta Corte. Ademais, não houve comprovação da ocorrência de vício de consentimento, dolo, erro, fraude ou coação que pudesse inquinar de nulidade o ato, devendo prevalecer o princípio da boa-fé objetiva que norteia as relações jurídicas. Legalidade na penhora de veículo para fins de garantia do cumprimento da avença diante do disposto no art. 190 do CPC. Decisão mantida. Recurso desprovido.

Assim, também restou exemplificado por meio de julgados o controle de abusividades no âmbito do negócio jurídico processual, nos termos do artigo 190 do CPC e seu parágrafo único, corroborando os requisitos e limites expostos no presente estudo.

Isto é, a entabulação pelas partes de negócio jurídico processual deve visar a obtenção de tutela jurisdicional adequada ao caso concreto, sem que haja nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou vulnerabilidade de uma das partes.

8          Considerações finais

O instituto denominado negócio jurídico processual, especialmente a cláusula geral de negócios processuais atípicos, prevista no artigo 190 do Código de Processo Civil, como bem salientou Fredie Didier (2024, p. 05), “[…] é a maior transformação da dogmática do processo civil brasileiro em muito tempo”.

Isto é, como já exposto, nas palavras de Heitor Vitor Mendonça Sica, em obra coordenada por Cássio Scarpinella Bueno (2017), “Agora, pode-se dizer que o artigo 190 inverteu o sinal da legalidade, ao investir as partes do amplo e atípico poder […], salvo disposição em contrário no ordenamento”.

Nesse sentido, por se tratar de verdadeira projeção do negócio jurídico para o âmbito do direito processual, como também bem salientou o professor Flávio Tartuce (2015, p. 91), de rigor se observar as limitações previstas em todo o ordenamento.

Vale dizer que, ao se constatar que houve extrapolação de limites previstos no ordenamento jurídico, deve o julgador recusar a aplicação do negócio jurídico processual entabulado, a teor do que dispõe o parágrafo único do Código de Processo Civil, controlando-se assim abusividades eventualmente constatadas no âmbito de negócios jurídicos processuais.  

No ponto, o presente estudo demonstrou que o negócio jurídico processual tem por finalidade a negociação pelas partes de ajustes no procedimento e/ou sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, para obtenção de tutela jurisdicional adequada ao caso concreto, não podendo incorrer em nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou ainda manifesta situação de vulnerabilidade de alguma parte, sob pena de recusa de aplicação pelo julgador.

Reitere-se que a entabulação de negócio jurídico processual deve atender também aos requisitos do negócio jurídico, com destaque para os previstos no artigo 104 do Código Civil, quais sejam: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Destaque-se que a alínea III do artigo 104 do Código Civil ganha ainda mais destaque quando se trata de negócio jurídico processual, tendo em vista que no âmbito do processo há muitas proibições decorrentes de normas de natureza cogente, bem como direitos e garantias fundamentais.

Ademais, como assevera o professor Maurício Bunazar, é preciso ter cautela ao se construir cláusulas contratuais, visto que cláusulas contratuais “duras” acabam por “quebrar”, de modo que é preciso que a cláusula contratual seja equilibrada e não contrarie o ordenamento jurídico, sob pena de sua não aplicação.

Pois bem. O presente estudo abordou os principais aspectos aplicáveis ao negócio jurídico processual, destacando-se também seus requisitos e limites, sob o enfoque da doutrina e da jurisprudência.

Assim, resta cristalino o avanço na liberdade para se entabular negócios jurídicos processuais, porém, não se pode esquecer das limitações que devem ser observadas, sob pena de sua recusa pelo julgador.

Por fim, é forçoso reconhecer que em determinadas situações somente a análise do caso concreto permitirá a verificação de eventuais abusividades no âmbito do negócio jurídico processual entabulado, como demonstrado no presente estudo.

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[1]“Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais”.


1 Mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito.
Advogado. E-mail: felipesarrahouch@gmail.com.