TENTATIVA DE SUICÍDIO: UMA PEQUENA ANÁLISE TEMPORAL E EPIDEMIOLÓGICA DO ESTADO DO PARÁ ENTRE 2010 E 2021

SUICIDE ATTEMPT: A SMALL TEMPORAL AND EPIDEMIOLOGICAL ANALYSIS OF THE STATE OF PARÁ BETWEEN 2010 AND 2021

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410071828


Erick Clayton Gonçalves Feio1
Adolfo de Souza Vieira Junior2
Aimi Shinkai3
Ana Beatriz Viana Mileo4
Rafael Cunha de Almeida5
Gustavo Henrique Lima Santos6
Vitória Viana Mileo7
Ana Paula Alvarenga Seguins Gomes8
Kamila Santos Gomes Contente Loureiro9


Resumo

Objetivo: realizar uma análise temporal das tentativas de suicídio e suas variedades epidemiológicas no estado do Pará, durante o período de 2010 a 2021. Métodos: trata-se de um estudo ecológico epidemiológico de séries temporais das notificações das tentativas de suicídio por intoxicação exógena e das lesões autoprovocadas, com dados coletados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação brasileiro (SINAN). Os dados demográficos populacionais foram obtidos da “Projeção da População do Brasil por sexo e idade simples: 2000-2060”, fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Resultados: foram encontrados 2.032 casos de tentativas de suicídio por intoxicação exógena, sendo a maioria de mulheres (1.441; 70,9%), na faixa etária de 20 a 39 anos (1.087; 53,5%). A incidência média de tentativas de suicídio por intoxicação exógena no Pará foi de 2,01 casos por 100.000 hab./ano (DP = 1,15; IC95% 1,27 – 2,74), com uma tendência crescente das notificações de tentativa de suicídio por intoxicação no Pará (2010 – 2021 APC = 17,06; p < 0,05), mais evidente no sexo feminino (2010 – 2021 APC = 18,45; p < 0,05). Foram encontrados 3.483 casos de tentativas de suicídio por lesões autoprovocadas no Pará, sendo a maioria de mulheres (2.454; 70,5%), na faixa etária de 20 a 29 anos (1.033; 29,7%). A incidência média foi de 3,41 casos por 100.000 habitantes/ano (DP = 2,97; IC95% 1,53 – 5,30). Também há uma tendência crescente das notificações no Pará (2010 – 2021 APC = 27,92; p < 0,05). Conclusões: este estudo constatou que as tentativas de suicídio no Pará foram predominantes em adolescentes e adultos jovens, havendo uma tendência de crescimento das notificações desses casos, sendo mais evidente na intoxicação exógena o sexo masculino e nas lesões autoprovocadas o sexo feminino.

Palavras-chave: Intoxicação exógena. Perfil epidemiológico. Suicídio. Tentativa de suicídio. Violência autoprovocada.

Abstract

Objective: to perform a temporal analysis of suicide attempts and their epidemiological varieties in the state of Pará, during the period from 2010 to 2021. Methods: this is an ecological epidemiological study of time series of reports of suicide attempts due to exogenous intoxication and self-inflicted injuries, with data collected from the Brazilian Notifiable Diseases Information System (SINAN). Population demographic data were obtained from the “Projection of the Population of Brazil by sex and simple age: 2000-2060”, provided by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). Results: 2,032 cases of suicide attempts due to exogenous intoxication were found, most of which were women (1,441; 70.9%), aged between 20 and 39 years (1,087; 53.5%). The average incidence of suicide attempts due to exogenous intoxication in Pará was 2.01 cases per 100,000 inhab./year (SD = 1.15; 95%CI 1.27- 2.74), with an increasing trend in suicide attempt notifications of suicide due to intoxication in Pará (2010 – 2021 APC = 17.06; p < 0.05), more evident in females (2010 – 2021 APC = 18.45; p < 0.05). A total of 3,483 cases of suicide attempts due to self-inflicted injuries were found in Pará, the majority of which were women (2,454; 70.5%), aged between 20 and 29 years (1,033; 29.7%). The mean incidence was 3.41 cases per 100,000 inhabitants/year (SD = 2.97; 95%CI 1.53 – 5.30). There is also a growing trend of notifications in Pará (2010 – 2021 APC = 27.92; p < 0.05). Conclusions: this study found that suicide attempts in Pará were predominant in adolescents and young adults, with a tendency to increase the notifications of these cases, being more evident in exogenous intoxication males and self-inflicted female injuries.

Keywords: Exogenous intoxication. Epidemiological profile. Suicide. Suicide attempt. Self- inflicted violence.

1.  INTRODUÇÃO

O suicídio é definido como ação de violência autoinfligida, que resulta no fim da própria vida, de maneira deliberada, voluntária e intencional, sendo consumado por aproximadamente 703 mil pessoas a cada ano, afetando famílias e o próprio desenvolvimento nacional. Portanto, é considerado um grave problema de saúde pública (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021).

Além disso, a tentativa de suicídio é o ato não consumado de um indivíduo que almeja cessar a sua vida. Nesse cenário, a intoxicação exógena ocupa um dos três modos principais de realizar tal ação, sendo definida pelo desequilíbrio orgânico oriundo do contato com substâncias químicas nocivas ao organismo. Conforme o DATASUS, inclui mais o uso de medicamentos,

seguidos de raticidas, agrotóxicos e drogas de abuso (PINHEIRO; WARMLING; COELHO, 2021; GOMES et al, 2020; MARONEZI et al., 2021). Já a violência autoprovocada é aquela na qual o indivíduo inflige a si mesmo, classificada em comportamento suicida (abrange o próprio suicídio e a tentativa de suicídio) ou automutilação, que consiste na autoagressão (cortes, queimaduras e arranhões) de partes do corpo, independente da ideação suicida (PINHEIRO; WARMLING; COELHO, 2021; SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO, 2018).

No Brasil, desde 2011, as violências autoprovocadas devem ser notificadas compulsoriamente por serviços de saúde das redes pública e privada, mediante a Ficha de Notificação Individual de Violência Interpessoal/Autoprovocada. Esta é de responsabilidade do profissional de saúde ou do serviço que prestar o primeiro atendimento ao indivíduo. Posteriormente, a partir de 2014, o Ministério da Saúde (MS) decreta a necessidade de notificação obrigatória e imediata da tentativa de suicídio, que deve ser direcionada à Secretaria Municipal de Saúde em até 24 horas. Por conseguinte, obtém-se a vinculação da vítima ao serviço de saúde, com o objetivo de elaborar mais ações públicas para a intervenção e a prevenção desse ato (PINHEIRO; WARMLING; COELHO, 2021; SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO, 2018).

Quanto ao perfil epidemiológico, um estudo analisou os números absolutos de casos notificados de violência autoprovocada no Brasil e revelou que as mulheres são a maioria (68,1% dos casos em 2017 e 68,9% dos casos em 2018). Entretanto, no estado do Amazonas, a maioria das notificações foram de homens (53,4% em 2018). Além disso, a fase jovem (idade entre 20 e 59 anos) apresentou maior percentual de ocorrências de tentativa de suicídio, com 65,6% em 2018. Por fim, 49,4% das notificações de violência autoprovocada no mesmo ano foram de pessoas brancas, seguidas de pessoas pardas, com 34,2% (DA SILVA; MARCOLAN, 2021).

Ademais, inúmeros métodos são empregados na tentativa de suicídio. Os principais são: intoxicação medicamentosa, envenenamento, arma de fogo, arma branca, enforcamento e precipitação de local elevados. O gênero é um fator influente na escolha do método de suicídio. Geralmente homens utilizam armas de fogo e enforcamento, enquanto mulheres empregam mais frequentemente intoxicação medicamentosa (DEL-BEN et al., 2017).

A nível regional, todas as regiões brasileiras tiveram aumento nas taxas de suicídio no período de 1996 a 2018. O Norte com 81,1%, Nordeste com 126,5%, Sudeste com 26,6%, Sul com 17,8% e Centro-Oeste com 28,5% (DA SILVA; MARCOLAN, 2021). Diante desse alarmante cenário, o presente estudo objetiva realizar uma análise temporal das tentativas de

suicídio e suas variedades epidemiológicas no estado do Pará, durante o período de 2010 a 2021.

2. Metodologia

Trata-se de um estudo ecológico epidemiológico de séries temporais das notificações de lesões autoprovocadas e tentativas de suicídio por intoxicação exógena no estado do Pará, entre os anos de 2010 e 2021.

Os dados relativos a notificação de lesões autoprovocadas foram coletados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação brasileiro (SINAN), e os dados demográficos populacionais foram colhidos da “Projeção da População do Brasil por sexo e idade simples: 2000-2060”, fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Foram calculadas as taxas de incidência, utilizando o número total de notificações dividido pela população residente e multiplicado por 100.000 habitantes ao ano; de mortalidade, dividindo o número de óbitos por intoxicação exógena ou lesão autoprovocada pela população residente e multiplicado por 100.000 habitantes ao ano; e de letalidade, dividindo o número de óbitos por intoxicação exógena ou lesão autoprovocada pelo total de notificações de cada e multiplicado por 100.

Os dados considerados como “Ignorados” ou “Em branco” não foram considerados nos cálculos de incidência, mortalidade e letalidade, sendo considerados como dados incompletos. Não foram calculados os coeficientes de incidência, mortalidade e letalidade das variáveis que apresentaram um índice de incompletude igual ou maior a 20%, por serem considerados de completude “ruim” de acordo com Romero e Cunha (2006).

O modelo de regressão por pontos de inflexão foi utilizado para calcular a tendência temporal dos coeficientes, utilizando-se o programa Joinpoint Regression Program versão 4.8.1.0. Esse modelo permite identificar mudanças na tendência temporal de uma variável e identificar períodos em que a variável se comportou de forma distinta em um gráfico com múltiplos segmentos (KIM et al., 2000).

A partir dele, foram calculadas a variação percentual anual (VPA) das incidências de lesões autoprovocadas e tentativas de suicídio por intoxicação exógena. Para cada segmento calculado, foram considerados o intervalo de confiança (IC) de 95% e nível de significância de 5%. As tendências foram classificadas como “crescente” (p < 0,05 e VPA > 0,5), “decrescente” (p < 0,05 e VPA < 0,5), “estável” (-0.5 ≤ VPA ≤ 0.5) ou “não significativa” (p > 0,5 e APC < – 0.5 ou APC > 0.5) de acordo com o modelo proposto pelo National Cancer Institute.

A organização dos dados e o cálculo de todos os coeficientes foram realizados utilizando-se o programa MS Excel 2020 para Windows. Em razão de se tratar de uma pesquisa com dados secundários de domínio público, o projeto do estudo foi dispensado de registro e avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa.

3. Resultados

3.1 Tentativas de suicídio por intoxicação exógena

3.1.1 Perfil epidemiológico

Ao analisar os casos de tentativa de suicídio por intoxicação exógena no estado do Pará entre os anos de 2010 e 2021 foram encontrados 2.032 casos, dos quais 61 resultaram em óbito. Observou-se que a maioria dos casos ocorreu em mulheres (1.441; 70,9%) e na faixa etária de 20 a 39 anos (1.087; 53,5%), seguida pela faixa etária de 15 a 19 anos (520; 25,6%). Os meios de agressão mais utilizados foram: medicamentos (900; 47,5%), raticidas (497; 26,2%),agrotóxicos (355; 18,7%) e produtos de uso domiciliar (99; 5,2%).

3.1.2.  Incidência, mortalidade e letalidade

A incidência média de tentativas de suicídio por intoxicação exógena no Pará foi de 2,01 casos por 100.000 hab./ano (DP = 1,15; IC95% 1,27 – 2,74). O ano de 2019 apresentou a maior incidência no período (4,13 casos por 100.000 hab./ano), enquanto o ano de 2010 apresentou a menor (0,33 casos por 100.000 hab./ano). A incidência de notificações foi maior no sexo feminino em todo o período, sendo 3,11 vezes maior que a incidência no sexo masculino em 2021 (Tabela 1).

Tabela 1 – Distribuição dos coeficientes de incidência de lesões autoprovocadas e tentativas de suicídio por intoxicação exógena (100.000 hab./ano) segundo sexo e faixa etária. PA, Brasil, 2010 – 2021. (n = 2.032)

Fonte: SINAN, 2023 – PA. IBGE – PA, 2023. Coeficientes calculados pelos autores.

Além disso, a faixa etária de 15 a 19 anos apresentou a maior média de incidência no período (5,31 casos por 100.000 hab./ano; DP = 3,85; IC95% 2,87 – 7,75), enquanto a faixa etária de 20 a 39 anos apresentou a segunda maior (3,12 casos por 100.000 habitantes por ano; DP = 1,65; IC95% 2,07 – 4,17). As incidências dessas duas faixas etárias foram as maiores entre os anos de 2019 e 2021, quando ultrapassaram 10 e 6 casos por 100.000 habitantes/ano, respectivamente, 15 a 19 anos e 20 a 39 anos.

As médias dos coeficientes de mortalidade por intoxicação exógena no período foi 0,06 óbito por 100.000 hab./ano (DP = 0,05; IC95% 0,03 – 0,09), com letalidade total de 3,00% e média anual de 3,09% (DP = 2,59; IC95% 1,44 – 4,73). No ano de 2018, observa-se o pico da mortalidade (0,16 casos por 100.000 hab./ano) e letalidade (8,43%) no Pará (Tabela 2).

Tabela 2 – Distribuição dos coeficientes de mortalidade (100.000 hab./ano) e letalidade de tentativas de suicídio por intoxicação exógena. PA, Brasil, 2010 – 2021. (n = 61)

Fonte: SINAN, 2023 – PA. IBGE, 2023. Coeficientes calculados pelos autores.

Similarmente à incidência, a mortalidade no sexo feminino foi superior à do masculino na maior parte do período analisado, com exceção dos anos de 2015, quando a mortalidade feminina foi igual a zero, e de 2021, quando a mortalidade do sexo masculino (0,11 casos por 100.000 hab./ano) foi 4,98 vezes maior que a do sexo feminino (0,02 casos por 100.000 hab./ano).

De maneira inversa, a letalidade no sexo masculino (4,58%) foi 1,93 vezes maior que no sexo feminino (2,36%) entre os anos de 2010 e 2021. Anualmente, a letalidade no sexo masculino permaneceu maior que no feminino em quase todo período, com exceção dos anos de 2011, 2012 e 2014. No ano de 2021, a letalidade no sexo masculino (6,17%) alcançou um valor 15,5 vezes maior que o sexo feminino (0,40%).

A faixa-etária de 20 a 39 anos apresentou a maior média de mortalidade no período, com 0,10 óbito por 100.000 hab./ano (DP = 0,10; IC95% 0,04 – 0,17), seguida das faixa-etárias 40 a 59 anos (0,08 óbito por 100.000 hab./ano; DP = 0,10; IC95% 0,01 – 0,14) e 15 a 19 anos (0,07 óbito por 100.000 hab./ano; DP = 0,08; IC95% 0,02 – 0,12). Por outro lado, a letalidade total foi maior na faixa etária a partir de 80 anos, contabilizando 57,14% (4/7), seguida das faixa-etárias 65 a 69 anos, com 33,33% (1/3), e 70 a 79 anos, com 11,11% (1/9).

3.1.3.  Análise de tendência de intoxicação exógena

Analisando a série temporal, observa-se uma tendência crescente das notificações de tentativa de suicídio por intoxicação no Pará (2010 – 2021 APC = 17,06; p < 0,05), sendo mais evidente no sexo feminino (2010 – 2021 APC = 18,45; p < 0,05) que no masculino (2010 – 2021 APC = 13,75; p < 0,05).

Em relação à idade, a faixa-etária de 10 a 14 anos apresentou a maior tendência de crescimento no período, demonstrando uma crescente entre os anos de 2010 e 2012 (2010 – 2012 APC = 312,77; p < 0,05), seguido de uma breve queda não significativa (2012 – 2015 APC = -16,42; p > 0,05) e posterior crescimento até o ano de 2021 (2015 – 2021 APC = 36,98; p < 0,05). As faixa-etárias 0 a 4 anos (2010 – 2021 APC = 19,96; p < 0,05), 15 a 19 anos (2010 – 2021 APC = 20,40; p < 0,05), 20 a 39 anos (2010 – 2021 APC = 14,50; p < 0,05) e 40 a 59 anos (2010 – 2021 APC = 18,92; p < 0,05) também apresentaram crescimento significativo no período. As demais faixa-etárias não apresentaram tendência significativa.

3.2.  Lesões autoprovocadas

Perfil epidemiológico

Ao analisar os casos de tentativa de suicídio por lesões autoprovocadas no estado do Pará entre janeiro de 2010 e setembro de 2021 foram encontrados 3.483 casos, dos quais 6 resultaram em óbito pela lesão. Observou-se que a maioria dos casos ocorreu em mulheres (2.454; 70,5%) e na faixa etária de 20 a 29 anos (1.033; 29,7%), seguida pela faixa etária de 10 a 15 anos (867; 24,9%).

Tabela 3 – Variação percentual e tendência da incidência de notificações de lesões autoprovocadas e tentativas de suicídio por intoxicação exógena (por 100 mil habitantes), segundo sexo e faixa etária, Pará, Brasil, 2010 – 2021.

Fonte: SINAN, 2023 – PA. IBGE, 2023. Coeficientes calculados pelos autores.

Os meios de agressão mais utilizados foram: envenenamento (1.272; 36,5%), objetos perfurocortantes (778; 22,3%) e força corporal/espancamento (534; 15,3%). Houve maior prevalência de notificações sexo feminino na maioria das categorias, sendo elas força corporal/espancamento (423; 79,4%), objeto contundente (60; 70,6%), objeto perfurocortante (521; 67,1%), envenenamento (976; 76,7%) e outras causas (398; 74,3%). O sexo masculino registrou maior número de notificações nas categorias arma de fogo (49; 66,2%) e enforcamento (40; 59,7%).

3.2.2.  Incidência de lesões autoprovocadas

A incidência média de tentativas de suicídio por lesões autoprovocadas no Pará foi de 3,41 casos por 100.000 habitantes/ano (DP = 2,97; IC95% 1,53 – 5,30). O ano de 2019 apresentou a maior incidência no período (9,72 casos por 100.000 habitantes/ano), enquanto ano de 2010 apresentou a menor (0,40 caso por 100.000 hab./ano). A incidência de notificações foi maior no sexo feminino em todo o período analisado, sendo 2,13 vezes maior que a incidência no sexo masculino em 2021 (Tabela 1).

Além disso, a faixa etária de 15 a 19 anos apresentou a maior média de incidência no período (8,86 casos por 100.000 hab./ano; DP = 9,84; IC95% 2,61 – 15,11), enquanto a faixa etária de 20 a 29 anos apresentou a segunda maior (5,51 casos por 100.000 habitantes por ano; DP = 4,63; IC95% 2,57 – 8,46). As incidências dessas duas faixas etárias atingiram o pico em 2019, quando apresentavam um coeficiente de 32,77 e 14,03 casos por 100.000 habitantes por ano, respectivamente.

3.2.3.  Análise temporal das notificações de lesões autoprovocadas

Analisando a série temporal, observa-se uma tendência crescente das notificações de tentativa de suicídio por lesões autoprovocadas no Pará (2010 – 2021 APC = 27,92; p < 0,05), sendo mais evidente no sexo masculino (2010 – 2021 APC = 34,16; p < 0,05) que no feminino (2010 – 2021 APC = 25,95; p < 0,05).

Em relação à idade, a faixa etária de 0 a 4 anos apresentou a maior tendência de crescimento no período (2010-2021 APC = 40,49; p < 0,05), seguida da faixa-etária de 5 a 9 anos (2010 – 2021 APC = 40,30; p < 0,05. As faixa-etárias 10 a 14 anos (2010 – 2021 APC = 23,27; p < 0,05), 15 a 19 anos (2010 – 2021 APC = 34,54; p < 0,05), 20 a 29 anos (2010 – 2021 APC = 28,61; p < 0,05), 30 a 39 anos (2010 – 2021 APC = 26,39; p < 0,05), 40 a 49 anos (2010– 2021 APC = 24,79; p < 0,05), 50 a 59 anos (2010 – 2021 APC = 19,83; p < 0,05) e a partir de 60 anos (2010 – 2021 APC = 30,48; p < 0,05) também apresentaram crescimento significativo no período.

4. Discussão

4.1 Intoxicação exógena

4.1.1 Perfil epidemiológico

Os resultados deste estudo apontaram como perfil de risco suicida por intoxicação exógena no Pará o gênero feminino e a faixa etária jovem a adulta. Tal cenário epidemiológico é semelhante ao nível nacional do período de 2007 a 2017, em que o maior número de notificações aconteceu para as mulheres, com faixa etária entre 15 e 39 anos (ALVIM et al., 2020), indicando invariabilidade do perfil de risco em 14 anos.

A maior predisposição das mulheres ao comportamento suicida pode ser atribuída à vulnerabilidade sociocultural associada ao gênero como abuso físico, emocional e sexual na infância e violência doméstica, bem como à psicopatologia e estressores psicossociais (VIJAYAKUMAR, 2015). Ademais, as mulheres são mais propensas a relatar ideação e tentativas de suicídio, além de preferirem meios de agressão menos letais, o que favorece sua hospitalização oportuna (VIJAYAKUMAR, 2015).

Vale ressaltar que a faixa etária em destaque coincide com o período de transição entre a juventude e a fase adulta, no qual pressões sociais para o alcance do sucesso na vida pessoal e profissional predispõe a transtornos mentais e a consequente tentativa de suicídio (RANGEL; FRANCELINO, 2018).

Em relação aos meios de agressão, houve predominância do uso de medicamentos na tentativa de suicídio. Um estudo descritivo realizado no Brasil encontrou que 77% dos casos de intoxicação por medicamentos com motivação suicida eram mulheres, principalmente na faixa etária de 20 a 39 anos (GERHEIM; FERREIRA; GRINCENKOV, 2022). Associado a isso, as mulheres são as responsáveis pelos medicamentos dentro de domicílios, sendo o estoque destes uma prática frequente, o que facilita o acesso a tal meio de agressão (CERQUEIRA; CEDRO; LIMA, 2022). Desse modo, é possível que as variáveis gênero e faixa etária tenham favorecido a maior notificação desse meio de intoxicação.

O uso de raticidas foi o segundo predominante neste estudo. Uma análise temporal feita em Goiás encontrou maioria feminina nas tentativas de suicídio por esse meio entre 2007 e 2017 (GOMES et al., 2020). Ressalta-se que o nível de letalidade é maior em raticidas do que em medicamentos (BERNARDES; TURINI; MATSUO, 2010), o que pode ter influenciado em menores notificações do primeiro em relação ao segundo.

Os agrotóxicos foram o terceiro mais utilizado em tentativas de suicídio nesta análise temporal. Um estudo realizado em Araucária percebeu predominância desse meio entre homens, gênero que prevalece no suicídio consumado. Em adição, tanto o uso de agrotóxico quanto de raticidas resultou em óbito nesse mesmo estudo (MACHADO; PEREIRA, 2017). Assim, a associação da preferência dos homens por esse meio e da sua maior letalidade podem justificar, nesta análise, a baixa porcentagem de notificação, além do pequeno número de óbitos ocasionados.

4.1.2.    Incidência, mortalidade e letalidade

A tabela 1 revela um aumento expressivo dos coeficientes de incidência de tentativas de suicídio por intoxicação exógena referente à faixa etária de 15 a 19 anos no Pará. O ano de 2018 aumentou cerca de nove pontos no seu coeficiente, em comparação ao de 2010; em seguida, tal aumento passou a ser em torno de dois pontos no ano de 2021, apontando que esse grupo etário é o de maior destaque na região. O mesmo grupo também apresenta coeficientes de incidência de lesões autoprovocadas bastante elevados cujo maior valor ocorreu em 2018 (32,77), seguido de um decréscimo em 2021, mas que ainda sim é um índice alarmante (17,66), sendo o maior desse ano dentre as demais faixas etárias.

Segundo a OMS, a adolescência abrange as idades de 10 a 19 anos, ou seja, no Pará, há um predomínio de tentativas de suicídio por jovens. Fatores universais que contribuem para a tendência de tentativas de suicídio entre jovens incluem as mudanças e os desafios da adolescência, como a busca pelo pertencimento a um grupo, a descoberta da própria identidade, questões relacionadas à sexualidade e as variações do humor. Tais questões podem gerar angústia e sofrimento, sendo fatores de risco para transtornos mentais e tentativas de suicídio (SILVA et al., 2019).

No tocante à mortalidade por intoxicação exógena no Pará, os adultos jovens de 20 a 39 anos são os que apresentam a maior taxa. Dessa forma, observa-se uma alta perda de Anos Potenciais de Vida Perdida (APVP), sendo o Norte uma região que ocupa a quarta colocação nacional em APVP por intoxicação exógena. Tal dado atribui informações importantes nos âmbitos social e econômico (BOCHNER; FREIRE, 2020; MAIA et al., 2019). Isso porque há perda de vida produtiva e reverberações psicológicas a familiares e a pessoas próximas perante a perda de pessoas queridas (MAIA et al., 2019).

Em seguida, os adolescentes apresentam a segunda maior média da taxa de mortalidade, sendo as idades de 15 a 19 anos as detentoras de taxas superiores às idades de 10 a 14 anos, que representam o início da adolescência. Esse cenário está de acordo com uma pesquisa realizada com 29 países da Organização e Cooperação para Desenvolvimento Econômico (OCDE) cujo resultado revela o final da adolescência e o sexo masculino como fatores de risco universal para o suicídio, tal qual observado em 2021, quando a taxa de mortalidade masculina ultrapassou aproximadamente 5 vezes a taxa feminina (ROH; JUNG; RONG, 2018).

De modo geral, a população feminina apresentou predomínio na taxa de mortalidade. Tal disparidade pode ser atribuída aos papéis sociais de gênero distintos, o que acaba sendo mais acentuado em regiões brasileiras com baixas condições socioeconômicas, como a região Norte, onde ainda se encontram traços da cultura patriarcal evidenciados pela violência contra a mulher, implicando problemas na esfera psicológica, como depressão, transtorno do estresse pós-traumático e comportamentos suicidas, podendo culminar em óbito (CRUZ et al, 2019). O estudo de Confortin et al., de 2021, aponta que a violência sexual é mais prevalente em mulheres jovens, com consequente risco de suicídio 2,8 vezes maior em relação àquelas que não sofrem esse tipo de violência.

No que tange à letalidade por intoxicação exógena, este estudo identificou que indivíduos mais velhos, a partir dos 65 anos, foram os que obtiveram mais êxito na sua tentativa, com destaque para aqueles com 85 anos ou mais cuja taxa média de letalidade foi de 25%. Isso pode estar relacionada a situações de maior isolamento social desse grupo, com baixas chances de socorro. Além disso, pessoas idosas tendem a apresentar maior morbimortalidade, haja vista que muitos são portadores de doenças crônicas não transmissíveis, que contribuem para a fragilidade da sua saúde (VILELA; SILVA et al., 2018).

Outrossim, os homens apresentam a maior média da taxa (4,25%) em relação à do sexo feminino (2,63%). Isso significa que o sexo masculino apresenta maior êxito na tentativa de suicídio, podendo estar atrelado à questão do acesso mais fácil a armas de fogo (tecnologia fatal), da demora pela busca por ajuda, bem como à masculinidade, muitas vezes associada à impulsividade e à agressividade (SILVA et al., 2021).

Deve-se considerar a existência de uma importante defasagem de dados nas plataformas do governo, sobretudo acerca do suicídio, devido à falta de registros (VILELA; SILVA et al, 2018). Desse modo, o estado do Pará não está isento dessa realidade. Tudo isso compromete a análise mais fidedigna do cenário paraense no tocante às taxas supracitadas. Isso revela que, embora a Portaria nº 204 do Ministério da Saúde, a qual preconiza que todas as violências autoprovocadas e as intoxicações exógenas são de notificação compulsória e imediata desde o ano de 2016, os dados disponíveis nas plataformas utilizadas neste estudo ainda estão aquém da realidade.

4.1.3.    Análise temporal

A intoxicação exógena compõe um dos três principais métodos de tentativa de suicídio no Brasil (GOMES et al., 2020). Como apresentado na figura X, as notificações de tentativas de suicídio por intoxicação exógena no Pará, no período de 2010 a 2021, revelam uma crescente, marcada por prevalência do sexo feminino sobre o masculino.

Essa tendência de crescimento é embasada por outros autores como um reflexo do acesso fácil a substâncias químicas (medicamentos, raticidas, agrotóxicos) e da automedicação indiscriminada atrelados a transtornos mentais na população (MARONEZI et al, 2021; OLIVEIRA et al, 2021). Outro estudo revelou justamente que o aumento nas notificações por intoxicação medicamentosa no Brasil, no período de 2010 a 2021, teve como principal circunstância a tentativa de suicídio (GERHEIM; FERREIRA; GRINCENKOV, 2022).

Além disso, a atuação do Estado e dos órgãos de saúde na implementação de medidas para identificar casos de tentativa de suicídio, com o devido preenchimento das fichas de notificação, são o principal fator atrelado ao aumento da detecção de casos. Por conseguinte, ocorre uma maior incidência de registros de tentativas de suicídio (MARONEZI et al., 2021).

Este estudo identificou que, em 2019, o estado do Pará apresentou a maior incidência de intoxicação exógena. Atrelado a isso, esse mesmo ano se destacou pelos maiores números de notificação não somente no Pará, mas também em toda a região Norte. Esse panorama coincide com o ano de sanção da Lei nº 13.819, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. A partir dessa lei, escolas públicas e privadas tornaram-se obrigadas a notificar aos conselhos tutelares as suspeitas e as ocorrências de violência autoprovocada, no caso de indivíduos menores de 18 anos. Desse modo, foram acrescentadas mais instituições para fomentar o SINAN com dados acerca dessa temática.

A tendência de aumento das notificações revelada na figura 1 sugere uma melhora na identificação dos casos de tentativas de suicídio por intoxicação exógena. Ademais, é indispensável considerar que há um aumento significativo no número de casos, uma vez que essa tendência crescente ocorre desde 2010 de forma constante no Pará. Entretanto, ainda é necessário aprimorar mais a qualidade dos dados, bem como o conhecimento e a capacitação de indivíduos aptos a preencher a ficha de notificação, além de sua condução de modo adequado.

5.2.  Lesões autoprovocadas

5.2.1 Perfil epidemiológico

Os resultados demonstraram que no Pará o perfil das notificações de lesões autoprovocadas foi de pessoas do sexo feminino com idade entre 20 e 29 anos, tendo o envenenamento como principal meio empregado, seguido por objeto perfurocortante e enforcamento. Tal cenário se equipara com o perfil encontrado a nível nacional no mesmo período, no qual o sexo feminino na faixa etária de 15 a 29 anos prevalece nas tentativas de suicídio (BRASIL, 2021).

A consolidação da elevada incidência de lesões autoprovocas na faixa etária de 15-29 anos retrata estudos que afirmam que a população de adolescentes e jovens possui vulnerabilidade firmada e estrutural que se apresenta inalterada diante das atuais políticas nacionais para a prevenção do suicídio (RIBEIRO; MOREIRA, 2018;PAIXÃO et al., 2021).

A crise político-econômica estabelecida no Brasil também contribuiu para o aumento das tentativas de suicídio entre jovens e adultos jovens, devido ao aumento do desemprego nessas faixas etárias, especialmente entre o sexo feminino (IBGE, 2023). Além disso, a crise econômica também pode ter afetado diretamente as expectativas de crescimento e construção profissional dessa parcela da população, o que pode levar a momentos de intensa frustração e desencadear comportamentos suicidas (FILHO; ZERBINI, 2016).

É importante ressaltar que existe uma elevada taxa de subnotificação de tentativas de suicídio no Brasil devido a fatores amplamente reconhecidos no contexto do brasileiro, tais como os efeitos do estigma social e familiar, aspectos religiosos, proteção relacionada a eventuais indenizações por seguros e o sofrimento familiar decorrente de investigações e outros processos legais (PAIXÃO et al., 2021).

A letalidade do suicídio está diretamente relacionada à eficácia dos serviços de resgate e tratamento médico disponíveis. Regiões com melhor acesso à saúde e maior qualidade de socorro médico apresentam menores taxas de letalidade do suicídio (BOTEGA et al., 2022).

Os principais meios letais empregados para o suicídio variam em função da cultura e da facilidade de acesso. A divulgação de informação sobre os principais métodos empregados no suicídio e a redução do acesso a métodos mais letais, como armas de fogo e pesticidas, são medidas importantes na elaboração de estratégias de prevenção ao suicídio (DA ROSA et al., 2017; BOTEGA et al., 2022).

5.2.2.       Incidência, mortalidade e letalidade

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2019), o suicídio é a segunda principal causa de morte entre as pessoas com idades entre 15 e 29 anos em todo o mundo. O

estado do Pará não é exceção, como evidenciado tanto pelo estudo de Batista, Araújo e Figueiredo (2016) quanto pelo presente estudo. Doenças psiquiátricas, especialmente a depressão, são consideradas fatores de risco para essa tendência (FURTADO; DE MEDEIROS FILHO, 2021). Um estudo de Ferreira e Trichês (2014) também aponta que 20% dessa faixa etária apresenta algum grau de distúrbio psicológico, o que pode contribuir para os dados observados no estado do Pará.

De acordo com Herênio e Zanini (2020), o Brasil é o quarto país com o maior crescimento de casos de suicídio na América Latina. A Região Norte desempenha um papel importante nessa tendência, uma vez que apresenta uma tendência crescente desde há algum tempo, conforme evidenciado pelo presente estudo. De acordo com Botti et al. (2019), houve um aumento de 80% nos casos de suicídio na Região Norte entre 1980 e 2012, o que é preocupante quando somado ao crescimento observado entre 2010 e 2021. É importante destacar que a capital paraense apresentou a maior taxa de ocorrência e óbitos, sendo a maioria desses casos registrados em ambientes residenciais (58,1%), e com um aumento na mortalidade de 31,6% (PEREIRA et al., 2020).

Fatores de risco para o suicídio incluem a falta de emprego estável e a condição de solteiro, conforme relatado por Franco (2018). Rodrigues, Barbalho Filho e Silva (2007) encontraram essa mesma tendência no estado do Pará, onde a incidência de suicídio é maior entre solteiros e estudantes. Além disso, o trabalho aponta que a briga conjugal é um fator de risco especialmente para o público feminino, como também observado em escala global (SOUZA, 2018).

Apesar dos estudos de Cunha, Teixeira e França (2017) terem apontado melhorias na qualidade das notificações sobre mortalidade nas regiões Norte e Nordeste, Marcolan (2018) destacou que o tema do suicídio ainda sofre com uma substancial subnotificação. Isso é devido a uma variedade de fatores, como apontado por Malta et al. (2017). No Estado do Pará, a presença de rios e lagos, assim como a costa marítima, reforça a importância de levantar a hipótese de suicídio em casos de afogamento, tendo em conta que estudos anteriores já identificaram esse fator como contribuinte para a subnotificação e, consequentemente, para a modificação das análises de incidência e mortalidade (BATISTA; ARAÚJO; FIGUEIREDO, 2016).”

Associação Brasileira de Psiquiatria no ano de 2014 (ABP, 2014) revelou ascensão de incidência de suicídio entre crianças e adolescentes, assim como o presente estudo também visualizou tal dado. (TAVARES, 2017) argumenta que eventos prejudiciais na infância e adolescência fomentam tal desfecho. Entrelaçando com dados do Pará, uma possível inferência

é que o aumento do divórcio dos pais, como foi visto por Ramalho (2013), esteja levando ao crescimento dos números do suicídio, como incidência e mortalidade, tendo em consideração que a separação dos progenitores leva a uma mudança comportamental brusca de seus filhos (HACK; RAMIRES, 2010).

5.2.3.     Análise de tendência de lesões autoprovocadas

Primeiramente, foi visto uma disposição de aumento das notificações de tentativa de suicídio por lesões autoprovocadas no Pará no período de 2010-2021. Segundo Batista, De Araújo e Figueiredo (2016), o principal método de consumação do suicídio foi a lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, contabilizando cerca de 65%. Estudos de Sehnem e Palosqui (2011) mostraram resultados semelhantes em Santa Catarina, o que encoraja o pensamento de que o enforcamento seja uma marca do território nacional e não restrito a regiões ou épocas específicas. Além disso, o sexo masculino apresentou, nesse quesito, destaque em relação ao público feminino, semelhantes a outros estudos temporais de suicídio no Brasil (MACHADO; SANTOS, 2015).

Há poucos estudos sobre o comportamento suicida na primeira infância em todo mundo; além disso, conceitualmente é difícil limitar o que seria lesão autoprovocada em uma faixa etária de 0-4 anos, pois falta evidência quanto à intencionalidade do ato (AVANCI; PINTO; ASSIS, 2021). Dessa forma, além das limitações inerentes ao tema, a exemplo do estigma social, essa faixa etária tem seu viés de seleção próprio; por isso, há dificuldade no debate do tema para tal segmento populacional (BAHIA et al., 2017).

Contudo, é extremamente necessário a visualização de mudanças comportamentais e/ou fiscalização do surgimento de lesões pelo corpo em indivíduos mais jovens, pois esses podem ser um dos maiores sinais, segundo Brito et al (2020), de alerta para distúrbios psiquiátricos e problemas de relacionamento interpessoal com familiares e amigos, uma vez que, segundo Batista, De Araújo e Figueiredo (2016), os transtornos dessa natureza começam antes dos 14 anos e compreendem quase 50% dos casos futuros de suicídio por lesão autoprovocada.

É importante ressaltar que, além dos fatores de risco já mencionados, a falta de aspirações, tanto educacionais quanto profissionais, também contribuem para o aumento de lesões autoprovocadas e, por conseguinte, a taxa de suicídio, pois, de acordo com Soares e Lima (2022), ocorre o aumento do número de praticantes e vítimas de cyberbullying, contribuindo para a tendência de crescimento visualizada pelo presente estudo.

Em outro extremo, os idosos obtiveram o maior crescimento relativo no parâmetro analisado. Nesse sentido, existem fatores predisponentes que urgem nessa faixa etária, por exemplo o isolamento social, a saída do mercado de trabalho, a queda nos padrões de imagem perante a sociedade e as doenças estimuladas pela idade, o que muitas vezes limita as suas atividades diárias e aumenta seu grau de dependência familiar (DOS SANTOS et al., 2017).

Minayo e Meneghel (2012) destacam a importância de uma atenção psicológica especial no momento de passagem da vida laboral para aposentadoria, pois o sentimento de improdutividade e, muitas vezes, a queda de remuneração associada a perda do senso de provedor estimula os atos de lesões autoprovocadas. É interessante destacar esse papel do trabalho no Pará, já que essa região também sente as alterações provenientes da modernização nas relações de emprego e, como foi destacado por Macedo e Bernardo (2019), a urbanização está relacionada à taxa de suicídio dos idosos.

6. CONCLUSÃO

Os dados referentes a esse estudo constataram que no período avaliado as tentativas de suicídio no estado do Pará foram predominantes em adolescentes e adultos jovens, especialmente no sexo feminino. Além disso, notou-se pela análise temporal, uma tendência de crescimento das notificações de tentativa de suicídio, sendo mais evidente na intoxicação exógena o sexo masculino e nas lesões autoprovocadas o sexo feminino. Tal contexto reforça a importância do suicídio como um problema de saúde pública em ascensão no Pará com destaque para o grupo etário de adolescentes e jovens.

O presente estudo ainda ressalta a importância do controle ao acesso de meios de lesão com maior mortalidade, como armas de fogo, agrotóxicos e raticidas, do mesmo modo que a correta identificação, notificação e manejo dos casos como importantes pilares na criação de estratégias de prevenção ao suicídio no estado do Pará.

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(1Graduando em Medicina, Universidade Estadual do Pará (UEPA), Belém, Pará.)

(2Graduando em Medicina, Universidade Estadual do Pará (UEPA), Belém, Pará.)

(3Graduanda em Medicina, Universidade Estadual do Pará (UEPA), Belém, Pará.)

(4Graduanda em Medicina, Universidade Estadual do Pará (UEPA), Belém, Pará.)

(5Graduanda em Medicina, Universidade Estadual do Pará (UEPA), Belém, Pará.)

(6Graduando em Medicina, Centro Universitário do Pará (CESUPA), Belém, Pará.)

(7Graduação em Nutrição, Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará.)

(8Graduação em Nutrição, Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará.)

(9Graduanda em Enfermagem, Universidade Estadual do Pará (UEPA), Belém, Pará.)