REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410052128
Darlan Cleverson Farezin; Luísa Coelho Capuá; Luísa Escalier de Azambuja; Vanessa Schiefelbein Catto; Letícia Oliveira de Menezes; Gabriel Camacho Cantarelli; Gilda Maria de Carvalho Abib El Halal.
RESUMO
INTRODUÇÃO As transferências de pacientes entre hospitais é uma prática rotineira no Sistema de Saúde Brasileiro, e possuem mecanismos protocolados para adequar a qualidade da assistência à saúde. A transparência dos mecanismos é essencial para compreender as adversidades que possam desafiar o processo de transferência inter-hospitalar. OBJETIVO Analisar e descrever como ocorre o fluxo de transferência de pacientes adultos entre hospitais de Pelotas. MÉTODO A partir de um estudo de caráter descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, baseado em entrevistas com profissionais da rede terciária de saúde, os integrantes da pesquisa promoveram coleta e análise de dados referentes às transferências de pacientes usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) ou vinculados a Convênios de saúde. RESULTADOS As transferências possuem protocolos distintos a depender da designação do leito disponível para o reposicionamento de pacientes. Se a transferência é via SUS, os leitos não-cirúrgicos são regulados pela Central Reguladora de Leitos da Secretaria da Saúde do Município (SMS) e a equipe médica deverá comunicá-la para a realização do processo, se é via convênio de saúde, a comunicação é feita a partir do contato do médico solicitante da cessão com o órgão regulador da unidade de destino do paciente. Leitos reservados a procedimentos cirúrgicos não são regulados pela Central de Leitos, ainda que via SUS, sendo o contato realizado entre os médicos assistentes via telefônica. DISCUSSÃO Constatou-se que a movimentação e câmbio de pacientes entre hospitais de Pelotas é protocolado em cada instituição, porém não há padronização no repasse das informações clínicas do paciente entre as equipes médicas, o que por sua vez pode prolongar o tempo de permanência hospitalar e resultar em impacto financeiro ao SUS. CONCLUSÃO O sistema de transferência inter-hospitalar apresenta discrepâncias relacionadas aos processos normatizados pela SMS, ocorrendo, muitas vezes, problemas relacionados à coordenação do cuidado. Assim, ainda que ocorram trâmites administrativos visando ao acesso dos usuários, nem sempre a equidade em saúde prevalece. Portanto, a partir desse estudo, foi possível refletir que seria pertinente a criação de uma comissão entre os hospitais do município.
Palavras-chave: transferência de pacientes; movimentação e reposicionamento de pacientes; atenção terciária à saúde; administração hospitalar; número de leitos em hospital; registros médicos; unidades hospitalares; serviços médicos de emergência.
INTRODUÇÃO
As internações em hospitais resultam de diversas causas de saúde do indivíduo, bem como os critérios que levam um paciente a internar. Nesse contexto, a transferência entre as unidades hospitalares é realidade e rotina na sociedade, uma vez que é fundamental a fim de atender às necessidades do paciente. Dessa forma, o Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) é provido de princípios e de diretrizes regulamentados pela Constituição Federal Brasileira, os quais norteiam o processo de fluxo inter-hospitalar.¹,²
A palavra “hospital” vem do latim hospitalis que significa “casa de hóspedes”, em virtude da sua origem ser um local de exercício de caridade a pessoas pobres, idosas, órfãs e doentes, os quais eram assistidos por religiosos.³ Nesse sentido, com o tempo e a evolução da medicina e da tecnologia, o hospital tornou-se um estabelecimento com a função de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças.³ Desse modo, o suporte hospitalar tem sua limitação no tratamento do paciente frequentemente, seja por motivos de indisponibilidade de leito, seja por ausência de alas especializadas que determinadas condições de saúde exigem. Em vista disso, a transferência inter-hospitalar é necessária constantemente a fim de atender às necessidades do paciente.
Dessa maneira, ao SUS compete o dever de dispor condições para assegurar seus princípios, o que inclui a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.¹,² Sendo assim, a transferência inter-hospitalar faz parte do funcionamento e rotina do SUS e é fundamental que ocorra de forma segura e eficaz.¹,⁴ Em vista disso, é imprescindível avaliar o risco de vida do paciente, a necessidade de transferência de uma instituição hospitalar para outra, uma vez que o transporte implica riscos, ainda que devidamente equipado, logo os benefícios terão de ser preponderantes aos eventuais contratempos.⁴ Ademais, a comunicação efetiva entre o responsável da instituição de origem e o médico receptor ou diretor técnico é de suma importância para a segurança e tratamento do paciente, bem como o registro em prontuário, sendo esses meios de comunicação e protocolos a serem seguidos pouco especificados.⁴,⁵
Nessa perspectiva, estudos anteriores subdividiram o processo de transferência em: Primárias (do atendimento pré-hospitalar ao hospital de destino); Secundárias (entre hospitais, incluindo centros terciários); Terciárias (de hospitais secundários ou terciários para centros nacionais de excelência) e Quaternárias (internacionais)6,7. Seguindo essa classificação, a necessidade de transferência entre unidades hospitalares depende de diversas variantes como o grau de complexidade, os recursos hospitalares e a logística.
Dentre os empecilhos para uma assistência de qualidade, destaca-se a falta de articulação entre os serviços hospitalares de um determinado município e de seus sistemas logísticos6. Nessa perspectiva, o acesso aos serviços hospitalares possui variáveis que determinam a qualidade deste serviço, a exemplo disso, pode ser citada a demora na realização de procedimentos, que é fator determinante do agravamento do quadro clínico dos pacientes, e leva a maiores custos hospitalares durante sua internação6,7.
Nesse contexto, a transferência entre hospitais é uma prática frequente e existe para adequar a assistência hospitalar às necessidades de cada paciente, individualizando o cuidado, de forma a não se limitar à infraestrutura que um determinado hospital oferece. Portanto, o presente estudo tem como objetivo analisar e descrever como ocorre o fluxo de transferência inter-hospitalar de pacientes adultos na cidade de Pelotas, incluindo protocolos do procedimento e comunicação entre profissionais responsáveis.
MÉTODOS
O objeto de estudo é o fluxo de pacientes entre hospitais do município de Pelotas no Estado do Rio Grande do Sul, bem como a administração desse processo. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa exploratória, de natureza empírica, contemplando as transferências realizadas entre os hospitais do município em questão durante período de três meses, tendo início em abril e término em junho de 2022. As informações foram coletadas a partir de entrevistas semi-estruturadas, com um grupo variado de profissionais das unidades hospitalares analisadas, abrangendo diversos setores do serviço hospitalar, como supervisores do núcleo de regulação hospitalar, médicos clínicos e cirurgiões, equipe de enfermagem e supervisores da Central Reguladora de Leitos da SMS de Pelotas. A entrevista visava avaliar a experiência e vivência dos entrevistados sobre a Transferência entre hospitais.
Dentre as limitações do estudo estão uma possível omissão de informações por parte dos entrevistados e de distorção de contexto, uma vez que o estudo foi limitado ao município de Pelotas- RS, ademais a amostra é parcialmente limitada pelo escopo. Possíveis vieses decorrem de uma análise de um caso, na qual se impede a generalização dos resultados por um possível viés de medição e seleção. Deve-se notar que as entrevistas contêm caráter subjetivo o que resultou em uma análise puramente descritiva.
RESULTADOS
Diante da proposta de analisar as transferências de pacientes adultos entre hospitais no município de Pelotas, o estudo em questão buscou expor esse fluxo. Com esse propósito, é visível os inúmeros aspectos logísticos a serem considerados no processo de organização e de realização da transferência, sobretudo referentes à comunicação, a qual envolve os atuantes diretos no serviço de saúde geral e responsáveis pela regulação dos leitos.
Nesse contexto, visualiza-se que quando observada a necessidade de leito individualizado não cirúrgico para a gravidade da doença de um paciente, primeiramente avalia-se se o leito procurado será via convênio ou SUS; segundamente, a equipe médica do hospital de origem se comunica com a central reguladora da unidade destino, a fim de localizar o leito, ou então, se o leito é SUS e regulado via Central de Leitos, a equipe médica entra em contato com a Central Reguladora de Leitos do Município de Pelotas a fim de providenciar a vaga.
No caso de pacientes que irão adentrar em alguma unidade de saúde devido à necessidade de internação cirúrgica, as transferências são potencialmente mais flexíveis, uma vez que o processo não sucede via central reguladora de leitos do município, ainda que o leito seja de origem SUS, há apenas mediação da central reguladora da própria unidade hospitalar. Desse modo, a comunicação da transferência é realizada entre os médicos assistentes por via telefônica, comumente não transmitida ao órgão responsável pela regulação de leitos do hospital, de forma a dificultar a atualização do número de leitos disponíveis por parte da central de leitos de ambas unidades. Sendo assim, a seguir é apresentado simplificadamente como ocorre o fluxo de transferência em hospitais de Pelotas, exposto pela figura 1.
Figura 1: Fluxograma de Transferências Inter-Hospitalares no Município de Pelotas.
Pacientes com risco de vida, obrigatoriamente, não devem ser removidos sem a prévia realização de diagnóstico médico, com avaliação e atendimento básico respiratório e hemodinâmico, além de realização de outras medidas urgentes e específicas para cada caso, como a classificação de riscos pela Central Reguladora caso o leito seja de origem do SUS, a qual compete avaliar a urgência da transferência em relação a outros casos6. Em sequência, após essa comunicação, a SMS entra em contato com a SAMU, somente se o leito final for de origem SUS, caso contrário, o transporte fica a cargo do convênio. Outrossim, salienta-se que deliberações administrativas e operacionais para o deslocamento não são de incumbência médica. A seguir, é apresentado na figura 2 o processo de regulação de um leito de UTI, realizado pela central de leitos municipal.
Figura 2: Esquema de Regulação de Leitos de UTI
O hospital de destino também deve estar ciente da hora prevista de chegada, a fim de garantir que tudo esteja preparado para receber o paciente com segurança e efetividade. Dessa forma, a padronização de ações e de instrumentos necessários, bem como a colaboração dos profissionais de saúde e a eficácia na comunicação durante a transição do cuidado contribuem para minimizar eventos adversos. Em vista disso, destaca-se a necessidade de registros médicos que constem o estado clínico do paciente no momento da transferência, por exemplo o check-list de documentos de paciente transferidos (figura 3). As informações dispostas nestes documentos médicos são fundamentais para minimizar intercorrências médicas durante o procedimento de transferência, as quais retardam a recuperação do paciente.
Figura 3: Exemplo de “Checklist” de transferência.
DISCUSSÃO
Inicialmente verificou-se a necessidade de um estudo a respeito do assunto abordado na pesquisa devido à dificuldade de compreensão a respeito dos mecanismos que englobam o processo de transferência, bem como a padronização dos trâmites administrativos para a realização da transferência dos pacientes adultos entre os hospitais de Pelotas. Nesse sentido, previamente ao desenvolvimento da metodologia para a realização da pesquisa em questão, foi evidenciada falta de artigos publicados abordando a mesma temática do presente estudo, tampouco no município de Pelotas, dificultando o processo de revisão bibliográfica e embasamento teórico para a pesquisa.
Os resultados encontrados demonstram que os hospitais de Pelotas possuem sistemas administrativos protocolados e padronizados para intermediar o processo de transferências em si, importantes para a articulação dos serviços de saúde do município e embasados no princípio do SUS de continuidade e coordenação do cuidado1,8. No entanto, foi observado que o repasse das informações médicas a respeito do paciente conveniado a plano de saúde particular, ou o paciente que está aguardando intervenção cirúrgica, é realizado a partir de uma comunicação mais simplificada e informal, via ligação telefônica, uma vez que não há regulação da Secretaria da Saúde para definir se a vaga está ou não liberada àquela necessidade individual.
Dessa forma, a partir dos relatos dos entrevistados, constatou-se a necessidade de padronização na documentação clínica e no repasse de informações entre os profissionais dos hospitais de Pelotas envolvidos na translocação de pacientes. Por conseguinte, essa falta de uniformização poderá conceder margem à ausência de informações acerca da saúde do paciente, por exemplo medicações em uso, procedimentos e exames já realizados, antecedentes da doença atual ou prévia. Desse modo, questões que desafiam o processo de transferência inter-hospitalar podem dificultar a qualidade da assistência, a participação ativa e precoce do paciente no planejamento da alta e a efetividade do princípio de equidade.1,2,8
Outrossim, existem ainda os riscos inerentes ao deslocamento do paciente, bem como a falta de comunicação padronizada, as quais poderão resultar em maiores gastos às unidades hospitalares, sobretudo ao SUS, uma vez que exames podem ser novamente solicitados e executados desnecessariamente, o que por sua vez torna o tempo de permanência hospitalar ainda maior e bem como o risco de infecções9,10.
Nesse viés, é evidente que a demanda por transferências depende de inúmeros fatores, como do nível de especialização dos hospitais disponíveis numa região e de sua capacidade para corresponder adequadamente a esta demanda. Não obstante a alta demanda hospitalar, os hospitais de Pelotas conseguem remanejar pacientes a fim de se adequar a disponibilidade de leitos para recepção de pacientes de outras unidades. Também, em relação à área de especialização do nível terciário da saúde, a cidade possui hospitais referência em diversas áreas da medicina. Portanto, a partir dessa reflexão baseada em estudo descritivo, são necessários mais estudos abrangendo o município de Pelotas para definir de forma objetiva o cenário das transferências inter-hospitalares de pacientes adultos.
CONCLUSÃO
A partir do presente estudo evidencia-se que, apesar do sistema de transferência inter-hospitalar na cidade de Pelotas-RS seguir a normatização determinada pela SMS do município e pelo Conselho Federal de Medicina4, a coordenação do cuidado se torna prejudicada na medida em que ocorrem falhas na comunicação inter-hospitalar por falta de integração de sistemas operacionais.
É notável que, principalmente nas áreas cirúrgicas, há uma espécie de encurtamento do processo de transferência, ou seja, comumente os contatos inter-hospitalares são realizados de forma direta entre os médicos assistentes, no intuito de proporcionar acesso adequado aos usuários. Porém, ainda que o objetivo seja garantir o atendimento integral aos pacientes, essas ações, muitas vezes, podem interferir no princípio da equidade e, ainda, prejudicar o controle da gestão hospitalar sobre o número de leitos disponíveis.
A partir dessas reflexões, torna-se pertinente a criação de uma comissão entre os hospitais do município. Tal comissão poderia estabelecer um protocolo unificado de transferência inter-hospitalar, que padronizasse a comunicação e os registros em prontuários eletrônicos. Assim, promovendo a coordenação do cuidado, por meio de comunicação abrangente entre as equipes médicas e, garantindo que os princípios do SUS estejam presentes em todas as ações que vislumbram a melhoria da saúde da população.
REFERÊNCIAS
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