CÁRIE DENTÁRIA E DESFECHOS ADVERSOS NO PERÍODO GESTACIONAL

DENTAL CARIES AND ADVERSE OUTCOMES IN PREGNANCY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410041913


Rosana Maria Coelho Travassos1, Andressa Rayanne Medeiros Maranhão2, Luiz Gustavo de Sousa Duda Júnior3, Júlia Veríssimo Delgado de Souza4, Letícia de Oliveira Santos5, João Victor Espíndola Silva6, Daniel José Silveira Tôrres7, Yanne Gabrielle de Lima Simião8, Rafaela De Oliveira Cavalcanti Albuquerque Melo9, Ângela Maisa da Silva Marcos10, Júlia Alves Costa11


RESUMO

Introdução: A cárie dentária é uma doença multifatorial, provocada pelas bactérias da microbiota oral. Assim, podemos defini-la como uma destruição localizada do dente, decorrente da desmineralização dos tecidos duros que o compõem. Alterações no padrão alimentar durante a gestação torna as gestantes mais propensas ao desenvolvimento de lesões cariosas. A literatura aponta que a cárie dentária pode resultar em complicações que podem influenciar o desfecho da gravidez. Objetivo: O presente estudo objetivou revisar a literatura atual referente aos desfechos adversos da gestação associados à presença de cáries dentárias nas gestantes. Metodologia: Trata-se de uma revisão de literatura realizada através de uma busca eletrônica nas bases de dados PubMed, Periódicos CAPES, SciELO, Google Acadêmico, e na biblioteca BVS, através dos descritores “gravidez” e “cárie dentária”. Dos artigos analisados, 6 foram elegíveis. Resultados: Entre os estudos incluídos na amostra, não foi relatada associação significante entre as cáries dentárias durante o período gestacional e parto prematuro, e pré-eclâmpsia. Um estudo de coorte prospectivo relatou uma associação positiva entre a cárie dentária com o risco de parto de bebês grandes para a idade gestacional. Os estudos foram unânimes ao relatar a não associação entre a presença de cáries dentárias em gestantes e desfechos adversos da gestação como o parto prematuro e a pré-eclâmpsia. Entretanto, as evidências presentes na literatura ainda são escassas. Conclusões: Faz-se necessário a realização de estudos que busquem avaliar o papel da cárie dentária nos desfechos adversos da gestação, sobretudo relacionado ao parto de bebês grandes para a idade gestacional.

Palavras-Chave:  Cárie Dentária; Gravidez; Odontologia.

ABSTRACT

Introduction: Dental caries is a multifactorial disease caused by bacteria in the oral microbiota. Thus, we can define it as a localized destruction of the tooth, resulting from the demineralization of the hard tissues that compose it. Changes in dietary patterns during pregnancy make pregnant women more prone to the development of carious lesions. The literature points out that dental caries can result in complications that can influence the outcome of pregnancy. Objective: The present study aimed to review the current literature regarding adverse pregnancy outcomes associated with the presence of dental caries in pregnant women. Methodology: This is a literature review carried out through an electronic search in the PubMed, Periódicos CAPES, SciELO, and Google Scholar databases, and in the VHL library, through the descriptors “pregnancy” and “dental caries”. Of the analyzed articles, 6 were eligible. Results: Among the studies included in the sample, no significant association was reported between dental caries during the gestational period and premature birth, and pre-eclampsia. A prospective cohort study reported a positive association between dental caries and the risk of delivering large-for-gestational-age babies. The studies were unanimous in reporting the non-association between the presence of dental caries in pregnant women and adverse pregnancy outcomes such as premature birth and preeclampsia. However, the evidence in the literature is still scarce. Conclusions: It is necessary to carry out studies that seek to evaluate the role of dental caries in adverse pregnancy outcomes, especially related to the delivery of large-for-gestational-age babies.

Keywords: Dental Caries; Pregnancy; Dentistry

INTRODUÇÃO

A cárie dentária é uma doença dinâmica, de natureza multifatorial, definida como uma destruição localizada do dente, decorrente da desmineralização e remineralização fásica dos tecidos duros que o compõem pelos subprodutos ácidos formados após a fermentação dos carboidratos da dieta pelas bactérias que compõem a microbiota oral1,2. A cárie pode ocorrer ao longo da vida, tanto na dentição decídua quanto na permanente, e pode danificar a coroa do dente e, mais tarde, afetar as superfícies radiculares3.

O início e a progressão da cárie depende do equilíbrio entre os fatores patológicos e os denominados protetores. Os fatores patológicos consistem na produção de ácidos pelas bactérias, consumo frequente de carboidratos fermentáveis e fluxo salivar diminuído. Já os fatores protetores consistem em um fluxo salivar satisfatório, o processo de remineralização e o uso de substâncias antibacterianas4.

A interação entre esses fatores permite a classificação dos indivíduos e grupos em categorias de risco para o desenvolvimento de cárie dentária, e com isso, torna-se possível adotar abordagens cada vez mais personalizadas de cuidados. Além disso, devemos considerar que a cárie dentária é uma doença distribuída de forma desigual na sociedade, com consideráveis ​​encargos econômicos e de qualidade de vida2. De modo geral, o uso diário de dentifrícios água fluoretados é visto como a principal razão para o declínio geral da cárie em todo o mundo nas últimas décadas5.

A cárie dentária é um dos principais problemas de saúde bucal entre crianças e adultos, sendo uma das doenças crônicas mais comuns na infância6. Sua ocorrência está relacionada a fatores biológicos, alimentares, comportamentais e socioeconômicos, bem como fatores de acesso a bens de consumo e a serviços de saúde, embora algumas variáveis tornem a susceptibilidades entre os indivíduos divergente, como diferenças na resistência do esmalte7. Dessa forma, alterações no padrão alimentar durante a gestação, como o aumento da ingestão de alimentos ricos em carboidratos fermentáveis e/ou ácidos, associados à uma higiene bucal deficiente, redução do fluxo salivar e falta de acompanhamento odontológico, torna as gestantes mais propensas ao desenvolvimento de lesões cariosas4.

A literatura atual aponta que quando há disbiose do microbioma oral, microrganismos orais, sobretudo associados à doença periodontal, podem afetar negativamente a gravidez8. A complicação mais frequentemente relatada de desfecho adverso gestacional relacionado à doença periodontal é o parto prematuro, embora outras complicações como pré-eclâmpsia e parto de bebês pequenos para a idade gestacional também sejam relatados8,9. Embora a doença periodontal exerça um papel importante na patogênese de uma ampla gama de doenças sistêmicas e esteja associada a desfechos adversos gestacionais, estudos apontam a presença de microrganismos cariogênicos  na saliva materna com o parto prematuro como desfecho gestacional, sobretudo as bactérias do gênero Lactobacillus10. Contudo, a existência de uma possível relação entre as cáries dentárias durante o período gestacional e os desfechos adversos na gravidez foram pouco explorados.

Considerando os crescentes estudos acerca das patologias orais com desfechos adversos da gestação, faz-se necessário sintetizar as evidências científicas para avaliar eventuais correlações. Dessa forma, o presente estudo objetivou revisar a literatura atual referente aos desfechos adversos da gestação associados à presença de cáries dentárias nas gestantes durante o período gestacional.

METODOLOGIA

O presente estudo consiste em uma revisão integrativa da literatura, método que proporciona a síntese do conhecimento e a combinação de dados da literatura teórica e empírica, além de incorporar um vasto leque de propósitos, como definição de conceitos, revisão de teorias e evidências, e análise de problemas metodológicos de um tópico específico. Para o desenvolvimento da revisão integrativa, iniciamos pela definição da nossa pergunta norteada, construída através da estratégia PECO, acrônimo para População (P), Exposição (E), Comparador (C) e Desfecho (O), conforme presente no Quadro 1. Assim, nossa pergunta norteadora foi “A cárie dentária em gestantes possui relação com desfechos adversos da gravidez?”

Quadro 1: Acrônimo PECO

AcrônimoDefiniçãoDescrição
PPopulation/ProblemGestantes
EExposurePresença de cárie dentária
CComparisonNão se aplica
OOutcomeDesfechos adversos da gravidez

Fonte: Elaboração própria. Baseado nas diretrizes metodológicas para elaboração de revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais comparativos sobre fatores de risco e prognóstico do Ministério da Saúde11

Uma busca eletrônica foi realizada nas bases de dados PubMed, Periódicos CAPES, BVS e SciELO, entre setembro e outubro de 2023. O Google Acadêmico foi utilizado para condução de buscas livres. O DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) foi utilizado para definir os descritores, em inglês, português e espanhol. Os descritores utilizados foram: “cárie dentária”, “gravidez” e “odontologia”. Apenas estudos publicados em inglês, português e/ou espanhol, publicados entre 2013 e 2023, cujo objeto de estudo foram os desfechos adversos da gestação e a cárie dentária, foram incluídos. Relatos de caso, teses, dissertações, manuscritos não publicados e publicações que não abordassem a problemática proposta, foram excluídos. Dos artigos analisados, 6 foram elegíveis e, portanto, incluídos nesta revisão.

A estratégia de busca em cada base de dados selecionada está contida no Quadro 2. Após a busca eletrônica, as referências de todos os artigos encontrados foram organizadas no Zotero, o que possibilitou a exclusão dos artigos duplicados. A busca inicial resgatou, ao todo, 679 estudos após a remoção das duplicatas. A seleção dos estudos se deu, inicialmente através da leitura dos títulos e resumos, resultando em 16 estudos, considerando os critérios previamente estabelecidos. Por fim, realizou-se a leitura dos artigos na íntegra, e assim, 6 estudos foram incluídos na amostra final da pesquisa. Em casos de discordância, as publicações foram revisadas por todos, e as decisões foram tomadas em consenso.

Quadro 2: Estratégias de Busca

Base de dadosEstratégia de busca
PubMed((dental caries OR cárie dentária OR caries dental) AND (odontologia OR odontología OR dentistry OR oral health OR saúde bucal OR salud bucal) AND (pregnancy OR embarazo OR gravidez OR Premature Birth OR Nacimiento Prematuro OR Nascimento Prematuro OR Recém-Nascido de Baixo Peso OR Infant, Low Birth Weight OR Recién Nacido de Bajo Peso OR Pré-Eclâmpsia OR Pre-Eclampsia OR Preeclampsia) AND (y_10[Filter]))
BVS(dental caries OR cárie dentária OR caries dental) AND (odontologia OR odontología OR dentistry OR oral health OR saúde bucal OR salud bucal) AND (pregnancy OR embarazo OR gravidez OR premature birth OR nacimiento prematuro OR nascimento prematuro OR recém-nascido de baixo peso OR infant, low birth weight OR recién nacido de bajo peso OR pré-eclâmpsia OR pre-eclampsia OR preeclampsia) AND (year_cluster:[2012 TO 2022])
SciELO(dental caries OR cárie dentária OR caries dental) AND (odontologia OR odontología OR dentistry OR oral health OR saúde bucal OR salud bucal) AND (pregnancy OR embarazo OR gravidez)
Periódicos CAPES(dental caries OR cárie dentária OR caries dental) AND (odontologia OR odontología OR dentistry OR oral health OR saúde bucal OR salud bucal) AND (pregnancy OR embarazo OR gravidez)
Google AcadêmicoBusca livre

Fonte: Elaboração própria.

RESULTADOS

A busca eletrônica resultou em 849 estudos, dos quais 679 foram recuperados após a remoção das duplicatas. Após a leitura dos títulos e resumos, 16 estudos foram selecionados para leitura na íntegra e avaliação quanto à metodologia, dos quais 10 foram excluídos por não se enquadrarem nos critérios de inclusão. Assim, foi encontrado um total de 6 estudos elegíveis para inclusão nesta revisão. Em relação ao desenho dos estudos, foram incluídos 2 revisões sistemáticas com metanálise (33,3%), 1  caso-controle (16,6%), 1 coorte prospectivo (16,6%) e 2 estudos transversais (33,3%) (Quadro 3).

Figura 1. Fluxograma do processo de triagem do título/resumo e do texto completo para seleção dos artigos incluídos na revisão.

Fonte: Elaboração própria.

Á metodologia, dos quais 10 foram excluídos por não se enquadrarem nos critérios de inclusão. Assim, foi encontrado um total de 6 estudos elegíveis para inclusão nesta revisão. Em relação ao desenho dos estudos, foram incluídos 2 revisões sistemáticas com metanálise (33,3%), 1  caso-controle (16,6%), 1 coorte prospectivo (16,6%) e 2 estudos transversais (33,3%) (Quadro 3). O processo de busca e seleção dos estudos está descrito na Figura 1.

Quadro 3: Classificação dos estudos quanto aos autores/ano, local de estudo, desenho de estudo, amostra, fatores avaliados e resultados principais.

AUTOR E ANO DE PUBLICAÇÃOLOCALDESENHO DE ESTUDOAMOSTRAAVALIAÇÃORESULTADOS
Kadhim et al., 20221IraqueEstudo transversal200 gestantesPresença de cárie dentária e parto prematuro17.9% das gestantes que apresentaram cáries dentárias, sofreram parto prematuro.
Serrano-Sanchez et al., 202212    Foi observado que quanto maior o nível de higiene bucal materna, maior o peso ao nascer do bebê.
Shukla et al., 202113N/ARevisão sistemática e metanálise8 estudosPresença de cárie dentária e parto prematuroNenhuma associação foi identificada entre a ocorrência de cáries dentárias em gestantes e o risco de parto prematuro.
Cho et al., 202014Coréia do SulCoorte prospectivo120.622 gestantesPresença de cárie dentária e desfechos adversos gestacionais (Nascimento prematuro, baixo peso ao nascer (BPN) e grande para a idade gestacional (GIG)Não houve associação positiva entre a cárie dentária não tratada e o risco de parto prematuro e pré-eclâmpsia. Contudo, a cárie dentária foi associada ao risco de parto de bebês grandes para a idade gestacional.
Vieira et al., 201915BrasilCaso-controle279 (91 casos de parto anterior a 37 semanas; 188 controles – casos de parto em 37 semanas ou após)Presença de cárie dentária e parto prematuroNenhuma associação foi identificada entre a ocorrência de cáries dentárias em gestantes e o risco de parto prematuro.
Wagle et al., 201816N/ARevisão sistemática e metanálise4.826 gestaçõesPresença de cárie dentária e parto prematuroNão foi identificada associação entre a ocorrência de cáries dentárias em gestantes e o risco de parto prematuro.
Harjunmaa et al., 201517República do MalawiEstudo transversal1391 gestaçõesPresença de lesão cariosa associada ou não a lesão periapical e desfechos adversos gestacionais (parto prematuro, baixo peso ao nascimento, raquitismo neonatal e pequeno perímetro cefálico)A cárie dentária não associada a lesão periapical não apresentou associação positiva com desfechos adversos da gestação.
DISCUSSÃO

Evidências na literatura apontam que processos infecciosos em gestantes podem acarretar alterações hormonais e no perfil de citocinas maternas, podendo resultar em trabalho de parto prematuro e ruptura prematura de membranas amnióticas18. Além disso, tem-se observado que as gestantes são mais susceptíveis ao desenvolvimento de cáries dentárias devido a fatores como consumo frequente de alimentos ricos em carboidratos fermentáveis, má higiene bucal e redução do pH da cavidade bucal decorrente de quadros de êmese gravídica e diminuição do fluxo salivar19,20.

A cárie dentária é uma doença multifatorial, infecciosa, na qual microrganismos provocam a destruição localizada dos tecidos mineralizados do dente1,2. Evidências na literatura relatam a associação do parto prematuro e pré-eclâmpsia com doenças crônicas de origem inflamatória, como as doenças periodontais21-23. Dessa forma, por ser uma doença que pode acarretar repercussões inflamatórias, além de possuir origem infecciosa, levantamos a hipótese de que o processo infeccioso decorrente da cárie dentária poderia estar relacionado a desfechos adversos na gestação.

Entre os estudos incluídos na amostra, não foi relatada associação significativa entre as cáries dentárias durante o período gestacional e parto prematuro, e pré-eclâmpsia1,13-17. Um estudo transversal conduzido por Kadhim et al., 2022 buscou descrever a incidência de cárie dentária entre gestantes, avaliando sua saúde bucal através de um questionários de relacionados a indicativos de saúde bucal e do índice DMFT (acrônimo inglês para dentes permanentes cariados, perdidos ou obturados). Dados referentes à idade das gestantes, histórico médico, gravidez anterior, histórico dentário, presença de quaisquer queixas dentárias durante a gravidez e práticas de higiene bucal também foram coletados. O estudo comparou a incidência de cáries nas gestantes com a ocorrência de partos prematuros. Contudo, apenas 2,5% da amostra total de gestantes apresentou cárie dentária e o parto prematuro como desfecho gestacional. Portanto, considerando o tamanho da amostra e as limitações metodológicas, os dados são insuficientes para sustentar a hipótese1.

Os achados obtidos através das revisões sistemáticas com metanálise relataram que a ocorrência de cárie dentária não tratada nas gestantes não apresentava risco aumentado para o parto prematuro. Algumas das hipóteses levantadas pelos estudos para justificar a falta de associação entre esses fatores foram a reversibilidade das lesões cariosas em estágio inicial e a falta de magnitude da disseminação bacteriana e subsequente produção de mediadores pró-inflamatórios induzidos pelos patógenos orais, de modo que não seriam capazes de acarretar no parto prematuro13,16.

Os achados de Harjunmaa et al., 2015, no entanto, apresentam considerações relevantes concernentes à progressão da lesão cariosa. Os autores apontam que lesões cariosas sem lesão periapical associada não foram associadas a nenhum desfecho adverso gestacional, mas, a lesão periapical foi associada a um tempo reduzido da duração gestacional e restrição de crescimento intrauterino17. As lesões periapicais podem decorrer de trauma, desgaste dentário, mas sobretudo, de cáries extensas, nas quais a lesão cariosa acarretou a necrose da polpa dentária, e o processo infeccioso se disseminou para o periápice17,24.

Chaemsaithong et al., 2022 relataram um caso clínico de infecção intra-amniótica, corioamnionite clínica e septicemia causada por Streptococcus mitis (S. mitis). O caso relata uma septicemia por S. mitis e corioamnionite clínica desenvolvidas a partir de periodontite crônica e cárie dentária. Paciente apresentava dente com necrose pulpar e periodontite apical aguda, lesões cariosas profundas e fratura do primeiro molar inferior direito25. O S. mitis é um estreptococo do grupo viridans, cuja presença para a maioria das pessoas é benigna. Contudo, o  S. mitis pode causar uma variedade de infecções, variando de cárie dentária a endocardite infecciosa bacteriana, bacteremia, meningite, infecções oculares e pneumonia26. Dessa forma, esses estudos fomentam a hipótese de que a cárie dentária, enquanto processo infeccioso pode acarretar complicações significativas a depender de sua extensão.

Um estudo de coorte prospectivo conduzido por Cho et al., 2020, contudo, apesar de relatar a falta de associação entre a cárie dentária e o parto prematuro e pré-eclâmpsia, relatou uma associação positiva entre a cárie dentária com o risco de parto de bebês grandes para a idade gestacional. Embora o mecanismo responsável pelo aumento do risco de parto de bebês grandes para a idade gestacional não esteja elucidado, postula-se que essa associação seja decorrente do estilo de vida sedentário e hábitos alimentares da gestante, os quais estariam diretamente relacionados ao excesso de peso do recém-nascido ao parto e às condições bucais da gestante14. Nesse aspecto, um estudo transversal conduzido por Serrano-Sánchez et al., 2022 observou que dentro da amostra estudada, foi observado que quanto maior o nível de higiene bucal materna, maior o peso ao nascer do bebê12.

Outro achado do estudo é que gestantes sem cárie dentária, em comparação com as mulheres com cárie dentária, apresentaram maior prevalência de obesidade e alto nível de glicemia de jejum. Porém, foi relatado que mesmo após os ajustes na obesidade e da glicemia em jejum, as gestantes com cárie dentária apresentaram um risco aumentado de parto de bebês grandes para a idade gestacional14. Dessa forma, é necessário a condução de mais estudos buscando avaliar outros fatores além dos contemplados que possam ajudar a elucidar esse mecanismo.

Embora a maioria dos estudos contemplados não tenham observado relação significativa entre a cárie dentária e desfechos adversos na gravidez, eles ressaltam a importância da promoção da saúde bucal para as gestantes1,13-17. Isso se justifica pela maior susceptibilidade das gestantes ao desenvolvimento de acometimentos bucais, sobretudo a doença periodontal, que possui impactos negativos sobre a gravidez8. Além disso, um estudo de revisão sistemática aponta que o risco de transmissão da microbiota cariogênica da gestante para o bebê não deve ser desconsiderado16.

CONCLUSÕES

Através dos estudos contemplados na presente revisão, constatou-se que apenas um relatou associação positiva entre a cárie dentária e um desfecho adverso da gestação: o parto de bebês grandes para a idade gestacional. Os estudos foram unânimes ao relatar a não associação entre a presença de cáries dentárias em gestantes e desfechos adversos da gestação como o parto prematuro e a pré-eclâmpsia. Entretanto, as evidências presentes na literatura ainda são escassas.

O estudo acerca das possíveis associações entre patologias que acometem cavidade bucal e desfechos adversos da gestação é fundamental para o cuidado integral da gestante. Dessa forma, faz-se necessário a realização de estudos com maior rigor metodológico que busquem avaliar o papel da cárie dentária nos desfechos adversos da gestação, sobretudo relacionado ao parto de bebês grandes para a idade gestacional.

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1ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4148-1288
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: rosana.travassos@upe.br

2ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0572-350X
Universidade de Pernambuco, Brasil E-mail: andressa.mmaranhao@upe.br

3ORCID:https://orcid.org/0000-0001-6181-900X
Universidade de Pernambuco, Brasil E-mail: luizsduda@gmail.com

4ORCID: https://orcid: 0000-0002-8348-5677
Universidade de Pernambuco, Brasil E-mail: julia.verissimo@upe.br

5ORCID: https://orcid: 0009-0006-0962-9894
Universidade de Pernambuco, Brasil Email: leticia.osantos@upe.br

6ORCID: https://orcid: 0009-0009-5990-6329
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: joao.espindola@upe.br

7ORCID: https://orcid: 0000-0002-9044-622X
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: daniel.torres@upe.br

8ORCID: https://orcid: 0000-0002-7654-566X
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: yanne.simiao@upe.br

9ORCID: https://orcid: 0000-0002-7946-8794
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: rafaela.oliveiracavalcanti@upe.br

10ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5583-4649
Universidade de Pernambuco, Brasil Email:angelamaisa16@gmail.com

11ORCID: https://orcid.org/0009-0003-2883-1666
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: julia.alvesc@upe.br