REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410021048
Elenir Campelo Gomes; Ernandes Tadeu Barral de Carvalho; Alan Pantoja Cardoso; Amanda Santos da Silva; Zainovan Serrão Pereira; Elisangela Freitas da Silva; José Robertto Zaffalon Júnior; Gileno Edu Lameira de Melo; Roseane Monteiro-santos.
RESUMO
Objetivo: Avaliar os impactos de um programa de jogo, sobre o desenvolvimento motor de crianças com SD participantes da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) no município de Tucuruí-PA. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa de abordagem quali-quantitativa, em nível descritivo. Participaram da pesquisa 3 (três) crianças, sendo uma com 11 anos (criança 1), uma com 7 anos (criança 2) e uma com 10 anos de idade (criança 3), dois meninos e uma menina, todas atendidas pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE – Tucuruí). O estudo foi realizado por meio da aplicação de um programa de jogos e brincadeiras, com base no Manual de Intervenção Motora de Rosa Neto et al. (2016), utilizando tecnologias pedagógicas e fez-se uso da Escala de Desenvolvimento Motor – EDM (ROSA NETO, 2002) para procedimento de testes pré e pós-intervenção. As aulas ocorreram 2 vezes por semana, tendo duração de 50 min diários, sendo os atendimentos realizados de forma individual. Resultados: Observou-se atraso motor em todos os participantes, sendo estes classificados com Quociente Motor Geral (QMG) ‘Muito Inferior’. Embora os voluntários não tenham alcançado a classificação desejada para a idade, houve uma melhora de ± 16 meses no QMG, o que significou a aproximação entre Idade Motora (IM) e Idade Cronológica (IC). As crianças 1 e 2 participavam somente do programa de jogos na APAE, já a criança 3, que obteve resultados superiores aos demais avaliados, realizava múltiplas atividades, tendo um acréscimo de 24 meses a IMG. Conclusões: Conclui-se que o jogo pode influenciar de forma positiva no desenvolvimento motor da criança com SD, todavia a estimulações por meio de atividades múltiplas podem potencializar o desenvolvimento motor da criança. A predominância de estudos transversais, dificulta a sistematização de um modelo de intervenção voltado para atender crianças com SD, para tanto, salientamos a necessidade de que novos modelos de intervenção sejam propostos afim de oferecer aporte para a atuação com este público.
PALAVRAS-CHAVE: Síndrome de Down. Desenvolvimento Motor. EDM. Jogo. Crianças.
1 – INTRODUÇÃO
O desenvolvimento motor compreende o processo natural e continuo de mudança no comportamento motor dos indivíduos, é um fenômeno singular e sofre influência direta de fatores ambientais, biológicos e de tarefa. Para tanto, a partir de uma análise geral da população, propõem-se atributos motores que o sujeito deve apresentar em determinadas faixas etárias, caracterizando seu desenvolvimento como típico, no entanto indivíduos acometidos por disfunções ou anomalias, como a Síndrome de Down (SD), situam-se fora desta delimitação, sendo tidos como atípicos (GALLAHUE E OZMUN, 2013).
Lepre (2008) aponta o desenvolvimento atípico, como o retardo na aprendizagem motora em detrimento a crianças da mesma faixa etária, podendo ser um prejuízo referente a aspectos físico, mental, emocional e motor. Priost et. al (2013) em seu estudo ressaltam que a pessoa com SD apresenta algumas características que são comuns a síndrome como mão grossa e pequena, dedos curtos com dedos mínimos arqueados, características estas que podem ocasionar dificuldades para exercer atividades manipulativas. Alterações musculoesqueléticas também são características comuns a essa anomalia, como a baixa estatura, frouxidão ligamentar, distúrbios na densidade mineral óssea, e diminuição das cartilagens.
A aquisição de habilidades motoras está condicionada ao desenvolvimento da percepção do corpo, espaço e tempo, e essas tendências constituem componentes de domínio básico para a aprendizagem motora nas fases iniciais do indivíduo. Isso quer dizer que, ao conquistar um bom comando motor, o ser humano estará proporcionando a si mesmo os princípios básicos para o seu desenvolvimento intelectual. Portanto, o fato de proporcionar maiores experimentações motoras ao ser humano enquanto criança estará precavendo de comprometimento de habilidades motoras, sociais e cognitivas (ROSA NETO, 2010).
Entendendo o desenvolvimento motor como um agrupamento de alterações no movimento humano, resultante da relação entre comportamentos genéticos e culturais cotidianos, é necessário compreender como ele acontece em crianças com SD e buscar meios para intervir neste cenário, haja vista que a falta de estimulação ambiental é mais prejudicial do que suas características biológicas, proporcionando transformações no comportamento motor das crianças, e assim tendo grande relevância na formação do indivíduo (GALLAHUE; OZMUN, 2005).
Partindo destas premissas e por meio das experiências obtidas em vivências de estagio, com alunos afetados pela síndrome, surge o interesse de identificar a idade motora de indivíduos que possuem a trissomia no cromossomo 21 e avaliar o desenvolvimento motor a partir de um programa de jogo.
Compreendendo o jogo como ferramenta de socialização e aprendizagem, Huizinga (2001, p. 33) o considera como:
uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da vida quotidiana.
Endossando este pensamento, Kishimoto (2011) aponta o jogo como elemento combinatório entre o pensamento e a linguagem, que através do brincar a criança consegue perceber o mundo exterior e interior e, desenvolver capacidades motoras e cognitivas por meio do lúdico.
Neste sentido, a pesquisa visa compreender a influência do jogo sobre o desenvolvimento motor de um grupo de crianças afetadas pela SD, visto que Gallahue e Ozmun (2013), afirmam que o aprimoramento de aspectos motores dos indivíduos possui influencia no desempenho psicomotor.
O estudo mostra sua relevância por apresentar uma possibilidade didático-metodológica no trato de crianças com SD e fornecer aporte teórico para futuras intervenções. Além de poder ser ferramenta para contribuir com a inserção social das crianças com SD, que por vezes são privadas de atividades esportivas, seja por preconceito ou falta de conhecimento de como aplica-las.
O objetivo geral da pesquisa é avaliar os impactos de um programa de jogo, sobre o desenvolvimento motor de crianças com SD participantes da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) no município de Tucuruí-PA.
2 – DESENVOLVIMENTO MOTOR E SINDROME DE DOWN
A SD é a anormalidade cromossômica mais recorrente ligada ao retardo mental, com ocorrência de 1 em cada 700 nascidos vivos. Esta foi percebida pelo Dr. John L. H. Down, durante a década de 1860, e se configura como uma alteração no cromossomo 21, podendo ser de três tipos: a trissomia (92 a 95% dos casos); o mosaico (2 a 4%); e, translocação (3 a 4%). (TRINDADE E NASCIMENTO, 2016).
Gallahue e Ozmun (2013) evidenciaram que a prevalência desta síndrome interfere diretamente no processo de desenvolvimento motor do indivíduo, sendo um acontecimento hermético que engloba a totalidade dos aspectos do comportamento humano, caracterizando-se como um fenômeno que ocorre ao longo da vida, portanto um processo contínuo.
No que tange a importância da estimulação precoce para o desenvolvimento da criança Mattos e Bellani (2010) atentam para o prejuízo causado pela falta de estímulos prazerosos no início da vida, que negligenciar esta etapa pode culminar em problemas na aprendizagem sensorial assim como no desenvolvimento motor.
Segundo Silva e Abreu (2019) as brincadeiras são ótimas ferramentas para estimular o desenvolvimento motor de crianças com a SD, por atuarem no fortalecimento de músculos, melhora da postura, além de contribuir para o processo de socialização e aprimoramento de aspectos afetivos.
O desenvolvimento motor em uma criança com SD se caracteriza de uma forma muito peculiar, para isso, leva-se em conta o esperado índice de déficit mental. Porém, no olhar de alguns pesquisadores entende-se que a deficiência mental não é o problema que se deve dar mais destaque, e sim as capacidades motoras e cognitivas que a pessoa com a síndrome possui para se poder desenvolvê-las (TRINDADE E NASCIMENTO, 2016).
3 – JOGO E SINDROME DE DOWN
Kishimoto (1997) pontua que os jogos são atividades comuns ao ser humano desde a antiguidade, afirma que estes atuam como elemento fundamental, principalmente na infância, equiparando o seu grau de significância à criança ao trabalho de um adulto.
De acordo com Silva e Barreto (2012), existem inúmeras maneiras de se estimular o desenvolvimento motor e cognitivo da criança com SD desde os seus primeiros anos de vida, maneiras como a música e a dança, a equoterapia, a natação, jogos e diversas outras atividades que satisfazem um desempenho evidente no desenvolvimento das capacidades da criança.
Para Silva e Vidal (2014) a atividade lúdica proporciona situações de interação que podem superar a expectativa de uma aula expositiva dos conceitos. O jogo parece como uma boa estratégia para o ensino de conceitos básicos de movimento e conceitos linguísticos como da orientação espacial e temporal. Esses conceitos são importantes para a obtenção de conhecimentos básicos do cotidiano de qualquer pessoa e precisa também ser desenvolvido nas pessoas com SD.
Silva e Barreto (2012) explicam que para a criança, a participação de múltiplas experiências e ações está encoberta de uma importância significativa na direção dos padrões básicos de movimento. Pensando nisso, o bebê com SD pode experimentar de diversos movimentos, e aprender a nadar, andar, correr, falar, etc. Isto é, se lhes forem dispostas oportunidades práticas de exercício, encorajamento e instrução de valor. A estimulação adiantada fornecerá o desenvolvimento e aprimoramento das habilidades psicomotoras da criança com SD, sendo assim, instituições como escola e associações de apoio são lugares em que a criança terá uma ação mais aprofundada refletindo em um desenvolvimento mais ágil.
Quando falamos da aprendizagem de crianças com SD, pode-se notar que existe um grande potencial nestes alunos para aprender e precisam ser estimulados a isso para que aprimorem suas habilidades. Schwartzman (2003) observa que há uma melhoria alcançada pelos alunos com SD no seu desenvolvimento nas últimas décadas, essa melhora pode ser ocasionada não somente ao trabalho da estimulação adiantada, mas, sem equivoco, também a outras situações específicas, entre elas as atitudes de familiares devem ser mais positivas, melhores condições de saúde e atendimento educacional adequado.
4 – MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa quase experimental de abordagem quali-quantitativa, em nível descritivo, sendo definida como um procedimento sistemático de investigação para rever ou ampliar o conhecimento existente, descobrindo novos fatos, discutindo novas formas de pensar, retificando antigas conclusões, desenvolvendo novas tecnologias e estabelecendo novas teorias, bem como avaliar de formar numéricas dados coletados na pesquisa.
Teixeira (2011) define que a pesquisa qualitativa ou interpretativa tem base em métodos associados às ciências sociais e por meio dela o pesquisador visa aproximar teoria e dados, a partir de uma análise fenomenológica, na qual as experiências do pesquisador são elementos fundamentais para a compreensão dos fenômenos estudados, enquanto a pesquisa quantitativa faz uso de técnicas estatísticas variadas para mensurar dados.
O estudo foi realizado por meio da aplicação de um programa de jogos e brincadeiras, com base no Manual de Intervenção Motora de Rosa Neto et al. (2016), utilizando tecnologias pedagógicas e fez-se uso da Escala de Desenvolvimento Motor – EDM (ROSA NETO, 2002) para procedimento de testes pré e pós intervenção. Contribuíram com a pesquisa 3 crianças com SD participantes da APAE no município de Tucuruí-PA, que atualmente conta com um quantitativo total de 108 pacientes, com déficits psicomotores diversos, com idades que variam desde os primeiros meses de vida até a idade adulta, sendo destas 14 com SD e menores de 11 anos.
O objetivo da EDM é avaliar o desenvolvimento motor de crianças na faixa de 2 a 11 anos. Esta faz uso de testes de habilidade motora fina e global, esquema corporal, organização espacial e temporal, e lateralidade e, determina a idade motora (obtida através dos pontos alcançados nos testes) e o quociente motor (obtido pela divisão entre a idade cronológica, em meses, multiplicado por 100).
Se identificado que a idade cronológica é maior do que a idade motora, podemos afirmar que o indivíduo se encontra numa EDM abaixo do que é esperada para a faixa etária, por isso considerada uma idade negativa, e quando a idade motora é mais avançada do que a idade cronológica se observa uma EDM acima do normal sendo considerada em uma idade positiva.
Embora a EDM compreenda crianças na faixa de 2 a 11 anos, neste estudo foram atendidas crianças com faixa etária de 7 a 11 anos de idade. 14 crianças foram convidadas a participar do estudo, no entanto, devido a fatores socioeconômicos, divergência de horários ou resistência à prática de atividades físicas, por parte dos responsáveis, não obtiveram autorização para participar das atividades.
Além dos fatores outrora citados, a delimitação do intervalo de idade também se justifica pela afirmativa de Gallahue e Ozmun (2005), ao atentarem que a partir dos seis anos de idade a criança é marcada por um processo de desenvolvimento sensorial e motor mais amplo e aprimorado em relação às idades anteriores, pois é nesse momento de transição da fase motora fundamental para a especializada é que as capacidades estabilizadoras, locomotoras e manipulativas fundamentais são progressivamente refinadas.
4.1 PARTICIPANTES
Participaram da pesquisa 3 (três) crianças, sendo uma com11 anos (criança 1), uma com 7 anos (criança 2) e uma com 10 anos de idade (criança 3), dois meninos e uma menina, todas atendidas pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE – Tucuruí). Todos os atendidos frequentavam o ensino regular, no entanto as crianças 1 e 2 participam de atividades somente na APAE enquanto a criança 3 praticava outras atividades físicas fora da associação.
Foram aplicados como critérios para inclusão dos participantes no projeto os requisitos, a saber: a) Ser afetado pela SD; b) Ser atendido pela APAE Tucuruí; c) Ter entre 2 e 11 anos de idade; d) Assinar o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). Para tanto, não tiveram seus resultados quantificados nos dados do estudo os participantes que obedecerem a qualquer uma das seguintes situações: a) Não participar do pré e/ou do pós-teste.
4.2 PROCEDIMENTOS
As atividades foram organizadas a partir de adaptações de um modelo proposto por Santos, Weiss e Almeida (2010), como demonstra o cronograma a seguir (tabela 1), de modo a potencializar a aprendizagem dos participantes:
Tabela 1: Cronograma de atividades por competências
PERÍODO | DESCRIÇÃO | ATIVIDADES |
1ª semana | Semana de adaptação | Encaixar formas; Desenhar contorno de mãos e pés; Boliche; Caminhar em linha reta; Acertar bola de tênis de mesa em um copo descartável; Circuito motor (rolamento lateral, contornar obstáculos, rastejar e saltar sobre uma corda rente ao chão) |
2ª semana | Pré-teste | Escala de Desenvolvimento Motor |
3ª a 5ª semanas | Motricidade global; Equilíbrio; Noção Espacial | Passar a bola por cima da cabeça e entre as pernas; Transposição lateral; Cama de gato; Trave de equilíbrio; Percorrer caminho; Corre cutia; Desenhar contornar do corpo; Atividades com bola; Equilíbrio da bola Suíça; Cabra cega; Montar formas. |
6ª a 8ª semanas | Motricidade fina; Lateralidade | Atividades com bola de gude; cordão de canudos; Painel multifuncional; Amarrar cadarço; atividades de pinça; labirinto manual com bola de gude; Fazer bolinhas de papel; Pescaria; Costurar formas; Acertar alvo; Torre de copos; |
9ª a 11ª semanas | Organização temporal; Esquema corporal | Jogo da memória; Telefone sem fio; Montar boneco de isopor; Montar quebra cabeça; Reproduzir sons; Jogos eletrônicos de encaixe; Montar desenhos. |
12ª semanas | Pós-teste | Escala de Desenvolvimento Motor |
O objetivo do modelo de sistematização proposto está fixado em estimular o desenvolvimento das capacidades motoras: motricidade global, equilíbrio, noção espacial, motricidade fina, lateralidade, organização temporal e esquema corporal. As atividades foram realizadas de forma lúdica e visando a articulação entre a utilização de capacidades afins.
A intervenção ocorreu em uma sala ampla e climatizada, medindo 70 m2, localizada no prédio da APAE e na sala de lutas do campus XIII da UEPA 105 m2. Foram utilizadas tecnologias pedagógicas diversas para trabalhar cada capacidade supracitada. Os atendimentos ocorreram de forma individual, tendo duração de 50 min e 2 vezes por semana.
Inicialmente, na semana de adaptação, os atendimentos foram realizados em grupo, no entanto, notou-se uma grande dificuldade de desenvolver as atividades propostas de forma efetiva, então se optou pelo atendimento individualizado aos participantes.
Com base no manual de intervenção motora proposto por Rosa Neto et al. (2016), as atividades foram organizadas de acordo com as capacidades que se queria trabalhar, respeitando o cronograma de aplicação, partindo de tarefas simples para mais complexas e utilizando-se de regressões e progressões na tarefa de acordo com a necessidade da criança atendida.
A aplicação das atividades foi direcionada a partir da análise subjetiva realizada na semana de adaptação e com base nos resultados apresentados no pré-teste.
5 – RESULTADOS
Foram avaliadas 3 crianças com SD, com idade cronológica variando entre 86 e 138 meses. Com base na tabela abaixo desenvolvida por Rosa Neto (2002), considera-se a análise das variáveis de Quociente Motor Geral (QMG), na qual podemos caracterizar o padrão de desenvolvimento da criança em ‘Muito Superior’, ‘Superior’, ‘Normal Alto’, ’Normal Médio’, ‘Normal Baixo’, ‘Inferior’ e ‘Muito Inferior’.
Tabela 2: Quociente Motor
QMG | Classificação |
130 ou mais | Muito Superior |
120 – 129 | Superior |
110 – 119 | Normal Alto |
90 – 109 | Normal Médio |
80 – 89 | Normal Baixo |
70 – 79 | Inferior |
69 ou menos | Muito Inferior |
O QMG é dado a partir da relação entre Idade Motora Geral (IMG) e Idade Cronológica (IC), QMG = (IMG/IC)*100. Para tanto, quanto maior a IMG melhor o QMG, sendo esperada IMG ≥ IC do indivíduo.
Partindo disso, a tabela 3 mostra os resultados obtidos da análise das variáveis de IMG, IC, QMG a partir da aplicação da EDM nas três crianças participantes da pesquisa, antes e após a execução do programa de atividades proposto como modelo para intervenção.
Tabela 3: resultados pré-teste
Fonte: próprios autores
Observa-se atraso motor em todos os participantes, sendo estes classificados com QMG ‘Muito Inferior’. Embora os voluntários não tenham alcançado a classificação desejada para a idade, é nítida a melhora obtida ao termino do período de intervenção. A criança 3 obteve resultados superiores aos demais avaliados, tendo um acréscimo de 24 meses a IMG. Com isso, é valido ressaltar sua participação em atividades fora do ambiente da instituição, concomitantes ao programa de jogos, o que pode ter somado para a melhora obtida nos resultados no pós teste.
A diferença existente entre IC e IMG foi atenuada ao longo das 9 semanas de atividades, o gráfico 1 esboça a aproximação entre estas variáveis percebida no pós teste.
Gráfico 1: Relação IMG e IC
Na relação de IMG e IC os três participantes são notados com avanços. Embora que a criança 1 e criança 2 tenham mostrado desempenho nos valores de IMG semelhantes, a criança 2 por sua vez obteve QMG melhor em detrimento de sua IC ser menor quando comparada as demais crianças. Nesta mesma análise observamos que a criança 3 mostrou desempenho maior de IMG em relação as ou outras, obtendo um avanço de 24 meses no pós-teste, em comparação ao que foi avaliado no pré-teste.
No gráfico 2, os participantes são avaliados segundo as capacidades motoras estipuladas pela EDM, onde é avaliado a média de desempenho motor dos participantes em cada capacidade motora.
Para este publico nota-se o avanço em todas as capacidades avaliadas, o equilíbrio apresentou melhora significativa com aumento de 20 meses. Em contrapartida, a organização temporal, grupo de atividades referente a fala, foi o que apresentou menor crescimento, visto o atraso expressivo deste componente em todos os avaliados.
Gráfico 2: análise das capacidades motoras
Os valores obtidos nos testes referentes à motricidade fina, esquema corporal e organização espacial mostraram crescimento semelhante de ±19 meses. Todos os participantes alcançaram melhores resultados numéricos no componente motricidade global, mesmo havendo acréscimo de somente 11 meses ao término da intervenção, este permaneceu acima da média geral das capacidades analisadas.
6 – DISCUSSÃO
Os resultados da pesquisa evidenciam o atraso no desenvolvimento motor, caraterístico das crianças com SD. Piedade e Pottker (2018) atentam para a dificuldade que estas possuem em relação a equilíbrio, lateralidade, organização espaço temporal, esquema corporal, coordenação motora fina e coordenação dinâmica global. Gois e Santos Junior (2018) corroboram salientando o atraso na obtenção de marcos motores em decorrência da síndrome.
Dentre os aspectos observados a motricidade global apresentou resultados superiores a outras capacidades pré-teste, mostrando ser a capacidade menos afetada em decorrência a síndrome dos avaliados. Tal fato pode ser entendido por meio da afirmativa de Costa e Silva (2009) de que ações correlatas a movimentos amplos, que recrutem maiores grupamentos musculares para serem executadas podem ser realizadas com maior desenvoltura, devido a não exigência de especialização de apenas uma estrutura para a execução do movimento. Observou-se uma média no QMG de 62 no pré-teste e 73 no pós-teste desta capacidade nos avaliados dessa pesquisa, este resultado se compara ao de Santos, Weiss e Almeida (2010), que aplicaram um programa de jogos para crianças com SD e evidenciaram o QMG de 36 meses no pré-teste, passando para 48 meses no pós-teste.
O equilíbrio mostrou-se como a capacidade que obteve melhores resultados a partir do programa de intervenção, mostrou a média de QMG de 42 meses no pré-teste para 62 meses no pós-teste das crianças avaliadas por este estudo. No estudo de Santos, Weiss e Almeida (2010), a criança evolui de 48 para 60 meses mostrando avanços significativos após as intervenções motoras. O Equilíbrio é exposto por Santos (2008) como o estado do corpo em manter-se estável ao sofrer influencias de forças atuantes sobre ele e a capacidade de manter posturas, posições e atitudes. O déficit nesta capacidade também é observado por Leite et al. (2016), onde apresentam uma classificação muito inferior das crianças estudadas com esta síndrome, somando com outros estudos transversais presentes na literatura.
Outra capacidade a ser observada neste estudo é a organização temporal das crianças avaliadas, pois se mostrou como a variável mais afetada pela trissomia no cromossomo 21, o QMG desta capacidade foi de 12 meses no pré-teste avançando para 18 meses no pós-teste, evidenciando o avanço de 6 meses após a intervenção. Santos, Weiss e Almeida (2010), não obtiveram resultados significativos em sua pesquisa após 32 encontros. Estes autores ainda afirmam que este fator pode estar relacionado a hipotonia decorrente da síndrome que interfere nas habilidades linguísticas. Portanto, isso evidencia a relação entre aspectos motores e cognitivos e sustenta a afirmativa de que é necessário propiciar estímulos contínuos a estas crianças.
A obtenção destas características motoras possui afinidade com a realização de atividades que estimulem o aprendizado de tarefas motoras, sendo de grande valia para amenizar os atrasos decorrentes da síndrome. Para Araki e Bagagi (2014) é através da interação com o meio em que está inserido que a criança com SD mantem seu Sistema Nervoso Central (SNC) em constante evolução, por meio de estímulos sensoriais.
A inserção da criança, de modo geral, em um ambiente lúdico e prazeroso é fundamental para seu desenvolvimento global, com isso os jogos se mostram uma importante ferramenta para auxiliar na obtenção de marcos motores, bem como na obtenção da autonomia. Santos, Weiss e Almeida (2010), em seu estudo de caso, trabalharam o jogo para desenvolvimento motor e puderam constatar resultados positivos nas variáveis de IMG e QMG. Ainda ressaltam que a aplicação de programas de atividades lúdicas de jogo favorece consideravelmente as crianças com SD. Dessa forma, a pesquisa constata avanços positivos nas capacidades motoras das crianças avaliadas.
Analisando o histórico motor das crianças participantes no estudo foi possível perceber que a criança que participava de múltiplas atividades físicas no seu dia-a-dia obteve maior facilidade na aprendizagem motora. Este fator se tornou evidente, pois a criança 3, participante de múltiplas atividades, mostrou um desempenho consideravelmente superior as outras, um aumento de 24 meses entre o pré e pós teste em detrimento a 12 meses dos demais avaliados. Este pensamento é reafirmado nos estudos de Silva e Barreto (2012), Araki e Bagagi (2014), estes atentam para a importância de atividades diversas no cotidiano da criança com SD, mostrando-se cruciais na obtenção de marcos motores.
A participação da criança com SD nas práticas de atividade física se torna importante, pois neste momento a criança terá experiências e exigências psicomotoras que possibilitarão a potencialização e aperfeiçoamento das suas capacidades motoras que apresentam déficits motores. Entretanto, esse processo de aperfeiçoamento não está restringido somente às aulas de educação física, mas ao corpo institucional em que esta criança está inserida, isto é, a escola tem seu papel fundamental, pois esta através de um plano pedagógico deve ser capaz de inserir essa criança em toda e qualquer atividade desenvolvida na escola.
A escola é o lugar onde a criança exerce metade das suas funcionalidades diárias, pois é nesse ambiente que esta destina pelo menos 4 horas todos os dias do seu tempo. Somando com o pensamento de Gallahue e Ozmun (2013), o desenvolvimento motor da criança sofre influência de fatores ambientais, biológicos e de tarefa, com isso, o ambiente escolar onde a criança com SD está inserida se torna um espaço em que essa criança sofrerá essas influencias, principalmente de fatores de tarefa. Além disso, fatores sócio afetivos também estão presentes neste ambiente através do contato com outras pessoas, das brincadeiras e jogos, e somam para o desenvolvimento psicomotor da criança de forma geral, sendo ela típica ou atípica.
Além da estimulação motora na escola, a estimulação no ambiente familiar mostra sua validade. Observamos neste estudo que o atraso no desenvolvimento motor está presente em todas as crianças com SD, muitas vezes a falta de apoio familiar influencia diretamente para sucesso ou insucesso de intervenções aplicadas a teste público. Leite et al. (2016), afirmam que a boa relação entre pais e filhos traz a criança com qualquer deficiência motora ou cognitiva benefícios para o seu desenvolvimento psicomotor. Quando as necessidades básicas principalmente as afetivas são supridas, são gerados resultados positivos e somando com as influencias escolares corroboram para a maturação dos marcos motores e cognitivos da criança atípica.
Gallahue e Ozmun (2013) reiteram que a estimulação possui papel fundamental na obtenção destes marcos e, por conseguinte na sua independência nas atividades diárias. Esta pesquisa conseguiu comprovar esta afirmativa, pois as crianças atendidas neste estudo apresentaram melhora nas habilidades avaliadas e mesmo se mantendo com QMG muito inferior conseguiram diminuir a diferença entre idade motora a idade cronológica.
Para Gonçalves (2016), estudos mostram que a partir de uma devida orientação aos pais e familiares, recebendo as informações e suportes necessários, possivelmente irão aceitar a criança com SD de forma realista, esta aceitação é ponto chave para o desenvolvimento unilateral da criança atípica. Os pais têm fator principal na inserção da criança com SD em programas de intervenção a partir do diagnóstico da deficiência para inibir o máximo possível os déficits motores decorrentes da síndrome.
O jogo por sua vez valida-se como um forte viés para a estimulação do desenvolvimento motor da criança com SD. A partir do programa de intervenção proposto por esta pesquisa pôde-se trabalhar atividades lúdicas que potencializaram as capacidades em déficits motores apresentados pelas crianças avaliadas. Sailema et al. (2017), afirmam que os jogos são ferramentas de estimulação motora e cognitiva, que pode ser utilizado estrategicamente e com baixo custo, despertando melhorias na aprendizagem motora, alcançando conforto social e familiar nas crianças com SD.
Programas de intervenção que visam a estimulação motora mostram-se capazes de favorecer consideravelmente no desenvolvimento e aprimoramento das habilidades motoras de crianças atípicas. Entretanto, Leite et al. (2016), afirmam que pesquisas voltadas para o desenvolvimento motor de Crianças com SD ainda são escassas e insuficientes, com isso, Gois e Santos Junior (2018) fortificam esse pensamento afirmando que é importante que haja mais produções voltados a este tema, visto que é de suma importância o fornecimento desses dados para os profissionais e famílias que atuam diretamente e indiretamente com essas crianças.
7 – CONCLUSÃO
Conclui-se que, para o grupo de crianças com SD avaliado neste estudo, o jogo apresentou influencia positiva no desenvolvimento motor, todavia, estudos recentes sugerem que estimulações por meio de atividades múltiplas mostraram-se mais eficiente quando comparadas a estímulos unitários.
Os resultados benéficos obtidos por meio da participação em jogos evidenciam a importância de proporcionar tais práticas aos alunos com SD, no ambiente escolar, por meio da sua inserção nas práticas de educação física.
A predominância de pesquisas transversais e o número reduzido de participantes em estudos de campo são alguns dos fatores que dificultam a sistematização de um modelo de intervenção voltado para atender crianças com SD. Para tanto, salientamos a necessidade de novas investigações com um maior número de avaliados e sugerimos a proposição de novos modelos de intervenção afim de oferecer aporte para a atuação com crianças com SD.
REFERÊNCIAS
ARAKI, Isabel Pinto Machado, BAGAGI, Priscilla dos Santos. Síndrome de down e o seu desenvolvimento motor. Revista científica eletrônica de pedagogia – ISSN: 1678-300X Ano XIV – Número 23 – Janeiro de 2014
Borella MP, Sacchelli T. Os efeitos da prática de atividades motoras sobre a neuroplasticidade. RevNeurocienc. 2009;17(2):9-161.
GALLAHUE, D.L; OZMUN, J.C. Compreendendo o desenvolvimento motor: Bebê, criança, adolescente e adulto. 3ed., 2005.
GOIS, Irwina Karen da Frota; SANTOS JUNIOR, Francisco Fleury Uchoa. Estimulação precoce em crianças com síndrome de Down. Fisioterapia Brasil. 2018; 19(5):684-692
GONÇALVES, Genita Sónia Spínola. A importância da intervenção precoce na Criança com Síndrome de Down. 75 f. TCC (Graduação) – Curso de Enfermagem, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2016
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. 243 p. ISBN 8527300753
KISHIMOTO, Morchida Tizuko. Jogos, Brinquedos e a Educação (Org). 14. Ed-São Paulo: Cortez, 2011.
LEITE, M.M.C.R.; et al. Avaliação do Desenvolvimento em Crianças com Sindrome de Down. Ensaios Cienc., Cienc. Biol. Agrar. Saúde, v.20, n.3, p. 142-146, 2016
LEPRE, R. M. Desenvolvimento humano e educação: diversidade e inclusão. Bauru: MEC/FC/SEE, 2008.
MATTOS, Bruna Marturelli; BELLANI, Claudia Diehl Forti. A importância da estimulação precoce em bêbes portadores de síndrome de down: revisão de literatura. Rev. Bras. Terap. e Saúde , Curitiba, v. 1, n. 1, p. 51‐63, jul./dez. 2010.
NETO, Rosa et al. A Importância da avaliação motora em escolares: análise da confiabilidade da Escala de Desenvolvimento Motor. Revista Brasileira de Cineantropométria e Desempenho Humano, v. 12, n. 6, p. 422-427, 2010.
PRIOST, Paula Aivazoglouet al. Força de preensão e destreza manual na criança com Síndrome de Down. Fisioterapia Pesquisa, São Paulo, v. 3, n. 20, p.278-285, set. 2013.
ROSA NETO, Francisco. Manual de Avaliação Motora. Porto Alegre: ArtMed, 2002.
ROSA NETO, Francisco; PIMENTA, Ricardo; FEIJÓ, Annabel; PEREIRA, Aliny. ; ANDREIS, Lucia. ; PEREIRA, Juliana. ; MARIANO, Simone. Manual de Intervenção Motora na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação Especial. 1. ed. Florianópolis: UDESC, 2016. v. 1. 174p
Sailema, Ángel Aníbal et.al. Juegos tradicionales como estimulador motriz en niños con síndrome de Down. Revista Cubana de Investigaciones Biomédicas. 2017;36(2):1-11.
SANTOS, Ana Paula Maurilia dos; WEISS, Silvio Luiz Indrusiak; ALMEIDA, GecielyMunaretto Fogaça de. Avaliação e intervenção no desenvolvimento motor de uma criança com síndrome de down. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v.16, n.1, p.19-30, Jan.-Abr. 2010.
SCHWARTZMAN, J. S. et al. Síndrome de down.2 ed. São Paulo: Memnon: Mackenzie, 2003. 324p.
SILVA, Alexandre Batista da; VIDAL, Lívia Ferreira. A SÍNDROME DE DOWN E ATIVIDADES LÚDICAS NA ESCOLA. Revista EpistemeTransversalis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p.48-60, 2014.
SILVA, Byanca Eugênia Duarte; et al. Estratégias para o desenvolvimento motor, intelectual e social para beneficiários de APAES. Rev. Bra. Edu. Saúde v. 6, n.2, p. 01-04, 2016
SILVA, Gláucia Maria da; ABREU, Sandra Elaine Aires de. Aprendizagem e desenvolvimento da criança com síndrome de down na escola regular. 2019. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Pedagogia) – UniEVANGÉLICA, Anapolis, 2019.
SILVA, Ilza Andrade. BARRETO, Maria Fernanda Fonseca. Análise das modalidades de desenvolvimento cognitivo nas crianças com Síndrome de Down. Caderno Intersaberes, v. 1. N.1, jul./dez., 2012.
TEIXEIRA, Elizabeth. As Três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa. 8.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. 203 p. ISBN 9788532631930 (broch.).
TRINDADE, André Soares; NASCIMENTO, Marcos Antonio do. Avaliação do Desenvolvimento Motor em Crianças com Síndrome de down. Revista Brasileira de Educação Especial, [s.l.], v. 22, n. 4, p.577-588, dez. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1413-65382216000400008.