REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249281316
Maria Roberta Guareschi¹
Nathalia Faria Do Carmo¹
Sandra Cristina Catelan-Mainardes²
INTRODUÇÃO
A síndrome genética denominada Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (SMRKH), é caracterizada por uma forma de agenesia mulleriana com atresia vaginal, anomalias uterinas e tubárias, que podem incluir ausência ou hipoplasia dessas estruturas e que apresenta diversas consequências no estilo de vida da mulher. Acerca da sua epidemiologia no Brasil, apesar de não documentada com exatidão, é estimada sua prevalência de 1 em cada 4.000 a 5.000 nascimentos femininos, nesse contexto, seu diagnóstico ainda enfrenta desafios, principalmente devido acesso limitado de cuidados à saúde em algumas áreas do país e até mesmo a falta de senso comum e divulgação de informações a respeito da doença.
Diante o cenário, apesar da compreensão e o diagnóstico da síndrome estarem em crescente evolução, ainda encontram-se irregularidades devido barreiras culturais e desenvolvimento em diversos lugares do mundo, fator que dificulta o reconhecimento e tratamento adequado. Sendo assim, em países desenvolvidos, somado à maior conscientização entre os profissionais de saúde, há melhor acesso a exames de imagem e testes genéticos, que permitem identificação mais precoce e tratamento mais guiado, com acesso a centros especializados, que facilitam inclusive a compreensão e suporte psicológico à mulher, enquanto em países subdesenvolvidos o diagnóstico se apresenta mais tardiamente, sem o acesso a uma resolução efetiva dos principais problemas carregados com a doença, que conta ainda com suporte psicológico escasso e não apresenta opções acessíveis ao tratamento tanto da atresia vaginal, quanto carece de técnicas para resolução da infertilidade feminina, dificultando a gravidez.
Consoante a isso, essas disparidades vivenciadas por mulheres portadoras da síndrome, representam um problema de saúde pública, abrangendo tanto esferas de saúde física, quanto o bem estar psicológico e emocional. Ademais, contribui com o subdiagnóstico e ineficácia na abordagem, a existência de tabus e estigmas sociais em algumas culturas, relacionados à saúde reprodutiva e necessidade de fertilização, e também ao preconceito acerca de abordagens para criação de neovagina e execução de uma vaginoplastia, aliado ainda a falta de educação sexual adequada, barrando o reconhecimento das jovens sobre os sinais inadequados da condição e impedindo a orientação médica.
Ademais, o padrão de artigos que abordam a questão psicológica tem mudado com o passar dos anos, mas ainda reflete um cenário pouco comentado, trazendo ainda mais relevância para estudos que abordam esse setor, considerando a necessidade e valorização frequente do bem estar psíquico bem como o físico nos dias atuais, aspecto que influencia positivamente a maneira como será interpretado, tanto o tratamento quando a valorização das mulheres sindrômicas, contribuindo para uma decisão consistente a respeito da questão sexual, fertilidade e maternidade, que poderão reduzir as angústias e preocupações concomitantes.
Dessa forma, o presente resumo expandido, teve como objetivo, discutir principalmente a perspectiva psíquica e sexual de pacientes portadoras da síndrome Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (SMRKH), que apresenta diversas consequências no estilo de vida da mulher, não só físico, mas também mental. Portanto, a busca foi baseada em rede de dados eletrônicos, como Pubmed, Lilacs e Medline, a partir de artigos publicados entre 2014 e 2024, usando trabalhos científicos completos em língua portuguesa e inglesa. Objetivou-se avaliar qual a influência da psicoterapia associada aos tratamentos cirúrgicos propostos para cada paciente e as possíveis consequências advindas das cirurgias, com finalidade de facilitar os futuros estudos na área.
PALAVRAS–CHAVE: Anormalidades, Ductos de Muller
O objetivo geral deste estudo é analisar a perspectiva psíquica e sexual das pacientes portadoras da síndrome de Rokitansky. Para isso, foram estabelecidos três objetivos específicos: Primeiramente, buscou-se descrever como a agenesia mulleriana influencia na qualidade da vida sexual das pacientes. Em segundo lugar, o objetivo foi retratar como o tratamento cirúrgico afeta, tanto psicológica quanto socialmente, e quais são suas possíveis intercorrências. Por fim, foi evidenciada a necessidade de uma abordagem psicoterápica em pacientes antes e depois da intervenção cirúrgica. Esses objetivos visaram proporcionar uma compreensão aprofundada das experiências vividas pelas pacientes e contribuir para a melhoria do cuidado oferecido a elas.
METODOLOGIA
A pesquisa foi elaborada com caráter analítico e retrospectivo, tratando-se de um resumo expandido baseado em busca de artigos e dados nas principais plataformas de pesquisa, como Lilacs, Pubmed e Medline, relativos ao período de 2014 a 2024 nos idiomas português e inglês. Seus resultados foram avaliados e interpretados com destaque nas implicações psicológicas e sexuais resultantes do acometimento da síndrome e sua resolução baseadas em técnicas cirúrgicas atuais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (MRKH) é uma doença congênita, definida como agenesia ou hipoplasia uterina e vaginal em cariótipo (46, XX), causada pelo desenvolvimento anormal dos ductos mullerianos durante o desenvolvimento fetal. Em relação a sintomatologia da doença, é de conhecimento geral que a manifestação da doença é percebida principalmente na adolescência, quando ocorre amenorreia de característica primária por algum defeito estrutural, visto que a maioria das mulheres apresenta características sexuais secundárias normais e podem ter ovários funcionantes, mas pode também ser diagnosticada durante avaliações de fertilidade.
O diagnóstico tipo I ocorre durante a adolescência por conta da amenorreia primária e alteração de profundidade vaginal e agenesia do útero, enquanto o tipo II é associado a defeitos congênitos cardíacos, renais, auditivos e vertebrais. Como opções de tratamento, decidido individualmente para cada paciente, vem sendo proposto a criação de uma neovagina, associado ao alotransplante uterino, que deve ser realizado em pacientes desenvolvidas fisicamente e psicologicamente, visto que muitas mulheres desenvolvem pensamentos defeituosos, inferiores e não amáveis, comprometendo o funcionamento sexual, fator pouco explorado por estudos. (Avino, Raduco et al, 2020)
A respeito das resoluções para a agenesia das estruturas, há a opção de tratamento cirúrgico para remodelamento vaginal, sendo este o ideal. A cirurgia consiste em uma neovagina criada em espaço retovesical com diversidade de técnicas como revestimento de pele, peritônio ou intestino, tecido modificado semelhante a mucosa vaginal e auxilia na correção desta ausência vaginal. Um estudo de 12 casos de reconstrução vaginal com pacientes de 16 a 28 anos foi realizado, em que todas as participantes apresentavam amenorréia primária, ausência uterina e vagina totalmente ausente, os resultados foram estimulantes, o comprimento vaginal foi adequado, sem estenoses e a vida sexual ocorre tranquilamente após o procedimento. Estudos diversos utilizam questionários como “Female Sexual Function Index” e “Female Sexual Distress Scale”, focados em avaliar a função sexual pós-tratamento, onde mulheres portadoras da síndrome indicam função sexual dentro da faixa normal ou inferior após tratamentos cirúrgicos como dilatação vaginal ou vaginoplastia para avaliação da qualidade sexual e qual a influencia reflete no caráter psíquico das mesmas. Poucos artigos relatam problemas sexuais ou sofrimento sobre a condição sexual, mas essa situação é frequente e presente.
Conforme exposto por Avino, um estudo realizado responsabiliza-se por interpretar a percepção de sexualidade e bem-estar feminino, onde foram avaliados os seguintes aspectos: desejo sexual, excitação sexual, lubrificação, orgasmo, satisfação sexual e dor baseado em um Escore de 0-36 pontos (escores menores indicam problemas sexuais relevantes), dentro da pesquisa, 85% das mulheres MRKH tinham neovagina, e apresentaram maior diferença significativa em dispareunia, sofrimento pessoal, estima sexual e autoimagem genital negativa, do que outros fatores. Além disso, revelou-se que o preditor de estima sexual é influenciado pelo sofrimento e disfunção sexual. (Vosoughi, Maasoumi et al, 2021).
A respeito da infertilidade absoluta, tradicionalmente, adoções ou barrigas de aluguel gestacional eram as únicas opções para pacientes que desejavam a prole. Atualmente, a respeito da incapacidade uterina e gestacional em pacientes portadoras da síndrome, o alotransplante uterino representa uma nova medida possível, que apesar de ser uma alternativa progressiva nos últimos anos, representa uma baixa taxa de transplantes uterinos no mundo, visto que não segue como uma necessidade vital, sendo proposta principalmente nos casos de vontade de conceber um filho. Há diversos estudos atuais que exploram questões como segurança dos procedimentos, eficácia dos transplantes, além dos desafios emocionais enfrentados pelas pacientes, junto a protocolos de doação. Diversos estudos abordam a perspectiva da sociedade portadora da MRKH, em que há predomínio de interesse e defesa de que todas as mulheres deveriam ter acesso ao alotransplante uterino e que deveria ser ofertado pelo sistema de saúde público, considerando o desejo da concepção e cumprimento dos padrões sociais da figura materna. Sabe-se que existe ainda uma pressão social a respeito da maternidade, pois a incapacidade de ter um útero funcional desencadeia uma série de emoções incluindo ansiedade, frustração e tristeza, já que essas mulheres podem enfrentar um senso de perda em relação à feminilidade e capacidade maternal tradicional, sentindo-se isoladas e diferentes quando se deparam a situações que enfatizam a importância da gravidez. (Rabelo 2018)
O transplante uterino depende de vários fatores, como saúde da paciente, qualidade do órgão doado, sucesso da cirurgia e resposta ao tratamento imunossupressor e representa também dificuldades éticas, considerando possíveis negativas para a mulher durante e após a realização do transplante, como procedimentos de risco cirúrgico, necessidade de imunossupressão para não rejeição do alotransplantado, incerteza quanto a gravidez saudável e outras complicações obstétricas e até a perspectiva do filho ao saber que foi gerado em outro útero. (Junior & Amorim 2019)
Como exposto por Beisert, o diagnóstico está relacionado com diversas consequências, desde a dificuldade de relações sexuais e intravaginais, como conceber um filho, o que resulta em sensação de desprezo, ansiedade e perda do valor feminino, considerando as estimas impostas pela sociedade caracterizando um baixo padrão de vida e autoestima pelas portadoras da doença congênita. Ainda como cita o artigo, um estudo feito na ala de ginecologia do Hospital Clínico de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Ciências Médicas de Poznan e com MRKHS, com 32 mulheres de idades entre 18 e 38 anos (idade média de 23 anos), comprovou-se que mulheres portadoras da doença tinham menor autoestima sexual e experimentaram maior intensidade de algumas características de funcionamento psicológico (paranóia, psicastenia, esquizofrenia, etc).
Visto tudo que foi documentado, este estudo foi embasado nos diversos aspectos clínicos pré e pós tratamentos cirúrgicos, bem como a influência psicológica, que afetam mulheres reféns desta agenesia, que possivelmente poderá impactar de forma significativa a qualidade de vida e seguimento psicoterapêutico dos indivíduos com Síndrome de Rokitansky.
CONCLUSÃO
Foram constatadas evidências do fator psicológico, baseado na depressão e ansiedade depacientes portadoras da síndrome e como a autoimagem afeta suas relações, descrevendo a importância dos métodos cirúrgicos em relação à qualidade de vida e confiança feminina e qual a necessidade de uma intervenção psicológica para melhora da saúde e bem estar. Além de expor a necessidade da difusão de conhecimento a respeito da agenesia mulleriana, visando um acolhimento integrativo da paciente e suas opções diversas de tratamento.
Mediante o cenário infrequente desta anomalia congênita e a insciência da doença que afeta a formação dos órgãos reprodutivos, o resumo aborda uma análise dos principais fatores relacionados, sobretudo em âmbito psicológico e sexual e como a interferência nos níveis de estima sexual, sofrimento, disfunção, dispareunia e autoimagem genital negativa, influenciam no bem-estar e estado relacional. Foram relatados a forma como as alternativas cirúrgicas para resolução de anomalias interferem na sexualidade e autoestima, tão importante quanto a resolução estrutural da malformação, sugerindo aplicação de medidas alternativas que possam ser eficazes e resolutivas, contribuindo cientificamente com os estudos futuros.
REFERÊNCIAS
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AVINO, A RADUCU et al. Vaginal reconstruction in patients with Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser syndrome – one centre experience. Medicine 2020.
M.P.H, FISCHER NICOLE et al. Perspectives 0f 281 patients with Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser syndrome of uterine transplantation fertility and sterility. Vol. 115, No. 4, April 2021. American Society for Reproductive Medicine, Published by Elsevier Inc.
Benallel M, Bianchi-Demicheli F, Dubuisson J. Aspects éthiques et sociaux de la transplantation utérine [Uterine transplantation, ethical and social aspects]. Gynecol Obstet Fertil Senol. 2023 Sep;51(9):420-424. French. doi: 10.1016/j.gofs.2023.03.009. Epub 2023 Apr 4.
MONSORES, Natan; RABELO, Daniela Amado. A construção do estigma para mulheres com Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser na mídia ”“ perspectiva de corpo. Revista Brasileira de Bioética, [S. l.], v. 14, n. edsup, p. 32, 2019.
Junior, Irineu & Amorim, Denise. (2019). Aspectos Jurídicos do Transplante de Útero: um estudo sob perspectiva da Sociedade da Informação. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais.
Beisert, Maria J et al. “Psychological correlates of sexual self-esteem in young women with Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser syndrome.” Current issues in personality psychology vol. 10,4 333-342. 25 Mar. 2022.
Vosoughi N, Maasoumi R, Haeri Mehrizi AA, Ghanbari Z. The Effect of Psychosexual Education on Promoting Sexual Function, Genital Self-Image, and Sexual Distress among Women with Rokitansky Syndrome: A Randomized Controlled Clinical Trial. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2022 Feb.
1 – Acadêmica de Medicina pela Universidade Cesumar – Maringá-PR, Brasil
2 – Docente pela Universidade Cesumar – Maringá-PR, Brasil