REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202409272338
Emanuel Asaph de Azevedo Martins
Orientadora: Prof.ª Esp. Diana Fernandes de Melo
RESUMO
As mucoceles são lesões pseudocísticas benignas comuns na cavidade oral, causadas principalmente por trauma ou obstrução ductal. Existem dois padrões histopatológicos principais: o fenômeno de extravasamento de muco (FEM), que é mais frequente, e o fenômeno de retenção de muco (FRM). O FEM ocorre predominantemente no lábio inferior, enquanto o FRM é mais comum em pacientes idosos e localiza-se em áreas como o palato e o assoalho da boca. Clinicamente, as mucoceles se apresentam como nódulos indolores, de aparência cística, com coloração azulada a transparente. Embora as lesões por extravasamento possam se resolver espontaneamente, algumas requerem intervenção cirúrgica, podendo ser tratadas por micromarsupialização, criocirurgia, injeções de esteroides ou laser de CO2. A identificação correta dessas lesões é crucial para o manejo clínico adequado, uma vez que podem ser confundidas com outras condições, como penfigóide, líquen plano ou herpes recorrente. O tratamento envolve geralmente a remoção cirúrgica seguida de análise histopatológica, sendo essencial para o diagnóstico preciso e para a prevenção de recidivas.
Palavras-chave: Mucocele. Extravasamento. Cavidade oral. Histopatologia. Tratamento cirúrgico.
ABSTRACT
Mucoceles are common benign pseudocystic lesions of the oral cavity, primarily caused by trauma or ductal obstruction. There are two main histopathological patterns: the phenomenon of mucus extravasation (FEM), which is more frequent, and the phenomenon of mucus retention (FRM). FEM predominantly occurs in the lower lip, while FRM is more common in elderly patients and is found in areas such as the palate and the floor of the mouth. Clinically, mucoceles present as painless cystic nodules with a bluish to transparent appearance. While extravasation lesions may resolve spontaneously, some require surgical intervention and can be treated through micro marsupialization, cryosurgery, steroid injections, or CO2 laser. Accurate identification of these lesions is crucial for appropriate clinical management, as they can be mistaken for other conditions such as pemphigoid, lichen planus, or recurrent herpes. Treatment generally involves surgical removal followed by histopathological analysis, which is essential for precise diagnosis and prevention of recurrence.
Keywords: Mucoceles. Extravasation. Oral cavity. Histopathology. Surgical treatment.
1 INTRODUÇÃO
Mucoceles são lesões pseudocísticas benignas comuns da cavidade oral, que possuem como principais fatores etiológicos trauma ou obstrução ductal1. Dois padrões histopatológicos são encontrados: fenômeno de retenção de muco (FRM) e fenômeno de extravasamento de muco (FEM)2. O FEM é o subtipo histológico mais comum e tem como principal local de acometimento o lábio inferior3. O conhecimento acerca de suas principais características clínicas e formas de tratamento se faz importante para auxiliar profissionais da saúde na prática clínica4.
O termo “mucocele” deve ser reservado preferencialmente para lesões resultantes da ruptura de um ducto das glândulas salivares e consequente extravasamento de muco para o tecido conjuntivo circundante5. Achados morfológicos característicos incluem extravasamento de muco associado à formação de tecido de granulação2.
Quando ocorre no assoalho da boca, o termo rânula é usado6. Clinicamente, não há diferença entre fenômeno de extravasamento e retenção de muco, consistindo em aumento de volume de aparência cística, indolor, macia à palpação e de coloração azulada a transparente7. As lesões se apresentam com um nódulo ou bolha assintomática em forma de cúpula, frequentemente com uma tonalidade azulada devido à mucina extravasada2.
A maioria ocorre no lábio inferior, o resto em outros lugares, como o assoalho da boca, face ventral da língua e do palato, embora apareçam em qualquer lugar onde existam glândulas salivares, no entanto, no lábio superior são raras8. O paradoxo e a glândula submandibular raramente apresentam esta lesão9. Dois terços das mucoceles ocorrem nas três primeiras décadas de vida, em crianças e adultos jovens afetando homens e mulheres10.
As mucoceles por extravasamento acometem pacientes jovens e normalmente resolvem-se espontaneamente, requerendo excisão cirúrgica em alguns casos11. Micromarsupialização, criocirurgia, injeções de esteroides e laser de CO2 já foram descritos como formas de tratamento alternativo para essas lesões2. Podem ocorrer em qualquer lugar da cavidade oral, sendo a localização mais acometida a superfície mucosa do lábio inferior, seguida da mucosa bucal, o assoalho da boca, a face ventral da língua e o palato, exceto na metade anterior do palato duro, pois carece de glândulas salivares12.
Mucoceles para retenção, embora menos frequentes do que extravasamento, aparecem em pacientes idosos após os 50 anos e estão localizadas no palato, no assoalho da boca, bochecha ou mama maxilar e raramente no lábio inferior13.
São assintomáticos sem história de trauma, ocorre pelo acúmulo de sialmolucina por obstrução do ducto extormico6. Pode prejudicar a mastigação e a fala e causar problemas estéticos, dependendo da localização e do tamanho da lesão4. A formação de uma cavidade coberta com células cubidas dos dutos excretores é observada e o fluido mucoide é inserido14.
Por vezes, as reações de extravasamento de muco ocorrem no assoalho da boca, em sua região lateral, como resultado da pequena ruptura de um duto acessório sublingual, que adquire uma aparência de barriga de batracio, de modo que são chamados de ránulas15.
Não há predileção por sexo, e a maioria das lesões ocorre na pele, especialmente na face, sendo a cavidade oral o segundo local mais frequente de envolvimento, e o palato duro, o local intraoral mais comum de ocorrência16.
As lesões podem ser solitárias ou múltiplas, sua clínica e características microscópicas podem ser confundidas com outras condições, como penfigoid, líquen plano ou vírus herpes recorrentes7. No entanto, as características clássicas para o diagnóstico diferencial de mucocele são uma história de trauma de mordida e o rápido início da inflamação azulada translúcida, devido à ruptura do ducto da glândula salivar e extravasamento da saliva da mucosa no entorno dos tecidos moles17.
As mucoceles, por sua vez, podem ser causadas por um trauma facial ou cirurgia anterior que pode resultar em áreas compartimentadas2. O tratamento tem múltiplas formas de ser realizado, seja envolvendo biópsia de aspiração e remoção cirúrgica total, podendo também ser realizada através de remoção com lazer, seguida de análise histopatológica para diagnóstico e desfecho adequados18_20.
Este trabalho tem como objetivo mostrar respectivamente, mais um caso de cirurgia de remoção de mucocele, em região de lábio inferior, afim de que se aprimore o conhecimento cada vez mais sobre essa lesão, e que pode ser tratada de maneira rápida e simples, ainda que outros estudos digam e apresentem maneiras mais complexas.
2 RELATO DE CASO
Paciente do gênero masculino, J.V.S.F., 10 anos, compareceu à clínica da Faculdade do Amazonas – IAES, onde a mãe do paciente diz “ tem uma protuberância na região de lábio inferior”. Durante a anamnese, a mãe informou que ele possuía o hábito de morder os lábios, onde após certo tempo, gerou-se o pseudocisto (Figura 01). No qual foi recomendado a remoção cirúrgica da mucocele.
Figura 01 – Aspecto clínico inicial.
Após a avaliação, foi explicado ao paciente e a mãe todo o procedimento, incluindo os riscos e benefícios.
O procedimento cirúrgico começou com a aplicação de Anestésico Benzotop Tutti-Frutti – DFL com auxílio do rolete de algodão para secar o local (Figura 02 e 03), amenizando o incômodo durante a inserção da agulha que será aplicada em seguida com uso da carpule contendo Anestésico Lidocaína a 2% com Epinefrina (1:100.000) (Figura 04), nos arredores da mucocele para garantir que o paciente não sentisse dor.
Aplica-se a técnica cirúrgica com uma incisão elíptica, com auxílio de pinça Adson e lâmina N.15 (Figura 05), ao redor da mucocele, incluindo parte da mucosa saudável para assegurar a remoção completa da lesão. Após a incisão, foi removida com cuidado, evitando sua ruptura para prevenir a disseminação de fluido mucoide nos tecidos circundantes (Figura 06).
Para controlar o sangramento, utilizou-se gaze estéril, seguida de sutura com fio de seda preta trançada estéril Shalon (Figura 07).
Figura 07 – Aspecto final
Depois do procedimento, foram dadas ao paciente instruções pós-operatórias detalhadas, orientando sobre os cuidados com a ferida, junto do uso de Ibuprofeno 100ml/kg, como seu peso é de 32kg, então 32 gotas de 12/12h por 3 dias (Apêncide C). Foi recomendado a aplicação de gelo na região operada para minimizar o inchaço e o desconforto.
Em seguida, foi agendado o retorno em 1 semana, a fim de avaliar a cicatrização e remover as suturas, se necessário (Figura 08). Também sendo destacado a importância de evitar traumas repetitivos no lábio inferior para prevenir uma recidiva.
Figura 08 – Aspecto final após 1 semana
Com isso, é ressaltada a necessidade de visitas regulares ao dentista para monitoramento contínuo da saúde oral e prevenção de novas lesões. Cada etapa foi executada com precisão e cuidado para garantir o sucesso do procedimento e a recuperação completa do paciente.
3 DISCUSSÃO
A mucocele oral, uma das lesões mais comuns das glândulas salivares menores, tem sido amplamente estudada por sua alta prevalência em crianças e jovens adultos. O estudo de Bezerra et al. (2016) oferece uma visão epidemiológica da mucocele, relatando a frequência da condição em um centro de patologia oral ao longo de 43 anos. Esse estudo demonstra a predominância da mucocele em jovens, sugerindo fatores etiológicos como trauma ou mordidas repetidas na mucosa oral, fato esse que concordamos quando vemos a idade do paciente.
O estudo multicêntrico de Miranda et al. (2022), com uma amostra robusta de 1.901 casos, reforça essa prevalência, confirmando que a maioria dos pacientes diagnosticados são adolescentes e adultos jovens. Além disso, evidenciou que as lesões são mais frequentes no lábio inferior, região esta que coincide ao caso apresentado, estando no lábio inferior, canto esquerdo, destacando a importância de diagnósticos diferenciais com outras lesões de glândulas salivares.
Outro aspecto relevante são os métodos de tratamento. Martínez et al. (2014) descrevem a remoção cirúrgica da mucocele com o uso de materiais de preenchimento, uma técnica que busca minimizar a cicatriz e acelerar o processo de cura, embora não tendo sido usada no caso clínico, possui sua relevância.
Já Sadiq et al. (2022) realizaram uma revisão sistemática sobre o uso de lasers em crianças, demonstrando que o tratamento a laser não só reduz a dor pós-operatória como também diminui as chances de recorrência. Besbes et al. (2020) corroboram esses achados, ao descreverem o sucesso do tratamento de mucoceles com laser de diodo, mostrando que essa técnica minimiza complicações.
A recorrência das mucoceles é uma preocupação frequente, conforme apontado por Choi et al. (2019). Eles identificaram variáveis preditivas para a recorrência, como o tipo de mucocele (extravasamento ou retenção) e a técnica cirúrgica utilizada. Costa et al. (2019), por sua vez, relataram a remoção de uma mucocele de grande porte em um paciente jovem, destacando a importância da excisão completa da glândula salivar afetada para evitar a recidiva.
As manifestações atípicas e raras das mucoceles também têm sido documentadas, como no caso de Morita et al. (2023), que descreveram um caso incomum de uma mucocele que causava inchaço extraoral. Outras formas raras, como a mucocele de seio maxilar em um jovem adulto, foram relatadas por Pavithra et al. (2023), sublinhando a diversidade de locais em que essas lesões podem ocorrer.
O tratamento não cirúrgico também vem ganhando espaço. Huang et al. (2021) relataram o uso bem-sucedido de injeções de promethazine em escleroterapia de mucoceles, destacando uma alternativa para casos em que a cirurgia é contraindicada, entretanto a responsável pela criança nos procurou mesmo assim.
Finalmente, a identificação de mucoceles em populações especiais, como bebês e portadores de necessidades especiais, exige atenção diferenciada. Suárez García e Piloña Ruiz (2015) relataram um caso de rânula sublingual em um recém-nascido, ressaltando a necessidade de intervenção precoce. Já Horvat Aleksijević et al. (2022) analisaram lesões orais na infância, destacando a prevalência de mucoceles nessa faixa etária.
Com isso é possível ver que o manejo das mucoceles evoluiu significativamente, com técnicas minimamente invasivas, como o uso de laser e escleroterapia, oferecendo boas alternativas à cirurgia tradicional, especialmente em pacientes pediátricos e com necessidades especiais. Contudo, a recorrência ainda é um desafio, exigindo atenção redobrada na escolha do tratamento mais adequado para cada paciente.
4 CONCLUSÃO
Conclui-se que a intervenção cirúrgica e o diagnóstico breve auxiliam em um tratamento rápido e diminuem problemas futuros, neste caso, na incisão da mucocele, permitindo menores preocupações quanto a saúde física e psicológica do paciente, podendo ser posto como exemplo comentários negativos e periódicos, assim como uma autoavaliação depressiativa.
REFERÊNCIAS
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