REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202409192320
Alan de Souza Cerqueira1
Beatriz Pereira Tetto dos Passos1
Milena Pupulin dos Santos1
Thawane Andrade Sousa1
Silvio Luís Pereira de Souza2
RESUMO
Introdução: A raiva é uma zoonose grave com alta taxa de letalidade, transmitida principalmente pela saliva de animais infectados através de mordeduras ou arranhaduras. O vírus da raiva, pertencente à família Rhabdoviridae e ao gênero Lyssavirus, apresenta variações antigênicas que influenciam a sintomatologia e a transmissão da doença entre diferentes espécies. Objetivo: Este estudo teve como objetivo avaliar o conhecimento da população sobre a importância da vacinação contra a raiva. Materiais e Métodos: Para isso, foi realizada uma revisão da literatura e aplicado um questionário via Google Forms a 308 participantes, entre 17 e 21 de abril de 2023. Resultados: Embora 88,2% dos participantes possuíam conhecimento sobre a raiva e 78,5% vacinaram seus pets, foram encontradas lacunas significativas na compreensão dos sintomas e práticas de vacinação. Quase 43% estavam equivocados sobre os mecanismos de transmissão e 40% acreditam incorretamente que a raiva é curável após o início dos sintomas. As mudanças nas estratégias de vacinação também contribuíram para uma comunicação inadequada. Conclusão: A pesquisa destacou a necessidade urgente de programas educativos mais robustos para melhorar a compreensão pública e a adesão às práticas de prevenção. A quase totalidade dos participantes (99,7%) considera essencial a implementação de um programa mais amplo de conscientização sobre a vacinação antirrábica. Esses resultados indicam a importância de estratégias de saúde pública mais eficazes e campanhas educativas para prevenir a disseminação da raiva.
Palavras-chave: raiva; vírus; vacinação; variante; ciclo epidemiológico.
SUMMARY
Introduction: Rabies is a severe zoonosis with a high mortality rate, primarily transmitted through the saliva of infected animals via bites or scratches. The rabies virus, belonging to the Rhabdoviridae family and Lyssavirus genus, exhibits antigenic variations that affect the disease’s symptoms and transmission among different species. Objective: This study aimed to assess the public’s awareness of the importance of rabies vaccination. Materials and Methods: A literature review was conducted, and a questionnaire was administered via Google Forms to 308 participants between April 17 and 21, 2023. Results: While 88.2% of participants were aware of rabies and 78.5% vaccinated their pets, significant gaps were found in understanding symptoms and vaccination practices. Nearly 43% were misinformed about transmission mechanisms, and 40% incorrectly believed that rabies could be cured once symptoms appeared. Changes in vaccination strategies also contributed to inadequate communication. Conclusion: The study underscores the urgent need for more robust educational programs to enhance public understanding and adherence to preventive practices. Almost all participants (99.7%) deemed it essential to implement a broader awareness program on rabies vaccination. These findings highlight the need for more effective public health strategies and educational campaigns to prevent rabies dissemination.
Keywords: rabies; virus; vaccination; variant; epidemiological cycle.
1 – INTRODUÇÃO
A raiva é uma zoonose de relevância global, com impactos significativos na saúde pública e uma taxa de letalidade quase total. Trata-se de uma enfermidade aguda que compromete o sistema nervoso central, ocasionando encefalomielite. A transmissão do vírus da raiva ocorre através da inoculação da saliva de animais infectados, por meio de mordeduras, arranhaduras ou lambeduras de mucosas. A via de infecção é crucial para a propagação do vírus, sendo que o contato direto com fluidos corporais contaminados é o principal mecanismo de transmissão da doença para humanos e animais (Kotait et al., 2009; Acha; Szyfres, 2003).
Após o contato com um animal infectado pelo vírus da raiva, o patógeno permanece inicialmente no local da lesão durante o período de incubação, que pode variar de dias a vários anos em humanos (Couto & Brandespim, 2020). Em cães domésticos, o período de incubação varia de 40 a 120 dias, enquanto em herbívoros é de 25 a 90 dias. Para animais silvestres, não há estimativas precisas devido à falta de dados específicos (Brasil, 2008). Esse período é influenciado pela localização e gravidade da lesão, pela distância entre o local da inoculação e o sistema nervoso central, e pela quantidade de vírus inoculada (Jackson, 2010). Após a inoculação, o vírus se propaga centrifugamente, afetando vários órgãos e glândulas salivares, onde continua a se replicar e é excretado na saliva, aumentando o risco de transmissão (Acha & Szyfres, 2003).
O vírus da raiva (VRA) pertence à família Rhabdoviridae e ao gênero Lyssavirus, trata se de um vírus de RNA, envolvido por uma cápsula lipídica, com uma morfologia que se assemelha a um projétil, apresentando uma extremidade côncava e outra convexa. Sua estrutura é composta por proteínas, lipídios e carboidratos (Carnieli Júnior et al., 2009; Jorge et al., 2010; Macedo et al., 2010). Devido à sua estrutura lipídica, o VRA é susceptível a agentes desinfetantes e solventes lipídicos, o que compromete sua estabilidade fora do hospedeiro (Greene & Appel, 2011; Quevedo et al., 2020). O vírus demonstra uma notável capacidade de adaptação, conhecida como “spillover”, que descreve a habilidade do patógeno de transitar e adaptar-se entre diferentes espécies hospedeiras (Wada et al., 2011).
O gênero Lyssavirus é representado por sete genótipos distintos, dos quais apenas o Rabies vírus (RABV) está registrado em circulação no Brasil. Este genótipo é o causador da raiva tanto em mamíferos voadores, como os morcegos, quanto em mamíferos terrestres (Kotait et al., 2007, 2009). O RABV apresenta uma diversidade de variantes antigênicas, identificadas por meio de um painel desenvolvido pelo Centers for Disease Control (CDC) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) durante o processo de isolamento do vírus (Favoretto et al., 2013).
No Brasil, foram identificadas várias variantes antigênicas do vírus da raiva. Entre elas, AgV1 e AgV2 estão associadas a cães domésticos, sendo que AgV2 também está relacionada a canídeos silvestres, como o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). A variante AgV3 é encontrada em morcegos hematófagos, especificamente o Desmodus rotundus. As variantes AgV4 e AgV6 estão associadas a morcegos insetívoros, com AgV4 identificada em Tadarida brasiliensis e AgV6 em Lasiurus cinereus. A variante AgVNC foi detectada em saguis-de-tufo-branco (Callithrix jacchus) (Kotait et al., 2009; Favoretto et al., 2013; Silva et al., 2021; Vieira, 2023; Wada et al., 2011).
Cada uma dessas variantes antigênicas tem uma predileção por espécies específicas de hospedeiros. Contudo, o fenômeno denominado “spillover” possibilita que variantes específicas, normalmente restritas a um reservatório primário, possam infectar outras espécies de mamíferos. Esse processo pode permitir que a variante permaneça em circulação por períodos prolongados, ampliando o escopo de sua disseminação (Favoretto et al., 2013; Velasco-Villa et al., 2017). Com isso, a variabilidade dos sintomas está diretamente associada à variante viral específica que causa a infecção (Carnieli Júnior et al., 2008; Costa, 2000; Kotait et al., 2009). A apresentação clínica pode variar entre a forma furiosa, caracterizada por alterações comportamentais significativas, incluindo agressividade extrema e excitação psicomotora, e a forma paralítica, que se manifesta por uma paralisia progressiva que inicia nas extremidades e pode avançar para o tronco e outras regiões corporais, incluindo a musculatura respiratória (Fèvre et al., 2006; Jorge et al., 2010; Rupprecht et al., 2002; Velasco-Villa et al., 2017).
A interconexão entre animais, seres humanos e o meio ambiente é um aspecto crucial para a compreensão da raiva. O conceito de saúde única é particularmente pertinente para a vigilância dessa doença, dada sua natureza multifatorial que exige um esforço colaborativo, intersetorial e interdisciplinar (Aggarwal; Ramachandran, 2020).
O ciclo epidemiológico da raiva inclui quatro principais modalidades de transmissão, urbano, rural, silvestre e aéreo. Cada um desses ciclos é interdependente, o que significa que a transmissão pode ocorrer entre diferentes ciclos, facilitando a propagação do vírus e aumentando o risco de infecção para os humanos, que podem contrair a doença de qualquer um dos transmissores envolvidos (Badrane & Tordo, 2001).
O ciclo urbano é de particular importância para a saúde pública devido ao contato próximo entre humanos e animais domésticos. Nesse ciclo, cães e gatos são os principais vetores do vírus da raiva. A transmissão também pode ocorrer através de morcegos, o que destaca a necessidade de vigilância contínua e controle tanto em animais de companhia quanto em populações de morcegos (Favoretto et al., 2013; Velasco-Villa et al., 2017).
O ciclo rural abrange principalmente animais de produção, incluindo equinos, caprinos, ovinos, suínos e bovinos. O principal transmissor para esses animais é o morcego hematófago Desmodus Rotundus, que é conhecido por sua capacidade de sobreviver em abrigos permanentes e realizar sua alimentação noturna (Megid et al., 2016).
No ciclo silvestre terrestre, canídeos silvestres, como raposas e cachorros-do-mato (Cerdocyon thous), bem como outros animais como capivaras e guaxinins, são considerados importantes transmissores da doença (Favoretto et al., 2013).
Os morcegos desempenham um papel crucial no ciclo aéreo, esses animais, incluindo tanto morcegos hematófagos quanto não hematófagos, são responsáveis pela manutenção e dispersão do vírus na natureza. Estudos documentam que a transmissão da raiva por morcegos é uma preocupação global, refletida em relatos de diversos países (Šimić et al., 2018).
Figura 1: Ciclos epidemiológicos de transmissão da raiva.
Fonte: (Deidt, 2021, p. 112).
No Brasil, a abordagem para vigilância da raiva é composta por quatro principais componentes: campanhas anuais de vacinação para cães e gatos, profilaxia humana (tanto pré-exposição quanto pós-exposição), diagnóstico laboratorial e programas de educação em saúde (Brasil, 2022). No estado de São Paulo, a situação epidemiológica da raiva apresenta características específicas. O último caso humano da variante furiosa foi registrado em 1997, e o último caso de raiva em animais pela mesma variante ocorreu em 1998. Desde então, todos os casos de raiva, tanto em humanos quanto em animais, têm sido associados a variantes de morcegos (CRMV-SP, 2023).
O Ministério da Saúde orienta que em áreas onde as variantes predominantes são as associadas a morcegos, como São Paulo, a vacinação deve seguir estratégias de bloqueio de foco. Este método é recomendado devido à menor taxa de disseminação e adaptação das variantes associadas a morcegos (Brasil, 2019). Segundo a Organização Pan Americana da Saúde, São Paulo está classificado no grupo 1, que inclui regiões que têm estado livres de raiva canina por mais de uma década, com elevada cobertura vacinal. Em tais regiões, a vacinação anual é considerada uma medida de emergência para situações endêmicas ou epidêmicas (Redipra17, 2023).
A Deliberação CIB nº 169, datada de 15 de dezembro de 2021 e aprovada pela Comissão Intergestores Bipartite, estipula que a vacinação antirrábica deve ser realizada de forma contínua, com ênfase na imunização de animais que tenham tido contato com morcegos e na realização de bloqueio de foco conforme necessário (Reichmann, Pinto & Nunes, 1999). A partir de 2022, as campanhas anuais de vacinação foram descontinuadas; no entanto, é crucial destacar que não há problemas com o repasse de vacinas pelo Ministério da Saúde. A mudança na estratégia de vacinação antirrábica não implica em dificuldade no fornecimento de vacinas ou na qualidade delas. As doses continuam sendo disponibilizadas mensalmente para os municípios, permitindo a continuidade das atividades de vacinação de rotina e a imunização de animais que tiveram contato com morcegos (Brasil, 2019).
Com base na situação epidemiológica atual, a vacinação deve ocorrer ao longo do ano, com períodos e horários estabelecidos previamente, e pode ser agendada. A vacinação de animais que tiveram contato com morcegos e a execução de bloqueio de foco devem ser priorizadas. O Ministério da Saúde mantém o fornecimento regular de vacinas, disponibilizando doses mensalmente para tanto as estratégias de rotina quanto para a vacinação de animais que tiveram contato com morcegos (Brasil, 2019). A responsabilidade pela implementação dessas estratégias recai sobre os municípios, que devem solicitar vacinas ao Instituto Pasteur e enviar amostras para diagnóstico laboratorial (Reichmann, Pinto & Nunes, 1999). Proprietários de animais são responsáveis por assegurar a saúde de seus pets e, na ausência de campanhas públicas, devem buscar a vacinação em postos fixos ou clínicas veterinárias privadas (Brasil, 2019).
A possibilidade de reintrodução da raiva urbana por meio dos ciclos silvestres é uma preocupação relevante, considerando o sucesso adaptativo do vírus rábico, que pode infectar cães e gatos domésticos por meio de mutações. A falta de dados precisos sobre a incidência e prevalência da doença neste ciclo de transmissão sublinha a necessidade de uma vigilância contínua e aprimorada (Acha; Szyfres, 2003; Vercautteren et al., 2012; Who, 2013).
2 – OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é de avaliar o nível de conhecimento sobre a importância da vacinação contra a raiva, obtendo assim o real conhecimento da população.
3 – MATERIAIS E MÉTODOS
Para a realização deste estudo, foi conduzida uma revisão da literatura científica através da plataforma Google Acadêmico, a fim de estabelecer uma base sólida de conhecimentos sobre a raiva. Essa revisão permitiu a formulação de perguntas coerentes e pertinentes ao tema da pesquisa, que foram aplicadas por meio do Google Forms.
A pesquisa foi realizada entre 17/04/2023 e 21/04/2023. Abaixo estão os principais aspectos da metodologia:
• Revisão da Literatura: Foram revisados artigos científicos relevantes para a compreensão da raiva e suas implicações para a saúde pública e animal.
• Formulação do Questionário: Com base na revisão da literatura, foram elaboradas perguntas para avaliar o conhecimento da população sobre a raiva.
• Aplicação do Questionário: O questionário foi distribuído por meio do Google Forms e continha as seguintes perguntas:
– O indivíduo é estudante da área da saúde ou profissional da saúde?
– O indivíduo sabe o que é a raiva em animais domésticos?
– O indivíduo costuma vacinar seu animal contra a raiva?
– O indivíduo tem receio de vacinar seu animal em campanhas de vacinação?
– Em seu bairro há campanha de vacinação contra a raiva?
– Quais os principais sintomas da raiva em animais domésticos?
– O indivíduo acha que a raiva pode ser transmitida por?
– O indivíduo acredita que a raiva tenha cura?
– O indivíduo acha necessária uma conscientização sobre a importância da vacinação?
4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram alcançados 308 participantes, e as respostas fornecidas no formulário foram escritas de forma objetiva e sem a utilização de jargões técnicos, para garantir uma fácil compreensão. Dentre os participantes, 48,4% eram estudantes ou profissionais da área da saúde, enquanto 51,6% eram pessoas sem conhecimento específico na área da saúde conforme ilustrado no Gráfico 1.
Gráfico 1 – Identificação do Público-Alvo.
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
Os dados da pesquisa mostram que 88,2% dos participantes possuem algum conhecimento sobre a raiva em animais domésticos conforme ilustrado no Gráfico 2. Este resultado é positivo e indica um nível razoável de conscientização sobre a doença. No entanto, é importante observar que a compreensão detalhada dos sintomas e das formas de transmissão da raiva ainda apresenta lacunas significativas. Desde 1998, a forma furiosa da raiva não tem sido notificada no estado de São Paulo, e atualmente a maioria dos casos registrados está associada à forma paralítica da doença, transmitida por morcegos a qual tem se adaptado para afetar também cães e gatos.
Gráfico 2 – Conhecimento do público sobre a Raiva.
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
A análise dos dados sobre práticas de vacinação revelou que 78,5% dos participantes que possuem animais de estimação vacinam seus animais contra a raiva conforme ilustrado no Gráfico 3. Este dado sugere uma adesão positiva às práticas recomendadas, alinhadas com as estratégias de saúde pública que enfatizam a vacinação como método essencial de controle da doença. No entanto, a resposta de 6,5% dos participantes que não vacinam seus animais destaca a persistência de desafios na implementação universal dessas práticas preventivas.
Gráfico 3 – Taxa de vacinação de animais pelo Público
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
A pesquisa revelou uma percepção diversificada sobre a presença e a divulgação dos programas de vacinação contra a raiva em São Paulo conforme ilustrado no Gráfico 4. Dentre os participantes, 44,6% relataram ter conhecimento sobre campanhas de vacinação em seus bairros, enquanto 35,8% afirmaram que não há campanhas e 19,5% estavam incertos quanto à existência dessas iniciativas em suas áreas. Esta variabilidade nas respostas pode ser atribuída a vários fatores relacionados à recente mudança nas estratégias de vacinação e à comunicação deficiente.
A recente alteração na abordagem das campanhas de vacinação, que incluiu a descontinuação das campanhas anuais e a adoção de estratégias de bloqueio de foco, pode ter contribuído para a falta de clareza e uniformidade nas informações. A nova estratégia, focada na vacinação de animais que tiveram contato com morcegos e na execução de bloqueio de foco, pode não ter sido amplamente comunicada ou compreendida pela população.
Gráfico 4 – Conhecimentos sobre campanhas de vacinação.
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
Sobre o receio em relação à vacinação, a pesquisa revelou que 63,8% dos participantes não têm receio de vacinar seus animais contra a raiva, enquanto 23,8% expressaram algum nível de preocupação conforme ilustrado no Gráfico 5. Esse receio pode ser atribuído à falta de informações claras e precisas sobre a segurança e eficácia da vacina, o que pode gerar dúvidas e hesitação. Proprietários de animais podem ter preocupações baseadas em informações incorretas ou incompletas sobre os efeitos da vacina. Além disso, experiências pessoais negativas com vacinas ou preocupações com possíveis efeitos colaterais podem influenciar a disposição dos proprietários para vacinar seus animais. Fornecer informações detalhadas e tranquilizadoras pode ajudar a mitigar esses receios.
Gráfico 5 – Prevalência de receio em relação à vacinação contra a raiva
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
A pesquisa revelou que 50,3% dos participantes identificaram corretamente sintomas como agressividade e salivação excessiva, que são características da forma furiosa da raiva, a qual não está mais prevalecendo desde 1998 no estado de São Paulo. Em contraste, 36% dos participantes mencionaram sintomas associados à forma paralítica, como dificuldade de deglutição, sialorreia, ataxia e paralisia dos membros conforme ilustrado no Gráfico 6. Essa discrepância entre o conhecimento sobre sintomas da forma furiosa e a realidade atual dos casos indica a necessidade urgente de uma educação mais eficaz e direcionada. Além disso, 12,7% dos participantes não conseguiram identificar os sinais clínicos da doença, o que reforça a importância de melhorar a compreensão sobre os sintomas da forma furiosa e as manifestações atuais da raiva.
Gráfico 6 – Conhecimento sobre a sintomatologia da raiva.
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
Os dados sobre a percepção da transmissão da raiva indicam que 41,2% dos participantes reconhecem corretamente que a doença pode ser transmitida por cães e gatos conforme ilustrados no Gráfico 7. Contudo, a preocupação surge com 42,9% dos participantes que erroneamente acreditam que humanos podem ser transmissores da doença, evidenciando uma necessidade de esclarecimento sobre a dinâmica da transmissão.
Gráfico 7 – Percepção sobre mecanismos de transmissão da raiva.
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
Os resultados da pesquisa revelam uma preocupação significativa em relação à compreensão da cura da raiva. Notavelmente, 39,7% dos participantes acreditam erroneamente que a raiva pode ser curada após o início dos sintomas conforme ilustrado no Gráfico 8. Esta concepção errônea é alarmante, visto que a raiva é uma doença quase invariavelmente fatal uma vez que os sintomas se manifestam. Por outro lado, 35,5% dos participantes identificaram corretamente a doença como incurável após o início dos sintomas, o que demonstra uma compreensão precisa entre uma parcela da amostra.
Além disso, a falta de certeza sobre a cura, evidenciada por 24,6% dos participantes que não sabem se a raiva é curável, destaca a necessidade urgente de campanhas educativas mais abrangentes. Estas campanhas devem esclarecer a gravidade da doença e enfatizar a importância das intervenções preventivas, como a vacinação precoce e a profilaxia pós-exposição, para evitar o desenvolvimento de sintomas. A disseminação de informações corretas e a educação contínua são cruciais para garantir que o público esteja ciente da natureza letal da raiva e da importância da prevenção antes que a doença se manifeste.
Gráfico 8 – Percepção sobre a Curabilidade da Raiva
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
Por fim, a quase totalidade dos participantes (99,7%) considera essencial a implementação de um programa mais amplo de conscientização sobre a importância da vacinação contra a raiva conforme ilustrado no Gráfico 9. Este consenso sublinha a necessidade urgente de estratégias educativas que abordem não apenas o conhecimento geral sobre a raiva, mas também práticas preventivas e conceitos corretos sobre a transmissão e tratamento da doença. A integração de campanhas educativas em escolas, clínicas veterinárias e meios de comunicação pode ser uma abordagem eficaz para melhorar a compreensão e adesão às práticas de vacinação.
Gráfico 9 – Conscientização.
Fonte: Arquivo pessoal, GoogleForms (2023).
Embora a pesquisa indique um nível razoável de conscientização e práticas corretas de vacinação, ainda existem áreas críticas que necessitam de atenção, particularmente no que diz respeito à transmissão da doença, a percepção sobre a cura e a necessidade de programas educativos mais robustos. Esses insights são essenciais para a formulação de estratégias de saúde pública mais eficazes e para a promoção de práticas preventivas adequadas.
5 – CONCLUSÃO
A pesquisa realizada sobre o conhecimento da população em relação à vacinação contra a raiva evidenciou tanto pontos positivos quanto áreas que necessitam de aprimoramento. A maioria dos participantes (88,2%) demonstrou algum nível de compreensão sobre a doença, e uma alta taxa de vacinação (78,5%) foi observada entre os proprietários de animais de estimação. No entanto, a pesquisa também revelou lacunas significativas, como a compreensão inadequada dos mecanismos de transmissão e a crença incorreta na curabilidade da raiva após o início dos sintomas.
Os resultados indicam a necessidade de estratégias de comunicação mais eficazes e campanhas educativas direcionadas. A recente alteração nas estratégias de vacinação, que envolveu a descontinuação das campanhas anuais e a implementação de bloqueios de foco, pode ter contribuído para uma falta de clareza e consistência nas informações disponíveis ao público. Este fato ressalta a importância de garantir que todas as mudanças nas políticas de saúde sejam acompanhadas de uma comunicação clara e acessível para a população.
A pesquisa também revelou um consenso substancial sobre a importância de programas de conscientização mais abrangentes, com 99,7% dos participantes reconhecendo sua necessidade. Isso destaca a relevância de campanhas educativas eficazes para melhorar a compreensão sobre a raiva, promover práticas de vacinação adequadas e, assim, auxiliar na prevenção da doença.
Entre as limitações do estudo, observa-se a dependência de um questionário online, o que pode ter restringido a diversidade de respostas e a profundidade das informações coletadas. Além disso, o período específico em que a pesquisa foi conduzida pode não refletir mudanças nas percepções e práticas ao longo do tempo.
Para futuras pesquisas, seria vantajoso explorar métodos adicionais de coleta de dados, como entrevistas presenciais ou grupos focais, para obter uma compreensão mais detalhada das percepções e práticas da população. Estudos longitudinais também podem ser úteis para monitorar a eficácia das campanhas educativas e as mudanças nas práticas de vacinação ao longo do tempo.
Os resultados da pesquisa fornecem uma base sólida para a formulação de estratégias de saúde pública mais eficazes e para o desenvolvimento de programas educativos que possam contribuir significativamente para o controle da raiva e a proteção da saúde pública.
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1Discente, Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM
2Docente, Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM