A NEURITE PERIFÉRICA CAUSADA PELO MYCOBACTERIUM LEPRAE, COM FOCO NO NERVO FIBULAR, EM PACIENTE COM HANSENÍASE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249130933


maria eduarda bertani
ORIENTADOR: Prof. Patrícia Mosti Resende Penha
CO-ORIENTADOR (a): Profa. Esp. Clara Harumi Tsuda Oliveira


RESUMO

RESUMO: A hanseníase, causada pelo Mycobacterium  leprae, é uma doença infecciosa crônica que atinge principalmente a pele e os nervos periféricos. Entre os nervos afetados, o nervo fibular é de particular interesse devido ao impacto funcional significativo que sua lesão pode causar. Este estudo tem como objetivo revisar a literatura existente sobre o comprometimento do nervo fibular em pacientes com hanseníase, focando nas manifestações clínicas, e na eficácia da fisioterapia na recuperação funcional destes pacientes. A metodologia consistiu em uma revisão de literatura abrangente, analisando artigos científicos publicados entre 2020 e 2024 em bases de dados como PubMed, SciELO e BVS. Foram incluídos estudos que abordassem a neuropatia periférica relacionada à hanseníase, com ênfase no nervo fibular. Os resultados mostraram que a lesão do nervo fibular em pacientes com hanseníase é comum, levando a fraqueza muscular e perda sensorial, o que pode resultar em deformidades e incapacidades permanentes se não tratadas adequadamente. A literatura destaca a importância do diagnóstico precoce e do tratamento imediato com  intervenções fisioterapêuticas para minimizar o impacto da neuropatia. Conclui-se que estratégias de reabilitação fisioterapêutica são essenciais para evitar a perda permanente da função do nervo fibular, permitindo a recuperação funcional dos pacientes e reduzindo o risco de complicações à longo prazo.

Palavraschave: Hanseníase, Mycobacterium leprae, nervo fibular, neuropatia periférica.

ABSTRACT: Leprosy, caused by Mycobacterium leprae, is a chronic infectious disease that mainly affects the skin and peripheral nerves. Among the affected nerves, the peroneal nerve is of particular interest due to the significant functional impact that its injury can cause. This study aims to review the existing literature on the involvement of the peroneal nerve in patients with leprosy, focusing on the clinical manifestations and the effectiveness of physiotherapy in the functional recovery of these patients. The methodology consisted of a comprehensive literature review, analyzing scientific articles published between 2020 and 2024 in databases such as PubMed, SciELO and VHL. Studies that addressed peripheral neuropathy related to leprosy were included, with an emphasis on the peroneal nerve. The results showed that peroneal nerve damage in leprosy patients is common, leading to muscle weakness and sensory loss, which can result in permanent deformities and disabilities if not treated appropriately. The literature highlights the importance of early diagnosis and immediate treatment with physiotherapeutic interventions to minimize the impact of neuropathy. It is concluded that physiotherapeutic rehabilitation strategies are essential to prevent the permanent loss of peroneal nerve function, allowing patients to recover functionally and reducing the risk of long-term complications.

Keywords: Leprosy, Mycobacterium leprae, fibular nerve, peripheral neuropathy.

1. Introdução

A hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença infecciosa crônica causada pelo Mycobacterium leprae. Apesar dos avanços significativos no tratamento, a hanseníase continua a ser um desafio de saúde pública, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil. A transmissão da hanseníase ocorre principalmente através de contato próximo e prolongado com pessoas infectadas que não foram tratadas. Embora seja menos contagiosa do que se acreditava anteriormente, a doença ainda carrega um estigma considerável, afetando a vida social e emocional dos indivíduos acometidos (Bif et al., 2024).

Um dos aspectos mais debilitantes da hanseníase é o acometimento dos nervos periféricos, que pode levar a sequelas físicas significativas. A neuropatia causada pela hanseníase resulta da infiltração direta do bacilo nos nervos periféricos, causando danos que podem levar a deformidades, fraqueza muscular e perda sensorial. Este comprometimento é um dos principais responsáveis pelas incapacidades associadas à doença, destacando a importância de um diagnóstico precoce e de um tratamento eficaz para prevenir ou minimizar esses efeitos (Carvalhal et al., 2022).

Os nervos mais comumente afetados incluem o nervo ulnar, mediano, tibial posterior e fibular. O nervo fibular, em particular, é frequentemente acometido, resultando em pé caído, uma condição que pode causar dificuldades significativas na mobilidade e no equilíbrio dos pacientes. A identificação precoce e o tratamento da neuropatia fibular são essenciais para prevenir deformidades permanentes e melhorar a qualidade de vida dos pacientes (Khadilkar et al., 2021).

A fisioterapia, por sua vez, foca na manutenção e recuperação da força muscular e da amplitude de movimento, bem como na prevenção de deformidades (Khadilkar et al., 2021).

A polineuropatia periférica é uma manifestação comum na hanseníase, resultando de danos múltiplos aos nervos periféricos. Isso pode levar a uma variedade de sintomas, incluindo dor neuropática, perda sensorial e fraqueza muscular. A polineuropatia contribui significativamente para o estigma associado à hanseníase, pois as deformidades visíveis frequentemente resultam em exclusão social e discriminação (Carvalhal et al., 2022).

O diagnóstico diferencial de hanseníase pode ser desafiador devido à semelhança dos sintomas com outras desordens dermatológicas e neurológicas. Um diagnóstico preciso é fundamental para garantir que os pacientes recebam o tratamento adequado e evitem complicações desnecessárias. Métodos de diagnóstico modernos, incluindo testes moleculares e biópsias cutâneas, tem melhorado a capacidade de detectar e tratar a hanseníase precocemente (Sharma; Mahajan, 2023).

Complicações como úlceras neuropáticas são comuns em pacientes com hanseníase, decorrentes da perda de sensibilidade e da diminuição da proteção dos membros afetados. Essas úlceras requerem cuidados especializados para prevenir infecções e outras complicações graves. O manejo eficaz das úlceras neuropáticas inclui o uso de calçados adaptados, curativos especiais e, em casos graves, intervenções cirúrgicas (Serrano-Coll; Cardona-Castro, 2022).

Diante do exposto, este estudo visa revisar a literatura existente sobre o comprometimento do nervo fibular em pacientes com hanseníase, com foco nas manifestações clínicas, nos mecanismos de lesão e no tratamento fisioterapeutico. Ao destacar a importância da fisioterapia no tratamento e reabilitação, espera-se contribuir para uma melhor compreensão da neuropatia associada à hanseníase, promovendo melhores resultados funcionais e qualidade de vida para os pacientes afetados.

2. Referencial Teórico

2.1 Epidemiologia e Patogênese da Hanseníase

A epidemiologia da hanseníase revela uma distribuição desigual em nível global. Países como Brasil, Índia e Indonésia concentram a maioria dos casos novos, sendo responsáveis por mais de 80% das notificações mundiais. No Brasil, a hanseníase ainda é endêmica, com uma distribuição geográfica que varia significativamente entre as regiões. O estado do Maranhão, por exemplo, é uma das áreas com maior prevalência, conforme demonstrado por análises espaço-temporais que indicam tendências epidemiológicas persistentes (Junior et al., 2023). Esses dados evidenciam a importância de políticas públicas eficazes para o controle da hanseníase, bem como a necessidade de monitoramento contínuo das tendências epidemiológicas para identificar e intervir em áreas de alto risco.

  O estigma associado à hanseníase, perpetuado por séculos de desinformação e preconceito, contribui para a marginalização dos indivíduos afetados. Esse estigma, combinado com fatores socioeconômicos, muitas vezes impede o acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento, perpetuando a transmissão da doença. Além disso, a hanseníase é frequentemente subnotificada, especialmente em áreas remotas, onde o acesso aos serviços de saúde é limitado (De Sousa et al., 2023). A erradicação do estigma é, portanto, uma prioridade para os programas de controle da hanseníase, que devem incluir estratégias de educação pública e sensibilização comunitária para desmistificar a doença e promover a aceitação social dos indivíduos afetados.

A patogênese da hanseníase é complexa e multifatorial. O Mycobacterium leprae é um bacilo intracelular obrigatório que possui uma afinidade particular por células de Schwann, que são responsáveis por revestir os axônios dos nervos periféricos. A invasão dessas células pelo bacilo leva a uma resposta inflamatória crônica, resultando em danos neurais progressivos. A imunopatogênese da hanseníase varia consideravelmente entre os indivíduos, dependendo do seu sistema imunológico. Em alguns casos, ocorre uma resposta imune vigorosa que limita a multiplicação bacilar, enquanto em outros, a resposta é ineficaz, permitindo a proliferação descontrolada do bacilo (Da Silva Vieira et al., 2022).

Os mecanismos imunológicos envolvidos na resposta ao Mycobacterium leprae são fundamentais para a compreensão da patogênese da hanseníase. Estudos recentes tem destacado o papel da imunossenescência e do estresse oxidativo na modulação da resposta imune em pacientes idosos. Em indivíduos mais velhos, a diminuição da capacidade de resposta imunológica pode contribuir para uma maior suscetibilidade à infecção e a uma progressão mais severa da doença (Silva, 2021). Além disso, a variabilidade genética entre os indivíduos pode influenciar a susceptibilidade à infecção e a gravidade da doença, sugerindo a necessidade de estudos adicionais para identificar marcadores genéticos que possam prever a progressão da hanseníase.

A autofagia, um processo celular crítico para a degradação e reciclagem de componentes celulares, também tem um papel na patogênese da hanseníase. Em pacientes multibacilares, a capacidade da célula hospedeira de realizar a autofagia pode influenciar a carga bacilar e a severidade da doença. A pesquisa sugere que a regulação da autofagia pode ser uma estratégia terapêutica potencial para controlar a carga bacilar e mitigar as reações adversas associadas à hanseníase, como as reações tipo 1, que são inflamações agudas que podem levar a danos neurais adicionais (Bittencourt, 2022). Intervenções que modulam a autofagia podem, portanto, oferecer novas avenidas terapêuticas para o manejo da hanseníase e suas complicações associadas.

O diagnóstico precoce da hanseníase é fundamental para a interrupção da transmissão e a prevenção de incapacidades. Tradicionalmente, o diagnóstico é baseado na avaliação clínica e em exames histopatológicos. No entanto, o desenvolvimento de testes rápidos tem mostrado potencial para melhorar significativamente a detecção precoce, especialmente em áreas endêmicas com recursos limitados. Esses testes podem facilitar a identificação de casos antes do surgimento de sintomas graves, permitindo intervenções precoces e eficazes (De Sousa et al., 2023). A implementação de diagnósticos rápidos como parte de programas de saúde pública pode melhorar significativamente as taxas de detecção e tratamento, reduzindo a carga global da hanseníase.

No entanto, o tratamento não reverte os danos já causados aos nervos, o que ressalta a importância da detecção precoce e do manejo integrado da doença, incluindo intervenções de reabilitação para minimizar incapacidades (Da Silva Vieira et al., 2022). A reabilitação inclui a  fisioterapia , que é essencial para a manutenção da função motora e a prevenção de deformidades, além de intervenções cirúrgicas em casos de deformidades severas.

2.2 Impacto Neurológico da Hanseníase: O Papel do Nervo Fibular

A hanseníase é uma doença crônica que afeta predominantemente os nervos periféricos, causando danos que podem levar a incapacidades significativas. Entre os nervos periféricos comumente afetados pela hanseníase, o nervo fibular é de particular interesse devido ao seu impacto funcional. O comprometimento deste nervo pode resultar em pé caído, perda sensorial e deformidades, o que impacta severamente a qualidade de vida dos pacientes.

O nervo fibular, também conhecido como nervo peroneal, é responsável pela inervação dos músculos que elevam o pé e dos músculos da parte lateral da perna. Quando afetado pela hanseníase, os pacientes podem apresentar fraqueza muscular, diminuição da sensibilidade e dificuldades para caminhar. A ultrassonografia tem se mostrado uma ferramenta valiosa na avaliação do nervo fibular em pacientes com hanseníase, permitindo a identificação precoce de alterações estruturais antes mesmo que os sintomas clínicos se manifestem plenamente (Silva, 2021). Esta técnica não invasiva oferece uma maneira de monitorar a progressão da neuropatia e ajustar as intervenções terapêuticas de acordo com as necessidades específicas de cada paciente.

O diagnóstico precoce e preciso da neuropatia do nervo fibular é fundamental para o tratamento eficaz da hanseníase. As alterações detectadas por ultrassonografia incluem espessamento do nervo e alterações na ecogenicidade, que são indicadores de danos neurais. O uso da ultrassonografia pode complementar outros métodos diagnósticos, como a eletromiografia, proporcionando uma visão mais abrangente do estado do nervo e auxiliando na determinação da melhor abordagem terapêutica (Silva, 2021). Essa combinação de técnicas permite uma avaliação mais detalhada e precisa da extensão do dano neural, facilitando o planejamento de intervenções adequadas para prevenir a progressão da doença.

Visando sempre o diagnóstico precoce, além da ultrassonografia e da eletromiografia,  outros exames clínicos podem ser realizados.

2.3 Palpação do Nervo

A palpação é um importante instrumento  clínico e deve ser feita no local onde o paciente apresenta dor ao movimento e articulação por qual o nervo atravessa, onde há sensação e dor à palpação, na busca de evidenciar o edema no nervo, e acompanhar o tratamento antinflamatório. Em nervos posicionados superficialmente, como o ulnar, mediano e fibular, procura-se sentir a mobilidade do nervo no canal, a relação tamanho do nervo e canal, e a mobilidade durante os movimentos articulares que podem caracterizar o aprisionamentol.

2.4 Teste de Sensibilidade

O Teste de sensibilidade é um método qualitativo e parcialmente quantitativo,  por isso se presta à  monitoração da neuropatia; tem fácil e segura aplicação, baixo custo e, portanto, se adequá aos programas ambulatoriais . É  específico para as fibras sensitivas táteis, pois trata-se de um estesiômetro no qual se aplicam estímulos táteis e, embora possa haver uma correlação com as perdas das sensibilidades térmica e dolorosa, não é de forma alguma específica para estas modalidades de sensibilidade (Garbino, 1999).

2.5 Teste motor

É um método ambulatório, fácil de se aplicar, e , sendo semiquantitativo, tem importância para se detectar as perdas motoras em proporções moderadas ,e significado clínico para tomada de decisão ‘. Se realizado em músculos distais e proximais, relacionados a cada nervo comprometido, trará a possibilidade de auxiliar na localização anatômica da lesão, e definir os locais que são o epicentro do fenômeno patológico.

O teste motor ou teste muscular voluntário, que é também universalmente usado para o seguimento de deficits motores, gradua de 0 a 5 a força muscular 3. 0 grau 0 as paralisias completas, os graus 1 e 2 caracterizam perda pronunciada, o grau 3 é a perda moderada, o grau 4 perda leve, e o grau 5 força normal (Garbino, 1999).

2.6  Monitoração da neuropatia da hanseníase

A neuropatia da hanseníase é uma doença crônica, e após o início do tratamento, ocorrem as neurites agudas durante as reações tipo I,  ou reações reversas e tipo II e suas equivalentes internas, ou seja, em tecidos mais profundos (Garbino, 1998).

Ao se avaliar o sistema nervoso periférico, é imprescindível  que se opte por um sistema simplificado que tenha especificidade, sensibilidade e objetividade, e que seja facilmente reprodutível e apropriado para o seguimento do paciente, ou seja, a sua monitoração. Diante de um paciente com neuropatia é necessário, na primeira avaliação a linha basal do acompanhamento; definir se há inflamação, a sua forma clínica e assim graduar a severidade da perda neurológica; localizar o foco de lesão, por aprisionamento, ou desmielinização, para só então elaborar hipótese prognóstica, plano  terapêutico e plano de monitoração. Com o estudo de condução padronizado, pode-se graduar a perda axonal motora em leve, moderada e pronunciada. quando a redução de amplitude comparada contralateralmente ou com os controles normais é de até 50%, considera-se leve, quando acima de 50 e abaixo de 90% é moderada, e acima de 90% pronunciada (Garbino, 1998).

Além das técnicas de diagnóstico, o tratamento das sequelas neurológicas da hanseníase requer uma abordagem multidisciplinar. A fisioterapia desempenha um papel vital na recuperação funcional dos pacientes, através de exercícios que visam melhorar a força muscular e a mobilidade articular. Um estudo sobre a eficácia da fisioterapia em pacientes com úlceras no pé associadas ao diabetes mostrou que intervenções fisioterapêuticas podem melhorar a funcionalidade e a resposta sensorial, sugerindo benefícios semelhantes em pacientes com hanseníase (De Moraes et al., 2020). Técnicas de mobilização articular e fortalecimento muscular podem ajudar a restaurar a função e prevenir o desenvolvimento de deformidades, como o pé caído, que é comumente associado ao comprometimento do nervo fibular.

Do ponto de vista molecular, a enzima indoleamina 2,3-dioxigenase (IDO1) tem sido estudada por seu papel na neuropatia hanseniana. A IDO1 está envolvida na modulação da resposta imune e na degradação do triptofano, um aminoácido essencial para a síntese de neurotransmissores. A atividade alterada da IDO1 pode contribuir para o desenvolvimento da neuropatia através da interferência nos processos imunológicos e metabólicos que afetam a integridade dos nervos periféricos (Pereira, 2020). Compreender o papel dessa enzima na hanseníase pode abrir portas para intervenções terapêuticas visando reduzir os danos neurológicos. Pesquisas adicionais sobre a IDO1 podem fornecer importantes contribuições sobre os mecanismos subjacentes da neuropatia e oferecer novos alvos para o desenvolvimento de tratamentos inovadores.

A qualidade de vida dos indivíduos com hanseníase é frequentemente comprometida não apenas pelos sintomas físicos, mas também pelo impacto psicossocial da doença. Estudos demonstram que a condição clínica dos pacientes está fortemente correlacionada com sua percepção de qualidade de vida, destacando a importância de uma abordagem de tratamento holística que inclua suporte psicológico e social (Antas et al., 2022). Intervenções de reabilitação que abordam tanto os aspectos físicos quanto emocionais da hanseníase são fundamentais para promover a reintegração social dos pacientes e reduzir o estigma associado à doença.

No Brasil, a hanseníase ainda representa um desafio de saúde pública significativo, com muitos pacientes enfrentando dificuldades no acesso a cuidados de saúde adequados. A implementação de programas de saúde pública que integrem diagnóstico precoce, tratamento multidisciplinar e apoio social é essencial para abordar as necessidades dos pacientes de forma abrangente. Estudos recentes destacam os avanços no diagnóstico e tratamento da hanseníase, mas também enfatizam a necessidade de estratégias contínuas para enfrentar os desafios remanescentes (Bif et al., 2024). A educação em saúde e a conscientização pública são fundamentais para reduzir o estigma associado à hanseníase e melhorar a adesão ao tratamento.

2.7 Abordagens Terapêuticas e Reabilitação em Hanseníase

A hanseníase, apesar de curável, muitas vezes deixa sequelas neurológicas que podem causar incapacidades permanentes. Portanto, a fisioterapia é muito importante para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. As abordagens terapêuticas em hanseníase necessitam ser amplas e integradas, abrangendo tanto a reabilitação física quanto o suporte emocional e social para garantir que os pacientes possam recuperar a funcionalidade e viver de forma independente.

Um relato de experiência destacou que, através de exercícios regulares, os pacientes conseguiram melhorar a força muscular e a mobilidade, além de reduzir o risco de complicações secundárias, como úlceras e contraturas (Dos Santos Souza et al., 2024). Este protocolo é adaptável e pode ser ajustado para atender às necessidades específicas de cada paciente, tornando-se uma ferramenta valiosa na reabilitação em hanseníase.

A fisioterapia é fundamental para prevenir deformidades, melhorar a mobilidade e fortalecer os músculos enfraquecidos. Técnicas de mobilização articular e exercícios de fortalecimento são frequentemente utilizados para preservar a função articular e muscular.

Uma revisão integrativa destacou que o abandono ao tratamento está frequentemente associado a barreiras no acesso aos serviços de saúde, falta de suporte social e informações inadequadas sobre a doença e seu tratamento (Lima et al., 2024). Abordar essas barreiras é fundamental para garantir que os pacientes completem o tratamento e recebam o suporte necessário para a reabilitação.

A qualidade de vida dos pacientes com hanseníase é frequentemente impactada por questões físicas, psicológicas e sociais. Uma revisão de escopo identificou que a reabilitação integrada, que aborda tanto os aspectos físicos quanto psicossociais da doença, é essencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes (Barcelos et al., 2021). Estratégias de reabilitação que incluem  fisioterapia e têm o potencial de reduzir o impacto das incapacidades e promover a reintegração social dos indivíduos afetados.

2.8 Acometimento do nervo periférico na hanseníase

 A resposta do tecido nervoso à presença do bacilo pode ser diferente, de acordo com o grau de comprometimento. Pode variar desde uma mínima resposta, até respostas intensas , resposta intensa,  resultando em destruição importante do nervo periférico.

Um dos acometimentos mais conhecidos é a sindrome do pé caído ou pé equino-varo, que  é resultado da paralisia ou paresia dos músculos dorsiflexores e eversores do pé, em consequência da lesão dos ramos superficial e profundo do nervo fibular comum. A denominação equino varo é em decorrência da posição de flexão plantar e inversão, adotada pelo tornozelo e pé. E o pé equino ou pé caído, ocorre em decorrência da paralisia ou paresia somente dos músculos dorsiflexores, em consequência da lesão do ramo profundo (nervo fibular profundo). Nesse caso a posição adotada é apenas a de flexão plantar (Alves, 2014).

Os sintomas da Síndrome do Pé Caído podem variar de pessoa para pessoa e podem ser leves ou graves, dependendo da causa subjacente e da extensão da fraqueza muscular ou paralisia dos músculos dorsiflexores do pé.

Quando ocorre a lesão do nervo fibular comum, ocorrerá a fraqueza dos dorsiflexores e eversores do pé. O paciente não consegue realizar o apoio inicial do calcâneo no solo e o aplanamento gradativo do pé na fase de apoio, sendo que o pé entra em contato com o solo de uma só vez. Na fase de balanço, a ponta do sapato arrasta no chão (marcha escarvante) e, como compensação, o paciente realiza uma flexão excessiva do joelho e do quadril (marcha anserina).

3. Metodologia

Este estudo adotou uma abordagem de revisão de literatura, com o objetivo de identificar evidências sobre o acometimento do nervo fibular em pacientes com hanseníase, além de avaliar as abordagens terapêuticas e de reabilitação mais eficazes. A revisão permitiu uma análise crítica dos estudos existentes, proporcionando uma visão clara e fundamentada sobre o tema.

A coleta de dados foi realizada em bases de dados eletrônicas renomadas, incluindo PubMed, SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Cochrane Library. Essas bases foram selecionadas por sua abrangência e qualidade na disponibilização de artigos científicos relevantes para o campo da hanseníase e neuropatias periféricas. A escolha dessas bases de dados garantiu que os estudos mais pertinentes e atuais fossem incluídos na revisão.

Os critérios de inclusão para os estudos revisados foram: publicações entre 2020 e 2024, artigos escritos em inglês, português ou espanhol, pesquisas que abordassem especificamente a neuropatia do nervo fibular em pacientes com hanseníase, e estudos que discutissem intervenções terapêuticas e estratégias de reabilitação para a doença. Foram excluídos relatos de caso isolados, estudos com amostras muito pequenas (menos de 10 participantes) e artigos de opinião ou editoriais sem base empírica. Esses critérios asseguraram a inclusão de estudos de alta relevância e rigor científico.

A estratégia de busca incluiu o uso de palavras-chave e combinações como: “hanseníase”, “nervo fibular”, “neuropatia periférica”, “reabilitação” e “fisioterapia”.

O processo de seleção dos estudos foi conduzido por dois revisores independentes, que avaliaram os títulos e resumos dos artigos identificados. Os estudos que atenderam aos critérios de inclusão foram selecionados para uma leitura completa do texto. Em casos de discordância entre os revisores, um terceiro revisor foi consultado para resolver o impasse e garantir a objetividade e a consistência da seleção.

4. Resultados e Discussões

A partir da busca com base nos dados de combinação de relatos, foram encontradas dezessete publicações científicas. Das quais foram separadas nove que contemplavam o objetivo principal desta revisão, as demais foram descartadas.

Este estudo de revisão bibliográfica analisou dados de diversas fontes sobre o acometimento dos nervos periféricos, em especial o nervo fibular, em pacientes com hanseníase. Os resultados destacam a importância de intervenções precoces e multidisciplinares para mitigar as complicações neurológicas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Estudos como o de Carvalhal et al. (2022) ressaltam que a polineuropatia periférica é uma manifestação frequente da hanseníase, com o nervo fibular sendo particularmente afetado. Esse acometimento leva a sintomas como pé caído, fraqueza muscular e perda sensorial, que podem resultar em deformidades permanentes se não tratados adequadamente. A pesquisa de Khadilkar et al. (2021) enfatiza a importância de um diagnóstico precoce e acurado, destacando a ultrassonografia como uma ferramenta eficaz para identificar alterações estruturais nos nervos periféricos antes que sintomas clínicos severos se desenvolvam.

Silva (2021) investigou o uso da ultrassonografia do nervo fibular em pacientes com hanseníase, revelando que essa técnica pode detectar espessamentos e alterações na ecogenicidade do nervo, oferecendo uma avaliação detalhada e precoce do dano neurológico. Esses achados corroboram a necessidade de técnicas de imagem avançadas para o diagnóstico e tratamento efetivo da neuropatia hanseniana.

O desenvolvimento de dispositivos assistivos personalizados, como órteses para correção do pé caído, tem demonstrado melhorar significativamente a funcionalidade e autonomia dos pacientes. A introdução do Protocolo de Atividade Exercício (PAE) é destacada em relatos de experiência por Pires et al. (2023) e Dos Santos Souza et al. (2024), que evidenciam melhorias na força muscular, coordenação motora e mobilidade dos pacientes que participaram do programa. Essas intervenções não apenas ajudam na recuperação física, mas também contribuem para a redução do estigma associado à doença.

O papel da fisioterapia é essencial no tratamento das sequelas neurológicas. De Moraes et al. (2020) demonstraram que a fisioterapia pode melhorar a resposta sensorial e a funcionalidade de pacientes com neuropatias, sugerindo que essas técnicas podem ser eficazes também em pacientes com hanseníase. A ênfase está na recuperação da força muscular e na prevenção de contraturas e deformidades, aspectos críticos para a manutenção da mobilidade e da independência dos pacientes.

O impacto psicossocial da hanseníase é profundo, e a qualidade de vida dos pacientes é frequentemente comprometida por fatores físicos e emocionais. Barcelos et al. (2021) destacaram que a reabilitação integrada, que aborda tanto os aspectos físicos quanto psicossociais da doença, é essencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Fortunato et al. (2023) e Antas et al. (2022) identificaram que o suporte psicológico e social, além do tratamento médico, são fundamentais para ajudar os pacientes a lidar com o estigma social e as consequências emocionais da hanseníase.

5. Conclusão

O presente estudo, por meio de uma revisão da literatura, examinou o acometimento dos nervos periféricos, com ênfase no nervo fibular, em pacientes com hanseníase, bem como as abordagens terapêuticas e de reabilitação mais eficazes. Constatou-se que a hanseníase continua a ser uma importante preocupação de saúde pública, devido ao seu impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, tanto em termos físicos quanto psicossociais.

Os resultados evidenciaram que a neuropatia associada à hanseníase, particularmente a que afeta o nervo fibular, pode levar a deformidades e incapacidades significativas se não tratada precocemente. Técnicas diagnósticas avançadas, como a ultrassonografia, demonstraram ser fundamentais na detecção precoce de alterações neurais, permitindo intervenções mais eficazes.

A fisioterapia é essencial na prevenção e tratamento das sequelas de hanseníase, destacando o trabalho que a reabilitação realiza no nervo fibular, evitando maiores sequelas como pé caído e possível deformidade e perda funcional, e também extremamente eficaz na melhora da força muscular, mobilidade e marcha dos pacientes.

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