REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409101430
Izabela Martins de Sousa1;
Alessandra Tozatto2
RESUMO
Na contemporaneidade, a interseção entre psicologia e tecnologia tem desencadeado uma transformação significativa no panorama do atendimento psicoterápico. O presente artigo explora os impactos da virtualização da psicoterapia, especialmente por meio do atendimento on-line. Neste contexto, a questão problematizadora centraliza-se nos benefícios e desafios emergentes dessa transição tecnológica. Esta pesquisa justifica-se pelo expressivo aumento das intervenções on-line em psicologia neste século, impulsionada pela expansão das tecnologias de comunicação e intensificada em função da pandemia da COVID-19. Trata-se de um estudo com abordagem metodológica qualitativa de caráter exploratório, realizado por intermédio de uma revisão integrativa de literatura. A pesquisa foi conduzida na base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), refinada por intermédio das seguintes combinações de palavras-chave: “atendimento” + “psicológico” + “on-line”. Foi identificado um total de 315 produções, dentre as quais, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 5 dissertações foram eleitas para adentrar a discussão. Conclui-se que o atendimento psicoterapêutico on-line é extremamente eficaz, portanto, não é pertinente conceber a prática clínica como dissociada das questões contemporâneas e permanecer estagnado no ponto de origem.
Palavras-chave: Atendimento. On-line. Psicologia. Psicoterapêutico.
ABSTRACT
In contemporary times, the intersection between psychology and technology has triggered a significant transformation in the panorama of psychotherapy care. This article explores the impacts of the virtualization of psychotherapy, especially through online care. In this context, the problematizing question centers on the benefits and challenges emerging from this technological transition. This research is justified by the significant increase in online interventions in psychology in this century, driven by the expansion of communication technologies and intensified due to the COVID-19 pandemic. This is a study with a qualitative methodological approach of an exploratory nature, carried out through an integrative literature review. The research was conducted in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) database, refined through the following combinations of keywords: “service” + “psychological” + “on-line”. A total of 315 productions were identified, among which, after applying the inclusion and exclusion criteria, 5 dissertations were chosen to enter the discussion. It is concluded that online psychotherapeutic care is extremely effective, therefore, it is not pertinent to conceive clinical practice as dissociated from contemporary issues and remain stagnant at the point of origin.
Keywords: Service. On-line. Psychology. Psychotherapeutic.
INTRODUÇÃO
Os primeiros estudos sobre o tratamento em psicoterapia por meio da internet foram realizados no final da década de 1990. No contexto brasileiro, a realização de serviços psicológicos pela internet é recente, a interseção entre psicologia e tecnologia tem desencadeado uma transformação significativa no panorama do atendimento psicoterápico (Araújo, 2022).
As intervenções psicológicas on-line foram regulamentadas no Brasil em 2012, quando a Resolução CFP nº 11/2012 (CFP, 2012) estabeleceu diretrizes para a prestação de serviços psicológicos por meio de tecnologias de comunicação à distância, assim como para a realização experimental de atendimento psicoterapêutico. Posteriormente, a inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) para atendimento psicoterapêutico foi autorizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) por meio da Resolução CFP nº 11/2018 (CFP, 2018). Durante o período de pandemia da COVID-19, com o intuito de aprimorar a atuação dos psicólogos diante do cenário pandêmico, a Resolução CFP nº 11/2018 foi atualizada pela Resolução CFP nº 4/2020, em 26 de março de 2020 (CFP, 2020). Atualmente, a regulamentação vigente é a Resolução CFP nº 9/2024, publicada em 18 de julho de 2024, que regulamenta o exercício profissional da psicologia mediado por Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) em território nacional.
As intervenções on-line em psicologia têm aumentado expressivamente neste século, impulsionada pela expansão das tecnologias de comunicação e intensificada em função da pandemia da COVID-19. Em decorrência dos desafios técnicos e da mudança rápida de setting terapêutico imposto pela pandemia do coronavírus, reflete diretamente na necessidade de pesquisas na área, tendo em vista que, aos poucos, a psicoterapia on-line está sendo cada vez mais assimilada a prática clínica (Cruz; Zwielewski, 2021).
Conforme documentado no livro de Cruz e Zwielewski (2021), estatísticas divulgadas pelo Conselho de Psicologia indicam que no período compreendido entre 10 de novembro de 2018 e 29 de fevereiro de 2020, o número de profissionais aptos a realizar atendimentos on-line era de 30.677. Inesperadamente, somente em março de 2020, foram computados 32.310 cadastros.
Psicoterapia on-line é um serviço de atenção e tratamento da saúde mental que deve seguir diretrizes, padrões éticos, exigências técnicas e competências profissionais. A psicoterapia, em geral, define-se como um conjunto de “encontros intencionais”, lastreado por métodos de investigação e tratamento clínico e alinhados por teorias psicológicas. Nesse viés, a psicoterapia on-line é uma modalidade de prestação de serviços clínicos que pode ser predominante ou auxiliar o modelo de psicoterapia tradicional (Ibidem).
O termo “psicoterapia on-line” abrange múltiplas variantes terminológicas, como: telepsicologia, prática clínica on-line e aconselhamento on-line. Esses vocábulos podem diferir conforme a aplicação no âmbito profissional ou em função da modalidade tecnológica utilizada, entretanto, tem-se pesquisas que divergem na conceituação desses termos (Ibidem).
A psicoterapia on-line integra-se à telepsicologia, uma das expressões mais amplas, definindo-se como prestação de serviços psicológicos usando tecnologias de telecomunicações. A telepsicologia, considerada uma expressão “guarda-chuva” para descrever o uso das tecnologias de informação na oferta de serviços psicológicos, emergiu para propiciar cuidados centrados no paciente, alcançando populações carentes, das áreas rurais, pacientes com impedimento de locomoção e mobilidade e pessoas que viajam constantemente. No entanto, não encontra-se na literatura especializada um consenso sobre a definição dessas nomenclaturas, o profissional que oferta o serviço de psicoterapia on-line deve delinear precisamente qual é o serviço prestado: a) com ou sem a presença de um psicoterapeuta; b) síncrono ou assíncrono c) qual a finalidade da psicoterapia; d) quais recursos serão empregados. Essas informações devem ser explicitadas de forma coesa no consentimento informado, por escrito (Ibidem).
Portanto, o presente artigo explora os impactos da virtualização da psicoterapia, especialmente, por meio do atendimento on-line. Neste contexto, a questão problematizadora centraliza-se nos benefícios e desafios emergentes dessa transição tecnológica. Ao analisar os efeitos dessa evolução, elucida-se sobre as complexidades inerentes ao cenário digital, considerando como tais mudanças podem redefinir a prática psicoterapêutica e influenciar a experiência do paciente e do profissional da psicologia. Assim, a premissa central desta investigação supõe que a virtualização da psicoterapia, particularmente por meio do atendimento on-line, oferece benefícios substanciais, tais como maior acessibilidade, flexibilidade de tempo, comodidade e menor custo financeiro, ao passo que impõe desafios significativos, incluindo questões de privacidade, ética, falhas na conexão de internet e a eficácia da relação terapêutica.
Destarte, a pesquisa contínua sobre psicoterapia on-line é um investimento no avanço e na inovação da prática psicológica. Ao fornecer dados sólidos e orientações empiricamente fundamentadas, ela capacita os profissionais a oferecerem um suporte psicológico mais efetivo, acessível e adaptado às necessidades do paciente no mundo digital de hoje.
Nesse contexto, o objetivo geral desta pesquisa visa analisar os impactos da modernização da psicoterapia, explorando as vantagens e os obstáculos do atendimento psicoterápico on-line, a fim de compreender como a transição para o ambiente virtual afetou a prática dos psicólogos. Para atingir esse propósito, foram delineados como objetivos específicos: a) Investigar em que medida a pandemia da COVID-19 alavancou o intercâmbio para o atendimento psicoterapêutico on-line; b) Discutir as mudanças realizadas no transcorrer dos anos, pelo Conselho Federal de Psicologia, em resoluções referentes ao tema; c) Evidenciar diretrizes e os cuidados éticos relacionados ao atendimento psicoterapêutico on-line; e d) Elucidar a eficácia comparativa entre o atendimento psicoterapêutico on-line e o presencial, analisando resultados terapêuticos, satisfação dos psicólogos e taxas de sucesso. Ao selecionar esses objetivos, tem-se por finalidade contribuir para um entendimento mais abrangente e fidedigno sobre as implicações da psicoterapia on-line.
METODOLOGIA
Trata-se de uma investigação de abordagem qualitativa e exploratória fundamentada em uma revisão integrativa de literatura. Conforme Richardson (1999), a pesquisa qualitativa é o método de pesquisa adequado para entender a natureza dos fenômenos sociais, possibilitando a análise da interação entre as variáveis e compreensão dos processos dinâmicos vivenciados por grupos sociais. Gil (2002) evidencia que a revisão integrativa é realizada por intermédio do levantamento das contribuições de outras produções, permitindo comparações e o delineamento de semelhanças entre as concepções de diversos autores. Além disso, a pesquisa exploratória tem por finalidade propiciar maior proximidade com o problema, torná-lo explícito ou constituir hipóteses. Portanto, a temática abordada encaixa-se em aspectos característicos que são inerentes à pesquisa exploratória e qualitativa, tendo como objeto situações complexas ou estritamente particulares.
A pesquisa bibliográfica foi conduzida para mapear e analisar os estudos existentes relacionados aos obstáculos e as vantagens do atendimento psicológico on-line. A priori, a busca por produções foi realizada por intermédio da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Para seleção das teses e dissertações, a pesquisa foi refinada mediada das seguintes combinações de palavras-chave: “atendimento” + “psicológico” + “on-line”. Ademais, foi utilizado como filtro para critério de inclusão: a) teses e dissertações publicadas em português; b) teses e dissertações publicadas e indexadas no referido banco de dados nos últimos cinco anos; c) teses e dissertações que contemplem as palavras-chaves no título e resumo; e d) teses e dissertações de todas as áreas temáticas. Além disso, os critérios de exclusão foram: a) teses e dissertações que não equiparam-se aos objetivos e problemas propostos; c) teses e dissertações redigidas em línguas distintas ao português; e d) teses e dissertações publicadas antecedentes ao ano de 2018.
A partir da aplicação da combinação de palavras-chave na base de dados, identificou-se um total de 315 produções, das quais 5 estavam duplicadas. Nesse contexto, inicialmente procedeu-se à leitura minuciosa dos títulos e resumos, e, uma vez confirmada sua relevância para o objetivo deste estudo, deu-se a leitura completa dos achados. Após a triagem e mediante a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, bem como a verificação de sua pertinência para a presente pesquisa, 310 trabalhos foram excluídos, somente 5 foram eleitos para integrar a revisão a partir da leitura integral das contribuições.
RESULTADOS
As 5 dissertações selecionadas para discussão foram obtidas através da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), sendo as 5 publicações nacionais. As produções consistem em: 1 dissertação quantitativa; 1 pesquisa-ação; 2 dissertações quanti-qualitativas; e 1 estudo de caso.
Todos os trabalhos científicos selecionados contribuem para a compreensão das vantagens e dos entraves relacionados ao atendimento psicoterapêutico on-line. As dissertações foram sintetizadas e organizadas no Quadro 1 após leitura e seleção das contribuições mais significativas.
Quadro 1. Síntese das dissertações utilizadas como aporte para a discussão
ANO | AUTORES | TÍTULO | OBJETIVO | SÍNTESE DAS CONCLUSÕES |
2023 | GIUSTINA, A. A. D. | A terapia Focada em Esquemas na Prática Clínica On-line no Brasil. | O objetivo desse estudo foi mapear os Terapeutas Cognitivos Comportamentais verificando se esses utilizaram a Terapia do Esquema durante o período de isolamento social devido ao Covid-19 no Brasil, em sessões de psicoterapia on-line, comparando o modelo presencial e o virtual síncrono. | A comparação estatística das frequências realizada através do teste McNemar, não apresentou variação significativa em relação à utilização da Terapia dos Esquemas antes no presencial e após as restrições no on-line. A questão da pandemia mostrou que os atendimentos à distância podem atender a demanda, se mostrando uma alternativa para início e continuidade dos tratamentos na Psicologia e uma tendência em relação às demandas da sociedade em saúde mental. |
2022 | CRUZ, C. A. | Gestalt-terapia de curta duração online em experiências de isolamento social: um estudo baseado na pesquisa-ação. | Desenvolver uma prática de atendimento psicológico online de orientação gestáltica, mediante o ciclo investigação-ação, para pessoas que experienciam o isolamento social. | Os resultados destacam a eficácia da Gestalt-terapia de curta duração online ao lidar com o isolamento social. Os efeitos da intervenção indicam movimentos de ampliação da percepção, desenvolvimento e crescimento, autonomia e autossuporte, diminuição do sofrimento e mudanças no fluxo da experiência. Dentre as intervenções que facilitaram tais resultados é possível citar a aplicação da awareness, heterossuporte, acolhimento, validação de sentimentos e facilitação a integração da experiência. |
2022 | SOUSA, M. L. E. V. | Psicoterapia on-line no Brasil: vivências, desafios profissionais e construções éticas. | Analisar a prática profissional do psicólogo clínico que trabalha com atendimento psicológico on-line. Especificamente, o estudo busca compreender as vivências e a rotina desta prática profissional, as questões éticas relacionadas, benefícios, desafios e efetividade, assim como, o impacto do uso de tecnologias na saúde dos profissionais. | Os resultados desta pesquisa contribuem para desmistificação acerca da temática, possibilitando fortalecimento da prática, ampliando o acesso da sociedade a este serviço, através do aumento da confiabilidade do usuário e divulgação da modalidade. Por fim, contribui com a prevenção e promoção de saúde, e consequentemente com a qualidade de vida da população ao ampliar o acesso à psicoterapia. |
2021 | COSTA, C. M. A. DA | O Corpo do Terapeuta no Atendimento On-line: afetos produzidos na experiência clínica. | Discutir o corpo do terapeuta no processo clínico on-line e como o afeto produzido neste campo atravessa concomitantemente o corpo do consulente, tornando-o mais consciente e potencializando-o para a criação de novas possibilidades a partir da relação que emerge neste encontro. | Compreende-se que o campo virtual não se opõe ao real, mas vai ao encontro da abertura de possibilidades, o corpo do terapeuta é um instrumento importante nessa relação, já que é ele quem deve garantir o suporte necessário ao encontro e ao crescimento do consulente. Entende-se que não há uma resposta única, muito menos uma regra a ser seguida diante do encontro que se abre na clínica, pois não se trata somente do terapeuta ou somente do consulente com suas demandas, mas de uma experiência única e totalmente nova que surge a partir desse encontro. |
2021 | MORAIS, M. M. N. DE | Teleatendimento no acompanhamento terapêutico de crianças com transtorno do espectro autista durante a pandemia do COVID-19. | Analisar como os profissionais de psicologia clínica e neuropsicologia realizaram teleatendimentos a crianças com TEA no período de isolamento social durante a pandemia do COVID-19 no Brasil. | Em consonância com a proposta, as plataformas de teleatendimentos mais utilizadas pelos profissionais foram o Google Meet, Whatsapp, Skype e Zoom. No que se refere às ferramentas de trabalho adotadas para intervenções possíveis de serem realizadas, destaca-se a mediação por meio de aplicativos e jogos online. Por fim, o incentivo ao uso das atividades e jogos fora do ambiente da terapia é importante para que haja eficácia maior no tratamento e isso deve ocorrer por meio do processo de psicoeducação. |
Fonte: a autora (2023)
DISCUSSÃO
A análise das produções selecionadas, conforme a organização delineada no Quadro 1, revelou um enfoque consistente sobre as vantagens e os entraves relacionados à psicoterapia on-line.
A partir de uma análise histórica, conforme Sousa (2022), no que tange à incorporação das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) pelos profissionais psicólogos, no Brasil, a prestação de serviços psicológicos por meio de dispositivos eletrônicos tem sido pauta no Sistema Conselhos de Psicologia desde a década de 1990.
Nesse viés, condensando o percurso das resoluções que versam sobre a prestação de serviços através das TICs, o processo de normatização pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) teve início em 1995, através das resoluções CFP nº 02/1995, CFP nº 03/2000, CFP nº 12/2005 e CFP nº 11/2012 (Sousa, 2022). Para fins de análise mais aprofundada, limitarei a discussão às resoluções mais recentes.
A Resolução CFP nº 11/2012 estabeleceu diretrizes para a prestação de serviços psicológicos por meio de tecnologias de comunicação à distância, assim como para a realização experimental de atendimento psicoterapêutico. No capítulo I da resolução, contempla os seguintes serviços:
I. As Orientações Psicológicas de diferentes tipos, entendendo-se por orientação o atendimento realizado em até 20 encontros ou contatos virtuais, síncronos ou assíncronos;
II. Os processos prévios de Seleção de Pessoal;
III. A Aplicação de Testes devidamente regulamentados por resolução pertinente;
IV. A Supervisão do trabalho de psicólogos, realizada de forma eventual ou complementar ao processo de sua formação profissional presencial;
V. O Atendimento Eventual de clientes em trânsito e/ou de clientes que momentaneamente se encontrem impossibilitados de comparecer ao atendimento presencial (CFP, 2012).
Ainda segundo a Resolução CFP nº 11/2012, o profissional deveria proceder com o registro dos serviços on-line junto ao Conselho Regional de Psicologia (CRP). Para efetuar o cadastro, o psicólogo deveria possuir um site dedicado à prestação de serviços psicológicos na internet, de domínio próprio, mantido no Brasil e em conformidade com a legislação nacional. O site devia claramente apresentar informações como: a) nome e o número de registro do profissional; b) todos os profissionais que prestam serviços por meio do site; e c) indicar o número máximo de sessões permitidas. Além disso, fazia-se imperativo disponibilizar links de fácil acesso ao Código de Ética Profissional, a resolução regulamentadora, ao CRP e ao CFP onde consta o registro do site (Sousa, 2022).
No capítulo II da resolução supracitada, o número de sessões a serem efetuadas deveria estar alinhado com as diretrizes estabelecidas no protocolo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Sob essa perspectiva, o psicólogo pesquisador estava incumbido de:
I. Apresentar certificado de aprovação do protocolo em Comitê de Ética em Pesquisa, conforme os critérios do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
II. Respeitar o Código de Ética Profissional da(o) psicóloga(o);
III. É vedado ao participante pesquisado, individual ou coletivamente, receber qualquer forma de remuneração ou pagamento;
IV. A(o) psicóloga(o) deve se comprometer a especificar quais são os recursos tecnológicos utilizados no seu trabalho e buscar garantir o sigilo das informações;
V. As informações acima citadas deverão constar de forma visível e com fácil acesso no site que realiza a pesquisa (CFP, 2012).
No ano de 2018, a Resolução CFP nº 11/2012 foi revogada entrando em vigor a Resolução CFP nº 11/2018, que normatiza a prestação de serviços psicológicos por meio de TICs. Nessa resolução, o psicólogo é habilitado a ofertar consultas e/ou serviços psicológicos de diferentes naturezas de forma síncrona ou assíncrona em várias especialidades da psicologia, impelido de avaliar, orientar e intervir em processos individuais e grupais (CFP, 2018).
Na Resolução CFP nº 11/2018, o psicólogo detém plena responsabilidade pela adequação e pertinência dos métodos e técnicas utilizados na prestação de serviço, prescindindo de vinculação a um website. Portanto, é imperativo que cada tecnologia adotada seja consonante com os preceitos científicos, as normativas legais e os códigos éticos inerentes à profissão. O psicólogo deve fundamentar, nos registros da prestação de serviços, a adequação técnica, a relevância metodológica e a integridade ética da tecnologia empregada (Sousa, 2022).
Em divergência com a antiga resolução, na Resolução CFP nº 11/2018 não há mais limitação no número de sessões. Os serviços legitimados são explicitados no capítulo I:
I. As consultas e/ou atendimentos psicológicos de diferentes tipos de maneira síncrona ou assíncrona;
II. Os processos de Seleção de Pessoal;
III. Utilização de instrumentos psicológicos devidamente regulamentados por resolução pertinente, sendo que os testes psicológicos devem ter parecer favorável do Sistema de Avaliação de Instrumentos Psicológicos (SATEPSI), com padronização e normatização específica para tal finalidade.
IV. A supervisão técnica dos serviços prestados por psicólogas e psicólogos nos mais diversos contextos de atuação (CFP, 2018).
Na resolução supramencionada, é permitido o acolhimento on-line de infantes e jovens mediante o consentimento explícito de ao menos um dos tutores legais, sujeito à avaliação de viabilidade técnica realizada pelo psicólogo. No entanto, a assistência a pessoas e grupos em estado de urgência e emergência é proibida, assim como, é vetada a intervenção psicológica em casos de violação de direitos ou de violência, sendo necessário que a prestação de serviços seja conduzida de maneira presencial (CFP, 2018).
Adicionalmente, o desempenho da atividade profissional de psicólogo requer o pagamento das anuidades ao respectivo CRP, constituindo um pré-requisito para a execução da prática profissional, seja ela presencial ou virtual (Sousa, 2022).
Em 2018, o CFP estabeleceu diretrizes sobre a prestação de serviços psicológicos virtuais, incluindo, na Resolução CFP nº 11/2018, a exigência de um registro antecipado na plataforma e-Psi — uma plataforma nacional destinada aos profissionais para a prestação de serviços psicológicos por meio das TICs (CFP, 2018). Contudo, segundo os achados de Sousa (2022), em seu estudo com 26 psicólogos inicialmente envolvidos, todos afirmaram engajar-se na prática da psicologia clínica on-line. A análise dos dados colhidos, incluindo o número de registro profissional, permitiu uma verificação via portal e-Psi, a fim de constatar se esses profissionais estão devidamente registrados e autorizados pelo CRP para oferecer atendimento psicológico virtual. Surpreendentemente, apenas 12 dos 26 participantes possuem tal autorização, representando 46,15% da amostra inicial. Este resultado inicial suscita questões acerca do possível desconhecimento ou descompromisso ético dentro da profissão, bem como levanta dúvidas sobre a percepção da necessidade desse registro por parte de alguns psicólogos. Dos 10 participantes que prosseguiram em todas as etapas da pesquisa, apenas 3 estão devidamente cadastrados pelo CRP, representando 30% da amostra total dos entrevistados.
A partir da análise das entrevistas conduzidas por Sousa (2022) em sua pesquisa, emergiu a dicotomia entre os psicólogos que endossaram os mecanismos de controle e regulação profissional e aqueles que os rejeitaram, especialmente no que tange ao processo de cadastro e-Psi. Dos participantes favoráveis, apenas um possui cadastro aprovado, insinuando uma possível incoerência por parte daqueles que advogam a favor do cadastro, mas falham em segui-lo.
Em 2020, no Brasil, frente à mudança paradigmática decorrente da pandemia da COVID-19, emerge a premente necessidade de enfatizar a expansão das intervenções on-line em resposta aos desafios impostos pela crise sanitária. A disseminação do vírus SARS-CoV-2 deixou uma marca indelével, culminando na instauração de medidas de distanciamento social em março daquele ano. A partir desse ponto, numerosos profissionais adaptaram seus métodos de atendimento para o ambiente virtual (Sousa, 2022).
Sousa (2022) elucida que ao longo dos períodos de máximo isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19, evidenciou-se um incremento nas demandas por cuidados em saúde mental e uma maior procura por psicoterapia on-line. Tal cenário sublinha a imperiosidade de modificações legislativas neste modal de prestação de serviços, enquanto também evidencia a escassez de estudos acerca da intervenção dos psicólogos mediante o emprego das TICs, apontando para uma lacuna de pesquisa neste campo.
Frente a atual conjuntura, visando aprimorar a atuação dos psicólogos diante do cenário pandêmico, a Resolução CFP nº 11/2018 foi atualizada pela Resolução CFP nº 4/2020, em 26 de março de 2020. Esta última define as diretrizes para a oferta de serviços psicológicos por meio das TICs durante o período da pandemia da COVID-19. Logo, essa atualização reitera o compromisso com o Código de Ética do Psicólogo e a Resolução CFP nº 11/2018 (Sousa, 2022).
A Resolução CFP nº 4/2020 revoga o Art. 3º e o Art. 4º da Resolução CFP n° 11/2018, autorizando a atuação profissional on-line logo após o cadastro na plataforma e-Psi, mesmo que ainda estejam aguardando a emissão de parecer do respectivo CRP, conforme estipulado no parágrafo 2º do Art. 3º, medida tomada desde o início da pandemia (CFP, 2020).
De acordo com Sousa (2022), constata-se uma incongruência na normativa que viabiliza a atuação on-line do psicólogo enquanto aguarda o parecer do CRP, sem estipular um prazo hábil para essa análise. Isso pode levar o profissional a negligenciar a devida cautela e vigilância em relação a esse consentimento, ao sentir-se legitimado e respaldado pela normativa para atuar, mesmo sem ter obtido a autorização formal. Indaga-se se essa lacuna não estaria facultando ao psicólogo manter-se indiferente ao cadastro por período indeterminado.
Perante essa conjuntura, a Resolução CFP nº 4/2020 também revoga os Art. 6º, 7º e 8º da Resolução CFP nº 11/2018. A revogação destes artigos viabiliza a utilização das TICs para atendimento em contextos de caráter urgente, emergencial, catastrófico, assim como em cenários envolvendo transgressões de direitos e atos de violência. Outrossim, esclarece que incorrerá em falta ética o psicólogo que prestar serviços psicológicos por meio de TIC após indeferimento do CFP (CFP, 2020a; Sousa, 2022).
O estudo conduzido por Sousa (2022), envolvendo 10 psicólogos, mostra que 8 efetivaram seu cadastro na plataforma e-Psi para atendimentos on-line em 2020, incitados pela pandemia da COVID-19. Os entrevistados relataram laborar com o atendimento síncrono, por videochamada em diversas plataformas e aplicativos. O Google Meet foi elencado como predileção entre os entrevistados, enquanto o WhatsApp apresentou-se como alternativa exequível para usuários com acesso limitado a dados móveis. Além disso, o WhatsApp é considerado uma opção viável para aqueles com pouca familiaridade com tecnologias, devido à sua ampla popularidade. O Skype e o Microsoft Teams foram os únicos aplicativos que receberam objeções, o primeiro foi classificado como um software de grande porte, enquanto o segundo apresentou inconsistências na geração de links para a abertura das salas virtuais. Analogamente ao estudo supramencionado, Morais (2021) sustenta, em sua pesquisa, que os aplicativos mais frequentemente citados pelos profissionais foram Google Meet, WhatsApp, Skype e Zoom.
A Resolução CFP nº 9/2024, publicada em 18 de julho de 2024, é a norma atualmente em vigor que regulamenta o exercício profissional da psicologia mediado por Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) em território nacional. Esta resolução substitui e revoga as normativas anteriores, Resolução CFP nº 11/2018 e Resolução CFP nº 04/2020, consolidando as diretrizes para a atuação dos psicólogos no ambiente digital.
Primeiramente, evidencia-se na nova resolução a mudança do termo Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) para Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) que enfatiza o papel crescente das tecnologias digitais, integrando novas ferramentas e métodos que impactam a forma como a informação é gerada, compartilhada e utilizada no contexto da psicoterapia on-line (CFP, 2024).
Conforme a resolução vigente, o exercício profissional da psicologia mediado por TDICs compreende qualquer atividade em que o psicólogo utilize, de forma esporádica ou recorrente, as TDICs para estabelecer interações entre as partes envolvidas no serviço. Isso inclui a comunicação e manifestação com os usuários de seus serviços psicológicos, a aplicação de métodos e técnicas que dependam de servidores remotos, entre outras atividades, sempre que o profissional se apresentar como psicólogo ou for identificado pela profissão (CFP, 2024).
A resolução adverte a necessidade de considerar a viabilidade de ofertar serviços de maneira concomitante ou encaminhamento para serviços realizados de forma simultânea na rede de proteção presencial, assim como para serviços estritamente presenciais, frente às seguintes eventualidades:
I – situações que envolvam risco de morte/integridade do usuário, violência ou violação de direitos;
II – ameaça à liberdade e privação de liberdade em suas diversas manifestações institucionais;
III – situações de urgência e emergência, considerando a legislação sanitária vigente e desastres naturais (CFP, 2024).
Para mais, foram acrescidas à resolução vigente, de forma inédita, informações referentes aos limites legais para fins de orientação e fiscalização e atuação profissional, que restringem-se ao exercício praticado exclusivamente em território nacional. Nesse contexto, independentemente do estado em que a inscrição principal do profissional esteja registrada, é permitido oferecer serviços mediados por TDICs para outras regiões, isentos da obrigatoriedade de obter uma inscrição secundária. Além disso, o CFP salienta que aqueles que residem em outros países devem cumprir a legislação local vigente (CFP, 2024).
Cruz (2022) sublinha que, ao analisar a incorporação das TICs entre os participantes de sua pesquisa-ação — indivíduos com queixas psicológicas decorrentes da vivência do isolamento/distanciamento social relacionado à prevenção de propagação e contágio da COVID-19 — fora evidenciado dificuldades persistentes no manuseio das ferramentas de videochamada por parte dos colaboradores. Dentre os fatores cruciais que impactam essa questão, explicita-se a qualidade dos dispositivos móveis e sua disponibilidade variável, considerando as disparidades sociais e o acesso desigual a esses dispositivos em determinadas regiões do país. Ademais, a capacidade de armazenamento limitada dos dispositivos também mostrou ser um impasse, especialmente quando atualizações são necessárias para suportar videoconferências. Por fim, a habilidade individual e a familiaridade com as ferramentas digitais desempenham um papel significativo na eficácia da utilização dessas tecnologias. Assim sendo, objetivando aprimorar a intervenção, a autora elegeu a plataforma Google Meet como solução preferencial da sua pesquisa.
Na pesquisa realizada por Sousa (2022) com psicólogos clínicos, no que concerne aos instrumentos psicológicos utilizados no ambiente virtual, foram assinalados: guias de entrevista semiestruturada para avaliação psicológica em geral e para avaliação pré-cirúrgica; questionários e escalas passíveis de serem administrados por meio de entrevistas; inventários adaptados para aplicação virtual; Bateria Fatorial de Personalidade (BFP).
Em parágrafo único, a Resolução CFP nº 9/2024 reconhece que, no exercício profissional mediado por TDICs, a utilização de instrumentos psicológicos deve seguir a regulamentação estabelecida pela resolução pertinente, e os testes psicológicos necessitam de parecer favorável do Sistema de Avaliação de Instrumentos Psicológicos (SATEPSI), com padronização e normatização específica para tal finalidade (CFP, 2024).
Além disso, a Resolução CFP nº 9/2024 estabelece que o exercício da psicologia mediado por TDICs compreende toda interação profissional que se sirva das tecnologias digitais para sua realização, tais como:
I – comunicação síncrona ou assíncrona com usuários dos serviços psicológicos;
II – registro e guarda de informações, considerando a responsabilidade ética no manuseio de dados sensíveis e suas implicações com o sigilo profissional quanto à privacidade e à autonomia dos usuários dos serviços;
III – emprego de métodos e técnicas psicológicas mediante servidores remotos;
IV – zelo pelo aspecto ético sendo responsável por dados e informações sensíveis e suas implicações ao sigilo profissional, a privacidade e autonomia dos usuários (CFP, 2024).
O atendimento psicoterapêutico on-line impõe desafios instrumentais para os psicólogos. A exigência de tecnologias idôneas e compreensão acerca da qualidade dos recursos utilizados, como conexão, áudio e iluminação pode ser um desafio para o profissional. Logo, é imprescindível investimento intelectual e financeiro por parte do psicólogo para implementar recursos indispensáveis, instrumentalizar a sala de atendimento e aprimorar seus conhecimentos tecnológicos (Sousa, 2022). Adicionalmente, Giustina (2023) enfatiza que psicólogos com mais expertise atribuem menos desvantagens ao atendimento por videochamada, não obstante, os menos versados, apresentam anseios como impasses técnicos de caráter impessoal e indagações sobre a adequação dessa modalidade para pacientes de alto risco.
Os psicólogos engajados na pesquisa de Sousa (2022) destacam que seus atendimentos on-line ocorrem com similaridade às sessões de psicoterapia presencial, sendo realizados em horário previamente agendado, com tempo médio de duração de 50 minutos a 1 hora. Além disso, são fornecidas orientações prévias para que o paciente organize o seu espaço doméstico priorizando a confidencialidade, o sigilo e a concentração. Em resumo, as contribuições dos entrevistados ressaltam que é de suma importância uma organização clara e normativa para os atendimentos on-line. A carência de uma estrutura ordenada e regulatória pode comprometer o vínculo terapêutico, afetando a viabilidade da psicoterapia. Portanto, o psicólogo deve estabelecer regras no contrato terapêutico.
Ademais, Sousa (2022) evidencia que a facilidade de acesso e comodidade do atendimento on-line não garantem a adesão do paciente, em contraste, podem resultar na descontinuidade do tratamento. Destarte, é crucial que o psicólogo esteja atento aos desafios organizacionais na perspectiva pessoal e na profissional, sistematizando e organizando o processo terapêutico, sabendo se posicionar nas sessões, operando as ferramentas tecnológicas e recriando o setting terapêutico com clareza nas particularidades do contrato terapêutico. De acordo com os entrevistados na pesquisa da autora, o contrato de atendimento on-line geralmente ocorre de três formas distintas: 1) verbalmente na primeira sessão; 2) por meio de documentação escrita; ou 3) mediante mensagens de texto via WhatsApp.
O CFP, na resolução vigente, estabelece que os contratos de prestação de serviços psicológicos mediados por TDICs podem ser firmados de forma escrita ou verbal e devem incluir informações sobre: a) as características do trabalho a ser realizado, além dos direitos e deveres das partes envolvidas; b) os recursos tecnológicos que serão utilizados e suas especificidades; c) a cláusula de eleição de foro, definida conforme a jurisdição onde o psicólogo possui inscrição principal; d) os dados da empresa ou instituição com a qual o profissional está associado, quando a prestação de serviços ocorrer por meio de Pessoa Jurídica ou instituição (CFP, 2024).
Sousa (2022) descreve uma relação intrínseca entre setting e confidencialidade, aspectos que demandam ampla atenção do psicólogo, a fim de evitar transgressões éticas e detrimento na efetividade da psicoterapia. O setting terapêutico convencional da terapia presencial apresenta-se como um cenário elaborado e organizado pelo próprio psicoterapeuta, que proporciona, principalmente, sigilo e confidencialidade. No âmbito da psicoterapia on-line, o psicólogo não possui o controle de variáveis como interrupções de terceiros, barulhos externos e obstáculos tecnológicos. Logo, é necessário comunicar ao paciente, desde o primeiro atendimento e sempre que se mostrar essencial, a importância de um ambiente estruturado, especialmente quando surgirem situações inesperadas no entorno do paciente.
Por conseguinte, evidenciando a eficácia comparativa entre o atendimento on-line e o presencial, a maioria dos psicólogos participantes da pesquisa de Sousa (2022) apresentou um notável desempenho referente aos atendimentos on-line e parecer favorável a união entre as TICs e a psicologia, enunciando contentamento a facilidade que essa integração proporciona à dinâmica e à rotina de trabalho. Todavia, mesmo em menor quantidade, tiveram colocações mais críticas, desvelando sobre o excesso do uso das tecnologias e seu potencial para se tornarem nocivas à saúde. De acordo com a pesquisa, os profissionais relataram queixas de ganho de peso e aumento da ansiedade.
Considerando o contexto exposto acima, a Resolução CFP nº 9/2024 introduz uma nova responsabilidade ao psicólogo, a de avaliar e considerar os riscos associados à saúde relacionados ao uso de TDICs, que incluem sedentarismo, exposição à luz, comportamentos aditivos, entre outros (CFP, 2024).
De acordo com os resultados da pesquisa de Sousa (2022), somente 1 dos 10 participantes declarou ter vivenciado experiência totalmente negativa com os atendimentos on-line realizados no período da pandemia da COVID-19, salientando falta de suporte por parte do CFP, frustração e inadequação. O profissional declarou ter trabalhado com esta modalidade de atendimento por um curto período de tempo e, por não considerar os atendimentos exitosos, não prosseguiu. A autora afirma que a brevidade da experiência profissional pode ter impactado a adequação e adaptação deste profissional ao atendimento virtual.
Por outro enfoque, Giustina (2023) desenvolveu uma pesquisa com psicoterapeutas da Teoria Cognitivo Comportamental (TCC), integrantes da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC), que declararam ter realizado atendimentos de psicoterapia on-line durante o período de isolamento social no Brasil, em março de 2020. Os resultados obtidos patentearam que os psicólogos aplicaram com frequência a Terapia do Esquema (TE), não apresentando variações entre o modelo presencial e o on-line, nem flutuações quanto à utilização dessa abordagem durante o período da pandemia.
Adicionalmente, Giustina (2023) confirma que os psicólogos cognitivos comportamentais utilizam menos questionários e teorias em sessões on-line comparado ao modelo presencial. A autora salienta que, durante as sessões on-line, esquemas iniciais desadaptativos, como o de desconfiança, são mais ativados nos pacientes pela visão limitada do psicoterapeuta através da tela. Assim sendo, visando um menor acionamento esquemático, decresceu, por exemplo, o pedido de tarefas de casa, como o preenchimento de questionários. A pesquisa verificou também que, embora 51% dos profissionais não realizassem anteriormente atendimentos on-line, após o término do isolamento social, uma parcela significativa desses profissionais continuou a atender de forma virtual.
Conforme Cruz (2022), a implementação das TICs nos atendimentos psicoterapêuticos se consolida de maneira complementar e não substitutiva, objetivando ampliar a assistência ao cuidado em saúde mental. Assim sendo, tendo em vista que a relação terapêutica se configura como um conjunto de padrões comunicativos que emergem entre o psicólogo e o cliente, onde são expressos sentimentos e atitudes de maneira implícita ou explícita, a vinculação terapêutica mediada por sessões on-line, não evidencia grandes disparidades em relação à vinculação presencial. Logo, para a autora, uma intervenção terapêutica efetiva não está estritamente associada ao meio tecnológico que intermedia o vínculo, contudo, a disponibilidade do psicoterapeuta e a implicação do cliente para o crescimento e mudança impactam de forma significativa no processo.
No que concerne aos entraves do atendimento on-line expostos pelos psicólogos colaboradores no estudo de Sousa (2022), incluem-se: adaptação à modalidade; demanda por mais tempo para estabelecer o vínculo terapêutico; e dificuldade de compromisso e adesão do paciente à terapia, devido à praticidade e comodidade. Os participantes relataram que o atendimento on-line exige mais disciplina e comprometimento do paciente, assim como, mais atenção e percepção do psicólogo para se conectar com o paciente e ler suas emoções, tendo como desafio, o campo de visão limitado ao quadrante da câmera e a qualidade da imagem para observação de expressões não verbais. Em vista disso, necessita de maior empenho do psicólogo para observar e expressar emoções em devolutiva ao paciente, utilizando mais da comunicação verbal para clarificar algumas situações. Na pesquisa analisada, um dos psicólogos expõe que não manteve as sessões on-line devido à renúncia dos próprios pacientes que não se adaptaram à modalidade de atendimento.
No atendimento on-line, conforme Sousa (2022), é imprescindível considerar a possibilidade do profissional realizar múltiplas tarefas de forma simultânea, como ler mensagens ou conectar-se a redes sociais. Destarte, a sessão virtual exige que o psicólogo se engaje de forma mais ética, mantendo vigilância constante sobre sua atenção para evitar distrações e faltas éticas.
Ademais, outro obstáculo relativo ao atendimento virtual, pontuado pelos psicólogos na pesquisa de Sousa (2022), associa-se ao acolhimento do público infantil, face à necessidade de recursos lúdicos e de maior interação para captar a atenção da criança. Para os participantes, é mais pertinente e eficaz atender a essa faixa etária de forma presencial, evidencia-se a necessidade de uma avaliação meticulosa para viabilizar a psicoterapia on-line com indivíduos menores de idade, considerando que as dimensões de privacidade e sigilo da sessão assumem outros contornos nesse contexto, e o lar passa a ser o ambiente terapêutico.
Morais (2021), em sua pesquisa, discute a suspensão do tratamento presencial de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) devido ao isolamento físico/social desencadeado pela pandemia da COVID-19. A autora frisa o aumento de comportamentos agressivos e a perda de habilidades previamente adquiridas, acarretando um declínio no prognóstico de aspectos cognitivos e comportamentais, o que pode acarretar prejuízos futuros.
No contexto pandêmico, visando prosseguir com a assistência às famílias e às crianças com TEA, alguns psicólogos continuaram seus atendimentos de forma on-line. Morais (2021) desvela em sua pesquisa, um consenso entre autores e criadores de games de que o uso de jogos digitais facilita o desenvolvimento dessas crianças, aprimorando habilidades deficitárias em nível baixo, médio ou alto. Além disso, os aplicativos de jogos mais utilizados pelos psicólogos participantes da pesquisa, para a realização dos atendimentos on-line, foram: Wordwall (7%) e Gartic (7%). Todavia, (41,9%) não utilizaram aplicativos de jogos para seus atendimentos virtuais, e (9,3%) adaptaram atividades utilizando o PowerPoint, enquanto outros ajustaram jogos sem o uso de aplicativos (4,7%).
Para mais, no que tange as intervenções mais utilizadas com os infantes na modalidade on-line pelos 30 psicólogos participantes da pesquisa de Morais (2021), a mais utilizada, abarcando (93,30%) da amostra, é a Psicoeducação, seguida pela Tarefa para os pais/cuidadores realizarem em casa (86,70%). Outrossim, apenas (16,66%) dos psicólogos relataram não ter viabilidade para intervenção diretamente com a criança, somente a Psicoeducação ou a Orientação aos pais. Referente às atividades realizadas com as crianças, mediadas pelo profissional e com o auxílio dos pais, cita-se: atividades de estimulação cognitiva, como baralho, caça ao tesouro e dedução lógica; estimulação psicomotora, através de blocos de encaixe, construção de brinquedos e desenhos; estimulação da interação social, mediante brincadeiras lúdicas com os pais e treino de habilidades sociais; e estimulação da linguagem, por meio do comportamento ouvinte e contação de histórias.
No que se refere às vantagens que o atendimento psicoterapêutico on-line propicia, Sousa (2022) evidencia: adequação às especificidades da pessoa atendida; eliminação das barreiras geográficas; e flexibilidade para aquelas que viajam com frequência ou que possuem restrição de mobilidade. Segundo a investigação conduzida pela autora, os psicólogos participantes descrevem essa modalidade como extremamente eficaz, sem prejuízos no progresso ou na efetividade do processo terapêutico. Outrossim, revela-se de igual eficácia para os pacientes que iniciaram a terapia por meio do modelo on-line, sem comprometer a formação do vínculo terapêutico.
Adicionalmente, outro aspecto positivo que o atendimento on-line proporciona, conforme Sousa (2022), é a diminuição do caráter elitista da psicologia clínica, promovido pelo aumento do acesso a atendimentos através dos recursos virtuais. Um dos participantes da pesquisa conduzida pela autora argumenta que, devido à redução dos custos e despesas do psicólogo, é possível cobrar um preço mais acessível pelos atendimentos. Destaca também que a pandemia intensificou o uso de tecnologias por toda população, adjunto a incentivos governamentais, tais como a distribuição de chips de internet.
Conforme elucidado por Cruz (2022), em virtude da expansão da internet, constata-se mudanças pragmáticas na atuação do psicólogo clínico, desde o estabelecimento inicial do vínculo, a feedback obtidos no decorrer do processo terapêutico. Nesse viés, em um estudo executado pela pesquisadora, cujo objetivo principal foi desenvolver uma prática de atendimento psicológico on-line de orientação gestáltica, mediante o ciclo de investigação-ação, direcionada a indivíduos que experienciaram o isolamento social, a intervenção revelou-se extremamente eficiente.
No contexto do atendimento psicoterapêutico on-line, Cruz (2022) salienta que a definição física e temporal do campo e do setting aparentam ter se desvanecido. Todavia, a abordagem gestáltica postula que o contato pode ser efetivamente estabelecido no ambiente virtual, permitindo, portanto, um ajustamento criativo. A postura do psicólogo pode favorecer ou desfavorecer a vinculação, sendo essencial a escuta e a leitura atenta do cliente ao se expressar.
Logo, a investigação-ação de Cruz (2022) demonstrou que a abordagem gestáltica apresenta potencial para acompanhar as mudanças nas relações na sessão on-line, sendo o psicólogo o responsável pela análise do contexto e ação interventiva, o que beneficia o atendimento mediado pelas TICs. A Gestalt-terapia contempla o indivíduo como um ser relacional, o qual estabelece contato por meio da fala, assim como mediado pelas expressões corporais e pela presença genuína, evidenciando a relação terapêutica como componente basilar.
Por conseguinte, Cruz (2022) verificou que aspectos do âmbito virtual divergem do presencial, identificando três ambientes presentes na sessão on-line: ambiente virtual, responsável por conectar cliente e terapeuta, destacando-se pela presença de uma imagem espelho no canto da tela, permitindo ao cliente visualizar a si mesmo; ambiente físico do cliente, como sua residência ou ambiente laboral; e o ambiente físico do psicólogo, que pode variar entre escritório, clínica ou sua residência. No que se refere a essas nuances, o ambiente virtual pode incluir elementos como objetos e situações que evocam respostas emocionais positivas ou negativas estimulando a conscientização do cliente. Sob essa ótica, a autora revela que o ambiente influencia significativamente no processo terapêutico, por exemplo, um dos pacientes atendidos em sua pesquisa, frequentemente tinha interrupções familiares, indicando falta de privacidade. De forma semelhante, outra paciente realizava suas sessões no carro e regularmente fazia observações sobre o ambiente da pesquisadora/psicóloga que chamavam sua atenção.
Segundo Costa (2021), a experiência que surge por meio do contato entre organismo e ambiente, não estritamente precisa ser física, a tecnologia possibilita a extensão da presença, os dispositivos transformam-se em extensões do corpo físico, do pensamento e das emoções. Contudo, é necessário estar prontamente presente e acessível às possibilidades que se abrem neste encontro com o outro. Logo, na intercorporeidade, há uma conexão virtual mediada pela tecnologia, tão potente quanto a física, onde nessa experiência abstrata, os afetos e afetações são vivenciados e comunicados. Apesar do distanciamento físico, o atendimento on-line permite aproximar da intimidade do espaço escolhido pelo cliente para as sessões, exigindo cautela, respeito e permissão ao adentrar este ambiente íntimo.
Em conclusão, após minuciosa análise dos argumentos apresentados, é notório que o atendimento psicoterápico on-line possibilita uma experiência única e inédita. Conforme indicado por Costa (2021), o ambiente on-line, mesmo que de natureza abstrata, não perde sua realidade, capaz de suscitar afetos e emoções. Assim sendo, é possível experienciar fisicamente todas as sensações evocadas nas sessões, as partes do corpo não estão simplesmente dispostas de forma adjacente, mas interpenetradas, permitindo a percepção do corpo em sua totalidade. A seção visível na tela encapsula a integralidade do corpo, bem como a energia mobilizada, a presença se manifesta de maneira inequívoca. Portanto, não é mais pertinente conceber a prática clínica como dissociada das questões contemporâneas e permanecer estagnado no ponto de origem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das contribuições da presente investigação, a análise dos dados corrobora parcialmente a hipótese proposta. Os resultados demonstram que a prestação de serviços psicológicos mediado por Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) conferem notáveis vantagens em termos de flexibilidade e acessibilidade, possibilitando adequação às especificidades da pessoa atendida, eliminação das barreiras geográficas e flexibilidade para aquelas que viajam com frequência ou que possuem restrição de mobilidade. Ademais, outro aspecto positivo é a diminuição do caráter elitista da psicologia clínica, promovido pelo aumento do acesso a atendimentos através dos recursos digitais.
A pesquisa também evidencia desafios consideráveis relacionados à privacidade, às normativas éticas, à falta de tecnologias idôneas e à viabilidade e adequação das TICs às atividades implementadas com os infantes. Esses entraves resultam na quebra da sessão e podem impactar negativamente a efetividade do tratamento, contribuindo para mal-entendidos entre psicólogos e pacientes e comprometendo a aliança terapêutica. Sob essa ótica, visando mitigar perdas na comunicação entre as partes envolvidas no serviço, faz-se necessário o emprego da própria tecnologia como ferramenta complementar à sessão on-line de forma síncrona ou assíncrona, a implementação das TICs se consolida de maneira complementar e não substitutiva, objetivando ampliar a assistência ao cuidado em saúde mental.
Entretanto, a comodidade, destacada como benéfica na hipótese inicial, foi identificada, através da revisão integrativa de literatura, como um fator negativo para a adesão dos pacientes às sessões. O atendimento virtual exige maior disciplina e comprometimento do paciente, além de requerer mais atenção e percepção do psicólogo para estabelecer uma conexão eficaz. Portanto, é de suma importância uma organização clara e normativa para os atendimentos on-line, a carência de uma estrutura de ordem e regulatória pode comprometer a efetividade do tratamento.
Em linhas gerais, os entraves associados à virtualização da psicoterapia requerem atenção e expertise do profissional para garantir a eficácia e a integridade do tratamento. Destarte, o atendimento psicoterapêutico on-line demonstra ser extremamente eficaz, sem prejuízos no progresso ou na efetividade do processo terapêutico, revelando-se igualmente eficaz para os pacientes que iniciaram a terapia por meio do modelo on-line, sem comprometer a formação do vínculo terapêutico.
Logo, por se tratar de uma revisão integrativa da literatura, a abrangência deste estudo está intrinsecamente ligada à disponibilidade e qualidade das fontes consultadas. Estes achados proporcionam uma base sólida para futuras investigações e servem como referência para pesquisadores que se confrontam com a temática, proporcionando insights importantes para o desenvolvimento de uma prática clínica mais eficaz e ética.
REFERÊNCIAS
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1Discente em Psicologia, Centro Universitário UniRedentor/Afya, Itaperuna/RJ, 0009-0004-7904-3886, martinsizabela920@gmail.com;
2Docente em Psicologia, Centro Universitário UniRedentor/Afya, Itaperuna/RJ, 0000-0003-0268-7531, aletozatto@gmail.com
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