PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO DA TUBERCULOSE EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL: ANÁLISE DE CASOS NOTIFICADOS ENTRE 2003 E 2023.

EPIDEMIOLOGICAL PANORAMA OF TUBERCULOSIS IN CHILDREN AND ADOLESCENTS IN BRAZIL: ANALYSIS OF CASES REPORTED BETWEEN 2003 AND 2023.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202409031159


Taylinne Arantes Guerreiro1;
Tatiana Fonseca da Silva2.


Resumo

A tuberculose (TB) continua sendo um significativo problema de saúde pública no Brasil, especialmente entre crianças e adolescentes. Este estudo tem como objetivo realizar uma análise retrospectiva do perfil epidemiológico dos casos de TB notificados na população de 0 a 19 anos, no período de 2003 a 2023, com foco no diagnóstico e acompanhamento. Trata-se de um estudo descritivo e analítico, com abordagem quantitativa, utilizando dados extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No total, foram analisados 163.262 casos de TB, dos quais 55,1% eram do sexo feminino e 44,8% do sexo masculino. A maioria dos casos concentrou-se na faixa etária de 15 a 19 anos, e a distribuição por raça/cor mostrou predominância de indivíduos pardos. Observou-se uma queda geral no número de casos ao longo dos anos, com uma expressiva redução entre 2020 e 2021. No entanto, a incidência de TB em menores de 1 ano aumentou gradualmente. Quanto ao diagnóstico, apenas 51,87% dos casos foram confirmados laboratorialmente, com baixos índices de realização de cultura de escarro e baciloscopia. As taxas de cura e adesão ao tratamento se mantiveram estáveis até 2021, mas caíram drasticamente em 2023. O estudo conclui que existem importantes desafios no diagnóstico precoce e no manejo da TB nessa população, sugerindo a necessidade de políticas públicas mais eficazes para melhorar os resultados de saúde e reduzir a mortalidade associada à TB em crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Tuberculose, Pediatria, Criança, Adolescente, Epidemiologia.

Abstract

Tuberculosis (TB) remains a significant public health issue in Brazil, particularly among children and adolescents. This study aims to conduct a retrospective analysis of the epidemiological profile of TB cases reported in the population aged 0 to 19 years between 2003 and 2023, focusing on diagnosis and follow-up. It is a descriptive and analytical study with a quantitative approach, utilizing data extracted from the Notifiable Diseases Information System (SINAN) and the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). A total of 163,262 TB cases were analyzed, of which 55.1% were female and 44.8% were male. The majority of cases were concentrated in the 15 to 19 age group, and the distribution by race/color showed a predominance of mixed-race individuals. A general decline in the number of cases was observed over the years, with a significant reduction between 2020 and 2021. However, the incidence of TB in children under 1 year of age increased gradually. Regarding diagnosis, only 51.87% of cases were confirmed by laboratory tests, with low rates of sputum culture and bacilloscopy. Cure and treatment adherence rates remained stable until 2021 but dropped dramatically in 2023. The study concludes that there are significant challenges in the early diagnosis and management of TB in this population, suggesting the need for more effective public policies to improve health outcomes and reduce TB-related mortality among children and adolescents.

Keywords: Pediatrics, Tuberculosis, Child, Adolescent, Epidemiology.

1 INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) permanece como uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, particularmente entre populações vulneráveis, como crianças e adolescentes. Embora a doença seja amplamente conhecida, o seu controle ainda representa um

desafio significativo para a saúde pública, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil (COWGER, et al., 2019; TAHAN, et al., 2020). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a tuberculose é uma das principais causas de morte entre crianças, e estima-se que cerca de um milhão de casos pediátricos de TB ocorram anualmente em todo o mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021).

No Brasil, a tuberculose é um problema de saúde pública persistente, com particular impacto na faixa etária pediátrica e adolescente. O país registrou uma variação no número de casos notificados de TB nessa população ao longo dos anos, refletindo desafios contínuos no diagnóstico precoce, no tratamento adequado e no acompanhamento dos casos. Estudos indicam que a apresentação clínica da TB em crianças muitas vezes não é típica, o que, aliado à baixa suspeita clínica, resulta em subdiagnóstico e tratamento tardio, agravando a morbidade e aumentando o risco de transmissão (BRASIL, 2023; SUÁREZ et al., 2019).

Esse cenário evidencia a necessidade de uma análise detalhada do perfil epidemiológico dos casos de TB notificados em crianças e adolescentes, a fim de identificar as principais lacunas no manejo da doença. A presente pesquisa tem como objetivo realizar uma análise retrospectiva dos casos notificados de tuberculose na população de 0 a 19 anos no Brasil entre 2003 e 2023, com foco em entender como têm ocorrido o diagnóstico e o acompanhamento desses casos.

A justificativa para esta pesquisa baseia-se na importância de aprimorar as estratégias de controle da TB em populações jovens, dada a relevância da detecção precoce e do tratamento eficaz para a redução da transmissão e da mortalidade associada à doença. Além disso, a compreensão dos padrões epidemiológicos da TB em crianças e adolescentes pode fornecer subsídios valiosos para a formulação de políticas públicas mais direcionadas e eficazes, contribuindo para o avanço no controle da TB no Brasil.

Portanto, este estudo se mostra significativo tanto no âmbito teórico quanto prático. No campo teórico, contribui para a ampliação do conhecimento sobre a epidemiologia da TB em uma faixa etária crítica, enquanto no campo prático, os resultados podem embasar a implementação de políticas de saúde pública mais eficazes. Espera-se que as conclusões deste estudo possam auxiliar na redução da morbidade e mortalidade por TB entre crianças e adolescentes no Brasil, bem como na melhoria das práticas de saúde pública relacionadas à doença.

2 METODOLOGIA 

Este estudo é retrospectivo, descritivo e analítico, com uma abordagem quantitativa. Os dados foram extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), sistema disponibilizado pelo Ministério da Saúde do Brasil, abrangendo casos de tuberculose notificados entre 1º de janeiro de 2003 e 31 de dezembro de 2023, para residentes no Brasil com idades entre 0 e 19 anos. Os dados populacionais referentes ao período de 2003 a 2023 foram obtidos do banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os dados coletados foram tabulados e organizados em planilhas utilizando o software Microsoft Excel®. Em seguida, foi iniciada a descrição e análise dos resultados. Para a análise dos dados, foi realizada uma abordagem descritiva para caracterização dos dados. Os dados estão apresentados estão distribuídos de acordo com o modelo de faixa etária adotado pelo SINAN (<1 ano, de 1 aos 4 anos, dos 5 aos 9 anos, dos 10 aos 14 anos, e dos 15 aos 19 anos). As variáveis contínuas foram analisadas para calcular a incidência, percentuais e médias. Já as variáveis discretas foram avaliadas por meio de valores absolutos e pela soma simples dos eventos observados.

Os dados utilizados neste estudo são de acesso público e não contêm identificação individual dos pacientes, por isso, não se fez necessário a submissão do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa.

3 RESULTADOS

Do total de 163.262 casos notificados entre 2003 e 2023, 55,1% da população era do sexo feminino (<1= 3,3%; 1-4 = 4,7%; 5-9 = 4,2%; 10-14 = 6,5%; 15-19 = 36,4%), 44,8% do sexo masculino (<1= 1,9%; 1-4 = 3,9%; 5-9 = 3,7%; 10-14 = 7,8%; 15-19 = 27,5%) e <0,01% das notificações ignoraram o campo de preenchimento para sexo. Com relação a raça/cor, 45,18% eram pardos, 27,29% brancos, 11,39% pretos, 2,73% indígenas, 0,87% amarelos e em 12,53% dos casos não foi feito o registro dessa informação no momento da notificação.

Com relação a distribuição do número absoluto de casos notificados por idade no período de 20 anos, a maioria pertencia à faixa etária dos 15 aos 19 anos de idade (104.318 casos), seguido por 10 aos 14 anos (23.330 casos), de 1 aos 4 anos (14.038 casos), dos 5 aos 9 anos (12.938 casos), e a população de >1 ano de idade, que registrou o menor número de casos (8.638 casos). O total de casos notificados na faixa etária de 0 aos 19 anos variou de um máximo de 9486 em 2003 a 8434 em 2023, com uma redução expressiva nos anos de 2020 e 2021.

No gráfico 1, observamos que o número de casos em <1 ano aumentou de 485 em 2003 para 668 em 2023, com um aumento gradual nos últimos anos; no grupo de 1 aos 4 anos os casos variaram entre 1005 em 2003 e 827 em 2023, com uma oscilação considerável durante o período; a faixa etária de 5 aos 9 anos teve uma leve oscilação ao longo dos anos, com 866 casos em 2003, sua máxima histórica em 2005 com 897, sua mínima em 2020 com 451 casos e fechou com 741 casos em 2023; para o grupo de 10 aos 14 anos, os números se mantiveram relativamente estáveis, iniciando em 1.372 casos em 2003, que foi sua máxima histórica para o período, sua mínima foi em 2020 com 818 casos e encerrou 2023 com 1.171 casos; para quem tinha de 15 aos 19 anos, grupo com o maior número de casos, 2003 foi o ano com a máxima histórica de 5.758 e, após uma variação ao longo dos anos, atingindo 5.027 casos em 2023.

Gráfico 1 – Casos de tuberculose no Brasil em valores absolutos, no período de 2003 a 2023, para população de 0 aos 19 anos de idade.

Descrição: eixo vertical representa o número absoluto de casos, variando de 0 a 6.000, com intervalos de 250; eixo horizontal representa o ano de notificação dos casos entre  intervalos de 1 ano.

A incidência corrigida para população de cada UF, no período de 2003 até 2023, está representado na ilustração 1. Quando observamos a taxa de incidência por UF, com distribuição descendente, as maiores taxas estão: 1º. Nordeste, 2º. Norte, 3º. Sudeste, 4º. Sul, e 5º CentroOeste. Porém, se considera a distribuição parametrizada de casos absolutos por regiões, observamos uma maior incidência na região Norte (338:105), seguida pela Sudeste (284:105), Nordeste ( 244:105), Sul ( 202:105), e Centro-Oeste (139: 105) com a menor taxa.

Ilustração 1 – Taxa de incidência média (2003 – 2023) de casos de tuberculose no Brasil, por Unidade da Federação (UF), em pessoas de 0 aos 19 anos de idade, por 100.000 habitantes.

Legenda: Acre – AC; Alagoas – AL; Amapá – AP; Amazonas – AM; Bahia – BA; Ceará – CE; Distrito Federal – DF; Espírito Santo – ES; Goiás – GO; Maranhão – MA; Mato Grosso – MT; Mato Grosso do Sul – MS; Minas Gerais – MG; Pará – PA; Paraíba – PB; Paraná – PR; Pernambuco – PE; Piauí – PI; Roraima – RR; Rondônia – RO; Rio de Janeiro – RJ; Rio Grande do Norte – RN; Rio Grande do Sul – RS; Santa Catarina – SC; São Paulo – SP; Sergipe – SE; Tocantins – TO. Nota: os valores obtidos consideraram a população de 0 a 19 anos de idade de cada UF, bem como os casos de tuberculoses notificados na mesma localidade no período de 2003 a 2023. Incidência corrigida = [(y/20) / (z/20)] * 105; onde, z = população residente em valor absoluto no período, y = número de casos na região em valor absoluto.

Desde 2003, a incidência dos casos de TB (gráfico 2) seguiu um padrão de oscilação para todas as faixas etárias analisadas, mas sem atingir um aumento ou redução da incidência ≥ 5 pontos em intervalo de menor que 12 meses, com exceção da população ≤1 ano de idade, a qual registrou taxa de 17,1:105 em 2022 e subiu para 23,3:105 em 2023, um aumento de 34,7% no número de casos notificados.

Gráfico 2 – Incidência (por 100.000 habitantes) de casos de tuberculose em pessoas de 0 aos 19 anos de idade, no período de 2003 a 2023.

Nota: os valores obtidos consideraram a população de 0 a 19 anos de idade para os casos de tuberculoses notificados no Brasil para o período de 2003 a 2023. Incidência corrigida = [(y/20) / (z/20)] * 105; onde, z = população residente em valor absoluto no período, y = número de casos na região em valor absoluto. Descrição: eixo vertical representa a taxa de incidência por 105 habitantes, com valor máximo de 35, intervalos de 5 na marcação primária e intervalos de 1 na marcação secundária; eixo horizontal representa o ano de notificação dos casos com intervalos de 1 ano.

De todos os casos notificados entre 2003 e 2023, para as idades analisada, apenas 51,87% dos casos notificados possuem confirmação laboratorial. Para os casos em crianças de 1-4 anos e 5-9 anos, houve confirmação laboratorial do diagnóstico de apenas 8,56% e 14,69% dos casos, respectivamente. 1ª Baciloscopia foi realizada em 62,58% de todos os casos notificados, a 2ª Baciloscopia em 18,15% dos casos e o teste rápido para 13,02% dos casos. A cultura de escarro foi solicitada para 17,72% de todos os casos (positivo = 11,54%, negativo = 6,18%) e para os outros 82,28% dos casos o a cultura de escarro consta como “não realizado” ou “ignorado”. Com relação a distribuição por forma da doença: 131.321 casos eram de apresentação pulmonar ( 80% do total), 26.697 casos foram extrapulmonares e 5.127 casos eram de apresentação clínica combinada (pulmonar + extrapulmonar).

Após o início do tratamento, do total de 163.262 casos, a baciloscopia no 2 mês foi realizada em 26,84% dos casos (positivo = 3,4%, negativo = 23,80%), 41,50% não realizaram o exame, para os outros 31,60% dos casos as notificações foram preenchidas com “não se aplica” ou “ignorado”. Quando isolamos os resultados da baciloscopia por faixa etária, os resultados positivos foram: <1 ano = 3,60%, 1 aos 4 anos = 0,63%, 5 aos 9 anos = 1,10% 10 aos 14 anos = 2,76% e dos 15 aos 19 anos = 4,08%.

A baciloscopia após 6 mês do início do tratamento foi realizada em 21,63% dos casos (positivo = 0,27%, negativo = 21,36%) 37,8% não realizaram o exame, e nos 40,57% casos restantes notificação registrava “não se aplica” ou “ignorado”. Isolando os resultados positivos por idade, observamos: <1 ano = 0,41%, 1 aos 4 anos = 0,06%, 5 aos 9 anos = 0,07%, 10 aos 14 anos = 0,24%, 15 aos 19 anos = 0,32%.

Tabela 1 – Número absoluto de exames laboratoriais solicitados para pessoas com tuberculose de 0 aos 19 anos de idade, de 2003 a 2023.

Legenda: NR – não realizado; IG – ignorado; NA – não se aplica; SRIF – detectado e sensível à rifamicina; NSRIF – detectado e resistente à rifamicina; INC – inconclusivo; NDT – não detectável. Nota: os valores apresentados correspondem foram obtidos através da soma simples do número de testes diagnósticos realizados entre os anos de 2003 e 2023.

De 2003 a 2021, as taxas de cura e adesão ao tratamento (gráfico 3) mantiveram um padrão de estabilidade, a taxa de cura se manteve ≥70% (média = 75,9%) e taxa de adesão ao tratamento ≥81% (média = 85,5%), cenário que mudou drasticamente 2023 quando a taxa de cura foi de 33,9% e taxa de adesão ao tratamento de 47,1%. A taxa de abandono se manteve com pequena oscilação entre o período de 2003 a 2016 (máxima = 11,1%; mínima = 8,7%), entre 2017 e 2022 houve um aumento gradual desta taxa (máxima = 13,4%), com uma abrupta queda da taxa em 2023 (7,5%). A taxa de letalidade não registrou nenhum padrão específico de variação até o ano de 2019, de 2020 até 2023 podemos observar o aumento gradual da taxa de letalidade, registrando em 2023 a maior taxa de letalidade do período analisado (1,52%).

Gráfico 3 – Percentis de cura, letalidade, abandono e adesão ao tratamento de tuberculose para pessoas de 0 aos 19 anos de idade, no período de 2003 a 2023.

Nota: os valores obtidos consideraram a população de 0 a 19 anos de idade de cada UF, bem como os casos de tuberculoses notificados na mesma localidade no período de 2003 a 2023. Taxa de letalidade = y/z*102; taxa de cura = w/z*102; onde, y = óbitos por tuberculose, z = número de casos. Descrição: eixo vertical representa uma escala percentual, com valor máximo de 100 e intervalos de 10 e marcação secundária em intervalos de 2; eixo horizontal representa o ano de notificação dos casos com intervalos de 1 ano.

4 DISCUSSÃO

Os dados dos gráficos 1 e 2 evidenciam de forma clara o impacto da pandemia de COVID-19 sobre a notificação e diagnóstico de TB no Brasil, em principal para a faixa etária de 1 aos 4 anos, onde houve uma queda de 42,8% de casos notificados em comparação com 2019.  Um estudo desenvolvido na Espanha observou comportamento similar ao comparar os anos de 2020 e 2019, onde houve redução abrupta do número de casos diagnosticados e taxa de adesão ao tratamento para menores de 5 anos (AZNAR et al., 2021).

A incidência de TB por UF (ilustração 1) demonstram um distinto perfil epidemiológico desta enfermidade para cada região do país. Um estudo que descreveu o perfil epidemiológico da TB para a faixa etária de 0 aos 15 anos, para o período de 2018 a 2022, revela que os casos são mais frequentes em crianças e adolescente que residem regiões com maior densidade populacional, mas em nossa análise observamos que a densidade populacional, isoladamente, não parece ter força o suficiente para ser um fator de risco para o grupo populacional supracitado (ALMEIDA, QUINDERÉ, SCHMITT, 2023). A maior taxa de incidência para a população deste estudo foi observada no Amazonas (27,2:105), Estado com a menor densidade populacional do país (2,53 habitantes/km2), em comparação, o Distrito Federal é a UF com maior densidade populacional (507,46 habitantes/km2) e apresentou a segunda menor taxa de incidência corrigida (4,3:105) (BRASIL, 2024).

Apesar da contradição mencionada anteriormente, a literatura já deixa claro que casos de TB tem maior incidência em pessoas pretas e pardas, do sexo masculino, em situação de vulnerabilidade socioeconômica, expostas a condições precárias de saneamento e higiene, desnutrição e uso ou convívio com usuários de drogas ilícitas (HARLING et al., 2017).  Segundo HARLING et al. (2017), os fatores de risco anteriormente mencionados também se mostraram como determinantes que influenciam na maior taxa de abandono do tratamento.

Os resultados desta pesquisa revelam que apenas 51,87% dos casos notificados entre 2003 e 2023 foram confirmados laboratorialmente. Esse dado é alarmante nas faixas etárias pediátricas, em que a confirmação laboratorial foi ainda mais baixa: 8,56% nas crianças de 1-4 anos e 14,69% nas de 5-9 anos. Esses números podem refletir dificuldades inerentes ao diagnóstico de tuberculose em crianças, que muitas vezes apresentam resultados negativos em testes convencionais como a baciloscopia, devido à menor carga bacilar e dificuldade de expectoração. Estudos recentes apontam que a baixa sensibilidade desses testes em crianças requer métodos diagnósticos complementares, como a ampliação do uso de testes moleculares, que poderiam aumentar a precisão diagnóstica nesse grupo (GUNASEKERA et al., 2022).

Quanto aos exames realizados, a 1ª Baciloscopia foi aplicada em 62,58% dos casos, enquanto a 2ª Baciloscopia, essencial para monitorar a resposta ao tratamento, foi feita em apenas 18,15% dos casos. Esse baixo índice pode comprometer o acompanhamento adequado da evolução da doença, conforme apontado por Marques et al. (2018), que ressaltam a importância de múltiplos exames de acompanhamento para confirmar a cura bacteriológica. Além disso, o uso do teste rápido, que representa um avanço na detecção da tuberculose, foi registrado em apenas 13,02% dos casos, o que sugere uma subutilização dessa tecnologia, especialmente em regiões onde o diagnóstico laboratorial é de difícil acesso. Estudos indicam que a ampliação do uso de testes rápidos, como o Xpert MTB/RIF, pode melhorar significativamente o diagnóstico e o manejo de casos de tuberculose, particularmente em populações de difícil diagnóstico, como crianças e pacientes com coinfecções (BRITO et al., 2021; SOHN et al., 2012).

No acompanhamento dos pacientes, os dados revelam uma baixa adesão aos exames de controle durante e após o tratamento, especialmente nas baciloscopias realizadas no segundo e no sexto mês de tratamento. Apenas 26,84% dos pacientes realizaram a baciloscopia no segundo mês, com uma alta taxa de não realização (41,50%) e de preenchimento inadequado das notificações (31,60% como “não se aplica” ou “ignorado”). Esses índices se repetem no sexto mês, quando apenas 21,63% realizaram o exame. A realização dos exames de acompanhamento é fundamental para monitorar a resposta ao tratamento e garantir a cura, e sua baixa adesão compromete a qualidade da vigilância e do controle da doença, conforme já vem sendo amplamente abordado por outros estudos que identificam a importância desses exames no controle da tuberculose (SANTOS, TENORIO, PORTUGAL, 2024; CANO et al., 2017). Além disso, a notificação inadequada (“ignorado”) em uma parte significativa dos casos aponta falhas no sistema de informação e na coleta de dados, o que prejudica a análise e a implementação de políticas de saúde mais efetivas. Esses resultados destacam a necessidade de melhorias na gestão dos casos e na capacitação dos profissionais para garantir um monitoramento adequado e contínuo dos pacientes com tuberculose.

Os dados apresentados no gráfico 3 indicam uma significativa alteração nos padrões de cura e adesão ao tratamento da tuberculose em 2023, com as taxas caindo para 33,9% e 47,1%, respectivamente, em contraste com as médias históricas de 75,9% e 85,5%. Essas quedas podem ser associadas ao impacto da pandemia de COVID-19, que provocou interrupções nos serviços de saúde, dificultando o acompanhamento dos pacientes e a continuidade dos tratamentos.

Estudos indicam que a pandemia exerceu uma pressão sem precedentes sobre os sistemas de saúde em todo o mundo, resultando em menor disponibilidade de diagnósticos e tratamento para tuberculose, além de uma queda na busca por cuidados médicos por parte dos pacientes (RODRIGUES et al., 2022; COUTINHO et al., 2023). Esse cenário sugere que o declínio das taxas de cura e adesão ao tratamento pode ter sido diretamente influenciado por esses fatores contextuais adversos.

A taxa de abandono ao tratamento, que teve oscilações moderadas até 2022, também registrou uma queda abrupta para 7,5% em 2023, o que pode parecer contraintuitivo, dado o contexto de piora nos índices de cura e adesão. No entanto, essa queda pode ser parcialmente explicada pelo aumento da taxa de letalidade, que atingiu o maior valor dos últimos 20 anos em 2023 (1,52%). Essa relação sugere que parte dos pacientes pode não ter tido a oportunidade de abandonar o tratamento devido à morte prematura, um fenômeno que já foi observado em outras crises de saúde pública, como a pandemia de HIV/AIDS em sua fase inicial (DHEDA et al., 2022; UDOAKANG et al., 2023). O aumento gradual da letalidade desde 2020, possivelmente relacionado às dificuldades no diagnóstico precoce e na continuidade do tratamento durante a pandemia, reforça a importância de priorizar a retomada dos serviços de saúde referência em TB e garantir que os pacientes tenham acesso ao tratamento contínuo e eficaz.

5 CONCLUSÃO

Este estudo revelou que a tuberculose continua sendo um desafio significativo de saúde pública para a população pediátrica e adolescente no Brasil, com variações importantes na incidência e nos padrões de notificação ao longo das duas últimas décadas. A alta proporção de casos sem confirmação laboratorial e as baixas taxas de realização de exames diagnósticos, como a baciloscopia e a cultura de escarro, evidenciam falhas nos processos de diagnóstico, que são cruciais para o manejo eficaz da doença. Observou-se uma redução geral no número de casos ao longo dos anos, mas com aumento preocupante na incidência de TB em menores de 1 ano, o que destaca a necessidade de estratégias mais robustas de prevenção e diagnóstico precoce. Além disso, o declínio nas taxas de cura e adesão ao tratamento em 2023, aliado ao aumento da letalidade, aponta para a necessidade urgente de revisão das políticas de saúde e das práticas de manejo da TB nessa faixa etária.

Os resultados deste estudo sugerem que, apesar de alguns avanços, ainda há lacunas significativas que precisam ser abordadas para melhorar os resultados de saúde e reduzir a mortalidade associada à TB em crianças e adolescentes. A implementação de políticas públicas mais eficazes, com foco na detecção precoce e no tratamento adequado, é essencial para enfrentar esses desafios e garantir o controle da TB no Brasil.

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¹Médica Residente em Pediatria, Secretaria de Saúde do Distrito Federal
²Médica Pediatra, Secretaria de Saúde do Distrito Federal