ASSOCIAÇÃO DO AUMENTO DE RISCO DE CÂNCER POR SÍNDROME METABÓLICA: REVISÃO SISTEMÁTICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102491012


Mateus Gonçalves de Sena Barbosa1
Vinícius Otávio da Silva1
Anne Moura Korthals 2
Vinícius Brandão Lemes 2
Daniela Maria de Oliveira  2
Richard Barbosa Coimbra 2
Guilherme Garcia Galdino 2
Isabela Ávila Silva 2
Karolyna Matos Silva Aires 3
Clara Costa Leite 4
Wainnye Marques Ferreira 5
Letícia Oliveira Cassimiro Dias Nascimento 6
Mateus Guilherme Santos Nogueira 7
Amanda Vilela Leão 8


1.              INTRODUÇÃO

A síndrome metabólica (SM) é um conjunto de condições inter-relacionadas, incluindo obesidade central, resistência à insulina, hipertensão e dislipidemia, que aumentam significativamente o risco de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 21. Nas últimas décadas, estudos têm sugerido que a síndrome metabólica também pode estar associada a um risco elevado de desenvolvimento de diversos tipos de câncer, incluindo câncer de mama, próstata, cólon, fígado e pâncreas2, 3.

O possível mecanismo biológico por trás dessa associação envolve inflamação crônica de baixo grau, resistência à insulina, hiperinsulinemia, e um ambiente endócrino alterado, caracterizado por níveis aumentados de adipocinas e fatores de crescimento4. Esses fatores podem promover a proliferação celular e a angiogênese, além de inibir a apoptose, criando um ambiente favorável à carcinogênese5.

Embora o interesse sobre o papel da síndrome metabólica na carcinogênese tenha crescido, a natureza e a magnitude dessa relação ainda não estão completamente estabelecidas. Por isso, o presente estudo tem como objetivo revisar sistematicamente a literatura existente, sintetizando as evidências científicas sobre o risco aumentado de câncer em indivíduos com síndrome metabólica.

2.              METODOLOGIA

Este estudo seguiu as diretrizes PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) para revisões sistemáticas. A busca por artigos foi realizada nas bases de dados Medline, Embase, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Web of Science e Scielo. Os descritores utilizados incluíram “câncer”, “tumor”, “riscos”, “síndrome metabólica”, “associação” e “desenvolvimento”. Foram incluídos estudos publicados entre 1960 e 2024, nos idiomas inglês, espanhol e português.

Os critérios de inclusão abrangeram estudos observacionais, ensaios clínicos, revisões sistemáticas e metanálises que investigassem a associação entre síndrome metabólica e risco de câncer. Excluíram-se artigos com vieses metodológicos graves ou cujas populações estudadas fossem não representativas. A seleção inicial resultou em 4700 estudos, dos quais 320 foram considerados relevantes após a leitura dos resumos. Após a análise completa dos textos, 150 estudos foram incluídos na revisão final.

3.              RESULTADOS

Dos 150 estudos analisados, 75% relataram uma associação positiva entre síndrome metabólica e risco aumentado de câncer. Diversos tipos de câncer foram estudados em relação à síndrome metabólica, com o câncer de fígado apresentando a associação mais forte, seguido pelos cânceres de mama, pâncreas, cólon e endométrio6, 7, 8.

Uma metanálise de 2014 que incluiu 17 estudos de coorte identificou que a presença de síndrome metabólica estava associada a um aumento de 40% no risco de câncer em geral9. Especificamente, a obesidade central e a resistência à insulina foram consistentemente associadas a um risco elevado de câncer de fígado e cólon10, 11.

Estudos que avaliaram o impacto dos componentes individuais da síndrome metabólica, como a obesidade e a resistência à insulina, encontraram que a obesidade central estava fortemente relacionada ao câncer de mama pós-menopausa e ao câncer de endométrio, enquanto a resistência à insulina estava mais relacionada ao câncer de fígado e pâncreas12, 13. Além disso, a hipertensão e a dislipidemia também foram identificadas como fatores de risco independentes para o desenvolvimento de câncer14.

4.              DISCUSSÃO

Os resultados desta revisão sistemática sugerem que a síndrome metabólica é um fator de risco significativo para diversos tipos de câncer. A combinação de obesidade central, resistência à insulina e inflamação crônica cria um ambiente pró-carcinogênico, que pode facilitar a iniciação e a progressão de tumores15, 16. A hiperinsulinemia e os níveis elevados de IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina) têm um papel central nesse processo, promovendo a proliferação celular e a inibição da apoptose17, 18.

No entanto, a heterogeneidade dos estudos revisados, incluindo diferenças nas definições de síndrome metabólica e nos métodos de diagnóstico, limita a generalização dos achados. Além disso, a interação entre os componentes individuais da síndrome metabólica e outros fatores de risco, como dieta, atividade física e fatores genéticos, complica a interpretação dos resultados19, 20.

A literatura revisada também destaca a necessidade de intervenções direcionadas para a prevenção da síndrome metabólica como uma estratégia potencial para reduzir o risco de câncer. Mudanças no estilo de vida, como perda de peso, aumento da atividade física e controle dos níveis de glicose e lipídios, podem ter um impacto significativo na redução do risco de câncer em indivíduos com síndrome metabólica21, 22.

5.              CONCLUSÃO

A revisão sistemática realizada confirma que a síndrome metabólica está associada a um risco aumentado de diversos tipos de câncer. A obesidade central e a resistência à insulina parecem ser os principais fatores que contribuem para esse aumento de risco, especialmente para cânceres de fígado, mama, pâncreas e cólon. Intervenções que visem o controle da síndrome metabólica podem ser uma estratégia eficaz para a prevenção do câncer.

Apesar das limitações dos estudos disponíveis, as evidências apontam para a necessidade de maior atenção à síndrome metabólica no contexto da oncologia, tanto para a prevenção quanto para o manejo de pacientes em risco. Estudos futuros devem focar em esclarecer os mecanismos biológicos dessa associação e em desenvolver intervenções preventivas eficazes.

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1 2 Graduando em Medicina. Faculdade de Medicina Atenas, Passos – MG, Brasil.

3 Graduada em Medicina. Centro Universitário Alfredo Nasser – UNIFAN.

4 Graduanda em Medicina. Faculdade da Saúde e Ecologia (FASEH).

5 Graduanda em Medicina. UNIFAMAZ.

6 Graduada em Medicina. UNICEUMA – Centro Universitário Metropolitano da Amazônia, Campus Imperatriz – MA.

7 Graduado em Medicina. UNINOVAFAPI. Terezina, PI.

8 Graduada em Medicina. Universidade de Uberaba. Uberaba, MG.