ROUND MULTIPROFISSIONAL: ESTRATÉGIA PARA COMUNICAÇÃO NO CENTRO DE TERAPIA INTENSIVA SOB A ÓTICA DA EQUIPE DE SAÚDE

MULTIDISCIPLINARY ROUND: STRATEGY FOR COMMUNICATION IN THE INTENSIVE CARE CENTER FROM THE PERSPECTIVE OF HEALTHCARE TEAM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202408311729


João Victor Henriques Sanmartin1
Elen Martins da Silva Castelo Branco2
Maria Luiza de Oliveira Teixeira3


Resumo

O artigo trata do round multiprofissional como estratégia de comunicação interpessoal no âmbito do Centro de Terapia Intensiva (CTI). Visa identificar os aspectos positivos e negativos do round, bem como descrever as barreiras que interferem na comunicação eficaz na atividade. O round é um momento de discussão dos casos clínicos dos pacientes que consiste num processo interativo e deliberado de comunicação e tomada de decisão sobre a assistência multidisciplinar e a apresentação do plano terapêutico. Trata-se de estudo descritivo, exploratório com abordagem qualitativa.  O estudo desenvolveu-se no Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital universitário. Na coleta de dados foi utilizado um instrumento composto de informações sociodemográficas e roteiro orientador com questões abertas. A análise temática de conteúdo seguindo as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento e interpretação dos resultados se desdobrou em aspectos positivos e negativos do round, barreiras de comunicação e round como estratégia para comunicação no âmbito do CTI: sugestões e contribuições. Destaca-se que o round representa a troca de informações entre os profissionais do setor, de maneira objetiva, direta e interativa, no mesmo ambiente promovendo a reavaliação dos processos de trabalho. Os 12 participantes elencaram  como aspectos  negativos a ausência de outros profissionais, o horário, a perda momentânea da atenção e do foco e hegemonia médica  na forma de conduzir o round. As sugestões para a organização  do round multiprofissional foram o round beira leito, a definição de horário para início e término, o uso de ferramentas e instrumentos  que facilitem a discussão do caso.

 Palavras-chave:  Unidades de Terapia Intensiva; Comunicação; Equipe de Assistência ao Paciente.

ABSTRACT

The article deals with the multidisciplinary round as an interpersonal communication strategy within the Intensive Care Center (CTI). It aims to identify the positive and negative aspects of the round, as well as describe the barriers that interfere with effective communication in the activity. The round is a moment for discussing patients’ clinical cases, which consists of an interactive and deliberate process of communication and decision-making about multidisciplinary care and the presentation of the therapeutic plan. This is a descriptive, exploratory study with a qualitative approach.  The study took place in the Intensive Care Center (ICU) of a university hospital. In data collection, an instrument composed of sociodemographic information and a guiding script with open questions was used. The thematic content analysis following the phases of pre-analysis, material exploration and treatment and interpretation of results unfolded into positive and negative aspects of the round, communication barriers and round as a strategy for communication within the CTI: suggestions and contributions. It is noteworthy that the round represents the exchange of information between professionals in the sector, in an objective, direct and interactive way, in the same environment, promoting the reevaluation of work processes. The 12 participants listed as negative aspects the absence of other professionals, the time, the momentary loss of attention and focus and medical hegemony in the way the round was conducted. The suggestions for organizing the multidisciplinary round were the bedside round, the definition of start and end times, the use of tools and instruments that facilitate the clinical case discussion.

Keywords: Intensive Care Units; Communication; Patient Care Team.

1 INTRODUÇÃO

O artigo trata do round multiprofissional como estratégia de comunicação interpessoal no âmbito do Centro de Terapia Intensiva (CTI). Visa identificar os aspectos positivos e negativos do round, bem como descrever as barreiras que interferem na comunicação efetiva na estratégia. A situação emergiu das atividades diárias  desenvolvidas no Programa de Residência Integrada em Saúde de um hospital de ensino da Rede Federal, no Rio de Janeiro. 

A escolha da temática para o Trabalho de Conclusão do Curso decorreu da vivência de um fisioterapeuta durante a Residência Multiprofissional em Clínica Médica. No setor em tela, foram percebidas barreiras de comunicação entre a equipe de saúde durante a discussão clínica dos casos. Ressalta-se que as metas da segurança do paciente perpassam  pela comunicação efetiva e interação interpessoal  e concorrem para a promoção da qualidade do cuidado aos pacientes, inclusive no suporte aos familiares. Para tanto,  a comunicação segura entre os membros da equipe de saúde deve estar coesa  com esses objetivos a fim de possibilitar o atendimento conexo, incluindo a prevenção de erros e a descontinuidade da assistência. 

Nesse contexto, a comunicação entre os profissionais da equipe de saúde ocorre de várias formas, como por exemplo, o prontuário, seja eletrônico ou impresso. Nele constam  informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada e tem caráter legal, sigiloso e científico. A composição e ordenamento das folhas de identificação do paciente, anamnese, exames físico e complementares, diagnósticos, tratamento, anotações diárias sobre a evolução, entre outras, variam de acordo com o protocolo da instituição e possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência. 1.

O registro no prontuário é obrigatório e ratifica o atendimento, pois permite manter um histórico que agiliza o trabalho dos profissionais. Atualmente, o prontuário eletrônico é uma ferramenta que permite o acesso rápido, além de qualificar o atendimento e analisar de forma sistematizada e ética as anotações sobre a clientela. Ainda mais, favorece a concentração nas necessidades dos pacientes durante o atendimento e direciona as ações do médico durante a consulta 2.  

Uma das principais ferramentas de comunicação interprofissional  é a  passagem de plantão que  tem como uma das metas a propiciar a continuidade e segurança dos cuidados.  Trata-se de um processo de interação que implica na comunicação entre profissionais, bem como na transição do compromisso de assistir de modo seguro e responsável. Representa uma ferramenta de acesso à informação e permite melhorar o processo de trabalho, podendo também subsidiar as diferentes categorias profissionais envolvidas no cuidado 3.  

Além do prontuário e a passagem do plantão existem várias  estratégias de comunicação utilizadas pela equipe no ambiente hospitalar: a visita interdisciplinar, o uso de protocolos, pareceres  e ferramentas que analisam a situação, o breve histórico,  a avaliação e a recomendação das condutas (SBAR), entre outras. A adoção destas modalidades deve privilegiar a comunicação dialógica e receptiva.  

Nesse contexto,  se apresenta o round multiprofissional descrito como um  encontro entre profissionais que consiste  na  discussão dos casos clínicos. Compreende o processo interativo, deliberado de comunicação e tomada de decisão sobre a assistência multidisciplinar e  apresentação do plano terapêutico4.  A proposta tem como meta integrar a equipe de saúde a fim de avaliar  as condições de saúde do paciente crítico, o  tratamento, discutem a necessidade de (re)planejar o cuidado com vistas à sua maior efetividade5.   É importante salientar que são reconhecidas várias dificuldades na organização da atividade  e interferem na comunicação efetiva no setor. 

Para a construção da problemática, observou-se que a dinâmica do cenário e a ocorrência de respostas fisiológicas do paciente durante o plantão frequentemente ocasionavam mudanças nas condutas terapêuticas. Refletindo sobre essas características, o round  multiprofissional idealizado pela equipe, seria um momento dedicado às práticas de comunicação transversal para a definição das metas pertinentes ao caso. Entretanto, existiam  diversos interferentes na atividade que mereciam investigação mais amiúde, como por exemplo,  à época notava-se que predominavam mensagens verticalizadas e plurais na comunicação interpessoal da equipe.

Pelo exposto, o estudo se justifica pela relevância para a equipe multiprofissional que atua no CTI, pois a incorporação e apropriação da mensagem veiculada é essencial para o atendimento contínuo e integral dos pacientes, mesmo diante das intercorrências. Visa identificar os aspectos positivos e negativos do round, bem como descrever as barreiras que interferem na comunicação efetiva na atividade. 

 Outrossim, a identificação destas características  é essencial para a segurança do paciente, pois ampara a compreensão que a comunicação efetiva no CTI possibilita o cuidado integrado prestado pela equipe de saúde. 

2 METODOLOGIA 

Trata-se de estudo descritivo, exploratório com abordagem qualitativa 6. O estudo desenvolveu-se no Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital de ensino situado no Rio de Janeiro, no período de agosto de 2019 a fevereiro de 2020. O cenário  monitora continuamente os pacientes com doenças complexas, contava à época com uma unidade clínica e outra cirúrgica, totalizando treze leitos. 

A estratégia do round contemplava as seguintes etapas: reunião diária dos profissionais em sala específica após a visita médica,  apresentação e discussão dos casos clínicos e informações obtidas no prontuário como pareceres, exames e evolução multiprofissional, proposições  da equipe e tomada de decisão a partir da análise do caso.

Os critérios de inclusão foram profissionais de saúde com escala de trabalho no setor e que participavam do round. Os profissionais que nunca participaram do round foram excluídos do estudo. Desse modo, foram incluídos na pesquisa 12 participantes (6 médicos, 5 enfermeiros e 1 fisioterapeuta).  

 Na coleta de dados foi utilizada a técnica de entrevista individual semiestruturada realizada no setor com um instrumento com informações sociodemográficas e um roteiro orientador com perguntas abertas sobre os aspectos positivos e negativos, barreiras de comunicação e sugestões. Os relatos foram gravados e transcritos na íntegra  para as fases de análise. Os participantes foram codificados pela profissão e por identificação numérica. 

A análise de conteúdo seguiu as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento e interpretação dos resultados seguindo os critérios da exaustividade, da representatividade, da homogeneidade e da pertinência7. De tal modo, a análise apontou as categorias intituladas  aspectos positivos e negativos do round, barreiras de comunicação e round como estratégia para comunicação no âmbito do CTI: sugestões e contribuições.  

O Projeto foi submetido a Plataforma Brasil e autorizado com o protocolo CAAE: 70365317.6.0000.5257. Os participantes receberam a cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

      A organização do material analisado  nas entrevistas possibilitou o alcance de várias  de impressões e percepções que os participantes mantinham  em relação ao objeto de estudo.  Com vistas a responder ao objeto e aos objetivos, as categorias foram organizadas de acordo com as temáticas mostradas a seguir.

3.1 Aspectos positivos e negativos do round multiprofissional

Primeiramente, foram descritos os resultados que tratam dos aspectos positivos . A visão dos participantes sobre o round  mostrou que as ações profissionais  estão alinhadas ao conhecimento global do plano terapêutico. Ainda mais, o planejamento dos cuidados previstos na discussão do caso viabiliza o alcance dos objetivos prioritários por meio do consenso, como evidenciado nas seguintes falas :

“Desenvolver uma forma de ligação de conhecimento entre vários profissionais, em que as metas estabelecidas pra aqueles pacientes consigam ser interpretadas e estabelecidas como prioridades…” (Enfermeira 1)

“…a visão de cada profissional é muito importante para que possamos chegar num consenso.. .a gente não olha só pra nossa especialidade e assim a gente consegue ter uma ideia como um todo do paciente.” (Fisioterapeuta 1)

…o conhecimento de todos do plano terapêutico que está sendo planejado para re-estabelecermos a saúde, para alcançarmos a cura ou o conforto, que todos estejam alinhados nesse pensamento…isso pra mim é o ponto mais positivo”. (Enfermeira 2)  

Nesse sentido, a troca de informações entre os profissionais mais objetiva, direta e interativa, no mesmo ambiente com a reavaliação imediata e o cuidado compartilhado foram relatados positivamente pelos participantes. Além disso, a capilarização das informações e preocupação com a transmissão da informação homogênea e contínua, que não seja de forma isolada também mereceu destaque:

A troca de informações entre todos os profissionais, a comunicação gerada por esse round, é você saber dar a informação e ter uma resposta de imediato; acho que esse é o ponto principal do round.” (Enfermeiro 4)

” Trabalhar uma perspectiva de troca direta objetiva, de interação, trabalhar de forma compartilhada, onde os processos de intercomunicação não sejam unilateral”. (Enfermeira 5)

” A intercomunicação poderia ser, isoladamente, até discrepante, contraproducente se não conseguíssemos ter um objetivo à curto, médio e longo prazo. A comunicação deve ser feita de forma somatória e coadjuvante…” (Médico 1) 

“…capilarizar a informação, que chegue até a ponta das pessoas que cuidam a informação que a gente entende que está acontecendo e que isso passe a ser transmitido para o doente. As condutas devem ser colegiadas, assim como a continuidade e descontinuidade delas. A comunicação é essencial pra isso.” (Médico 4)

A seguir foram elencados os aspectos  negativos mais representativos e pertinentes nas falas. Destacaram se o modelo de hegemonia médica, a forma de condução, a  participação dos  profissionais de outras áreas, as rotinas, o tempo de duração e local.  Percebe-se que estes pontos negativos despertam a preocupação do afastamento das demais áreas profissionais na atividade. A seguir as falas destacadas  sobre o modelo hegemônico:

O modelo do round estar centrado no médico é um problema pois às vezes menospreza os outros profissionais ou os outros profissionais sentem vergonha em expor seus argumentos…” (Médica 5)

“O round é sempre feito por médico. Toda vez que alguém que não seja médico chega no round, sofre um problema de adaptação. Esse raciocínio vem mudando mas ainda é predominante.” (Médico 1)

A forma de conduzir o round ainda tem muito um modelo de hegemonia médica de discussões voltadas especificamente para o modelo biomédico…” (Enfermeira 5) 

” Eu percebo o round como exclusivo de uma categoria: categoria médica. São poucos os médicos que estão no plantão que se interessam pelas observações feitas pelos outros profissionais.” (Enfermeira 2)

O tempo de duração do round foi citado como um fator deletério para a comunicação direta e objetiva, pois pode ser percebido como repetitivo e pouco produtivo. A perda do foco e atenção dos participantes também foi notada, causada por distratores  externos como telefonemas ou conversas paralelas:

“O round não tem um horário absolutamente fixo. Se cria uma rotina e uma combinação de todas as pessoas disponíveis em um determinado horário, mas de forma não organizada” (Médico 1).

O tempo com que o round ocorre é longo e algumas vezes me parece desorganizado, o foco se perde, tem um grupo discutindo sobre um doente, outro no celular… A discussão sobre o paciente se perde. Um parecerista chega e interrompe o round, isso é muito prejudicial.” (Médico4)

“O round é prolongado demais, cansativo, algumas vezes se torna repetitivo e pouco produtivo…” (Médica 5)

“…às vezes as pessoas se distraem um pouco por causa do celular ou conversa paralela, o que acaba desprendendo a atenção do round.” (Médico 6)

A rotina de trabalho extensa e os recursos  humanos disponíveis foram pautados por uma enfermeira. A Fonoaudiologia, Psicologia e Serviço Social foram citados como exemplo de áreas profissionais que não comparecem regularmente do round porque atendem ao CTI mediante parecer, como apontado nas falas seguintes:

O que me chama atenção negativamente é a falta de adesão, não tem adesão de todos os profissionais que estão envolvidos no cuidado dos pacientes.” (Médico 4) 

“Falta de adesão da equipe como um todo, não existe a presença regular do enfermeiro…nossa rotina de trabalho extensa não permite isso de acordo com o recurso humano disponível…”(Enfermeira 5)

“O aspecto negativo é a não participação de todos no round, assim como os profissionais que atendem por parecer, como a Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social…” (Fisioterapeuta 1)

     Num aspecto mais amplo, os pontos positivos e negativos citados pelos participantes ressaltaram a importância de se repensar os processos de comunicação efetiva no CTI.

3.2 Barreiras da comunicação no round multiprofissional 

A percepção dos participantes sobre o espaço físico, a aposição das atividades como  cuidar da clientela e participar do round, bem como a metodologia de organização  foram citados  como  as principais barreiras de comunicação na atividade no opinião dos participantes:

“Se a gente for pensar no espaço físico, o round acontece numa sala que fica isolada, que normalmente os profissionais que já ficam nessa sala são médicos. Então o próprio local já impõe um pouco de distanciamento…pois muita gente conhece essa sala como sala dos médicos…” (Enfermeira 5)

Como enfermeira, se eu me afasto muito tempo do ambiente em que presto cuidado e fico muito tempo no round, eu me enrolo depois, não consigo prestar atenção no doente…” (Enfermeira 3)

“A enfermagem tem que estar atuando diariamente ali na beira do leito…a gente precisa estar atuando em todos os pacientes, recebendo informações de todos os lados para poder sintetizar essas informações e isso toma um grande tempo. Muitas das vezes nós vamos para o round pra informar alguma coisa específica de algum paciente…” (Enfermeiro 4)

“Não existe no setor um instrumento partilhado, padronizado como meio de comunicação no setor.” (Enfermeira 1)

Outras barreiras pessoais também se destacaram nas  falas dos participantes como exposto à seguir. A opinião de um médico destacou o entendimento da equipe sobre a importância do round para a efetividade do tratamento  do paciente. A desmotivação profissional atribuída a  falta de recursos  básicos e a falência do sistema de saúde foram comentadas. Em outra fala, as informações se perdem nas conversas informais entre profissionais da mesma categoria e não são registradas no âmbito do trabalho multiprofissional: 

“Na minha opinião as pessoas não entendem efetivamente que o round é importante pro tratamento do paciente. Ele é tão importante quanto ministrar um antibiótico ou uma nora-adrenalida.” (Médico 4).

“Raramente temos no hospital todas as profissões participando do round. Eu acho que mais por um motivo de desmotivação. Desmotivação devido à total falência do sistema de saúde do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro, que vivemos a falta de recursos básicos. Isso traz um ambiente físico decadente, de desmotivação profissional.” (Médica 5)

“Fatores pessoais é uma barreira. Comunicação não está relacionada só ao nosso processo de trabalho. Você inserir o indivíduo numa cultura de estar sempre se comunicando é muito difícil, pois cada categoria acaba criando uma forma de se comunicar, e essa comunicação acaba ficando extrarround e é perdida no round.” (Enfermeira 5) 

“Celular tem que estar desligado… se chegar alguém de fora pra discutir um caso, alguém tem que ser destacado do round pra discutir esse caso e depois trazer a informação pro round.” (Médico 1)

“Evitar conversa paralela… a gente tem que focar no que é importante pro doente… Conscientizar as pessoas na participação do round, que estejam conscientes que a participação delas é importante para os doentes.” (Médico 4)

O celular e a conversa paralela  foram citados anteriormente como aspectos negativos por ocasionar perda de atenção e do foco, destacados como barreiras de comunicação.

3.3 O round multiprofissional como estratégia para comunicação das informações no âmbito do CTI: sugestões e contribuições

Refletindo sobre os aspectos  positivos, negativos e barreiras de comunicação citados na coleta de dados, os participantes sugeriram melhorias para tornar a comunicação mais efetiva no round multiprofissional no CTI.  

 Primeiramente, foram sugeridas modificações na organização, na estrutura e na metodologia, pois contribuiria para a inversão da verticalização. Quanto às sugestões propostas, merece destaque a adoção do round na modalidade à beira do leito por ser mais produtivo, dinâmico, melhorar o aprendizado e a interação da equipe:

Eu gosto de round à beira do leito, acho mais produtivo, acho que as pessoas se dispersam menos, acho que as dúvidas e exames físicos dos doentes sá verificados na hora.” (Médico 3)

“Fazer um round à beira do leito seria um aspecto de melhoria até em termo de aprendizado. Você entende o paciente como um todo…” (Médico 6)

“Round à beira do leito fundamenta melhor as nossas colocações, argumentações e avaliações…torna a discussão dinâmica…é uma forma de integralizar a equipe.” (Enfermeira 5)

         Nesse contexto, a horizontalização do cuidado a partir de novas rotinas entre as profissões também foi sugerida:  

“Ter alguém que promova a horizontalização do cuidado, promovendo uma continuidade no raciocínio e tratamento do paciente. Isso em todas as profissões.” (Médico 6)

Adoção de uma rotina médica, de enfermagem e de fisioterapia pois essas rotinas conseguem passar melhor as informações do que acontece na assistência e assim levar pro round.” (Enfermeiro 4)

A padronização para a realização do round multiprofissional, definição de horário para início e término, uso instrumentos que facilitem a compreensão das metas do caso em discussão  complementam as sugestões sobre a organização pensando na comunicação efetiva:

“Ter horário fixo para iniciar o round. Acho que todos conseguiriam se organizar melhor. Não só os que atuam aqui, mas também os que atendem por parecer… Organizar as informações dentro do round, pois às vezes é passado sem uma ordem definida dos pacientes…” (Fisioterapeuta 1)

“Round feito diariamente e registrado num local de fácil acesso pra todo mundo ver. Tem que ter hora pra começar e hora pra terminar, pro round ser mais objetivo na resolução de problemas.” (Médico 5)

“É necessário criar um formulário, tipo Sbar  ou  um check-list com questões abertas e fechadas, pois aí você fechava o que são metas comuns a todos e metas específicas.” (Enfermeira 1)

Os resultados apontam semelhanças por analogia  nas informações das categorias temáticas originadas no estudo. Assim, apresenta-se uma breve discussão  dos pontos destacados.  

Por se tratar  de um setor de alta complexidade, o CTI necessita  de uma equipe de saúde multidisciplinar especializada para  promover o cuidado na  atenção terciária e apta para tratar os casos mais singulares. Os pacientes demandam um plano de ação eficiente, coerente e seguro  empreendido pela equipe de saúde. Para tal propósito, a comunicação efetiva é uma ferramenta importante para o funcionamento do setor. 

O planejamento crítico e reflexivo é fundamental, apropriado para transformar as relações pela interação das pessoas com saberes compartilhados por meio da relação comunicativa. De maneira integrada,  por meio de práticas coesas, as ações e medidas tomadas pelos profissionais devem ser objetivas e informativas 4

Nesse sentido, possibilita-se a expressão das individualidades, a transmissão de valores e saberes, a conversação e o diálogo entre diversas profissões contribuindo para o cuidado8. Além disso, considera-se que o silêncio organizacional e a dificuldade de os profissionais se expressarem diante dos colegas de trabalho é uma barreira para a comunicação e o trabalho em equipe 9

A efetividade se mostra a partir do conceito que a comunicação interpessoal necessita ser convincente, eficiente, objetiva, positiva, afirmativa, devendo atingir o objetivo e o público-alvo. Falhas no trabalho em equipe e na comunicação entre os profissionais de saúde tem sido um dos principais fatores que contribuem para os erros operacionais, eventos adversos e, consequentemente, diminuição da qualidade dos cuidados. A comunicação efetiva entre os profissionais é  apontada como fundamental para um cuidado de saúde seguro 9 .  

Destaca-se  que a troca de informações foi analisada positivamente quanto à interação e a comunicação recíproca  como a corresponsável na associação de ideias no round. As falas ressaltaram que o saber das áreas profissionais, as diferenças e semelhanças técnicas e também a perspectiva de  compartilhamento de saberes específicos, permite alcançar metas terapêuticas com a aquiescência  da equipe no momento. Afinal,  cada  mensagem enviada, recebida ou percebida acresce a compreensão da qualidade de qualquer indicador de segurança discutido 10.

 A capilarização, ou seja, a melhor distribuição das informações apreendidas no round se apoia na horizontalidade das linhas de cuidado propostas pelo sistema de saúde brasileiro. A condição clínica dos pacientes deve ser discutida, analisada e materializada numa proposta que considere a essencialidade da comunicação para continuidade dos fluxos assistenciais em saúde.

 A comunicação verbal tende a ser efetiva quando promove um trabalho em equipe mais coeso e produtivo, pois proporciona uma resposta imediata, além de estimular o pensamento do receptor durante a transmissão da mensagem e no processo como um todo. Assim sendo, a comunicação direta engloba elementos no contexto como completude, precisão, concisão, clareza e concretude que são pertinentes na comunicação eficaz 11. Considera – se este tipo deve ser habitual nas mensagens complexas e difíceis. 

Certos conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais são incorporados na formação do profissional de saúde e considerados na relação entre os profissionais e os usuários dos serviços de saúde12.  Notou-se que o round oferece comunicação de forma direta, somatória e coadjuvante, na qual as diferentes profissões podem, ao mesmo tempo, discutir um caso específico e prontamente obter respostas. Isso permite a atenção e priorização dos casos abordados. 

Em relação aos aspectos negativos, a figura central do médico nas discussões do round  é uma questão cultural que interfere na comunicação e até a torna desmotivante. Nas falas, a percepção da hegemonia do médico está presente nas ações e práticas procedentes do round. Torna-se essencial compreender que a transição de um conceito biomédico implica uma série de reconfigurações nos sentidos de saúde-doença-cura, do tratar-cuidar, bem como de noções de saúde coletiva e sua inclusão com a comunidade 13.

O presente estudo identificou  que a discussão dos casos clínicos dos pacientes  no round assume os contornos do enfoque biomédico. Há concordância de que a equipe de atendimento direto tem o médico como provedor, enfermagem, farmácia e outros 16. De fato, as raízes históricas do modelo biomédico assumem características curativas, fragmentadas e centradas na figura do médico. Entretanto, as demais áreas percebem que é necessário o acordo sobre um plano de cuidados que considere múltiplos fatores.  

Sobre a hegemonia médica é correto afirmar que é uma prática frequente, mas o sistema de saúde no Brasil apresenta  alternativas dialógicas a fim de discutir esse modelo de atenção. Nesse sentido, encontra-se amparo nos princípios, diretrizes e políticas de saúde  vigentes no Sistema Único de Saúde para fortalecer o diálogo sobre as práticas não- hegemônicas, corroborando para a comunicação efetiva que resulta em maior segurança para o paciente. 

As tarefas cumulativas, o número reduzido de profissionais disponíveis, a sobrecarga e o estresse laboral vêm atingindo a saúde   mantém relação direta e constante com o trabalho da equipe de saúde 14. Nesse contexto, as pessoas interagem  e tem a responsabilidade de atingir metas impostas pela profissão como o cuidado nos diferentes níveis de assistência. Quando as pessoas não se integram nessas atividades descaracteriza se o trabalho em equipe. Ressalta-se que à época da coleta de dados, a Medicina, Enfermagem e Fisioterapia eram áreas profissionais que participavam rotineiramente do round multiprofissional no CTI e as outras profissões atendiam por parecer. Além de estarem envolvidas em outras atividades assistenciais no próprio hospital

Quanto ao método de organização do round, certos aspectos podem sinalizar o distanciamento na participação de alguns profissionais. A reflexão sobre as condições desfavoráveis para a realização do round referentes ao local, horário e método deve considerar a dinâmica e a natureza da atividade e do ambiente. A exemplo da passagem de plantão, a organização do tempo dispendido determina a quantidade, o modo de transmissão e a qualidade das mensagens emitidas, inclusive a dispersão da equipe ou interpretações errôneas15.  Em relação ao ambiente onde se é realizado o round, deve se considerar um espaço que permita a atenção, concentração e foco. 

Sobre as  barreiras de comunicação citadas no texto predominaram o distanciamento ocasionado pelo espaço físico e situações como a desmotivação e distrações pessoais. Tais barreiras que dificultam os processos de comunicação em se tratando de um espaço  que permite o esclarecimento das dúvidas imediatas. Essas e outras barreiras podem ser explicadas por meio de diversos fatores que incluem sobrecarga de trabalho, falta de privacidade, falta de treinamento, desfalques na equipe, o tempo de atuação e experiência profissional16.

Quanto às sugestões propostas, a modalidade à beira do leito como uma das modificações necessárias para a organização, a estrutura e a metodologia, pois contribuiria para a inversão da verticalização. A informação direta possibilita a diminuição da  dispersão da atenção do participante, pois as informações podem ser conferidas e analisada no exato momento da transmissão. Em consequência, destaca-se entendimento que a fronteira da bioética cuida para dar voz a todos vinculados nas atividades à beira do leito 17.

Em relação às ferramentas ou instrumentos tipo checklist ou SBAR,  seriam  utilizadas na comunicação das informações no round e  possibilitariam a comunicação entre os profissionais, além de diminuir  erros de comunicação e fatores contribuintes da melhoria de atitudes de segurança sejam incrementados. Permitiria ações antecipadas e modificações no seu modelo mental se houver necessidade18.

4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

. Nessa investigação, os principais aspectos positivos e negativos e a identificação de barreiras que dificultaram a comunicação da equipe no round multiprofissional foram apontados pelos participantes. Os resultados mostraram a necessidade de reformulações metodológicas e estratégicas na elaboração do round para melhorar a comunicação transversal. 

Pelo exposto, a comunicação efetiva  permite que as mensagens alcancem o receptor final possibilitando que as intervenções ocorram de forma contínua visando o  cuidado seguro e que permita o tratamento integral, coeso e partilhado. Assim, cabe a reflexão dos gestores das organizações de saúde e equipe multiprofissional acerca da temática proposta no estudo, a fim de promover discussões sobre a comunicação e permitir a construção de uma nova cultura visando a integralidade do cuidado como princípio do sistema de saúde vigente no Brasil. 

Considera-se como limitação do estudo não ter obtido as contribuições  e vivências das outras áreas que integravam a equipe multiprofissional de saúde no CTI à época, pelos motivos expostos no texto. Ressalta-se a necessidade de estudos sobre a temática nesse recorte.  Assim, sugere-se a inserção de mais participantes e tempo maior de investigação em pesquisas futuras. 

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1Fisioterapeuta – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-9779-768X
E-mail:joaosanmartin1992@gmail.com
2Fisioterapeuta – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-9779-768X
E-mail:joaosanmartin1992@gmail.com
3Professora Associada da Escola de Enfermagem Anna Nery – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0158-1500
E-mail: mlot@uol.com.br