ABORDAGEM AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA POR ENFERMEIRAS E ENFERMEIROS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408311124


Claudia Cristina Dias Granito Marques1
Maria Eduarda Aschar de Oliveira2


RESUMO

Introdução: a violência contra à mulher é uma questão de interesse público, que transcende fronteiras geográficas, culturais e socioeconômicas. Compreendida como qualquer ato ou conduta que viole os direitos humanos, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico ou patrimonial à mulher. A Atenção Primária de Saúde (APS) é a porta de entrada do indivíduo na rede. Desta forma, enfermeiras e enfermeiros devem ser capacitados para reconhecer possíveis casos de violência e realizar de maneira efetiva o acolhimento da mulher, a fim de estabelecer medidas de prevenção, promoção e cuidado das vítimas. Objetivo: analisar a eficácia da abordagem realizada por enfermeiras e enfermeiros na Atenção Primária à Saúde às mulheres vítimas de violência, buscando identificar práticas e estratégias que possam ser aprimoradas para oferecer um cuidado integral e acolhedor, a fim de contribuir para a promoção da saúde e o enfrentamento da violência de gênero. Método: estudo de abordagem metodológica qualitativa, de caráter descritivo explicativo, por meio da Revisão Integrativa da Literatura (RIL) sobre publicações nacionais e internacionais em periódicos de representatividade na área de enfermagem, indexados ao banco de dados virtual PubMed, LILACS e Medline, dentro do período delimitado para esta pesquisa, nos anos de 2019 a 2024. Discussão: as análises realizadas destacaram os diferentes tipos de violência contra à mulher, a necessidade da capacitação de enfermeiras e enfermeiros da Atenção Primária de Saúde ao identificar e realizar o acolhimento as vítimas, bem como os empasses encontrados pela equipe multidisciplinar. Conclusão: as atribuições de enfermeiras e enfermeiros da Atenção Primária de Saúde são necessárias para o acolhimento da mulher vítima de violência, considerando como profissional que tem contato com a vítima e que visa construir vínculo, condição necessária para que esta siga na rede de cuidado e desvincule-se do abusador.  

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Saúde da Mulher; Violência.

ABSTRACT

Introduction: violence against women is a matter of public interest that transcends geographical, cultural, and socioeconomic boundaries. It is understood as any act or conduct that violates human rights, based on gender, that causes death, harm, or physical, sexual, psychological, or patrimonial suffering to women. Primary health care is the individual’s gateway to the network, thus the nurse must be trained to recognize possible cases of violence and effectively welcome women, to establish measures for prevention, promotion, and care for victims. Objective: To analyze the effectiveness of the approach taken by nurses in primary care to women victims of violence, seeking to identify practices and strategies that can be improved to offer comprehensive and welcoming care, to contribute to health promotion and coping with gender violence. Method: a study of a qualitative methodological approach, with an explanatory descriptive character, through an integrative review of the literature on national and international publications in representative journals in the field of nursing, indexed in the virtual database PubMed, LILACS e Medline, within the period delimited for this research, in the years 2019 to 2024. Discussion: the analyses highlighted the different types of violence against women, the need for primary care nurses to be trained to identify and welcome victims, as well as the obstacles encountered by the health class. Conclusion: the attributions of the Primary Health Care nurse are essential for the reception of women who are victims of violence, considering that they are the first professional to have contact with the victim and build a bond, which is essential for the victim to remain in the care network and disassociate themselves from the abuser. 

Keywords: Primary Health Care; Women’s Health; Violence.

INTRODUÇÃO

A violência contra as mulheres é uma realidade alarmante e multifacetada que persiste em diversas sociedades ao redor do mundo. Esta forma de violência pode se manifestar de maneiras físicas, psicológicas, sexuais ou econômicas e impõe inúmeros desafios à saúde pública e aos direitos humanos. A violência de gênero não apenas afeta diretamente a saúde física e emocional das mulheres, mas contribui para a perpetuação de desigualdades sociais e econômicas.

A violência nas diversas apresentações: física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral, permanece enraizada de forma cultural e social no Brasil e no mundo. De acordo com o Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (OIG) em 2021, “dos 18 países e territórios que proporcionaram informação, 11 apresentavam taxa igual ou superior a uma vítima de feminicídio ou feminicídio por 100.000 mulheres”. Atualmente, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de violência contra à mulher (ACNUDH, 2021).

A violência pode ocorrer de diversas formas: física, conduta que ofenda a integridade corporal; psicológica, violência que cause danos emocionais e diminuição da autoestima; sexual, caso constranja a presenciar, manter ou participar de relações sexuais não desejadas mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; patrimonial, quando configura retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus bens, e moral como conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) (2002), estabelece uma tipologia de três grandes grupos segundo quem comete o ato violento:

[…] violência contra si mesmo; violência interpessoal (doméstica e comunitária); e violência coletiva (grupos políticos, organizações terroristas, milícias). A violência contra si mesmo, compreende ideação suicida, “autoagressões”, tentativas de suicídio e suicídios; violência interpessoal / intrafamiliar, ocorre entre os parceiros íntimos, entre os membros da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental ainda que sem laços de consanguinidade, e que tenha relação de poder. Geralmente acontecem no ambiente de moradia, mas não unicamente. É toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outra pessoa da família; e violência interpessoal / comunitária, definida como aquela que ocorre no ambiente social, entre conhecidos ou desconhecidos. O primeiro grupo inclui formas de violência, tais como abuso infantil, violência praticada por parceiro íntimo e abuso contra os idosos. O segundo grupo inclui violência juvenil, atos aleatórios de violência, estupro ou ataque sexual por estranhos, bem como a violência em grupos institucionais, tais como escolas, locais de trabalho, prisões e asilos.

A Atenção Primária à Saúde (APS), trata-se muitas vezes da porta de entrada dessas mulheres que sofrem violência no Sistema Único de Saúde (SUS) em busca de atendimento para saúde física e mental. A APS articula o cuidado em rede a partir da Estratégia de Saúde da Família (ESF) a fim de garantir a prevenção, identificação, notificação e coordenação do cuidado e assistência as pessoas vítimas de violência, através dos pressupostos de humanização e continuidade do cuidado (BRASIL, 2017).

Nesse cenário, os enfermeiros desempenham papel na identificação, acolhimento e encaminhamento adequado das vítimas, proporcionando-lhes cuidados holísticos e suporte. Essa proximidade favorece tanto a construção do afeto quanto o estabelecimento de confiança entre o profissional e a vítima, facilitando a abordagem e visando e recuperação de agravos à mulher violentada. Apesar da alta prevalência, a violência contra à mulher ainda é pouco identificada e subnotificada, o que mascara a gravidade da situação (Kind, 2013).

A dificuldade de acolhimento por parte das mulheres relacionado a situação de violência, aponta a necessidade de apoio de políticas públicas. No Brasil, para análise das políticas públicas de saúde, utiliza-se a abordagem de que, além dos sujeitos, seus desejos e implicações racionais, levam-se em conta o momento histórico e a interferência dos campos sociais, valendo-se do conceito de habitus e ilusio, baseando-se na sociologia reflexiva (Bourdieu, 1996, 2001).

Conforme Brasil (1986), de acordo com a Lei n° 7.498/1986, “o profissional enfermeiro exerce a direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde”.

Nesta circunstância, por conceder o primeiro atendimento à população desprotegida, este possui grande valia, além de realizar a educação permanente, capacitando os demais profissionais sob sua responsabilidade, almejando o atendimento eficaz e a garantia dos direitos das mulheres (BRASIL, 1996).

Já a Lei n°10.778/2003, “estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados” (BRASIL, 2003).

Encontra-se em processo de tramitação, o Projeto de Lei 3333/2020, que altera a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006) e prevê sigilo absoluto para as informações constantes nos boletins de ocorrência e autos de processos, inclusive em relação à identidade da vítima e/ou denunciantes. Diferentemente da atualidade, onde, para tornar-se segredo de Justiça, necessita-se de avaliação judicial, salvo as exceções já estabelecidas em lei (BRASIL, 2020).

JUSTIFICATIVA

O estudo se justifica pela percepção enquanto estudante do curso de graduação em enfermagem a urgência de abordar a violência contra as mulheres, uma questão de saúde pública e direitos humanos.

A violência contra as mulheres trata-se de uma questão de saúde pública, que afeta mulheres a nível global. A atenção primária à saúde com foco a saúde do indivíduo, permite uma ampla e integrada abordagem aos casos de violência contra as mulheres, com o intuito de fornecer apoio emocional, encaminhamento para serviços sociais e intervenções a saúde física e mental. Com vistas a uma abordagem eficaz na atenção primária com a finalidade de mitigar os impactos decorrentes deste ato e melhorar o bem-estar das vítimas.

Neste contexto, evidencia-se que a exposição à violência desencadeia consequências como déficit de aprendizagem e baixo desempenho escolar para as crianças envolvidas na situação, com associação de comportamento agressivo, isolamento social, falta de motivação, ansiedade e depressão (BRASIL, 2017).

Enfermeiros desempenham seu papel na detecção, prevenção e intervenção em casos de violência contra as mulheres na atenção primária. Contudo, diversos fatores intervêm na capacidade do enfermeiro de realizar a identificação precoce dos casos de violência eficazmente, como: a falta de treinamento específico; as questões culturais; sociais e religiosas; a comunicação; e a ausência de protocolos para lidar com casos de violência.

OBJETIVOS

Objetivo Geral

Analisar a eficácia da abordagem realizada pelas enfermeiras e enfermeiros na Atenção Primária à Saúde às mulheres vítimas de violência, buscando identificar práticas e estratégias que possam ser aprimoradas para oferecer um cuidado integral e acolhedor, a fim de contribuir para a promoção da saúde e o enfrentamento da violência de gênero.

Objetivos Específicos

Investigar as percepções e experiências das mulheres vítimas de violência em relação à abordagem realizada pelos enfermeiros na atenção primária.

Compreender as barreiras e desafios enfrentados pelos enfermeiros na abordagem das mulheres vítimas de violência, incluindo fatores institucionais, sociais e pessoais.

MÉTODO

O estudo possui abordagem metodológica qualitativa, de caráter descritivo explicativo, por meio da revisão integrativa da literatura (RIL) sobre publicações nacionais e internacionais em periódicos de representatividade na área de enfermagem, indexados ao banco de dados virtual PubMed, LILACS e Medline, dentro do período delimitado para esta pesquisa, nos anos de 2019 a 2024. Para tal, foram utilizados critérios de inclusão baseados em combinações de palavras-chave, com o intuito de especificar a pesquisa, cujos descritores: Atenção Primária à Saúde; Saúde da Mulher; Violência, que estão indexados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), com a utilização do operador boleando AND, filtrando os resultados em revisões sistemáticas gratuitas publicadas em português.

Empregou-se na seleção de artigos, os tipos de estudo de revisão sistemática de literatura, pesquisa de campo e relato de experiência sobre o tema. Foram obtidos 387 artigos dentre os quais 5 foram incluídos nesta revisão (1 artigo  de 70 no PubMed, 1 artigo de 214 no Medline e 3 artigos de 103 no LILACS), uma vez que atendiam ao objetivo da pesquisa, com a finalidade de analisar a eficácia da abordagem realizada pelos enfermeiros na atenção primária as mulheres vítimas de violência, buscando identificar práticas e estratégias que possam ser aprimoradas para oferecer um cuidado integral e acolhedor, a fim de contribuir para a promoção da saúde e o enfrentamento da violência de gênero. Foram excluídos os artigos não pertinentes ao tema após triagem do título e do resumo e, em seguida, leitura do texto completo e exclusão dos textos repetidos.

Segundo Sousa, Oliveira e Alves (2021), a pesquisa bibliográfica tem como finalidade o aprimoramento do conhecimento por meio de uma investigação cientifica, sendo um levantamento ou revisão de trabalhos publicados, sobre a teoria e que orienta o pesquisador que irá analisar os trabalhos sobre o assunto.

A seleção de um método qualitativo é baseada nas características específicas que ele possui, o que permite apresentar uma visão aproximada da realidade que está sendo estudada. Köche (2009), define a pesquisa bibliográfica como “indispensável a qualquer tipo de pesquisa”, pois nela o pesquisador explora e analisa as principais teorias e contribuições existentes sobre o tema.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Distribuição dos artigos selecionados sobre a eficácia da abordagem realizada pelos enfermeiros na atenção primária às mulheres vítimas de violência, buscando identificar práticas e estratégias que possam ser aprimoradas para oferecer um cuidado integral e acolhedor, a fim de contribuir para a promoção da saúde e o enfrentamento da violência de gênero, no período de 2019 a 2024. Teresópolis, RJ, 2024.

Quadro 1 – Estratégia de Busca. Teresópolis-RJ, Brasil 2024

Fonte: Elaborada pela autora.

Através dos artigos incluídos na pesquisa, tornou-se possível apresentar elementos que descrevem o acolhimento do enfermeiro as mulheres vítimas de violência na Atenção Primária à saúde, bem como os impasses vivenciados e a necessidade de qualificação profissional efetiva.

Desse modo, os quadros a seguir (2-6) denotam os artigos selecionados para tal discussão.

Quadro 2 – Estratégia de Busca. Teresópolis-RJ, Brasil 2024.

Fonte: Elaborada pela autora.

Quadro 3 – Estratégia de Busca. Teresópolis-RJ, Brasil 2024.

Fonte: Elaborada pela autora.

Quadro 4 – Estratégia de Busca. Teresópolis-RJ, Brasil 2024.

Fonte: Elaborada pela autora.

Quadro 5 – Estratégia de Busca. Teresópolis-RJ, Brasil 2024.

Fonte: Elaborada pela autora.

Quadro 6 – Estratégia de Busca. Teresópolis-RJ, Brasil 2024.

Fonte: Elaborada pela autora.

A maioria dos casos de violência contra a mulher está associada à agressão física, praticada pelo cônjuge, tornando-se assim, o tipo de violência mais fácil de identificar. Este fato dá-se devido a percepção errónea da definição de violência contra a mulher pela população feminina (Carneiro, Jordana B. et. al,  2019; Silva, A. S. B.; et. al, 2021).  

As Nações Unidas definem violência contra a mulher como “qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada” (OPAS, 2017; apud Silva, R. C. F. da et. al, 2021).  

Além disso, a Lei 11.340/2006 estabelece “violência contra a mulher como toda ação ou omissão ancorada na desigualdade de gênero, que ocasione dano psicológico, físico e/ou sexual à mulher.” (Brasil, 2006; apud Carneiro, Jordana B. et. al, 2019) 

O enfermeiro da atenção primária à saúde, trata-se do profissional do centro de ciências da saúde que executa o acolhimento, identificação, atendimento, notificação e encaminhamentos nos diferentes casos de violência (Silva, R. C. F. da et. al, 2023; Tracz, Rita, et. al, 2022).  

Faz-se necessário o preparo e conhecimento dos profissionais, principalmente pelos enfermeiros na APS, por possuírem mais proximidade com a população, para que o atendimento seja pautado no princípio da integralidade. Dentre as atribuições do enfermeiro, destacam-se: anamnese, exame físico, escuta ativa, coleta de material para análise, administração de medicamentos, notificação dos casos, entre outros (Silva, V. G. D; Ribeiro, P. M, 2020; apud Silva, R. C. F. da et.al, 2023).  

Os enfermeiros ocupam uma função de bastante relevância no atendimento a violência contra à mulher, por serem os primeiros profissionais a prestarem contato direto com as vítimas, o que acarreta um vínculo profissional-paciente, gerando segurança e auxiliando na condução da resolutiva (Silva, R. C. F. da et. al, 2023).

No contexto do acolhimento, destaca-se a visita domiciliar como uma das estratégias para criar vínculo, onde a mulher assistida desenvolve confiança pelo profissional. Fato que evidencia o acolhimento como melhoria das relações dos enfermeiros para com as usuárias vítimas de violência, por meio da escuta e do reconhecimento, uma vez em que o assunto seja abordado desde a primeira consulta, buscando identificar possíveis conflitos domiciliares que gerem violência (Marques, S. S. et. al, 2017; apud Silva, R. C. F. da et. al, 2023).

Nos casos de violência contra a mulher, é de responsabilidade dos profissionais de saúde, dentre eles o enfermeiro, realizar a notificação obrigatória, seja o atendimento na rede de saúde do SUS ou privada, mesmo que a vítima ou a família discordem. Destaca-se que a notificação não substitui a denúncia. A notificação é compreendida como um instrumento de proteção, usada como registro e sistematização dos dados, a fim de possibilitar a qualificação das informações e definir prioridades nas políticas públicas (Waiselfisz, 2012; apud Carneiro, Jordana B. et. al, 2019).

A Portaria GM/MS N°78 pelo Ministério da Saúde, estabelece que os casos de violência contra a mulher que forem atendidos em serviços públicos ou privados devem ser comunicados à autoridade policial, não contendo dados que identifiquem a mulher ou o agressor, exceto quando houver risco a ela ou à sua família, mas sempre com seu conhecimento prévio (BRASIL, 2021; apud Aguiar, Janaína Marques de; et. al, 2023).

O Ministério da Mulher, da família e dos Direitos Humanos (MMFDH), juntamente com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), declarou que entre os meses de fevereiro e abril de 2020 o número de denúncias de violência doméstica aumentou em 14,12% em comparação com o mesmo período de 2019.  Já no primeiro semestre de 2022, a central de atendimento registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo violência doméstica (Souza, L. D. J.; Farias, R. D. C, 2022; apud Silva, R. C. F. da et. al, 2023).  

Os autores do artigo 4 analisam os empasses vivenciados pelos profissionais que prestam atendimento as mulheres vítimas de violência nas diversas redes de apoio (Aguiar J, et.al, 2023).

Apesar da APS não fazer parte da rede especializada no atendimento à mulher violentada, promove uma assistência geral e o acompanhamento longitudinal (D’Oliveira, et.al, 2020; apud Aguiar, Janaína Marques de; et al. 2023).

As relações entre as UBS e os diversos serviços mais especializados não são de complementaridade de ações. Ao contrário, cada provedor de assistência parece conceber-se independente dos demais, de forma autônoma (Moreira et.al, 2014; apud Aguiar, Janaína Marques de et.al, 2023).

Vale ressaltar que casos de violência contra a mulher não são exclusivos da APS, pelo contrário, o encaminhamento correto abrange diversos setores da rede, incluindo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro de Referência e Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), Hospitais de referência, Delegacia da Mulher, entre outros (Tracz, Rita et. al, 2022).

Para a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), o relato do profissional da saúde que presta o primeiro atendimento à vítima, traria elementos que auxiliariam a compreensão mais humanizada e ampliada do caso, não apenas informações técnicas (Aguiar J. et.al, 2023).

Muitos profissionais alegam receio ao encaminhar a mulher aos serviços especializados, pelo risco de fragilizar o vínculo desta com o sistema de saúde. A ausência coletiva de protocolos e fluxos de atendimento na APS e fragilidade no sistema, justificada pela falta de capacitação específica dos profissionais para atender as vítimas, resulta na baixa procura da APS como porta de entrada para realizar este tipo de atendimento (D’ Oliveira et. al, 2020; apud Aguiar, Janaína Marques de et. al, 2023).

Conhecer o perfil das mulheres vítimas de violência vai além de especializar o cuidado, mas, também, abranger a territorialização, o que permite realizar o planejamento e promover melhorias nos fluxos e protocolos de atendimento (D’ Oliveira et. al, 2020; apud Aguiar, Janaína Marques de; et al, 2023).

A maior dificuldade enfrentada pelo profissional enfermeiro é a não adoção de um protocolo específico pelo Município para tal atendimento, seguida pela fragilidade na sistematização de assistência de enfermagem, dificuldade para realizar os encaminhamentos especializados de referência e percepção das agressões (Tracz, Rita, et. al, 2022). 

Faz-se necessário realizar ações e atividades de educação permanente e continuada em saúde para os profissionais com temas relacionados à violência contra a mulher, para que os enfermeiros desenvolvam um olhar treinado a identificarem efetivamente sinais e sintomas sugestivos de violência, considerando que as mulheres procuram a APS para realizar, em sua maioria, outros atendimentos e, assim, realizarem corretamente o encaminhamento da vítima (Arredondo-Provecho, A. B.; O’Reilly, R.; Peters, K. (2012; 2018), apud Silva, R. C. F. da, et.al, 2023).   

Enfermeiros sinalizam que essas dificuldades estão relacionadas a formação acadêmica. Ainda apontam a importância de as instituições abordarem esses temas nos componentes curriculares, a fim de trabalhar a temática e vivência de maneira ampla. A mulher que não recebe a assistência qualificada, impacta diretamente em sua vida e ficará sujeita a novas agressões. Entretanto, quando recebe o cuidado esperado, ocorre o fortalecimento e empoderamento dessa mulher, permitindo romper o ciclo da violência (Carneiro, J. B et. al, 2021).

Logo, profissionais da enfermagem que atuam ou planejam atuar na Atenção Primária à Saúde são o público-alvo deste material. Ele visa fornecer orientações para práticas durante o cuidado as vítimas de violência doméstica, promover estratégias para enfrentar desafios vivenciados pelos enfermeiros e promover a inclusão desse tema nos currículos educacionais. Além disso, ressalta-se que o investimento contínuo em qualificação e aprendizado proporciona aos profissionais uma base mais sólida para a prática clínica. Isso não apenas capacita-os a lidar mais eficazmente com questões de saúde pública, como também permite que as mulheres  se sintam confortáveis para compartilhar suas experiências de violência, garantindo um atendimento personalizado que leve em consideração seu contexto social (Silva, R. C. F. da et. al, 2023).

CONCLUSÃO

O estudo analisou a eficácia da abordagem de enfermeiras e enfermeiros na Atenção Primária à Saúde às mulheres vítimas de violência, permitindo maior compreensão das práticas e estratégias adotadas, bem como, as lacunas a serem preenchidas para promover um cuidado integral e acolhedor à mulher em situação de vulnerabilidade.

Ao descrever as principais formas de violência enfrentadas pelas mulheres atendidas na Atenção Primária à Saúde, foi possível contextualizar o problema e sua relevância no âmbito da saúde pública, as percepções e experiências das mulheres vítimas de violência em relação à abordagem dos enfermeiros, a efetividade das práticas existentes e as necessidades não atendidas.

As barreiras e desafios enfrentados pelas enfermeiras e enfermeiros na abordagem as mulheres vítimas de violência revelou a necessidade do acolhimento, da avaliação dos aspectos clínicos e dos fatores institucionais, sociais e pessoais que influenciam o processo de cuidado.

Neste contexto, evidenciou-se que há espaço para aprimoramentos na prática profissional, bem como na estruturação de políticas públicas e protocolos que possam melhorar a qualidade da assistência prestada as mulheres em situação de vulnerabilidade. O enfrentamento da violência de gênero requer uma abordagem multifacetada, que envolva não apenas o setor da saúde, mas também ações coordenadas em diversas esferas da sociedade.

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1Doutoranda Educação Superior, Professora dos cursos de graduação de Enfermagem e Medicina do Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso).
claudiacristinagranito@unifeso.edu.br,
2Graduanda de Enfermagem do Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso).
maduaschar@gmail.com.