RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA SOBRE CARCINOMA ESOFÁGICO DO TIPO EPIDERMOIDE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202408222257


Leticia Rebelatto Moresco,
Gabriela Tabalipa de Souza


RESUMO

De acordo com literaturas médicas recentes, houve um aumento na prevalência do carcinoma do tipo epidermóide de esôfago na população brasileira, fato que levantou questionamentos acerca dos fatores que influenciam ao desenvolvimento desse tipo de carcinoma, bem como das melhores condutas terapêuticas nesses casos. Nesse sentido, o seguinte artigo de revisão e relato de caso tem como propósito analisar as principais condições de risco e a melhor conduta terapêutica utilizada no caso apresentado, comparando sua efetividade com aquelas apresentadas nas referências literárias. Foram analisados 10 artigos de revisão de literatura, publicados no período entre 2019 a 2023, os quais foram comparados com os métodos terapêuticos do relato de caso do paciente N.L.M, masculino, 59 anos, que foi diagnosticado com carcinoma epidermóide de esôfago em 2021. O caso demonstrou que o tipo de câncer se correlacionou com as características e fatores de risco apresentados pelo paciente. Ademais, o trabalho procurou demonstrar que a quimioterapia e a radioterapia precedendo a cirurgia é conduta assertiva na terapêutica para carcinoma epidermóide de esôfago estágio T3 N1 M0, solidificando as evidências encontradas nas literaturas analisadas, durante o período supracitado.

Palavras-Chave: Neoplasia de Esôfago; Carcinoma do Tipo Epidermóide; Condutas terapêuticas.

ABSTRACT

According to recent medical literature, there was an increase in the prevalence of esophageal squamous cell carcinoma in the Brazilian population, a fact that raised questions about the factors that influence the development of this type of carcinoma, as well as the best therapeutic approaches in these cases. In this sense, the following review article and case report aims to analyze the main risk conditions and the best therapeutic approach used in the case presented, comparing its effectiveness with those presented in the literary references. We analyzed 15 literature review articles, published between 2019 and 2023, which were compared with the therapeutic methods of the case report of the patient N.L.M, male, 59 years old, who was diagnosed with esophageal squamous cell carcinoma in 2021. The case demonstrated that the type of cancer is related to the characteristics and risk factors presented by the patient. Furthermore, the study sought to demonstrate that chemotherapy and radiotherapy preceding surgery is an assertive approach in the therapy for stage T3 N1 M0 esophageal squamous cell carcinoma, solidifying the evidence found in the analyzed literature during the aforementioned period.

Key words: Esophageal Neoplasm; Squamous Cell Carcinoma; Therapeutic conducts;

INTRODUÇÃO

De acordo com literaturas médicas recentes, houve um aumento na prevalência do carcinoma do tipo epidermóide de esôfago na população brasileira, fato que levantou questionamentos acerca dos fatores que influenciam ao desenvolvimento desse tipo de carcinoma, bem como das melhores condutas terapêuticas nesses casos. No que tange a carcinogênese, geralmente, é um processo lento, multifatorial e lesivo, sendo necessária a quebra de várias etapas que contribuem para a manutenção da homeostase sistêmica.

Diversos fatores bioquímicos, mediadores inflamatórios e alterações em genes de proteínas estão presentes na patologia, sendo que a inflamação crônica desempenha um papel importante na iniciação e desenvolvimento do carcinoma epidermóide [8].

A etiologia do CE envolve uma interação de diversos fatores de risco, tais quais: idade, história familiar e associação genética, além de muitos fatores extrínsecos, como: ingestão de álcool, tabagismo, uso de nitrosaminas e aflatoxinas, infecções locais por fungos, deficiência de Riboflavina e vitamina A (ingestão baixa de frutas e legumes) e ingestão excessiva de erva mate. Algumas afecções como o megaesôfago, estenoses cáusticas do esôfago e esôfago de Barrett têm suas importantes contribuições na etiologia do CE [4].

Em relação ao carcinoma do tipo epidermoide do esôfago, os principais fatores   carcinogênicos são o tabagismo e alcoolismo [1].    

Quanto à sintomatologia, os pacientes se mantêm assintomáticos por muito anos, sendo a dor retroesternal mal definida ou queixas de indigestão os achados iniciais da doença, progredindo para disfagia aos sólidos, seguida dos líquidos. Outros sintomas frequentes são a perda ponderal, sendo geralmente maior que o esperado pelo grau de disfagia e de evolução mais rápida. Outrossim, devido ao seu caráter insidioso e assintomático, o diagnóstico muitas vezes é tardio, com descoberta ao acaso durante a endoscopia ou em tratamento por esôfago de Barrett [7].

Em razão do curso insidioso e dos sintomas inicialmente inespecíficos, a maioria dos tumores esofágicos já estão avançados à época do diagnóstico, tornando o tratamento mais difícil e prognóstico reservado [1]. O tratamento do câncer de esôfago deve ser individualizado, tendo como medidas terapêuticas a cirurgia, quimioterapia e radioterapia, isoladas ou associadas. O risco de complicações pós-tratamento são elevadas, e as neoplasias esofágicas possuem frequência de mortalidade e incidências superiores a 75% [3].

Neste contexto, este artigo tem como propósito a apresentação de um relato de caso de um paciente diagnosticado com carcinoma epidermóide de esôfago, no qual o tratamento mostrou-se efetivo evoluindo para a cura, de forma a demonstrar que a quimioterapia e a radioterapia precedendo a cirurgia é mais efetiva no tratamento de tal carcinoma.

RELATO DE CASO

N.L.M, masculino, 59 anos, branco, casado, etilista e ex-tabagista, em março de 2021 começou a apresentar disfagia e perda ponderal. Foi realizada endoscopia digestiva alta que evidenciou lesão subestenosante no terço superior esofágico.

A biópsia incisional por método endoscópico revelou atipia das células com parecer diagnóstico de carcinoma epidermóide. Durante o estadiamento, o diagnóstico tomográfico de pescoço e tórax revelou espessamento circunferencial do esôfago cervical compatível com neoplasia primária, além de adenomegalia na margem lesional esquerda do esôfago, compatível com metástase e demais tomografias negativas (Estadiamento T3N1M0)

Paciente foi submetido a sete sessões de quimioterapia com carboplatina e taxol (Paclitaxel) semanais e trinta e três sessões de radioterapia, pelo período de sete semanas sendo feitas concomitantemente.

Após seis meses do término destes, realizou PET-CT evidenciando lesão hipercaptante em terço superior esofágico, sendo submetido a esofagectomia e posterior reconstrução.

Na esofagotomia foi encontrado infiltração inflamatória com área extensa de necrose na região da traquéia, tireóide e laringe como consequência da radioterapia. Paciente precisou ser submetido a traqueostomia permanente, tireoidectomia parcial e laringectomia total. Paciente recebeu alta hospitalar após 60 dias na UTI.

DISCUSSÃO

O câncer de esôfago é a terceira neoplasia mais comum do trato digestivo, sendo considerada a sexta causa mais comum de morte por câncer no Brasil e a oitava no mundo. No Brasil estima-se que, no ano de 2018, ocorreram 7.930 mortes (6.203 homens e 1.727 mulheres) Dentre os tipos histológicos do câncer, o de carcinoma de células escamosas, também chamado de carcinoma epidermóide, tem alta letalidade e é a neoplasia maligna mais comum do esôfago (96% dos casos), seguida do adenocarcinoma, de ocorrência crescente.[,2]

Em relação à epidemiologia, os estudos de Cruz (2018) [2] e Facco (2021) [3] e dados da The American Cancer Society (2020) [4] trazem informações concordantes: a maioria dos pacientes diagnosticados com CA de esôfago se apresenta na faixa etária de 55-64 anos (aproximadamente 34% dos casos) [3], com idade média de 60,8 anos [2]. Dentre outros dados, destacam-se raça branca (47,5%) e sexo masculino (75%) [1,2]. Quanto aos fatores de risco, foi evidenciado uma grande associação entre câncer de esôfago e consumo de tabaco. [1,2,3] Em geral, o risco de câncer de esôfago entre os fumantes é duas a cinco vezes maior quando comparado com não fumantes; enquanto, para fumantes pesados, o risco pode exceder em até dez vezes.[2]

Além disso, o consumo de álcool também aumenta o risco de câncer de esôfago, principalmente o de células escamosas, sendo observado efeito dose-resposta; ou seja, quanto maior o consumo diário, maior foi o risco de desenvolver esse tipo de câncer (variando de 1,32 para o consumo de 1 a 2 doses diárias até 4,12 para o consumo superior a 10 doses diárias) [2].

Em relação ao estadiamento da doença no momento do diagnóstico, os dados da literatura mostram que a maioria dos pacientes se encontra no estadiamento III da doença (37,87%) [3], com 82% dos casos sendo do tipo histológico carcinoma de células escamosas (82,5%) [1,2]. Ademais, o risco de desenvolvimento de câncer de células escamosas se associa fortemente com o hábito do tabagismo e do alcoolismo [4] mais do que com o adenocarcinoma.

Essas informações epidemiológicas concordam com o relato de caso apresentado, no qual o paciente apresenta todas as características epidemiológicas que corroboram para o desenvolvimento do câncer de esôfago, especialmente o do tipo células escamosas.

Com o avançar da tecnologia, novas modalidades terapêuticas vêm sendo descobertas, o que traz em questão a sua efetividade frente às modalidades já utilizadas. Neste sentido, os estudos de Watanabe [5] demonstraram que a quimioterapia pré-operatória seguida de esofagectomia aumenta a sobrevida global dos pacientes quando comparada a  esofagectomia seguida de quimioterapia pós-operatória ou cirurgia isolada, para pacientes com estágio clínico II/III de CCE.

No que tange às classes medicamentosas utilizadas, os estudos de Alves et al [12] demonstraram que foi observado uma resposta patológica completa melhor e significante estatisticamente para o grupo de doentes submetidos ao esquema terapêutico com Paclitaxel e Carboplatina, em relação ao grupo que fez uso de outras classes medicamentosas (47,37% versus 21,62%).

Outros estudos demonstram que o incremento na indicação de neoadjuvância para o tratamento do câncer de esôfago está diretamente relacionado com melhores taxas de sobrevida, apesar de maiores índices de complicações graves pós-operatórias, possivelmente devido à quimioterapia pré-operatória, que confere maior fragilidade aos tecidos próximos [6].

Outrossim, em consonância com os dados apresentados na literatura, que relatam o maior diagnóstico de CCE estadiamento III e  a maior frequência de casos entre indivíduos com idade ≥ 60 anos, infere-se uma dificuldade para realizar o tratamento de forma aguda. Portanto, opta-se por utilizar metodologias que visa algum benefício na sobrevida do paciente, como manejo clínico por meio da quimiorradioterapia para melhora do quadro até que esse consiga ser submetido a cirúrgica associada a quimioterapia perioperatória[5].

Por fim, Ferreira e et. al discutem que a ampla difusão da quimio-radioterapia em diferentes países do mundo como terapia neoadjuvante no câncer de esôfago, faz com que o tratamento alcance taxas de sucesso oncológico cada vez maiores. Nesta população, de maneira semelhante, o incremento na indicação de neoadjuvância para o tratamento do câncer de esôfago está diretamente relacionado com melhores taxas de sobrevida, apesar de maiores índices de complicações graves pós-operatórias e aumento de fístulas anastomóticas[7]. Essas complicações, segundo os mesmos autores, se devem ao fato da idade avançada dos pacientes que se beneficiam dessa forma de tratamento, pois a quimiorradioterapia confere maior fragilidade aos tecidos lesados.

CONCLUSÃO

Portanto,  a modalidade terapêutica instituída ao paciente apresentado pelo relato de caso mostra concordância com os dados sobre tratamento relatados na literatura recente, que demonstra que a quimiorradioterapia pré-operatória seguida de esofagectomia aumenta as taxas de sobrevida, em relação às outras modalidades terapêuticas.

REFERÊNCIAS

1. ANJOS, LSS, Akowanou GERH, Isecke NK, Medeiros LGP, Pedreira RES (2019) Carcinoma esofágico de células escamosas – relato de caso. Revista de Patologia do Tocantins, 6(1): 31-32.

2. Huang J, Koulaouzidis A, Marlicz W, Lok V, Chu C, Ngai CH, et al. Global Burden, Risk Factors, and Trends of Esophageal Cancer: An Analysis of Cancer Registries from 48 Countries. Cancers (Basel). 2021;13(1):141.

3. FACCO, Lucas et al. Neoplasia maligna de esôfago: uma análise epidemiológica dos casos notificados no Brasil entre 2015 e 2019. Research, Society And Development, [S.L.], v. 10, n. 2, p. 1-14, 28 fev. 2021.

4. MONTEIRO, NML et al. Câncer de esôfago: Perfil das Manifestações Clínicas, Histologia, Localização e Comportamento Metastático em Pacientes Submetidos a Tratamento Oncológico em um Centro de Referência em Minas Gerais. Revista Brasileira de Cancerologia 2009; 55(1): 27-32.

5. WATANABE, Masayuki et al. Recent progress in multidisciplinary treatment for patients with esophageal cancer. Surgery Today, [S.L.], v. 50, n. 1, p. 12-20, 18 set. 2019.

6. C, Ling et al. Recurrence index predicts the prognosis of patients with pathological T1 esophageal squamous cell carcinoma. Asian Journal Of Surgery, [S.L.], v. 45, n. 3, p. 928-929, mar. 2022.

7. FERREIRA, Raphaella Paula et al. Treatment of esophageal cancer: surgical outcomes of 335 cases operated in a single center. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões: 2021, v. 48.

8. CAMARGO, M. Constanza et al. Associations of circulating mediators of inflammation, cell regulation and immune response with esophageal squamous cell carcinoma. Journal Of Cancer Research And Clinical Oncology, [S.L.], v. 147, n. 10, p. 2885-2892, 14 jun. 2021.

9. PATHER, Keouna et al. Long-term survival outcomes of esophageal cancer after minimally invasive Ivor Lewis esophagectomy. World Journal Of Surgical Oncology, [S.L.], v. 20, n. 1, p. 1-14, 25 fev. 2022.

10. ALVES, Iuri Pedreira Fillardi et al. NEOADJUVANT CHEMORADIOTHERAPY FOLLOWED BY TRANSHITAL ESOPHAGECTOMY IN LOCALLY ADVANCED ESOPHAGEAL SQUAMOUS CELL CARCINOMA: IMPACT OF PATHOLOGICAL COMPLETE RESPONSE. ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo) [online]. 2021, v. 34, n. 03