FATORES ASSOCIADOS AO RISCO DE SARCOPENIA EM PACIENTES ATENDIDOS EM UM AMBULATÓRIO PÚBLICO DA REGIÃO NORDESTE BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248211219


Cássia Gabrielle Alves Torres1
Yara Maria Cavalcante de Portela2
Andrea Marques da Silva Pires3
Igor Marcelo Castro e Silva4


RESUMO             

INTRODUÇÃO: O envelhecimento humano é marcado por várias mudanças físicas, sendo uma das mais notáveis a sarcopenia. Esta condição é caracterizada pela perda progressiva de massa e força muscular. OBJETIVOS: O presente estudo teve como objetivo rastrear o risco de sarcopenia e fatores associado em pacientes atendidos no Ambulatório de Geriatria do hospital universitário da Universidade federal do Maranhão. CASUÍSTICA E MÉTODOS:  Trata-se de um estudo transversal, descritivo e quantitativo, realizada com pacientes do ambulatório de Geriatria do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão  em São Luís, MA, entre março e maio de 2023. Foram avaliadas características sociodemográficas, antropométricas, presença de comorbidades e uso de medicamentos, focando na polifarmácia. A sarcopenia foi rastreada usando o questionário SARC-CALF. RESULTADOS: Entre as mulheres, 32,6% estavam em risco de sarcopenia, comparado a 20,0% dos homens. A análise por faixa etária revelou que o grupo de 80-89 anos e 90-100 anos, tinham risco de 46,2% e 50,0%, respectivamente. Quanto à escolaridade, indivíduos analfabetos mostraram um risco de 41,2%. Os indivíduos sem cônjuge tiveram um risco de 32,4%. Em relação às comorbidades e polifarmácia, os pacientes com menos de três comorbidades apresentaram um risco de 33,3%. Os resultados relativos ao IMC indicaram que os pacientes eutróficos estavam em risco de sarcopenia em 57,1% dos casos. A análise da CP mostrou que 42,9% dos pacientes com CP eutrófica estavam em risco. Na regressão logística bivariada, eutrofia , baixo peso e depleção da massa muscular foram associados a um maior risco de desenvolvimento de sarcopenia. CONCLUSÃO: A adoção do SARC-CALF em avaliações regulares pode aprimorar significativamente o rastreio da sarcopenia, promovendo intervenções mais efetivas e melhorando a qualidade de vida dos idosos. Estratégias de rastreamento e diagnóstico adaptadas às realidades socioeconômicas e de saúde são fundamentais para um tratamento eficaz da sarcopenia em idosos. 

Palavras-Chave: Envelhecimento, Sarcopenia, Nutrição do Idoso, Saúde do Idoso.

ABSTRACT

Human aging is marked by various physical changes, one of the most notable being sarcopenia. This condition is characterized by the progressive loss of muscle mass and strength. Sociodemographic and health factors contribute to its progression, and furthermore, with the increase in life expectancy, sarcopenia becomes more prevalent, highlighting the importance of studies on the profile of patients affected by this condition. In this context, the present study aimed to track the risk of sarcopenia and associated factors in patients treated at the Geriatric Outpatient Clinic of HU-UFMA, applying the SARC-CALF screening method. This is a crosssectional, descriptive, and quantitative study, conducted with patients from the Geriatric Outpatient Clinic of the University Hospital of the Federal University of Maranhão (HUUFMA) in São Luís, MA, between March and May 2023. Sociodemographic characteristics, anthropometric, presence of comorbidities and medication use, focusing on polypharmacy, were evaluated. Sarcopenia was screened using the SARC-CALF questionnaire. Among women, 32.6% were at risk of sarcopenia, compared to 20.0% of men. Age group analysis revealed that the 80-89 years and 90-100 years groups had risks of 46.2% and 50.0%, respectively. Regarding education, illiterate individuals showed a risk of 41.2%. Individuals without a spouse had a risk of 32.4%. In terms of comorbidities and polypharmacy, patients with fewer than three comorbidities had a risk of 33.3%. The results related to BMI indicated that eutrophic patients were at risk of sarcopenia in 57.1% of cases. CP analysis showed that 42.9% of patients with eutrophic CP were at risk. In bivariate logistic regression, eutrophy, low weight and muscle mass depletion  were associated with a higher risk of developing sarcopenia. The adoption of SARC-CALF in regular assessments can significantly improve sarcopenia screening, promoting more effective interventions and improving the quality of life of the elderly. Screening and diagnostic strategies adapted to socioeconomic and health realities are crucial for effective treatment of sarcopenia in the elderly. This study, conducted at the geriatric outpatient clinic of HU-UFMA, provides valuable information on sarcopenia, emphasizing the importance of comprehensive care for this population.

Keywords: Aging, Sarcopenia, Elderly Nutrition, Elderly Health.

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento é acompanhado por uma série de transformações no corpo humano, muitas das quais impactam diretamente o sistema músculo-esquelético. 

Uma das manifestações mais significativas dessas mudanças é a sarcopenia, uma condição caracterizada pela diminuição progressiva da massa e força muscular (Cruz-Jentoft et al., 2019). Este fenômeno é frequentemente exacerbado por fatores como a redução da atividade neuronal central e periférica, substituição gradual do tecido muscular por tecido adiposo, e um declínio na qualidade da nutrição (Carpentier et al., 2010; Cruz-Jentoft et al., 2019). Além disso, estilos de vida sedentários e períodos prolongados de imobilidade contribuem para acelerar esse processo (Woo, 2017). 

A inflamação crônica, um marcador comum no envelhecimento, também desempenha papel crucial na progressão da sarcopenia (Carpentier et al., 2010). Esta síndrome não apenas diminui a capacidade funcional do indivíduo, mas também aumenta o risco de quedas e fraturas, afetando significativamente a qualidade de vida na terceira idade. A compreensão da sarcopenia é vital para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento, realçando a importância da pesquisa contínua neste campo (Shen et al., 2019).

A sarcopenia representa um desafio diagnóstico significativo devido à falta de um consenso global sobre critérios padrão. Vários métodos foram propostos para avaliar esta condição, refletindo uma combinação de parâmetros como massa muscular, força e funcionalidade (Petermann-Rocha et al., 2022). 

Entre as abordagens mais reconhecidas, estão as definições do European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP) e sua revisão subsequente, EWGSOP2, que incorporam avaliações de massa muscular através de técnicas como absorciometria de raios-X de dupla energia (DXA) e bioimpedância elétrica (BIA), além de testes de força de preensão e velocidade de marcha (Cruz-Jentoft & Sayer, 2019; Cruz-Jentoft et al., 2019). 

Igualmente notáveis são os critérios estabelecidos pelo Asian Working Group for Sarcopenia (AWGS) e International Working Group on Sarcopenia (IWGS), que adaptam esses parâmetros a contextos demográficos e clínicos específicos (Fielding et al., 2011; Chen et al., 2017). 

A Foundation for the National Institute of Health (FNIH) também contribuiu com diretrizes valiosas, enfatizando a importância de padrões específicos de massa muscular e força (Studenski et al., 2014). 

Apesar destes esforços, as discrepâncias entre os pontos de corte e os métodos de medição utilizados, refletem a necessidade contínua de harmonização e refinamento dos critérios diagnósticos para a sarcopenia, visando uma aplicação mais universal e eficaz na prática clínica (Petermann-Rocha et al., 2022).

Na busca contínua por métodos eficazes de triagem e diagnóstico da sarcopenia, as ferramentas Simple Questionnaire to Rapidly Diagnose Sarcopenia (SARC-F e SARC-CalF) proposto pelo EWGSOP2 emergem como soluções práticas diante da ausência de um consenso  para o diagnóstico desta condição. A SARC-F, um questionário conciso que avalia força, mobilidade e risco de quedas, destaca-se pela sua simplicidade e aplicabilidade rápida, possibilitando a identificação de indivíduos em risco de sarcopenia em diversos contextos clínicos e comunitários (Barbosa-Silva et al., 2016; Cruz-Jentoft et al., 2019).

Complementando essa abordagem, a SARC-CalF, que adiciona a medição da circunferência da panturrilha ao questionário, oferece uma dimensão complementar para avaliar a massa muscular, aumentando a sensibilidade do diagnóstico. A praticidade destas ferramentas é particularmente valiosa em cenários onde recursos avançados, como a absorciometria de raiosX de dupla energia (DXA), não estão disponíveis (Cruz-Jentoft et al., 2019; Ferreira et al., 2021).

Além disso, a capacidade de realizar triagens rápidas e eficazes com SARC-F e SARC-CalF permite intervenções oportunas, que são cruciais para mitigar os efeitos da sarcopenia em populações idosas. Essas ferramentas, embora não substituam avaliações mais detalhadas, oferecem um meio eficiente de triagem inicial, ressaltando sua importância no panorama atual de diagnóstico e manejo da sarcopenia (Barbosa-Silva et al., 2016; Cruz-Jentoft et al., 2019). Com a expectativa de vida aumentando, a incidência de sarcopenia está se tornando cada vez mais prevalente, ratificando a necessidade de investigações aprofundadas sobre o perfil dos pacientes afetados por esta condição (Petermann-Rocha et al., 2022). 4

Estudos anteriores têm demonstrado uma correlação entre a sarcopenia e vários fatores sociodemográficos e de saúde, como sexo, idade, estado civil, nível de educação e comorbidades associadas. Neste cenário, identifica-se uma lacuna na literatura quanto à compreensão do perfil sociodemográfico e de saúde dos pacientes com risco de sarcopenia, especialmente em contexto nacional, onde as dinâmicas populacionais e os padrões de saúde podem diferir substancialmente entre as regiões (Cristaldo et al., 2021; Pita et al., 2023). O Ambulatório de Geriatria do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA) oferece um campo de estudo único, dada a sua localização geográfica e a diversidade da população atendida. 

O presente estudo teve por objetivo rastrear o risco de sarcopenia e fatores associados em pacientes atendidos no ambulatório ora em tela. 

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa transversal, descritiva e quantitativa, realizada no ambulatório de geriatria do hospital universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), situado no município de São Luís, estado do Maranhão. A amostragem não probabilística consistiu de pessoas idosas atendidas no período de março a maio de 2023. O referido ambulatório, dispõe de quatro geriatras e seis médicas residentes, com áreas específicas de atuação, incluindo fragilidade, cognição, doenças osteomusculares e humor.

A coleta de dados baseou-se nas informações contidas nos prontuários dos pacientes a partir da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), uma ferramenta multidimensional e interdisciplinar, validada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. 

Foram analisadas variáveis sociodemográficas como sexo, idade, escolaridade e estado civil.

Os dados antropométricos incluíram o Índice de Massa Corporal (IMC) e a Circunferência da Panturrilha (CP). Avaliou-se, também, a presença de comorbidades que incluíam condições cardiovasculares, cerebrovasculares, pneumopatias, endócrino-metabólicas e osteomusculares, e estas foram agrupadas em <3 comorbidades e ≥3 comorbidades. O uso de medicamentos foi documentado através de autorrelato, focando na polifarmácia, definida como o uso concomitante de cinco ou mais medicamentos (Linjakumpu et al., 2002).

A sarcopenia foi rastreada utilizando o questionário SARC-F, validado no Brasil por BARBOSA-SILVA et al. (2016). A combinação deste questionário com a medida da CP (SARC-CALF) otimizou a acurácia no rastreamento da sarcopenia, sendo considerado indicativo da condição pontuações ≥11 (Malmstrom & Morley, 2013; Barbosa-Silva et al., 2016).

Os dados foram organizados utilizando o software Microsoft Excel, versão 2311, e analisados estatisticamente através do software IBM SPSS Statistics, versão 29.0.2.0. A descrição da amostra foi realizada através de frequências absoluta e relativa. Para avaliar a associação entre variáveis dependentes e independentes optou-se pelo uso do teste Qui-quadrado de Pearson e do teste Exato de Fisher, conforme apropriado para as características dos dados. A associação entre o risco de desenvolvimento de sarcopenia e diversas variáveis independentes foi analisada através de um modelo de regressão logística binária. Neste modelo, a relação entre o risco de sarcopenia e cada variável independente foi quantificada utilizando o Odds Ratio (OR), acompanhado do respectivo Intervalo de Confiança de 95% (IC 95%). Variáveis que demonstraram um valor de p<0,05 foram estatisticamente consideradas significativas e, portanto, associadas ao risco aumentado de sarcopenia.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Presidente Dutra, parecer 6204566, CAAE 70784523000005086.

RESULTADOS

No presente estudo, foi analisada a distribuição de 68 pacientes idosos atendidos no ambulatório de geriatria do HU-UFMA segundo características sociodemográficas, destacando aspectos importantes como distribuição por sexo, faixa etária, estado civil, nível de escolaridade e acompanhamento. Observou-se uma predominância do sexo feminino (63,2%), em comparação ao masculino (36,8%). A distribuição etária revelou uma maior concentração nas faixas de 7079 anos (35,3%) e 60-69 anos (33,8%), seguidas por indivíduos entre 80-89 anos (19,1%). Pacientes com idades entre 90-99 anos e aqueles com 100 anos ou mais representaram, respectivamente, 10,3% e 1,5% da amostra (Tabela 1).

Tabela 1 – Distribuição dos pacientes idosos atendidos e avaliados no ambulatório de geriatria do HUUFMA, segundo as variáveis sociodemográficas e de saúde. São Luís, MA, 2023. (n=68)

Em relação à escolaridade, observou-se um espectro variado onde 17 pacientes (25,0%) eram analfabetos, 18 (26,5%) possuíam até 4 anos de estudo, 13 (19,1%) tinham entre 4 a 8 anos de estudo e 20 (29,4%) mais de 8 anos de estudo. Quanto ao estado civil, a maioria dos pacientes não possuíam cônjuge (54,4%).

Observou-se a prevalência de diversas comorbidades. O maior número dos pacientes apresentou 3 ou mais comorbidades (77,9%), enquanto 22,1% apresentaram duas ou menos. Outro aspecto notável do estudo foi a alta incidência de polifarmácia. Esta foi observada em 55,9% dos pacientes.

Neste estudo, o Índice de Massa Corporal (IMC) dos pacientes revelou que 63,2% dos indivíduos apresentavam sobrepeso, enquanto 20,6% estavam em eutrofia. 

Quanto à Circunferência da Panturrilha (CP), 69,1% dos pacientes apresentaram valores indicativos de eutrofia, enquanto 30,9% mostraram sinais de depleção da massa muscular. A avaliação realizada com o SARC-CALF, indicou que 72,1% dos pacientes não apresentavam sinais de sarcopenia. 

Ao investigar a relação entre diversas variáveis sociodemográficas e de saúde com o risco de sarcopenia, conforme identificado pela triagem SARC-CALF, observou-se que 67,4% das mulheres não apresentavam risco de sarcopenia, enquanto 32,6% estavam em risco. Entre os homens, a proporção sem risco foi de 80,0%, e com risco, 20,0% (p=0,266) (Tabela 2).

Tabela 2 – Risco de sarcopenia de acordo com a triagem do SARC-CALF. São Luís, MA, 2023. (n=68).

A análise por faixa etária revelou um aumento progressivo do risco de sarcopenia com o avançar da idade. Entre os indivíduos de 60-69 anos, 26,1% estavam em risco. Na faixa de 70-79 anos,

12,5% . Notavelmente, para os grupos de 80-89 anos e 90-100 anos, as proporções foram de  46,2% e 50,0%, respectivamente (p=0,067).

Na categoria de escolaridade, os resultados mostraram uma distribuição variada no risco de sarcopenia. Entre os analfabetos, 41,2% estavam em risco. Pacientes com até 4 anos de escolaridade, 27,8%. Na faixa de 4 a 8 anos, 30,8%. Para aqueles com mais de 8 anos de escolaridade, 15%  (p=0,373).

Quanto ao estado civil, 32,4% dos indivíduos sem cônjuge estavam em risco. Entre os com cônjuge, 22,6%  (p=0,367).

No que diz respeito às comorbidades, 33,3% dos pacientes com menos de três comorbidades apresentavam risco de sarcopenia. Entre os com três ou mais comorbidades, 26,4% (p=0,745). Relativamente à polifarmácia, 34,2% dos pacientes estavam com risco de sarcopenia. Nos pacientes sem polifarmácia, 20,0% (p=0,195)

Os resultados relativos ao IMC mostraram que 57,1% dos pacientes eutróficos estavam em risco de sarcopenia. Entre os com baixo peso, 45,5%. Já os pacientes com sobrepeso, 14,0%  (p=0,002). A análise da CP indicou que 42,9% dos pacientes com CP eutrófica estavam em risco de sarcopenia. Entre aqueles com depleção da massa muscular, 14,9% estavam em risco (p=0,001)

As variáveis que associaram a maior chance de desenvolver sarcopenia foram eutrofia

(OR=8,222; IC 95%=2,099-32,211; p-valor=0,002), baixo peso (OR=5,139; IC 95%=1,18522,287; p-valor=0,029) e depleção da massa muscular (OR=7,619; IC 95%=2,342-24,789; pvalor=<0,001) (Tabela 3).

Tabela 3 – Análise bivariada do SARC-CALF. São Luís, MA, 2023

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo apontaram uma prevalência de sinais sugestivos de sarcopenia em 27,9% dos idosos avaliados pelo SARC-CALF. A comparação com estudos anteriores, como Cristaldo et al. (2021), que relatou uma prevalência de 31,1%, e Pita et al. (2023), com 49,7% (53,3% por meio do SARC-F), ressalta a variabilidade na prevalência desta condição, dependendo do contexto populacional e do método de avaliação utilizado.

A variação entre 27,9% e 49,7% na prevalência pode ser atribuída a diferenças na composição da população estudada, critérios de inclusão, ou mesmo aos métodos empregados na avaliação da sarcopenia. O estudo de Cristaldo et al. (2021) e Pita et al. (2023), que focou em indivíduos hospitalizados, pode ter encontrado uma maior prevalência  devido ao estado de saúde, geralmente, mais comprometido, o que frequentemente está associado a um risco aumentado de sarcopenia.

É importante destacar que as diferenças metodológicas, especialmente no uso de ferramentas de triagem como o SARC-CALF, podem influenciar significativamente os resultados. O SARC-CALF, embora útil para triagem rápida, pode ter variações na sensibilidade e especificidade, dependendo de como a medida da circunferência da panturrilha é implementada e interpretada (De Azevedo Araújo et al., 2023). Essas variações na prevalência de sarcopenia sublinham a necessidade de abordagens padronizadas e robustas para a sua avaliação e diagnóstico. Além disso, ressaltam a importância de considerar as características específicas da população estudada ao interpretar e comparar resultados de diferentes estudos.

A sarcopenia é um fenômeno multifatorial, envolvendo alterações nas células musculares, desequilíbrios metabólicos, processos inflamatórios e mudanças hormonais, todos contribuindo para a perda progressiva de massa e função muscular nos idosos (Nishikawa et al., 2021). Além disso, os fatores sociais, econômicos e de saúde também desempenham um papel importante na incidência e no manejo da sarcopenia, especialmente em populações idosas. Esses fatores influenciam não apenas o risco de desenvolver sarcopenia, mas também, as oportunidades e os recursos disponíveis para a prevenção e o tratamento.

A prevalência de sarcopenia em idosos tem demonstrado uma notável variação entre os gêneros, com estudos recentes indicando maior número de casos em mulheres (28,2% a 58%) do que em homens (33,3% a 40,6%) (Cristaldo et al., 2021; Pita et al., 2023). De acordo com Pita et al. (2023), as mulheres exibiram um risco significativamente elevado para o desenvolvimento de sarcopenia em comparação aos homens, evidenciado por uma razão de chances destacada (OR=2,02; IC95%=1,19-3,44; p=0,009).

Estas diferenças podem ser atribuídas às mudanças hormonais distintas que ocorrem com o envelhecimento. Nos homens, a redução nos níveis de testosterona e fator de crescimento semelhante à insulina-1 contribui para a perda muscular, enquanto nas mulheres, o declínio acentuado nos níveis de estrogênio durante a menopausa exerce um impacto mais significativo, além disso, a diminuição de andrógenos de ação anabólica nas mulheres pode explicar a maior prevalência do risco de sarcopenia (Shigehara et al., 2022; Lu & Titan, 2023). Estes achados sublinham a importância de considerar as diferenças fisiológicas e hormonais entre gêneros ao abordar o diagnóstico e tratamento da sarcopenia em populações idosas.

A relação entre a idade avançada e o aumento do risco de sarcopenia é um aspecto fundamental na compreensão desta condição. Estudos recentes, incluindo aqueles conduzidos por Parra et al. (2019) e Pita et al. (2023), têm demonstrado uma correlação direta entre a prevalência de sarcopenia e o aumento da faixa etária. Enquanto Parra et al. (2019) observaram que a prevalência varia de 13% a 24% em indivíduos entre 65 e 70 anos, aumentando para mais de 50% em idosos acima de 80 anos, Pita et al. (2023) apresentaram uma análise ainda mais detalhada, revelando que a sarcopenia afeta 36,6% dos indivíduos entre 60 e 69 anos, 44,9% daqueles entre 70 e 79 anos, e excede 70% em idosos acima dos 80 anos, com uma associação expressivamente alta de sarcopenia em indivíduos com 80 anos ou mais, com uma razão de chances significativa (OR=5,94; IC95%=2,80-12,59; p= 0,000). A sarcopenia é uma condição fortemente relacionada ao processo de envelhecimento, à medida que as pessoas envelhecem, especialmente após os 60 anos, o risco de desenvolver sarcopenia aumenta significativamente. Esta tendência pode ser atribuída a uma combinação de fatores, incluindo a diminuição natural da função muscular, mudanças na composição corporal, redução na atividade física, e alterações metabólicas e hormonais como citadas anteriormente.

No que tange à escolaridade e estado civil, neste estudo a maioria dos casos com risco de sarcopenia apresentavam baixa escolaridade e viviam sem cônjuge. Há uma associação significativa entre baixos níveis de escolaridade e um aumento no risco de sarcopenia relatadas na literatura, evidenciado por uma razão de chances elevada (OR=3,74; IC95%=1,30-10,746; p= 0,014) (Pita et al., 2023). 

Do mesmo modo, diversos fatores incluindo renda limitada, nível educacional reduzido e solidão, têm sido vinculados à escassez de acesso a alimentos nutritivos. Essa situação pode levar a um aumento significativo no risco de subnutrição ou à própria condição de desnutrição, ambos fatores que intensificam consideravelmente a probabilidade de desenvolvimento de sarcopenia (Domini et al., 2013; Bezerra et al., 2020). 

Essa constatação sugere que fatores educacionais e socioeconômicos podem ter um papel substancial no desenvolvimento da sarcopenia. A falta de escolaridade, frequentemente um marcador de desvantagens socioeconômicas, pode limitar o acesso a informações de saúde, nutrição adequada e estilos de vida saudáveis, essenciais na manutenção da massa muscular em idosos.

Em relação ao estado nutricional, o presente estudo demonstrou associação a maior chance de desenvolver sarcopenia em indivíduos eutróficos, baixo peso e com depleção da massa muscular. Corroborando com os achados de Pita et al. (2023), que evidenciou a associação do risco de sarcopenia com baixo peso (OR=20,77; IC95%=8,36-51,58; p = 0,000) e eutrofia (OR=4,80; IC95%=32,19-10,53; p=0,000), de acordo com a classificação do IMC. Isso reforça a compreensão de que tanto a desnutrição quanto o risco de desnutrição, resultantes da inadequada ingestão de energia e proteínas, podem ter impactos negativos na composição corporal (Donini et al., 2013). 

Ainda, a falta de um suporte nutricional apropriado pode desencadear respostas imunológicas e aumentar a produção de citocinas inflamatórias, exacerbando os estados catabólicos crônicos que contribuem para a diminuição da massa muscular (Costa et al., 2023). Esses processos explicam a estreita relação entre o estado nutricional inadequado e o desenvolvimento de sarcopenia, ressaltando a importância de uma nutrição adequada na prevenção e no manejo dessa condição.

Ademais, indivíduos que possuem comorbidades devem ter atenção para o risco de sarcopenia. Uma revisão sistemática com meta-análise, revelou uma alta prevalência de sarcopenia em pacientes com doenças crônicas como doenças cardiovasculares, demência, diabetes mellitus e distúrbios respiratórios (Pacifico et al., 2020). Dessa forma, é importante implementar estratégias eficientes para o rastreamento e diagnóstico precoce da sarcopenia em populações com essas comorbidades.

A presente investigação, embora valiosa, encontra-se limitada pela sua natureza transversal, que restringe a capacidade de estabelecer relações causais. Não obstante, espera-se que os resultados obtidos possam ser úteis para enriquecer a prática clínica de geriatras e outros profissionais de saúde. 

É reconhecido na literatura que técnicas como a ressonância magnética, a absorciometria de raios-X de dupla energia e a bioimpedância elétrica são mais precisas na avaliação da massa muscular esquelética. No entanto, a implementação desses métodos em pesquisas pode ser desafiadora devido aos custos elevados e dificuldades práticas. Esses fatores devem ser considerados ao interpretar os resultados, ressaltando a necessidade de abordagens mais abrangentes em pesquisas futuras para uma avaliação mais precisa da sarcopenia.

CONCLUSÃO

Aproximadamente, um terço dos pacientes avaliados neste estudo apresentaram indícios de sarcopenia. Indivíduos do sexo feminino, maior de 80 anos, baixa escolaridade, sem cônjuge, com comorbidades, polifarmácia e baixo peso apresentaram maior prevalência de sarcopenia segundo a triagem pelo SARC-CALF e, portanto, devem receber atenção durante o atendimento geriátrico. Adicionalmente, pessoas eutróficas ou com baixo peso e redução de massa muscular merecem atenção redobrada pela maior probabilidade de desenvolver sarcopenia.

A ferramenta SARC-CALF, utilizada para avaliar o risco de sarcopenia, demonstrou ser um recurso valioso no diagnóstico precoce desta condição em idosos. Sua simplicidade e eficácia permitem identificar indivíduos em risco, mesmo em contextos onde métodos mais sofisticados não são viáveis. Contudo, é importante ressaltar que o SARC-CALF deve ser usado como parte de uma abordagem mais ampla, incluindo avaliações clínicas e considerações sobre a saúde geral do paciente. A inclusão desta ferramenta no rastreamento regular pode melhorar significativamente o manejo da sarcopenia, contribuindo para intervenções mais efetivas e uma melhor qualidade de vida para a população idosa.

Estratégias adaptadas de rastreamento e diagnóstico, considerando aspectos socioeconômicos e de saúde, são cruciais para o manejo eficaz da sarcopenia em idosos. O entendimento da sarcopenia está intimamente ligado a uma abordagem integral no cuidado a população geriátrica.

REFERÊNCIAS

BARBOSA-SILVA, Thiago Gonzalez et al. Enhancing SARC-F: improving sarcopenia screening in the clinical practice. Journal of the American Medical Directors Association, v. 17, n. 12, p. 1136-1141, 2016.

BEZERRA, Raíra Kirlly Cavalcante; LEMOS, Priscilla Ferreira; DE CARVALHO, Francisca Patrícia Barreto. Associação entre deficiências nutricionais e sarcopenia em idosos: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, v. 9, n. 11, p. e3099119638e3099119638, 2020.

PARRA, B. F. C. S. et al. SARCPRO: Proposta de protocolo para sarcopenia em pacientes internados. BRASPEN J, v. 34, n. 1, p. 58-63, 2019.

SHIGEHARA, Kazuyoshi et al. Relationship between testosterone and sarcopenia in olderadult men: a narrative review. Journal of Clinical Medicine, v. 11, n. 20, p. 6202, 2022.

CARPENTIER, Yvon et al. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care:

Editorial introductions. Current opinion in clinical nutrition and metabolic care, v. 13, n. 1, p. viii-x, 2010.

CHEN, Liang-Kung et al. Sarcopenia in Asia: consensus report of the Asian Working Group for Sarcopenia. Journal of the American Medical Directors Association, v. 15, n. 2, p. 95101, 2014.

COSTA, Talita Yoshimura da et al. Nutrition impact symptoms, sarcopenia, and malnutrition in hospitalized patients. ABCS health sci, p. e023206-e023206, 2023.

DONINI, Lorenzo M. et al. Malnutrition in elderly: social and economic determinants. The journal of nutrition, health & aging, v. 17, p. 9-15, 2013.

CRISTALDO, Mara Rubia Areco et al. Screening the risk of sarcopenia in adults aged 50 years or older hospitalized. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 24, 2021.

CRUZ-JENTOFT, Alfonso J. et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age and ageing, v. 48, n. 1, p. 16-31, 2019.

CRUZ-JENTOFT, Alfonso J.; SAYER, Avan A. Sarcopenia. The Lancet, v. 393, n. 10191, p. 2636-2646, 2019.

DE ASSIS COSTA, Elisa Franco; MONEGO, Estelamaris Tronco. Avaliação Geriátrica Ampla (AGA. Revista da Universidade Federal de Goiás (UFG), v. 5, n. 2, p. 11–15, 2003. 

FERREIRA, Aline de Bastos et al. Association between sarcopenia and hospitalization in community-dwelling older adults, using the SARC-F and SARC-CalF methods: a systematic review protocol. Physical Therapy Reviews, v. 26, n. 5, p. 391-397, 2021.

FIELDING, Roger A. et al. Sarcopenia: an undiagnosed condition in older adults. Current consensus definition: prevalence, etiology, and consequences. International working group on sarcopenia. Journal of the American Medical Directors Association, v. 12, n. 4, p. 249256, 2011.

LINJAKUMPU, Tarja et al. Use of medications and polypharmacy are increasing among the elderly. Journal of clinical epidemiology, v. 55, n. 8, p. 809-817, 2002.

LU, Lingyun; TIAN, Li. Postmenopausal osteoporosis coexisting with sarcopenia: the role and mechanisms of estrogen. Journal of Endocrinology, v. 259, n. 1, 2023.

NISHIKAWA, Hiroki et al. Pathophysiology and mechanisms of primary sarcopenia. International journal of molecular medicine, v. 48, n. 2, p. 1-8, 2021.

DE AZEVEDO ARAÚJO, Amanda et al. Risco de sarcopenia em idosos com diabetes mellitus tipo 2: avaliação do SARC-F e SARC-CalF como ferramentas para rastreamento. Geriatr Gerontol Aging, p. 17:e0000030 2023.

PETERMANN‐ROCHA, Fanny et al. Global prevalence of sarcopenia and severe sarcopenia: a systematic review and meta‐analysis. Journal of cachexia, sarcopenia and muscle, v. 13, n. 1, p. 86-99, 2022.

PITA, Dhaiane Alves Araujo et al. Triagem de sarcopenia em idosos hospitalizados pelos métodos SARC-F e SARC-CALF e fatores associados. Research, Society and Development, v. 12, n. 8, p. e3812842714-e3812842714, 2023.

SHEN, Yanjiao et al. Prevalence and associated factors of sarcopenia in nursing home residents: a systematic review and meta-analysis. Journal of the American Medical Directors Association, v. 20, n. 1, p. 5-13, 2019.

STUDENSKI, Stephanie A. et al. The FNIH sarcopenia project: rationale, study description, conference recommendations, and final estimates. Journals of Gerontology Series A: Biomedical Sciences and Medical Sciences, v. 69, n. 5, p. 547-558, 2014.

WOO, Jean. Sarcopenia. Clinics in geriatric medicine, v. 33, n. 3, p. 305-314, 2017.


1Médica residente do Programa de Geriatria do Hospital Universitário do Maranhão

2Professora assistente da Universidade Federal do Maranhão. Médica preceptora do Programa de Geriatria do Hospital Universitário do Maranhão

3Professora associada da Universidade Federal do Maranhão

4Professor orientador. Professor adjunto da Universidade Federal do Maranhão. Médico preceptor do Programa de Geriatria do Hospital Universitário do Maranhão