REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408201556
Willian Queiroz da Silva1
Hana Lis Paiva de Souza1
RESUMO
Objetivos: Este estudo tem como objetivo examinar os padrões de mortalidade decorrentes de sequelas de acidentes de transporte no Brasil ao longo da última década, focando nas distribuições etárias, de gênero e raciais, além de analisar os locais onde as mortes ocorreram e as causas básicas das sequelas. Métodos: Foi realizada uma análise retrospectiva de 1.381 casos válidos de óbitos devido a sequelas de acidentes de transporte, utilizando dados epidemiológicos nacionais. As variáveis analisadas incluíram idade, gênero, raça, tipo de acidente de transporte, local de ocorrência e causas básicas das sequelas. Foram conduzidas análises estatísticas descritivas e inferenciais para identificar padrões significativos. Resultados: A maioria das vítimas era composta por adultos entre 20 e 59 anos (70,1%), seguidos por idosos com 60 anos ou mais (24,8%) e jovens de 0 a 19 anos (5,1%), com média de idade de 46,92 anos (±18,725). Observou-se uma predominância masculina (81,2%) em comparação com as mulheres (18,8%) (χ²=16,106, p<0,001). Racialmente, a maior incidência foi entre pessoas brancas (54,2%), seguidas por pardas (34,9%) e pretas (7,5%) (χ²=54,351, p<0,001). A maioria das mortes ocorreu em hospitais (56,4%), sendo as sequelas majoritariamente relacionadas a acidentes envolvendo veículos a motor (73,6%) (χ²=6,959, p=0,031). Entre as causas básicas, destacaram-se as sequelas de acidentes de veículos a motor (45,6%) e outras causas inespecíficas e mal definidas de mortalidade (6,7%). Conclusões: Os achados enfatizam a necessidade de políticas públicas voltadas à prevenção de acidentes de transporte, melhorias no atendimento emergencial e na precisão da documentação das causas de morte. São recomendadas intervenções específicas para grupos mais vulneráveis, como os idosos. O estudo reforça a importância de estratégias que visem reduzir a mortalidade associada a sequelas de acidentes de transporte e aprimorar a assistência pré-hospitalar.
Palavras-chave: Mortalidade por Acidentes de Transporte, Epidemiologia, Políticas de Prevenção
INTRODUÇÃO
A mortalidade por sequelas de acidentes de transporte representa um grave problema de saúde pública no Brasil (JAMES et al., 2020). As sequelas resultantes desses acidentes frequentemente levam a complicações graves que podem culminar em óbitos, mesmo após o atendimento inicial. Esse cenário gera um impacto significativo no setor de saúde, sobrecarregando os serviços de urgência e emergência, além de demandar recursos intensivos de atenção especializada, assistência social e reabilitação (CAVALCANTE; MORITA; HADDAD, 2009)
De acordo com o Relatório Mundial sobre a Situação de Segurança Viária da Organização Mundial de Saúde (OMS) houve 1,19 milhão de mortes no ano de 2023. No Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde de 2021, o Brasil apresentou 33.813 óbitos registrados por acidentes no trânsito, tendo um aumento de 1.097 óbitos em comparação com os dados de 2020.
Os acidentes de transporte terrestre são influenciados por uma variedade de fatores de risco que contribuem significativamente para sua ocorrência e gravidade. Entre esses fatores, destacam-se o excesso de velocidade, o uso de álcool e drogas pelos motoristas. Além disso, a falta de uso do cinto de segurança e do capacete é um fator crítico que agrava as consequências dos acidentes. A distração do motorista, frequentemente causada pelo uso de telefone celular enquanto dirige, também é uma preocupação crescente, pois desvia a atenção do condutor das condições da via e do tráfego (BRASIL, 2023).
Muitos acidentes não têm o óbito como consequência, mas implicam em sequelas que produzem efeitos ao longo da vida das pessoas, como incapacidades (CHANDRAN, HYDER, PEEK-ASA). Dessa forma, a prevenção das mortes e lesões causadas por acidentes de transporte terrestre é um desafio que exige uma abordagem abrangente e multissetorial em diversos níveis. É necessário investir na melhoria da infraestrutura viária, além de implementar leis e políticas rigorosas de segurança no trânsito (OMS, 2011).
Este estudo tem como objetivo analisar a mortalidade por sequelas de acidentes de transporte no Brasil ao longo dos anos de 2012 a 2022, identificando padrões epidemiológicos e causas base da mortalidade. A análise abrange dados nacionais, proporcionando uma visão abrangente da situação e oferecendo subsídios para a formulação de políticas públicas mais eficientes e direcionadas.
METODOLOGIA
O estudo adotou uma abordagem transversal, descritiva e retrospectiva, utilizando dados secundários fornecidos pelo Ministério da Saúde. As informações foram obtidas através dos microdados dos sistemas de informação do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Os dados abrangem o período de 1º de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2021, compreendendo uma série histórica de dez anos e totalizando 1381 casos registrados.
A pesquisa incluiu todos os casos de mortes por sequelas de acidentes de transporte no Brasil durante os dez anos. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças 10ª revisão (CID-10), foram consideradas as nomenclatura Y85 para sequelas de acidente de transporte, Y85.0 para sequelas de um acidente de veículo a motor e Y 85.9 para sequelas de outros acidentes de transporte e dos não especificados.
As variáveis analisadas foram: faixa etária, gênero, raça/cor, estado civil, ocupação profissional, evolução anual da mortalidade, estado mais atingidos, causas básicas das sequelas de acidente, número de óbitos.
Para a análise dos dados coletados, foi utilizada estatística descritiva, com variáveis categóricas apresentadas em frequências e percentuais e as contínuas em médias e desvio padrão. As comparações entre variáveis categóricas e contínuas foram realizadas através do teste do Qui-quadrado e do teste T de Student, respectivamente, utilizando o software SPSS versão 26. A significância estatística foi estabelecida em p < 0,05.
Quanto aos aspectos éticos, o estudo não precisou ser encaminhado para aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa, por se tratar de uma análise fundamentada em um banco de dados secundários e de domínio público.
RESULTADOS
Os resultados da análise nacional sobre mortalidade por sequelas de acidentes de transporte na última década revelaram diversos padrões epidemiológicos significativos. A amostra, composta por 1381 casos válidos, apresentou uma distribuição etária majoritariamente composta por adultos entre 20 e 59 anos (70,1%), seguidos por idosos com 60 anos ou mais (24,8%) e jovens de 0 a 19 anos (5,1%). A média de idade foi de 46,92 anos (±18,725). Gráfico 1.
Gráfico 1 – Distribuição Etária dos Casos de Mortalidade por Sequelas de Acidentes de Transporte (Última Década)
Em termos de gênero, a predominância masculina foi clara, com 81,2% dos casos, em contraste com 18,8% do sexo feminino (χ²=16,106, p<0,001). A distribuição racial mostrou uma maior incidência entre pessoas brancas (54,2%), seguidas por pardas (34,9%) e pretas (7,5%). As demais categorias raciais apresentaram frequências muito baixas, como indígenas (0,5%) e amarelas (0,3%) (χ²=54,351, p<0,001). Tabela 1.
Tabela 1 – Distribuição de Gênero e Raça dos Casos de Mortalidade por Sequelas de Acidentes de Transporte (Última Década)
*Qui-quadrado de Pearson
A análise das sequelas apontou que 73,6% dos casos estavam relacionados a sequelas de acidentes de veículos a motor, enquanto 26,4% envolviam outros tipos de acidentes de transporte ou não especificados (χ²=6,959, p=0,031). Gráfico 2.
Gráfico 2 – Distribuição dos Tipos de Acidentes de Transporte com Sequelas (Última Década)
Os locais de ocorrência das mortes foram predominantemente em hospitais (56,4%), seguidos por domicílios (29,9%) e vias públicas (5,8%) (χ²=298,402, p<0,001).
A análise das causas básicas de sequelas mostrou que 45,6% das mortes foram diretamente atribuídas a sequelas de acidentes de veículos a motor, enquanto 16,9% eram relacionadas a outros acidentes de transporte. Além disso, notou-se uma incidência significativa de causas inespecíficas e mal definidas de mortalidade (6,7%) e morte sem assistência (2,2%), evidenciando possíveis lacunas na documentação e no atendimento pré-hospitalar.
Tabela 2 – Distribuição de Locais de Ocorrência e Causas Base de Sequelas por Faixa Etária (Última Década)
*Qui-quadrado de Pearson
Os estados com maior número de mortes incluíram Paraná (18,2%), São Paulo (11,4%) e Rio Grande do Sul (10,1%), enquanto estados como Acre, Amapá e Roraima registraram os menores números.
A análise dos anos de ocorrência destacou que a maior parte das mortes ocorreu entre 2016 e 2022, com uma distribuição relativamente homogênea ao longo desses anos, sendo o ano de 2022 o mais representativo com 10,3% dos casos.
Gráfico 3 – Distribuição dos Casos Por Ano com Linha de Tendência (Última Década)
DISCUSSÃO
A análise dos resultados sobre a mortalidade por sequelas de acidentes de transporte no Brasil entre 2012 e 2022 revelou padrões epidemiológicos que requerem uma discussão aprofundada e complexa.
A distribuição etária revelou que a faixa predominante de mortalidade por sequelas de acidentes de transporte compreendeu adultos entre 20 e 59 anos (70,1%), seguidos por idosos com 60 anos ou mais (24,8%) e jovens de 0 a 19 anos (5,1%). A média de idade foi de 46,92 anos (±18,725), destacando que a maior parte das vítimas está na idade produtiva. Este padrão é corroborado por estudos como o de Singh et al. (2019), que identificaram que adultos jovens e de meia-idade são os mais vulneráveis a acidentes de trânsito devido à maior exposição ao risco no trânsito, o que inclui o uso frequente de veículos para trabalho e atividades cotidianas.
A análise desses resultados, em comparação com dados de países como os Estados Unidos e da Europa, indica um padrão global semelhante, onde a maior parte das vítimas fatais de acidentes de trânsito está na faixa etária produtiva. A literatura sugere que a maior mobilidade e exposição ao trânsito nesta faixa etária são fatores contribuintes significativos.
A predominância masculina nos casos de mortalidade, com 81,2% dos casos, reflete um padrão observado globalmente. Estudos como o de Murray et al. (2014) demonstram que homens são mais frequentemente vítimas de acidentes de trânsito devido a comportamentos de risco mais frequentes, como a direção em alta velocidade e a condução sob influência de álcool. A diferença significativa entre os gêneros (χ²=16,106, p<0,001) enfatiza a necessidade de estratégias de prevenção específicas para homens. Essas estratégias devem considerar fatores comportamentais e culturais que contribuem para a maior exposição ao risco entre os homens. Comparando com estudos internacionais, como o de Noland (2013), observa-se que a prevalência masculina em acidentes fatais de trânsito é um fenômeno universal, reforçando a necessidade de políticas públicas voltadas para esse grupo demográfico.
A análise racial mostrou uma maior incidência de mortalidade entre pessoas brancas (54,2%), seguidas por pardas (34,9%) e pretas (7,5%). A baixa representatividade de outras categorias raciais, como indígenas (0,5%) e amarelas (0,3%), pode refletir a distribuição demográfica do país, mas também aponta para desigualdades no acesso a serviços de saúde e segurança. Estudos, como o de Santos e Oliveira (2016), indicam que fatores socioeconômicos influenciam a exposição e a vulnerabilidade a acidentes de trânsito, com populações de baixa renda sendo mais afetadas. Estes dados sugerem que as políticas de segurança no trânsito devem ser integradas a políticas sociais mais amplas para abordar as desigualdades socioeconômicas e raciais que influenciam a mortalidade por acidentes de trânsito.
A análise dos tipos de acidentes revelou que 73,6% das mortes foram relacionadas a sequelas de acidentes de veículos a motor, enquanto 26,4% envolviam outros tipos de acidentes de transporte. Este padrão é consistente com a literatura, que identifica os veículos a motor como a principal causa de lesões e mortes no trânsito. Estudos como o de WHO (2018) e de Peden et al. (2004) confirmam que os acidentes de veículos a motor são responsáveis pela maioria das mortes por traumas no trânsito globalmente, devido à alta exposição e ao risco inerente associado ao uso desses veículos.
A distribuição dos locais de ocorrência das mortes, predominantemente em hospitais (56,4%), seguida por domicílios (29,9%) e vias públicas (5,8%), sugere que muitos dos feridos sobrevivem ao acidente inicial, mas sucumbem às complicações subsequentes. Este padrão foi também observado no estudo de Gawryszewski et al. (2017), que destacou a importância do atendimento emergencial na sobrevivência pós-acidente. Gawryszewski et al. (2017) observaram que a qualidade do atendimento emergencial pode fazer a diferença entre a vida e a morte, ressaltando a necessidade de sistemas de saúde bem equipados e capacitados para lidar com traumas severos.
Além disso, estudos de Clark e Cushing (2015) enfatizam que a qualidade do atendimento emergencial e a prontidão dos serviços de saúde são determinantes cruciais para a sobrevivência dos pacientes com traumas graves. Eles destacam que a prontidão no atendimento pré-hospitalar, incluindo a estabilização inicial do paciente e o transporte rápido para centros de trauma, é essencial para melhorar os desfechos dos pacientes. Em países onde esses sistemas são bem desenvolvidos, como nos Estados Unidos e em algumas nações europeias, a taxa de sobrevivência a traumas graves é significativamente maior.
A análise das causas básicas das sequelas revelou que 45,6% das mortes foram diretamente atribuídas a sequelas de acidentes de veículos a motor, enquanto 16,9% estavam relacionadas a outros acidentes de transporte. A presença significativa de causas inespecíficas e mal definidas de mortalidade (6,7%) e morte sem assistência (2,2%) destaca possíveis lacunas na documentação e no atendimento pré-hospitalar. Estudos como o de Souza e Lima (2015) apontam que a inadequada documentação e a deficiência no atendimento de emergência são fatores críticos que comprometem a precisão dos dados de mortalidade. Eles observam que a falta de treinamento adequado e recursos insuficientes nos serviços de emergência contribuem para uma alta taxa de mortalidade evitável.
A comparação com outros países revela que estas lacunas são mais pronunciadas em regiões com menores recursos e infraestrutura. Estudos realizados na África Subsaariana, como o de Odero et al. (2016), mostram que a falta de infraestrutura adequada, recursos médicos limitados e a ausência de sistemas de resposta rápida são barreiras significativas para melhorar a sobrevivência após traumas. Em tais contextos, a mortalidade por acidentes de trânsito é exacerbada pela falta de serviços médicos eficientes e pela insuficiência de políticas públicas eficazes de prevenção de acidentes e tratamento de emergências.
Além disso, é importante considerar as diferenças regionais dentro do próprio Brasil. Estados mais desenvolvidos como São Paulo e Rio Grande do Sul possuem melhores infraestruturas de saúde e sistemas de emergência mais robustos, o que pode contribuir para melhores desfechos pós-acidente. Em contraste, estados com menor desenvolvimento econômico e infraestrutura de saúde mais precária, como Acre e Roraima, enfrentam desafios adicionais que podem aumentar a mortalidade por sequelas de acidentes de trânsito.
Estudos futuros devem focar em intervenções específicas para melhorar a qualidade do atendimento emergencial e a documentação precisa das causas de morte. Melhorias no treinamento de profissionais de saúde, investimento em infraestrutura de emergência e implementação de sistemas integrados de resposta rápida são essenciais para reduzir a mortalidade por sequelas de acidentes de transporte. A continuidade e ampliação deste tipo de pesquisa são essenciais para a implementação de estratégias eficazes que possam salvar vidas e melhorar a saúde pública no Brasil.
CONCLUSÃO
Este estudo revelou importantes padrões epidemiológicos relacionados à mortalidade por sequelas de acidentes de transporte no Brasil ao longo da última década. A predominância de vítimas na faixa etária produtiva e a prevalência masculina destacam grupos de maior vulnerabilidade, enquanto a distribuição racial e as lacunas na documentação das causas de morte sugerem a necessidade de políticas públicas mais equitativas e direcionadas. A alta incidência de mortes em hospitais sublinha a importância do aprimoramento do atendimento emergencial e pré-hospitalar. Portanto, é imperativo o desenvolvimento de estratégias de prevenção e melhoria dos serviços de saúde para reduzir a mortalidade por sequelas de acidentes de transporte, com foco em intervenções específicas para os grupos mais afetados. Continuar a pesquisa nesta área é essencial para guiar a implementação de políticas públicas eficazes que possam salvar vidas e melhorar a qualidade da assistência médica no Brasil.
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1willianqsilva@hotmail.com
1Centro Universitário do Norte, UNINORTE