DIALOGÍA Y SENTIDO EN TEXTOS VERBALES VISUALES: LAS PRINCESAS DE DISNEY EN EL DIVÁN
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202408161513
Gabriele Valim Vargas1
Letícia Garcia Silva2
Nikolas Corrêa3
Karina Giacomelli4
Resumo
A presente pesquisa busca investigar por meio de textos verbo-visuais a respeito das princesas da Disney, essencialmente, das personagens Jasmine, Bela e Ariel, quais os efeitos de sentido gerados a partir dos quadrinhos ilustrados pela artista Maria Guadarrama, levando em consideração o ideal de relacionamento que são reafirmados nessas histórias infantis e que é problematizado no enunciado analisado (conjunto de cartoons). Para isso, serão utilizados os fundamentos do Círculo de Bakhtin e seus comentadores acerca do dialogismo, das questões de sentido em textos, privilegiando, neste artigo, os textos verbo-visuais, além das marcas enunciativas e, também, linguísticas presentes nos textos selecionados.
Palavras-chave: Textos Verbo-Visuais. Sentido. Princípios Bakhtinianos.
Resumen
La presente investigación busca indagar a través de textos verbales-visuales sobre las princesas Disney, esencialmente los personajes Jasmine, Bela y Ariel, cuáles son los efectos de significado generados a partir de las historietas ilustradas por la artista María Guadarrama, teniendo en cuenta el ideal de relación que se reafirman en estos cuentos infantiles y eso se problematiza en el enunciado analizado (conjunto de historietas). Para ello, se utilizarán los fundamentos del Círculo de Bajtín y sus comentaristas sobre el dialogismo, cuestiones de sentido en los textos, privilegiando, en este artículo, los textos verbales-visuales, además de las marcas enunciativas y lingüísticas presentes en los textos seleccionados.
Palabras clave: Textos Verbo-Visuales; Sentido; Principios de Bajtin.
1 INTRODUÇÃO
Há décadas, as princesas dos contos de fadas têm feito parte da vida de muitas crianças, estando, consequentemente, presente no imaginário infantil. Logo, essas personagens são, por muitas vezes, modelos sociais para as crianças, fornecendo uma visão sobre seu “eu”, isto é, como ser e se portar, bem como com relação à maneira de se relacionar com o outro. No entanto, vale destacar que, neste trabalho, o que será levado em conta para a análise, é, unicamente, o que se percebe explícito nos textos verbo-visuais que serão apresentados e descritos no decorrer desta investigação.
Os textos visuais/verbais mencionados, aqui, fazem parte de uma série de ilustrações criadas pela artista venezuelana Maria Guadarrama, mais conhecida como Guadascribbles, que, dentre outras criações, colocou em prática sua ideia de desenhar o Dr. Pink Giraffe (Dr. Girafa Rosa, em tradução livre), uma girafa psicóloga cor-de-rosa que aponta, de maneira irônica e objetiva, na maioria das vezes, a sua visão sobre os problemas enfrentados por outros personagens. Entre os diversos quadrinhos elaborados pela artista e postados em seus sites de redes sociais, tal como encontrados em seu livro chamado “La verdad tácita”5, nos deparamos, no Instagram de Maria (@guadascribbles), com uma sequência de imagens verbais a respeito de sessões de terapia entre o Dr. Girafa Rosa e algumas das princesas da Disney. Cabe salientar que esses textos foram postados no site da desenhista em dois idiomas: o primeiro, em maio de 2020, em espanhol e, por último, em inglês, em agosto do mesmo ano, tendo o primeiro post como título “La jirafa cuestiona a las princesas de Disney”6.
Pensando nisso, a presente pesquisa objetiva analisar os efeitos de sentido produzidos pelos quadrinhos de Maria Guadarrama, que apresentam enunciados questionadores a respeito dos relacionamentos amorosos das princesas, levando em consideração a necessidade de estarmos condicionados à esfera da comunicação discursiva, isto é, ao que está materializado no enunciado, o que o texto nos diz. Assim sendo, vale destacar que a linguagem verbo-visual será aqui considerada como um enunciado concreto articulado por um projeto discursivo do qual participam, com a mesma força e importância, o verbal e o visual (Brait, 2009, p. 143). Por essa razão, a fim de analisar esses textos, serão considerados alguns princípios teórico-metodológicos abordados pelo Círculo de Bakhtin e seus comentadores, considerando que eles contribuem para uma teoria que não se vale apenas dos estudos concernentes à linguagem verbal, mas, também, visual.
Logo, a escolha por esse objeto de estudo justifica-se pelo fato de considerarmos os quadrinhos, textos verbo-visuais, como interessantes ferramentas para análise, tendo em vista, principalmente, que, a partir deles, são problematizadas questões sociais, como, à título de exemplo, a romantização de determinados relacionamentos. Assim sendo, a pergunta norteadora desta pesquisa é: qual o efeito de sentido produzido pelas falas da girafa psicóloga ao questionar as princesas acerca de seus relacionamentos? Além disso, como a linguagem visual e verbal contribui para criar esses efeitos de sentido?
Nesse sentido, partindo das considerações gerais acerca desta pesquisa, em seguida, apresentamos, um resumo relacionado às histórias das princesas tratadas aqui. Na sessão seguinte, serão explanados, brevemente, alguns conceitos básicos e importantes da Análise Dialógica do Discurso (ADD), corrente brasileira de estudos do discurso a partir do Círculo de Bakhtin, visto que nos fundamentamos nessa teoria para a escrita deste trabalho. A seguir, explicamos os procedimentos metodológicos para que fosse realizada esta investigação, tendo em vista as noções propostas pelo Círculo, bem como por outros pesquisadores que estudam a respeito da análise de textos verbo-visuais e de outros pressupostos metodológicos que permitem analisar tais textos. Após, a análise, que procura destacar, com base nos quadrinhos elegidos, questões sobre o possível pensamento da Pink Giraffe a respeito dos relacionamentos de Bela, Jasmine e Ariel. Por fim, as considerações finais, tópico em que são apresentadas nossas conclusões com relação ao que foi desenvolvido e analisado no decorrer deste artigo.
1.1 Princesas da Disney: Entendendo a História
Os idealizadores na construção da “The Walt Disney Company”7 foram os irmãos Walter Elias Disney (1901–1966) e Roy Oliver (1893–1971). A empresa foi fundada em 1923, sendo pioneira no mercado de animação e, com o passar dos anos, ampliou ainda mais os seus negócios, expandido para o teatro, parques temáticos, música, rádio e mídia online.
Apesar das histórias das princesas nos acompanharem desde 1930, a franquia Princesas da Disney (Disney Princess), só foi criada pelo estúdio em meados da década de 90. Entre todas as princesas e personagens femininos de maior sucesso do Imaginário Disney estão: Bela, Jasmine e Ariel, as três princesas ilustradas nos quadrinhos selecionados, da artista Guadarrama, para esta investigação.
A começar pelas breves apresentações concernentes às histórias dessas três princesas, destacamos, inicialmente, uma princesa sereia, Ariel, de 16 anos, também conhecida como A Pequena Sereia, título do seu filme. A animação foi lançada em 1989, sendo o vigésimo oitavo filme de animação da Walt Disney Pictures8, baseada na história de Hans Christian Andersen, escrita há mais de 100 anos, aproximadamente.
Logo após, em 1991, foi lançado o filme A Bela e a Fera, tendo como protagonista Bela, de 17 anos, a 5ª princesa da Disney. Sua história foi inspirada no conto de fadas francês homônimo de Jeanne-Marie LePrince de Beaumont e Gabrielle-Suzanne Barbot. Por fim, surgiu o filme Aladdin, em 1992, onde encontramos a Princesa Jasmine de Agrabah, vagamente baseada em Princesa Badroulbadour, caracterizada na história de “Aladdin e sua Lâmpada Maravilhosa” de “Mil e Uma Noites”. Cabe destacar que Jasmine é um membro oficial da franquia “Disney Princesa“, além de ser a única com aparência árabe.
Realizada a descrição das personagens e de seus “contos de fadas”, no tópico 4, “Discussões e Análise dos Textos Verbo-Visuais: o Relacionamento Perfeito Existe?”, serão relevantes para a compreensão e construção de sentido a partir dos quadrinhos de Guadarrama. Para mais, no próximo tópico, serão explanados breves conceitos a respeito da Análise Diálogica do Discurso, os quais interessam a esta pesquisa.
2 ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO: BREVES CONCEITOS
Segundo Sobral e Giacomelli (2016, p. 1077), para a Análise Dialógica do Discurso (doravante ADD), o discurso é uma unidade de análise que tem uma materialidade, o texto, sendo ele falado ou escrito, que usa a língua. Vale ressaltar que discurso só pode ser entendido se soubermos, além do texto, quem usa a língua para se dirigir a quem, isto é, o contexto em que a interação ocorre, o local, interlocutores e suas relações sociais etc.
Com relação ao enunciado, diferente de frase, é a unidade de análise da ADD e são únicos e irrepetíveis, mesmo que criados a partir de outros enunciados, de outros já ditos. Cabe destacar, também, que os enunciados são usados como meio de interação e comunicação entre os indivíduos, sendo na interação que acontece a relação entre sujeitos, a interlocução.
Para a ADD, todo enunciado produzido dialoga com outros enunciados já ditos antes dele. Por isso, todo falar é dialógico, todo enunciado é repleto de variadas atitudes responsivas a outros enunciados proferidos em diferentes campos de circulação da linguagem. Assim, é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva e deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo (Bakhtin, 2016, p. 57).
Segundo Volóchinov (2017), é no fluxo da interação verbal que a palavra se transforma e ganha diferentes significados, conforme o contexto em que surge. E sua realização como signo ideológico está no próprio caráter dinâmico da realidade dialógica das interações sociais, sendo a palavra uma arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios. De acordo com o autor:
(…) as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. (Volóchinov, 2017, p. 41)
A palavra, tem um poder devastador e ao mesmo tempo transformador nas interações sociais. É na enunciação que a palavras encontra a palavra do outro. Toda palavra sempre provém do outro e a ele sempre se dirige. Desse modo, toda enunciação é sempre uma resposta e uma antecipação ao outro que a constitui. Toda enunciação é sempre uma resposta a algo uma vez que ela é um elo na cadeia dos atos de fala. (Bakhtin, 2010, p. 272). Toda palavra, de uma forma ou de outra, reverbera as que a precederam, polemizando-as, antecipando-as, contando com as reações da compreensão.
Com isso, chegamos na noção basilar da ADD: as relações dialógicas, um fenômeno muito mais amplo do que as relações entre as réplicas do diálogo expresso composicionalmente, pois, dizem respeito a “um fenômeno quase universal, que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana, em suma, tudo o que tem sentido e importância” (Bakhtin, 1997, p. LVI).
As relações dialógicas são também as relações de sentidos, as quais são estabelecidas pelos enunciados no processo de comunicação realizado por falantes. Segundo Bakhtin (2016, p. 92), “As relações dialógicas são relações (de sentido) entre toda espécie de enunciados na comunicação discursiva. Dois enunciados, quaisquer que sejam, se confrontados no plano do sentido, acabam em relação dialógica”. Logo, se são e se dão pelas relações de sentidos, não há maneira de atribuir relações dialógicas no plano da linguagem meramente linguístico, isto é, na
[…] linguagem, enquanto objeto da linguística, não há nem pode haver quaisquer relações dialógicas: estas são impossíveis entre os elementos no sistema da língua (por exemplo, entre as palavras no dicionário, entre os morfemas, etc.) ou entre os elementos do “texto” num enfoque rigorosamente lingüístico deste. Elas tampouco podem existir entre as unidades de um nível nem entre as unidades de diversos níveis. Não podem existir, evidentemente, entre as unidades sintáticas, por exemplo, entre as orações vistas de uma perspectiva rigorosamente lingüística. Não pode haver relações dialógicas tampouco entre os textos, vistos também sob uma perspectiva rigorosamente lingüística. Qualquer confronto puramente lingüístico ou grupamento de quaisquer textos abstrai forçosamente todas as relações dialógicas entre eles enquanto enunciados integrais (Bakhtin, 1997, p. CCXI).
Sendo, então, as relações dialógicas extralinguísticas, sabe-se que só é possível identificá-las em elementos sígnicos, sejam eles verbais ou, até mesmo, visuais. Ainda, essas relações são irredutíveis no que tange às relações lógicas ou concreto-semânticas. Devem materializar-se na linguagem, tornar-se discursos, enunciados, “converter-se em posições de diferentes sujeitos expressas na linguagem para que entre eles possam surgir relações dialógicas” (Bakhtin, 1997, p. CCXII). Então, conforme Sobral e Giacomelli (2018), falar, enunciar, é, portanto, um processo que estabelece uma ligação entre o sistema linguístico e o sistema concreto das relações sociais, que chegam à nossa consciência por meio de enunciados e discursos. Os sentidos contidos no enunciado só são compreensíveis quando consideramos a negociação permanente entre os indivíduos em sociedade, por meio de suas ações, sejam essas verbais ou outras. […] Além disso, os sentidos também nascem da atitude da pessoa a quem se fala e da relação que existe entre ela e quem fala, resultando, muitas vezes, sentidos que não correspondem exatamente à intenção do emissor nem às ideias sugeridas pelo receptor, mas sentidos criados e compartilhadas na e pela própria interação.
A partir desses pressupostos, chegamos ao sentido, sendo a interação a própria base, raiz e fundamento do sentido, porque é nela que acontece a relação entre sujeitos, e é da interlocução que vem o sentido (Sobral; Giacomelli, 2016, p. 1082). Sobre o sentido, entendemos, com base em Santos (2014, p. 84) que na leitura a produção de sentidos está relacionada aos conceitos de dialogismo, alteridade e responsividade. Tanto o dialogismo quanto a alteridade se manifestam na produção do texto escrito: ao produzir um texto, o autor considera o papel social do outro; a voz do outro ressoa no que foi escrito e na forma como esse texto é recebido, uma vez que o leitor/ouvinte participa ativamente da comunicação discursiva. Portanto, o caráter dialógico e responsivo de um enunciado impacta o processo de criação de sentidos, visto que o autor faz uso de palavras alheias e antecedentes às suas, além de antecipar as respostas do leitor. Assim, […] o leitor resgata os sentidos anteriormente construídos, estabelece diversas relações com eles e formula respostas que já poderiam ser esperadas.
Outra importante reflexão que é tratada pela ADD, refere-se aos gêneros do discurso, os tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados em cada campo de utilização da língua (Bakhtin, 2016, p. 12). Para o filósofo russo, mesmo que o sujeito não perceba, ou os reconheçam, esses gêneros estão presentes nas diferentes esferas de comunicação, sendo determinados, inclusive, sócio-historicamente. Assim, só nos comunicamos por intermédio de gêneros do discurso. Logo, todo e qualquer evento de fala é discursivo e se manifesta a partir de algum gênero, mobilizando textos para isso, bem como “todo evento de fala ocorre no âmbito de uma prática discursiva, e toda prática discursiva é uma prática social, mesmo quando o sujeito fala ou pensa sozinho” (Sobral; Giacomelli, 2016, p. 49).
Nessa perspectiva, compreendemos que o outro (ouvinte/leitor) possui um importante papel na construção de sentidos, pois, o locutor, no processo de criação de seu texto, leva em conta seu interlocutor, é influenciado pelo contexto de produção, momento histórico, lugar etc. Tendo em vista essa dinâmica, novos sentidos são constituídos, já que, em meio a essa compreensão responsiva ativa, envolve, desse modo, a participação de ambos os sujeitos na reconstrução de sentidos, seja com os futuros leitores ou com o próprio autor.
3 CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA A ANÁLISE
A pesquisa se deu, num primeiro momento, pela definição do corpus do trabalho, ou seja, os quadrinhos a serem trabalhados na presente análise. Foram encontrados nove quadrinhos de diferentes princesas; no entanto, a fim de realizar o recorte do corpus, optamos por analisar somente três, sendo eles sobre as princesas Jasmine, Bela e Ariel, posto que, ao observarmos os enunciados proferidos pela girafa analista, percebemos que eles apontavam para uma mesma temática.
Visto isso, com base em Grillo, entendemos que, em uma perspectiva bakhtiniana, a análise de enunciados verbo-visuais deve se pautar:
por um lado, no seu caráter real e objetivo e na sua capacidade, enquanto manifestação humana, de determinar o seu modelo de análise, e, por outro, nas questões e categorias teóricas previamente definidas pelo pesquisador. É no diálogo, por um lado, do pesquisador e sua teoria com, por outro, seu objeto falante que está o fundamento epistemológico da teoria de Bakhtin e seu Círculo (Grillo, 2012, p. 237).
Desse modo, é possível compreender que, durante a análise, é preciso que haja um diálogo entre o pesquisador, sua teoria e seu objeto; entretanto, também é relevante mencionar que isso deve ser feito sem deixar que questões pessoais e externas comprometam a análise, posto que o objeto, apesar de não nos ser apresentado com sentidos acabados, ainda assim, possui um tema a ser evidenciado; é necessário, desse modo, analisar em detrimento de interpretar.
Nos dois planos semióticos, verbal e visual, efeitos de sentidos são gerados. Nessa perspectiva, compreendemos que, tanto a linguagem verbal quanto a visual são acionadas de forma a provocar a interpenetração e consequente atuação conjunta. Isso nos leva a inferir que podemos analisar o texto a partir dos conjuntos de signos que nele são evidenciados, isto é, no seu sentido amplo (Bakhtin, 2010).
Para mais, além dos pressupostos metodológicos concernentes à análise de textos verbo-visuais, também é considerada, neste trabalho, a possibilidade de recorrer aos parâmetros metodológicos “descrição-análise-interpretação”, considerando o que é proposto por Sobral e Giacomelli (2016, p. 1093). Para os autores, esses procedimentos metodológicos são fundamentais para dar conta do objeto em análise, ao colocar em ordem o trabalho do analista. Dessa forma, eles impedem que ele projete suas próprias ideias no texto, possibilitando uma leitura do texto concreto que realmente se apresenta. Ao realizar a descrição, o analista investiga a materialidade do seu objeto, que é composto por uma parte linguística e outra parte enunciativa integradas; neste procedimento, ele realmente vê seu objeto. Na fase de análise, ele se aprofunda no entendimento das relações entre esses dois componentes (língua e enunciação) no enunciado, considerando a intencionalidade do locutor em relação aos seu(s) interlocutor(es). Finalmente, ao interpretar, ele reúne todas essas informações – a materialidade da língua e os aspectos do ato de enunciação em suas relações dentro de um contexto específico que abrange tempo, espaço e interlocutores – e, a partir disso, busca elucidar os sentidos gerados.
Com base nisso, infere-se que esses parâmetros metodológicos permitirão descrever os textos verbo-visuais selecionados para esta pesquisa, observando como referem e valoram o ideal de relacionamento considerado pelas princesas da Disney.
4 DISCUSSÕES E ANÁLISE DOS TEXTOS VERBO-VISUAIS: O RELACIONAMENTO PERFEITO EXISTE?
Brait (2013, p. 53), afirma que, na maioria dos casos, “o visual e o verbal nascem ao mesmo tempo e constroem os sentidos, os efeitos de sentido juntos, desde o berço”. À vista disso, considera-se, dessa forma, que o verbal e o visual são indissociáveis, ou seja, ao analisar um texto composto dessas duas linguagens, é necessário observar e se ater não somente às imagens, mas ao que essas ilustrações tendem a passar ao interlocutor em conjunto com a linguagem verbal. Dito isso, a análise a ser realizada aqui será feita a partir dessa determinação, de que as imagens, no plano textual, não atuam como meras coadjuvantes, mas como elementos essenciais na articulação do sentido
Pensando nisso, sabe-se que há alguns anos, as histórias das princesas vêm dividindo opiniões sobre se deveriam ser contadas às crianças ou não, já que questionam o fato de que, pelo menos nos contos mais antigos, os heróis da trama eram sempre os príncipes, sendo as donzelas, submissas a eles, já que seus finais felizes dependiam, igualmente, deles. Em razão disso, pensamos ser cabível analisar os três quadrinhos de Maria Guadarrama que, de certa maneira, questionam, por intermédio da ironia, esse problema observado nessas histórias infantis.
Apesar das imagens primárias terem sido publicadas no site de rede social de Maria Guadarrama em dois idiomas, espanhol e inglês, como foi ressaltado pela própria artista em uma de suas postagens, esses quadrinhos têm rodado o mundo, sendo traduzidos por fontes desconhecidas para diversas línguas e compartilhadas incessantemente na internet. Por essa razão, ao encontrarmos esses textos traduzidos para a língua portuguesa, optamos por trazê-los, pois, mesmo que traduzidos por fontes desconhecidas, ainda assim, temos conhecimento da autora original, o que já basta para a presente análise. Para tanto, os textos, num primeiro momento, serão apenas descritos de maneira individual e, a seguir, analisados de forma conjunta, já que o enunciado a ser analisado aqui são exatamente o grupo de cartuns e a relação entre eles percebida.
Figura 1: Princesa Bela9
Fonte: https://www.facebook.com/290328724427132/posts/princesas-da-disney-em-terapia-psicoterapia-terapia-saudemental-disney-disneypri/3002267719899872/. Acesso em: 20 set. 2023.
Na figura 1, assim como as outras a seguir, nos deparamos com uma girafa cor-de-rosa, desempenhando o papel de terapeuta, e, sentada à frente dela, está uma princesa, nesse caso, a Bela, desempenhando o papel de paciente. No quadrinho, também temos acesso a uma linguagem verbal, a qual é proferida pelo analista, que afirma à princesa o fato dela ter sido sequestrada pela Fera, seu parceiro na história “A Bela e a Fera”, ainda que ele a tenha presenteado com inúmeros livros.
Figura 2: Princesa Jasmine
Fonte:https://www.facebook.com/290328724427132/posts/princesas-da-disney-em-terapia-psicoterapia-terapia-saudemental-disney-disneypri/3002267719899872/. Acesso em: 20 set. 2022.
Nesta ilustração (figura 2), a girafa psicóloga, diferente da figura 1, já não afirma algo, pelo contrário, questiona a princesa Jasmine. Esse questionamento se trata também do seu parceiro Aladdin, com quem a princesa optou por casar-se, mesmo após ter sido enganada diversas vezes por ele.
Figura 3: Princesa Ariel
Fonte: https://www.facebook.com/290328724427132/posts/princesas-da-disney-em-terapia-psicoterapia-terapia-saudemental-disney-disneypri/3002267719899872/. Acesso em: 20 set. 2022.
Já o texto 3, trata-se da princesa Ariel, a quem a girafa também questiona. Levando em consideração o conto da “Pequena Sereia”, sabe-se que o que é questionado pela Girafa Rosa é o fato de que essa princesa escolheu mudar-se por inteiro, abandonando sua família, bem como deixando de ser sereia, com a intenção de viver ao lado do seu príncipe humano.
Dessa maneira, tendo em vista o que é discorrido por Grillo (2012, p. 240), de que a “primeira tarefa na compreensão de uma obra é entrar nos limites da compreensão do autor (Bakhtin, 2003[1970-71]) e, em um segundo momento, utilizar do distanciamento para introduzir, descobrir novos sentidos”, além de atribuir novos sentidos para o enunciado analisado, antes, serão considerados, a partir dos próprios textos, o que a autora intencionou com suas escolhas. Visto isso, partindo das descrições introdutórias realizadas acima, algo que pode ser observado e, inclusive, que chama a atenção numa primeira leitura, é a personagem psicóloga, ou seja, a escolha por uma girafa e, ainda, na cor rosa, já que esses animais são conhecidos, normalmente, por serem amarelados com manchas marrons. O que nos faz refletir sobre o motivo de a autora ter preferido ilustrar uma girafa como terapeuta e, além disso, sobre qual seria a razão dela ser cor-de-rosa.
Nesse contexto, é importante dar início às observações, pensando nas características de uma girafa comum. Sendo ela o animal terrestre vivo mais alto do mundo, isso pressupõe de que ela possui uma visão mais ampla, visão “de cima”, assim como é necessário ser o olhar de um terapeuta, pois é preciso que em suas sessões de terapia, ele tenha um olhar mais amplo sobre seu paciente. Portanto, essa pode ser uma das razões pelas quais a autora optou por esse animal ser representativo de um terapeuta. Já o porquê da cor rosa pode ser explicado ao explorar conjuntamente a linguagem visual associada com a verbal, como sugerido por Brait (2012, p. 2), pois, o rosa, geralmente, simboliza um estado de doçura, o que difere da Pink Giraffe, uma vez que, ao lermos as suas considerações a respeito do que as princesas aceitam ou não em prol dos seus relacionamentos, ela acaba sendo objetiva e sarcástica, o que distingue-se da cor selecionada para ela, algo que pode ter sido decidido pela autora como forma de aplicar um certo nível de ironia aos seus textos e ao personagem.
Ainda referente à questão visual, vale destacar as expressões das princesas ao receberem as críticas da Girafa Rosa. Todas elas demonstram um estado de surpresa, como se não tivessem pensado naquelas questões antes de serem ditas pela personagem psicóloga. Ademais, também se torna relevante enfatizar o fato das princesas quase não terem boca, sendo que entendemos isso como o fato de as princesas aceitam tudo, incluindo o julgamento, não possuindo voz ativa, pensando aqui em seus relacionamentos.
Além disso, tendo em mente o fato de que “a enunciação deixa nos enunciados marcas que são tanto materiais (marcas linguísticas) como da ordem do sentido (marcas enunciativas)” (Sobral; Giacomelli, 2018, p. 310), também analisamos o estilo linguístico e semiótico apresentados nesses quadrinhos. Diante disso, ao observar os textos em conjunto, como um enunciado, constatamos que, a partir de algumas marcas linguísticas, como as que apresentam um ideal de amor por parte das princesas: presente (Bela), casou (Jasmine), mudou (Ariel), tal como referindo-se àquelas que representam um contraposto disso, como por exemplo, os termos sequestrou (Bela) e mentiu (Jasmine), é possível depreender o projeto enunciativo da autora: despertar as mulheres para que não normalizem algumas situações em nome do amor.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas teorias empregadas e nos textos que compuseram o corpus deste artigo, podemos concluir que, mesmo ao apresentarem mais de uma linguagem, a verbal, bem como a visual, os textos são tomados como unidades de sentido. Portanto, depreendemos que os elementos visuais não devem ser vistos, na análise, de forma individualizada, mas, em detrimento disso, como inerente aos elementos verbais, visto que eles, em conjunto, auxiliam para uma melhor compreensão de sentidos do enunciado.
Nessa perspectiva, levando em consideração a análise realizada, observou-se que os diferentes recursos discursivos utilizados pela autora evidenciam o seu projeto enunciativo. Dessarte, o discurso visual: cores escolhidas pela artista para os personagens, expressões, bem como posições representadas por meio das figuras, e o discurso verbal: a narrativa sarcástica da girafa terapeuta e as marcas linguísticas apresentadas, – as primeiras positivas (presente, casou e mudou) e as demais, de confronto à forma como essas histórias são contadas dessas princesas, sendo negativas (sequestrou e mentiu) contribuem para o entendimento desses sentidos criados por intermédio da narrativa da Pink Giraffe.
Dessa maneira, apoiado no que foi discutido neste estudo, constatamos que os textos verbo-visuais aqui apresentados demonstram o fato de que as princesas acabaram normalizando situações por conta do seu ideal romântico. Logo, a autora buscou criticar esses acontecimentos e esses finais felizes apresentados nos contos de fadas, gerando, no seu interlocutor, essencialmente, nas mulheres e, mesmo que de maneira humorística, um nível de reflexão acerca dessa problemática social.
5Livro publicado em 2020, em língua espanhola, pela autora Maria Guadarrama. A obra é composta por quadrinhos e muitas ilustrações.
6A girafa questiona as princesas da Disney (Tradução nossa).
7Companhia Walt Disney ou Imaginário Disney – como é popularmente conhecida.
8A Walt Disney Pictures é um estúdio de cinema americano e uma subsidiária da Walt Disney Studios, de propriedade da The Walt Disney Company.
9As figuras 1, 2 e 3, cuja ilustradora é Maria Guadarrama, foram encontradas traduzidas no site de rede social Facebook “IAPSI – Instituto de Assistência e Promoção da Saúde Integral”. Disponíveis em:https://www.facebook.com/290328724427132/posts/princesas-da-disney-em-terapia-psicoterapia-terapia-saudemental-disney-disneypri/3002267719899872/. Acesso em: 20 set. 2022.
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1Mestre e Doutoranda em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialista em Linguística e Ensino de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5431-7420 E-mail: gabrielevargas7@gmail.com
2Mestranda e Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1119-1530 E-mail: prof.leticiagarc@gmail.com
3Mestrando e Licenciado em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Orcid: https://orcid.org/0009-0009-0545-9260 E-mail: nikolas_souza14@hotmail.com
4Doutora em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora Associada da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2883-8641 Email: karina.giacomelli@gmail.com