ANÁLISE DOS EFEITOS DO CLIMATÉRIO SOBRE A QUALIDADE DO SONO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA.

ANALYSIS OF THE EFFECTS OF THE WEATHER ON SLEEP QUALITY: AN INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202408121426


Maria Steffanie Vieira1;
José Olivandro Duarte de Oliveira2.


Resumo

Introdução: O climatério pode ser definido como um processo fisiológico de transição entre o período reprodutivo e o período não reprodutivo da vida das mulheres, as mudanças desse período podem causar inúmeros sintomas inclusive distúrbios do sono. Objetivo: Verificar na literatura a influência do climatério sobre a qualidade do sono das mulheres. Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada a partir de um levantamento bibliográfico nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SciELO usando os descritores em ciência da saúde: “Climateric” e “Sleep Quality”. Foram selecionados artigos originais dos últimos 5 anos em inglês, português e espanhol. Resultados: A avaliação final resultou em 16 estudos (3 estudos do LILACS, 11 estudos da MEDLINE e 2 estudos da SciELO), dos quais 4 apresentavam-se repetidos, resultando em 12 estudos finais para elaboração da presente revisão. Foi visto que os sintomas causados pelo climatério (vasomotores, genitourinários, psicológicos e metabólicos) estão diretamente ligados a prejuízos na qualidade de sono das mulheres pós menopausa.

Palavras-chave : Climatério; Sono; Qualidade do Sono

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, seguindo o perfil mundial, passa por um processo de envelhecimento populacional. Em 2025, a OMS estima uma expectativa de vida média de 78 anos para os países em desenvolvimento. Todas essas mudanças refletem modificações nos padrões de busca pelos serviços de saúde que passam a ter maiores demandas voltadas a uma população mais madura, dentre elas as questões relacionadas ao climatério. (Lima et al., 2019).

O climatério pode ser definido como um processo fisiológico de transição entre o período reprodutivo e o período não reprodutivo da vida das mulheres, iniciando em média em torno da 4º década de vida podendo se estender até a 5º década. É durante essa fase que ocorre o esgotamento dos folículos ovarianos (são milhões na vida intraútero, centenas de milhares na menarca e vão reduzindo a cada novo ciclo menstrual) culminando na menopausa (ausência de menstruação durante 12 meses) e consequente redução na produção de estrogênio. (Silva et al., 2020).

O hipoestrogenismo característico desse processo pode causar um conjunto de sintomas desagradáveis as mulheres desde sintomas vasomotores (como os fogachos e sudorese), até alterações psicológicas (susceptibilidade ansiedade, alterações de humor e depressão), sintomas urogenitais (devido ao enfraquecimento do assoalho pélvico, redução da lubrificação do canal vaginal) e distúrbios do sono. (Zhou et al., 2021)

Os distúrbios de sono são mais presentes em mulheres, e ainda mais comuns em mulheres no período pós menopausa, em média 39-47% dos indivíduos, (Maxwell et al., 2021) além do prejuízo percebido na qualidade de vida existe o risco de início ou intensificação de outras doenças como ansiedade/depressão, além de sintomas vasomotores e sexuais, que podem impactar negativamente a autonomia e independência nos afazeres do cotidiano e a qualidade de vida das mulheres (Santos et al., 2021).

Tendo em vista o aumento do grupo populacional que está ingressando na fase do climatério e seus grandes impactos sobre a qualidade de vida geral, com destaque, para qualidade do sono (responsável pela regulação de inúmeros processos corporais), é essencial investigar os principais fatores presentes no climatério que influenciam o sono das mulheres.

2 METODOLOGIA 

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada no mês de julho de 2024, a partir de um levantamento bibliográfico de artigos científicos publicados nos periódicos indexados nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SciELO disponíveis no PUBMED e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e SciELO respectivamente. Foram utilizados como descritores em ciência da saúde (DECS): “Climateric” e “Sleep Quality”. O operador booleano AND foi usado para cruzamento entre os termos. 

Os critérios de inclusão foram: artigos completos gratuitos, publicados no período de 2019 a 2024, na língua portuguesa, inglesa ou espanhola. Foram excluídas teses, dissertações, cartas ao editor.

Após aplicação dos critérios de elegibilidade, foram encontrados 199 resultados, a análise foi feita, por meio dos títulos, resumos dos artigos e texto completo, excluindo-se 179 publicações por título e 3 por resumo. Aqueles selecionados foram, então, submetidos à leitura, sendo retirado 1 estudo após leitura completa (figura 1). A avaliação final resultou em 16 estudos (3 estudos do LILACS, 11 estudos da MEDLINE e 2 estudos da SciELO), dos quais 4 apresentavam-se repetidos, resultando em 12 estudos finais (tabela 1) para elaboração da presente revisão.

RESULTADOS E DISCUSÃO

(figura 1 – seleção de artigos)

TítuloAutor/anoObjetivoBase de dados
A relação entre a qualidade do sono e os sintomas da menopausa entre mulheres na pós-menopausa na Arábia SauditaABDELAZIZ; ELSHARKAWY; MOHAMED, 2022Avaliar a qualidade do sono e examinar sua relação com os sintomas da menopausa entre mulheres sauditas na pós-menopausa.MEDLINE
Distúrbios do sono e saúde mental em mulheres na menopausa em TeerãADIMI NAGHAN at al.,  2020Determinar a prevalência de AOS, insônia, complicações mentais e fatores relacionados entre mulheres na pós-menopausaMEDLINE
Qualidade do sono em mulheres na menopausa e seus fatores relacionadosAHMADY; NIKNAMI; KHALESI, 2022descobrir a qualidade do sono de mulheres na pós-menopausa e seus fatores relacionadosMEDLINE
Avaliação da frequência de queixas de sono e sintomas da menopausa em mulheres climatéricas usando a Escala de Sono de JenkinsCASTRO; BELTRÁN-BARRIOS; MERCADO-LARA, 2021Identificar a frequência de queixas de sono (CS) e sintomas climatéricos associados em mulheres climatéricas, aparentemente saudáveis, residentes em três diferentes capitais do Caribe colombiano.MEDLINE
Associação da gravidade dos sintomas vasomotores da menopausa com deficiências no sono e no trabalho: uma pesquisa nos EUA‌DEPREE et al, 2023Esta pesquisa online avaliou associações entre a gravidade dos sintomas vasomotores e a qualidade percebida do sono e a produtividade no trabalho.MEDLINE
Ondas de calor noturnas, mas não concentrações séricas de hormônios, como preditores de insônia em mulheres na menopausa: resultados do Midlife Women’s Health StudyHATCHER et al., 2023examinamos a relação entre fatores de risco conhecidos por influenciar o sono em participantes do Midlife Women’s Health Study (MWHS)MEDLINE
Qualidade do sono e fatores associados em mulheres na pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa na Coreia: descobertas do K-Stori 2016‌HWANG et al., 2021avaliar a qualidade do sono e os fatores associados a ela de acordo com o estado da menopausa em mulheres coreanasMEDLINE
Perda da qualidade do sono e fatores associados em mulheres na menopausaLIMA et al., 2019identificar a prevalência da perda da qualidade do sono e fatores associados entre mulheres na menopausaLILACS/SciELO
Qualidade percebida do sono durante a transição da menopausa: um estudo de coorte retrospectivoMAXWELL et al.,2023Comparar a qualidade do sono entre mulheres na pós-menopausa natural e cirúrgica e identificar fatores de estilo de vida que predizem a qualidade do sono em mulheres na pré, peri e pós-menopausa.MEDLINE
Qualidade do sono e sua associação com os sintomas de menopausa e climatérioSANTOS et al., 2021Avaliar a qualidade do sono em mulheres menopausadas e sua associação com os sintomas relacionados a esse períodoLILACS/SciELO
Estudo comparativo da qualidade do sono e insônia entre mulheres no climatério e com ciclo menstrual regularSILVA et al., 2020Avaliar a qualidade do sono e nível de insônia de mulheres no climatério e comparar com mulheres de ciclo menstrual regular.LILACS
Investigação da relação entre ondas de calor, sudorese e qualidade do sono em mulheres na perimenopausa e pós-menopausa: o efeito mediador da ansiedade e da depressãoZHOU et al., 2021investigar se ansiedade e depressão desempenham um papel mediador em ondas de calor, suor e qualidade do sonoMEDLINE
(tabela 1 – artigos selecionados)

O estudo de Ahmady, Niknami e Khalesi (2022) encontrou uma prevalência aproximada de 50% de mulheres na pós menopausa com algum distúrbio do sono, números confirmados por Hwang et al., (2021) que notou um risco 1,73 vezes maior de mulheres pós menopausa apresentarem distúrbios de sono em comparação com mulheres pré-menopausa. Esses estudos confirmam a grande prevalência de distúrbios do sono entre mulheres no climatério, acima do encontrado na população geral.

A maior parte das mudanças observadas no climatério são atribuídas ao declínio da produção de estrogênio que causa alterações cardiovasculares, cerebrais, cutâneas, geniturinárias, ósseas e vasomotoras, além de mudanças do humor e apetite, devido a alterações que modificam os eixos hipotálamo-hipófise-ovário e hipotálamo-adrenal. (Silva et al., 2020; Santos et al., 2021)

Os principais sintomas associados ao prejuízo no sono são os vasomotores, representados principalmente pelos fogachos noturnos (ondas de calor no rosto e na região torácica anterior, acompanhadas de sudorese), uma queixa comum (afetando 60-80% das mulheres, e 32-46% relatam que esses sintomas atrapalham o sono). (‌Depree et al., 2023)

Os fogachos ocorrem devido a resposta do sistema nervoso central à flutuação do estrogênio. A diminuição do nível de estrogênio desencadeia ondas de calor, que são mediadas pela ativação do sistema nervoso simpático central (variação dos níveis de noradrenalina e estrogênio). (Castro; Beltrán-Barrios; Mercado-Lara, 2021)

A má percepção do indivíduo sobre sua própria saúde, aumento do estresse, mau humor e ansiedade foram sintomas relatados por mulheres no período de climatério. Dentre os fatores associados a isso estão a redução da libido e da lubrificação genital causada pelo hipoestrogenismo e aumento de peso influenciado por uma redução do metabolismo basal tendo impactos diretos na autoestima e energia para atividades diárias. (Zhou et al., 2021). As alterações de humor têm uma relação bidirecional com os distúrbios do sono, podendo ser a causa do surgimento de patologias do sono ao mesmo tempo que são agravadas por elas (‌‌Hatcher et al., 2023).

O estudo de Adimi Naghan (2020) e seus colaboradores mostrou uma tendência de aumento dos casos de Apneia Obstrutiva do Sono entre mulheres após chegarem à menopausa (relacionada ao ganho de peso por redução do metabolismo basal e a redução dos níveis de estrogênio e progesterona durante a menopausa), chegando a estar 2,6 a 3,5 vezes mais propensas a desenvolver essa patologia responsável por redução da qualidade do sono e aumento do risco cardiovascular.

Outra morbidade associada a prejuízos no sono no período pós menopausa é a incontinência urinária causada principalmente por um enfraquecimento da musculatura do assoalho pélvico incitada pelo hipoestrogenismo – além de idade, paridade, sobrepeso- e tem influência sobre as fases do sono uma vez que a mulher se vê acordando várias vezes durante a noite com urgência miccional. (Lima et al., 2019; Abdelaziz; Elsharkawy; Mohamed, 2022).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população que está passando pelo período de climatério é maior que já foi em todas as épocas, é vital entender as nuances que norteiam esse processo para conduzir os cuidados de saúde desse público da maneira correta e garantir uma qualidade de vida.

Essa qualidade de vida perpassa por uma boa qualidade de sono, afetado diretamente pelas alterações provocadas pelo climatério relacionada às mudanças hormonais com sintomas vasomotores, genitourinários, metabólicos causando prejuízos reais ao sono como demonstrado nesse estudo. 

São necessários novos estudos na área para identificar todos os fatores que interferem na qualidade do sono de modo que se possam realizar medidas de intervenção eficazes na prevenção e tratamento desses quadros.

REFERÊNCIAS

  1. ABDELAZIZ, Enas M; ELSHARKAWY, Nadia B ; MOHAMED, Sayeda M. The relationship between sleep quality and menopausal symptoms among postmenopausal women in Saudi Arabia. Saudi medical journal, v. 43, n. 4, p. 401–407, 2022. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35414619/>. Acesso em: 23 jul. 2024.
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  4. CASTRO, Alvaro Monterrosa; BELTRÁN-BARRIOS, Teresa ; MERCADO-LARA, Maria. Assessment of the frequency of sleep complaints and menopausal symptoms in climacteric women using the Jenkins Sleep Scale. SLEEP SCI, v. 14, n. 2, p. 92–100, 2021. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34381572/>. Acesso em: 19 jul. 2024.
  5. ‌DEPREE, Barbara; AKI SHIOZAWA; KING, Deanna; et al. Association of menopausal vasomotor symptom severity with sleep and work impairments: a US survey. Menopause, v. 30, n. 9, p. 887–897, 2023. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37625086/>. Acesso em: 21 jul. 2024.
  6. ‌HATCHER, Katherine M; SMITH, Rebecca L; CHIANG, Catheryne; et al. Nocturnal Hot Flashes, but Not Serum Hormone Concentrations, as a Predictor of Insomnia in Menopausal Women: Results from the Midlife Women’s Health Study. Journal of women’s health, v. 32, n. 1, p. 94–101, 2023. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36450126/>. Acesso em: 23 jul. 2024.
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  10. SANTOS, M. A. dos; VILERÁ, A. N.; WYSOCKI, A. D.; PEREIRA, F. H.; OLIVEIRA, D. M. de; SANTOS, V. B. Sleep quality and its association with menopausal and climacteric symptoms. Rev. bras. enferm, p. e20201150–e20201150, 2021. Disponível em: <https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1288441>. Acesso em: 17 jul. 2024.
  11. SILVA, C.; OLIVEIRA,; MARTINS, S.; HENGRID, S.; YKEDA, D. S. Estudo comparativo da qualidade do sono e insônia entre mulheres no climatério e com ciclo menstrual regular. Rev. Pesqui. Fisioter, p. 163–171, 2020. Disponível em: <https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1223531>. Acesso em: 17 jul. 2024.
  12. ZHOU, Qian; WANG, Baisong; HUA, Qi; et al. Investigation of the relationship between hot flashes, sweating and sleep quality in perimenopausal and postmenopausal women: the mediating effect of anxiety and depression. BMC women’s health, v. 21, n. 1, 2021. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34372846/>. Acesso em: 21 jul. 2024.

1Residente em Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital Universitário Júlio Bandeira e-mail: mariasteffanievi@hotmail.com
2Mestrando em Saúde da Família pela FIOCRUZ-RJ/UEPB. Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital Universitário Júlio Bandeira (HUJB) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campus Cajazeiras. Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Campina Grande, Campus Campina Grande. Atualmente está Médico de Família e Comunidade em Unidade Básica de Saúde em Cajazeiras e Docente UFCG e UNIFSM. e-mail: olivandro_duarte@hotmail.com